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Manejo Da Doença De Hirschsprung: Terapias Propostas E Desafios Encontrados

RC: 79871
892
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/desafios-encontrados

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MARTINS, Anna Luiza de Albuquerque [1], CABRAL, Anna Julie Medeiros [2], VELOSO, Brenda Mendes [3], SOUSA, Cleonice Nogueira de [4], PEREIRA, Fernanda Cândido [5], LEMES, Fernanda Carriço [6], VASCONCELOS, Germana Queiroz Lima [7], AZEVEDO, Karine Dias [8], GOULART, Vitória Carvalhais [9], MOREIRA, Geterson Bezerra [10]

MARTINS, Anna Luiza de Albuquerque. Et al. Manejo Da Doença De Hirschsprung: Terapias Propostas E Desafios Encontrados. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 11, pp. 145-170 . Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/desafios-encontrados, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/desafios-encontrados

RESUMO

Objetivos: A doença de Hirschsprung (DH) consiste em um defeito do desenvolvimento embrionário do sistema nervoso entérico, que resulta em um segmento intestinal agangliônico e em consequente dismotilidade, cursando com disfunções evacuatórias, constipação e incontinência fecal, distensão abdominal, intolerância alimentar, desnutrição, entre outras complicações. Tais indivíduos podem conviver com esses problemas por toda a vida, gerando um impacto negativo em seus âmbitos psicossociais, sendo uma patologia de difícil manuseio. Diante disso, este estudo objetiva revisar e discutir dados da literatura acerca do manejo e das terapias disponíveis para DH, afim de contribuir para a evolução destes e para a redução da morbimortalidade. Métodos: A pesquisa­ foi realizada na base de dados PubMed. Para compor a fórmula de busca, foram utilizados os descritores “doença de hirschsprung”, “hirschsprung”, “megacolon congênito” e “megacolon aganglionico congenito” contidos no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), além dos operadores booleanos “OR” e “AND”. A busca resultou em 212 artigos. Foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão e realizada a leitura e seleção dos estudos. Por fim, foram selecionados 13 artigos para compor esta revisão. Resultados: Os estudos relataram redução significativa dos sintomas evacuatórios após 6 meses da cirurgia e ressecção completa dos segmentos aganglionares. O uso da toxina botulínica mostrou 66% de eficácia em melhorar os sintomas obstrutivos e duração do efeito por 6,4 meses. Para o tratamento de enterocolite aguda não foi eficaz, porém reduziu sua ocorrência. Quanto aos aspectos psicológicos da DH, constrangimentos (51,8%), depressão (18,5%) e dificuldade de interação social (33,3%) foram relatados, e a ocorrência de transtornos psíquicos foi mais frequente nessa população. Os cuidadores mostraram-se desassistidos quanto ao manejo das reais dificuldades e somente 20% deles estavam satisfeitos quanto às instruções atualmente disponíveis. Conclusões: Diante desses principais resultados encontrados, salienta-se a importância do acompanhamento multidisciplinar e contínuo dos pacientes com DH, com apoio psicológico e estratégias de enfrentamento psicossocial e familiar da doença, além da instrução de cuidadores quanto ao manejo das reais dificuldades, a fim de melhorar ao máximo a qualidade de vida do paciente e reduzir a morbimortalidade.

Palavras-Chave: Doença de hirschsprung, megacolon congênito, megacolon agangliônico congênito, tratamento, manejo.

INTRODUÇÃO

A doença de Hirschsprung (DH) consiste em um defeito do desenvolvimento embrionário do sistema nervoso entérico, determinado geneticamente, que ocorre durante a migração de células a partir da crista neural, resultando em um segmento intestinal agangliônico e em consequente dismotilidade. Trata-se da causa mais comum de obstrução intestinal funcional em crianças, com incidência de 1:5.000 nascidos vivos e mais prevalente no sexo masculino (ROMANELI et al., 2016).

A DH apresenta-se tipicamente em lactentes, cursando com distensão abdominal, atraso na eliminação de mecônio (> 24 horas), vômitos biliosos e intolerância alimentar (ROMANELI et al., 2016).  Em casos de diagnóstico tardio, a clínica consiste comumente em constipação crônica, distensão abdominal, vômitos e atraso do crescimento (NUNES, 2016). Ademais, o quadro de constipação está intimamente relacionado à redução da ingestão alimentar e, por isso, pode comprometer o estado nutricional do paciente (FIGUEREDO e PEREIRA, 2013). Tais sintomas, sobretudo a disfunção evacuatória, com constipação, incontinência e sujidade fecal, podem levar à constrangimentos, limitações e inseguranças, causando prejuízos no âmbito psicossocial. A dismotilidade leva à digestão inadequada dos alimentos, acarretando sintomas de intolerância alimentar, como distensão abdominal e vômitos, que culminam em desnutrição e consequente comprometimento do crescimento pôndero-estatural, entre outras complicações.

Para o diagnóstico desta patologia, o padrão-ouro é a biopsia retal, que revela ausência de células ganglionares nos plexos nervosos entéricos, além do acúmulo de acetilcolinesterase, detectado por métodos histoquímicos. Esse acúmulo da enzima deve-se à hipertrofia e hiperplasia dos nervos pré-ganglionares parassimpáticos extrínsecos, que liberam continuamente a acetilcolina, na tentativa de estimular a peristalse, a qual necessita ser clivada (NUNES, 2016).

A DH pode ser classificada de três formas a partir do limite anatômico entre o segmento agangliônico distal e o segmento ganglionar proximal. A primeira delas é a forma clássica, que incide em 7% – 88,8% dos casos, em que as células ganglionares estão ausentes até a topografia do sigmoide proximal. A segunda é a forma com segmento longo, cuja incidência varia entre 3,9% – 23,7%, em que a aganglionose se prolonga até a flexura esplênica ou o cólon transverso. Já a terceira é a forma com aganglionose colônica total (DHACT), de incidência equivalente a cerca de 12,6% dos pacientes, na qual há ausências de células ganglionares desde o ânus, por todo o cólon, podendo estender-se até 50 cm proximais à válvula ileocecal, sendo a forma de mais difícil diagnóstico e manejo. (ROMANELI et al., 2016).

A terapia cirúrgica é o tratamento de escolha para a DH e consiste na ressecção do segmento de cólon agangliônico e anastomose da porção gangliônica mais distal com o ânus. Esse procedimento tem a função de controlar danos, melhorar a qualidade de vida dos pacientes e minimizar os riscos e a morbimortalidade associados à obstrução intestinal. Apesar disso, podem ocorrer complicações pós-operatórias como estenose da anastomose, enterocolite, constipação e incontinência fecal, que podem piorar o prognóstico. (NUNES, 2016). Sendo assim, um número significativo de pacientes permanece com dificuldades na evacuação e com constipação. Tais indivíduos podem conviver com problemas que se estenderão até a vida adulta como incontinência fecal e urinária, sujidade e disfunção sexual, possivelmente gerando um impacto negativo em seus âmbitos psicológico e social, que podem cursar com diminuição da autoestima e dificuldades na socialização. (GILBERT, 2009).

Diante disso, este estudo objetiva revisar e discutir dados da literatura atual acerca do manejo e das terapias disponíveis para DH, afim de contribuir para a evolução destes e para redução da morbimortalidade e melhoria da qualidade de vida dos pacientes acometidos por essa doença.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão da literatura do tipo integrativa, de abordagem qualitativa e natureza aplicada, que objetiva realizar um levantamento de dados acerca das terapias atualmente indicadas para o manejo da doença de Hirschsprung, seus resultados e impacto na morbimortalidade, além dos desafios encontrados.

A busca dos artigos foi realizada através do acesso à base de dados PubMed. Para compor a fórmula de busca, foram utilizados os descritores “doença de hirschsprung”, “hirschsprung”, “megacolon congênito” e “megacolon aganglionico congenito” contidos no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e correspondentes à questão de pesquisa, além dos operadores booleanos “OR” e “AND”.

A pesquisa realizada encontrou um total de 212 artigos na plataforma PubMed. Por meio da leitura do título e do resumo, foram selecionados os trabalhos que discorriam acerca das terapias da DH e seus desafios, uma vez que condiziam à questão de pesquisa. Os critérios de inclusão empregados foram: artigos que correspondessem ao objetivo central da revisão, escritos em português, inglês e espanhol, realizados em humanos, indexados na base de dados nos últimos 10 anos e disponíveis para a leitura na íntegra. Os trabalhos excluídos foram aqueles que não atendiam à finalidade da revisão ou que não estavam disponíveis para a leitura completa.

Ressaltamos que este estudo não apresenta caráter prático, não sendo, portanto, necessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Para a explanação dos achados da pesquisa, os principais resultados encontrados em cada artigo incluído na revisão foram organizados em tabela. Nela, foram retratadas, ainda, outras informações importantes de cada um dos estudos, como o título, nome dos autores, ano de publicação e país, fornecendo, assim, de maneira esquematizada, uma visão geral dos resultados da revisão.

RESULTADOS

Tabela – Manejo da doença de Hirschsprung: Resultados das terapias propostas e desafios encontrados

Título Autores, ano de publicação e país Principais resultados
ARTIGO 01 Artigo sobre diretrizes relacionadas à terapia com células-tronco do sistema nervoso entérico para neuropatias entéricas BURNS, Alan J. et al., 2016, Inglaterra Crianças com DH que receberam terapia com células-tronco cursaram com melhora da motilidade intestinal e redução de distensão abdominal e ocorrência de vômitos biliosos. Além disso, apresentaram menos casos de enterocolite e melhores taxas de crescimento. Os autores destacam a necessidade de realizar testes para determinar o perfil microbiano nas fezes desse paciente como forma de melhor estimar os resultados dessa terapêutica.
ARTIGO 02 Pull-through endorretal assistido por laparoscopia para a doença de Hirschsprung. Um estudo retrospectivo. LI, Xiaogang et al., 2017, China O procedimento foi realizado em 22 crianças de idade média de 6,5 anos, sendo o sexo mais abordado o masculino (relação 17:5). Em nenhum dos procedimentos houve óbitos ou necessidade de conversão para cirurgia aberta. O tempo médio da operação foi de 160 minutos com perda média de sangue de 34 ml por paciente. Características clínicas como evacuação e liberação de flatos e o tempo de internação pós-operatória tiveram mediana de 22 horas e 08 dias, respectivamente. A frequência de defecação após 06 meses foi de 1 a 3 vezes ao dia, sem constipação, sujidade fecal ou estenose estomacal. Houve apenas um caso de enterocolite.
ARTIGO 03 Terapia celular para distúrbios da motilidade GI: comparação de fontes de células e etapas propostas para o tratamento da doença de Hirschsprung STAMP, 2017, Austrália Os progenitores do Sistema Nervoso Entérico (SNE) endógenos de origem autóloga, possuem capacidade limitada de expansão, porém têm bons índices de sobrevivência a longo prazo e de diferenciação neuronal e funcionalidade desses, sem formação de tumores. As células embrionárias, por sua vez, apesar de terem capacidade infinita de expansão, boa diferenciação neuronal e segurança, não exibem bons resultados de sobrevivência a longo prazo. As células tronco pluripotentes induzidas apresentam capacidade infinita de expansão e boa diferenciação neuronal, necessitando ainda de demonstração da segurança e demais parâmetros.
ARTIGO 04 Diretrizes para o diagnóstico e tratamento da enterocolite associada a Hirschsprung GOSAIN et al., 2017, EUA Sintomas obstrutivos persistentes e estase fecal são as principais causas de enterocolite associada à doença de Hirschprung (HAEC) recorrente. Caso haja uma etiologia anatômica para os sintomas obstrutivos, cirurgia para corrigir o defeito deve ser realizada. Se não houver fator anatômico, o não relaxamento do esfíncter anal interno pode ser a causa da estase, e foi demonstrado que a toxina botulínica do Clostridium no sulco interesfincteriano diminui as admissões hospitalares em crianças com sintomatologia recorrente.
ARTIGO 05 “Muito intestino e cérebros insuficientes”: mecanismos (epi)genéticos e futuras terapias para a Doença de Hirschsprung – uma revisão JAROY et al., 2019, Noruega O uso de células-tronco no tratamento da DH apresenta bons resultados em relação a migração, proliferação e diferenciação das células transplantadas. Relata-se também restauração da contratilidade do segmento aglanglionar, entretanto são necessários mais estudos sobre a segurança a longo prazo desse tratamento e protocolos reprodutíveis de transplante e avaliação funcional desses. A utilização de medicações para a DH ainda necessita da melhor compreensão do desenvolvimento do sistema nervoso entérico e das interações existentes entre intestino e células-tronco, para determinação dos objetivos da terapêutica. A manipulação genética apesar de ser uma abordagem promissora na correção de mutações causadoras da DH ainda possui limitações de uso por barreiras éticas, além de ser uma opção futurística.
ARTIGO 06 Injeções de toxina botulínica após cirurgia para doença de Hirschsprung: revisão sistemática e meta-análise ROORDA et al., 2019, Holanda O uso de toxina botulínica apresentou eficácia na melhoria de sintomas obstrutivos em 66% dos pacientes, não importando tipo de toxina, dose, idade ao primeiro uso ou existência de comorbidades. A média de aplicações necessárias foi de 2,6 doses e o tempo de melhora após a primeira aplicação foi de 6,4 meses. As reações adversas variaram de incontinência temporária a dor anal leve em 17% dos pacientes avaliados.
ARTIGO 07 Resultados funcionais em pacientes com doença de Hirschsprung após procedimentos transa­­bdominais de Soave e Duhamel WIDYASARI et al., 2018, Indonésia Foram abordados 53 pacientes, dos quais 25 (23 homens e 2 mulheres) submeteram-se ao método Soave, apresentando índice de 88% para evacuação espontânea. Para a técnica Duhamel foram abordadas 28 crianças, sendo 22 do sexo masculino e 06 do sexo feminino. Dos quais 93% apresentaram evacuação espontânea. A técnica Soave exibiu maiores índices de constipação pós-procedimento, mas os valores de sujidade fecal para os dois métodos foram similares.
ARTIGO 08 Cuidados de saúde transitórios para pacientes com doença de Hirschsprung e malformações anorretais WITVLIET et al., 2017, Holanda Dos 27 pacientes avaliados 17 apresentavam malformações anorretais e 10 Doença de Hirschsprung. Tinham idade média de 27,9 anos e qualidade de vida pior do que a população de mesma faixa etária. Desses 26% relataram incontinência fecal, 33,3% dor anal ou abdominal e, aproximadamente 63% tinham outros problemas defecatórios. Para reavaliação em 01 ano compareceram 13 dos entrevistados que indicaram permanência dos padrões de qualidade de vida, dor anal/abdominal e da função intestinal. Porém relataram melhora significativa dos pensamentos e sentimentos negativos em relação aos sintomas. Dos que não retornaram para a segunda avaliação, 8 relataram melhora dos sintomas.
ARTIGO 09 Enterocolite associada a Doença de Hirschsprung: prevenção e tratamento FRYKMAN; SHORT. 2012, EUA Faltam estudos para determinar o papel dos probióticos na prevenção de EADH e apesar de a antibioticoterapia ser o pilar da terapêutica desse agravo, o uso profilático não tem evidências positivas, além de potencialmente causar resistência bacteriana. Para tratamento, antibioticoterapia de amplo espectro e ressuscitação volêmica vigorosa é a recomendação geral, sendo os casos moderados e graves manejados com medidas adicionais apropriadas. Em EADH recorrentes de causa base anatômica não há consenso sobre a abordagem adequada. Já para os casos idiopáticos o uso de cromoglicato de sódio parece ser eficaz, assim como o uso de toxina botulínica e realização de miotomia/miectomia. Colostomia em crianças com EADH recorrente só deve ser escolhida em casos não responsivos a abordagem cirúrgica ou ao tratamento farmacológico.
ARTIGO 10 Tratamento cirúrgico de crianças com aganglionose colônica total: resultado funcional e metabólico em longo prazo URLA et al., 2018, Alemanha O estudo tinha n=11 com média de idade de 06 meses quando o procedimento foi realizado e todos realizaram colectomia total. Após tempo médio de acompanhamento de 78 meses todos as crianças eram continentes e tinham níveis séricos de vitamina B12 e ácido fólico adequados, mas apenas 05 pacientes apresentavam índices de altura e peso normais. Dez tinham hemoglobina normal, 07 apresentavam níveis reduzidos de transferrina. Os pais e pacientes indicaram boa satisfação com o desfecho dos procedimentos.
ARTIGO 11 Procedimento de pull-through endorretal transanal versus cirurgia transabdominal para doença de Hirschsprung: uma revisão sistemática e meta-análise YAN et al., 2019, China Analisaram-se 87 estudos, sendo abordados 332 pacientes com cirurgia transabdominal e 392 com Procedimento de pull- through endorretal transanal. Indica-se menor tempo de hospitalização pós-operatória, incidência de incontinência fecal reduzida, assim como constipação em pacientes submetidos ao pull-through endorretal transanal. Tempo cirúrgico e ocorrência de enterocolite não tiverem diferenças significativas entre as duas abordagens.
ARTIGO 12 Identificando as necessidades de informação para a doença de Hirschsprung por meio do envolvimento do cuidador nas mídias sociais: um estudo de priorização e revisão da literatura WITTMEIER et al., 2018, Canadá O estudo analisou a resposta de 89 cuidadores e 52 cirurgiões pediátricos. Apenas 20% dos pais declararam satisfação com recursos atualmente disponíveis, destacando a necessidade de maiores informações sobre cuidados intestinais, nutrição adequada e crescimento e dores abdominais; além de dados sobre manejo de infecções, irritações perianais, diagnóstico e complicações cirúrgicas. As necessidades prioritárias de informações de cuidadores e profissionais não são supridas pelas publicações disponíveis na literatura. São necessárias maiores informações sobre a DH para cirurgiões pediátricos e, sobretudo, para os cuidadores.
ARTIGO 13 O que pode auxiliar os pais quando os neonatos necessitam de cirurgia abdominal no primeiro ano de vida? Um estudo de entrevista qualitativa no Reino Unido HINTON et al., 2018, Reino Unido Cuidadores relataram constante sentimento de angústia e ansiedade após diagnóstico e durante o tratamento de suas crianças, apesar de afirmarem bom relacionamento com a equipe cuidadora. O que é justificado pela ocorrência de respostas conflitantes sobre o manejo da doença. Indicaram ainda que o apoio de outros cuidadores e pais foi algo significativo e importante, assim como participar dos cuidados intra-hospitalares. Retornar para casa com a criança trouxe sentimentos conflitantes, pois alegria de saber da melhora era contraposta pelo medo de não ter a rede de apoio hospitalar prontamente disponível. Esses aspectos foram minimizados pelo treinamento prévio dos cuidadores e devido ao acesso direto à equipe cuidadora da criança.

Fonte: Próprio Autor

Foram incluídos 13 artigos em nossa revisão. Dentre os estudos analisados, quatro (30,7%) discorreram sobre o tratamento cirúrgico da Doença de Hirschsprung (DH) e um (7,7%) sobre tratamento conservador com injeções de toxina botulínica. Enterocolite associada à doença de Hirschprung (EADH) foi abordada em dois estudos (15,4%). Terapias futurísticas, como o tratamento com células tronco do sistema nervoso entérico, medicamentos e manipulação genética foram discutidas em 23,1% dos artigos incluídos (n=3). Um (7,7%) estudo abordou o tratamento com apoio multidisciplinar de longo prazo, na transição de fases da vida. Os desafios vivenciados pelos cuidadores e a necessidade de informações e treinamento acerca do manejo dessas dificuldades foram explanados em dois estudos (15,4%).

Análise prospectiva de Li et al. (2017), incluída em nossa revisão, selecionou 22 pacientes pediátricos com doença de Hirschsprung (DH) submetidos aos procedimentos de pull- through endorretal assistidos por laparoscopia, no Departamento de Cirurgia Geral do Hospital Central de Xiangyang, em Xiangyang, na China, entre maio de 2006 e maio de 2013. Essa pesquisa observou variáveis relevantes quanto ao âmbito da patologia, tempo operatório e de recuperação gastrointestinal, perda sanguínea intra-operatória, internação pós-operatória, complicações e funções de defecação. Desses pacientes, 100% (n=22) obtiveram sucesso no procedimento, sem necessidade de conversão para cirurgia aberta. O tempo médio de recuperação gastrointestinal, com evacuação e liberação de flatos, foi de 22 horas e o tempo médio de internação pós-operatória foi de 8 dias. A perda sanguínea intra-operatória foi de 20 a 50ml, o tempo operatório teve em média de 160,4 minutos. A frequência evacuatória nos primeiros 3 meses após a cirurgia foi de 4 a 16 vezes por dia, e 100% dos pacientes não apresentaram estenose estomacal, constipação ou sujidade fecal após 6 meses de pós-operatório, sendo a frequência de 1 a 3 defecações por dia. Ocorreu como complicação a enterocolite em uma criança, sendo resolvida com tratamento conservador. Biópsias das peças cirúrgicas mostraram ressecções completas dos segmentos aganglionares. Após 3 a 6 meses de revisões pós-operatórias com enema opaco, observou-se desaparecimento dos segmentos dilatados do cólon em 20 casos. A pesquisa concluiu que é uma cirurgia viável e segura para os pacientes pediátricos, com resultados satisfatórios.

Estudo retrospectivo de Widyasari et al. (2018), realizado no Hospital Dr. Sardjito, em Yogyakarta, Indonésia, entre 2012 e 2016, incluiu 53 crianças com doença de Hirschsprung e buscou investigar os resultados e desfechos funcionais após os procedimentos de pull-through de Soave e Duhamel. Para isso, foi utilizada a classificação de Krickenbeck, a fim de determinar a evacuação voluntária, constipação e sujidade em pacientes submetidos a esses procedimentos. A técnica de Soave foi realizada em 47,1% (n=25) dos pacientes, sendo 23 meninos e 2 meninas, e a de Duhamel foi realizada em 52,9% (n=28) pacientes, sendo 22 meninos e 6 meninas. A maioria (89%) das crianças apresentava aganglionose de segmento curto (89%) e 77% estavam desnutridos. Após o pull-through de Duhamel e Soave, respectivamente, 93% e 88% tiveram evacuação voluntária. A taxa de sujidade não teve significância estatística entre os grupos Duhamel (21%) e Soave (8%), considerando P=0,260, e a frequência de constipação foi significativamente maior nesse último (24%) em comparação com a técnica Duhamel (4%), com P=0,66. O gênero, idade, tipo de aganglionose e estado nutricional não influenciaram nos resultados funcionais pós-operatórios, porém, no grupo Soave, após o procedimento, as pacientes do sexo feminino tiveram risco de constipação 21,7 vezes maior do que os pacientes do sexo masculino.

Revisão sistemática e meta-análise de Roorda et al. (2019) investigou o uso de injeções de toxina botulínica (TB) no tratamento da DH em 14 estudos, com 278 pacientes ao total. Foram analisadas variáveis de eficácia do tratamento, proporção de pacientes com efeitos adversos, e resultados sobre os sintomas obstrutivos e a enterocolite. As injeções de toxina botulínica apresentaram eficácia em 66% dos pacientes, na melhoria dos sintomas obstrutivos (considerando a taxa de eventos (ER) = 0,66, P = 0,004, I 2 = 49,5, n = 278), o tempo médio de duração do efeito após uma injeção foi de 6,4 meses, variando de 1 a 60 meses (n= 97). Foram necessárias, em média, 2,6 aplicações da injeção de TB (variação de 1 a um máximo de 23 aplicações por paciente) antes que a melhora clínica fosse obtida. Efeitos adversos ocorreram em 17% dos pacientes, (ER = 0,17, P <0,001, I 2 = 52,1, n = 187 pacientes), sendo os mais comuns a incontinência ou sujidade fecal temporária e dor anal. Acerca do uso das injeções de toxina botulínica no tratamento da enterocolite, não foi evidenciada eficácia significativa para esse fim (ER 0,58, P = 0,65, I 2 = 71,0, n = 52 pacientes). Sendo assim, as injeções de toxina botulínica apresentaram-se como eficazes no tratamento dos sintomas obstrutivos, porém, não foi evidenciada eficácia significativa no tratamento da enterocolite. Quanto aos eventos adversos, estes ocorreram em uma parcela significativa de pacientes, sendo, contudo, leves e temporários.

Estudo de Witvliet et al. (2017) foi realizado em um ambulatório de um centro cirúrgico pediátrico da Holanda. Foram convidados 168 pacientes adultos, nascidos antes de 1992, e tratados cirurgicamente para a Doença de Hirschsprung (DH) e malformações anorretais (ARM). De todos os pacientes convidados, 27 participaram do estudo. Desses, 17 possuíam diagnóstico de malformações anorretais e 10 de DH. A idade média foi de 27,9 anos, variando de 17 a 64 anos. Dentre eles, 14,8% tinham ostomia, 14,8% usavam fármacos laxantes ou antidiarreicos e 25,9% necessitavam de irrigações do cólon para manterem a função defecatória. Em uma visita inicial ao ambulatório, foi aplicado um questionário para analisar as variáveis relacionadas à atividade da doença e à qualidade de vida do paciente, e, após 1 ano, os pacientes responderam à pesquisa quanto à resposta aos planos individualizados de terapias e cuidados de transição.

No primeiro questionário, quanto à sintomatologia da doença, 26% dos pacientes (n=7) apresentaram incontinência fecal passiva, 52% (n=16) apresentavam sujidade fecal, necessitando de uso de absorvente higiênico como proteção para perdas de muco ou fezes, 26% (n=7) referiram dor anal ou abdominal e 63% (n=17) apresentavam outros problemas defecatórios, como incontinência de urgência e necessidade de pressão manual para evacuar. Quanto aos aspectos psicológicos, 18,5% (n=5) dos pacientes referiram adequar as atividades diárias em torno dos sintomas, 51,8% (n=14) sofriam constrangimentos por causa da doença, 13 (48,1%) relataram preocupação em cheirar mal, 18,5% (n=5) apresentaram depressão, 6 (22,2%) referiram aversão a relações sexuais e 9 (33,3%) sentiam receio de sair de casa e participar de atividades sociais. A qualidade de vida foi inferior à população de mesma idade.

Apenas 48% (n=13) retornaram ao ambulatório de transição para repetir a pesquisa no segundo momento. Dos 14 que não retornaram, 8 relataram melhora dos sintomas. Quanto à atividade da doença, com base no segundo questionário, não ocorreu melhora significativa nos sintomas após um ano de acompanhamento no ambulatório de cuidados de transição. Já quanto ao funcionamento psicológico, os pensamentos e sentimentos negativos relacionados aos sintomas melhoraram significativamente e os pacientes passaram a ficar mais seguros e tranquilos em seu dia-a-dia. O medo de manter relações sexuais persistiu. Dos 13 pacientes que concluíram o acompanhamento e responderam ambos os questionários, 92,3% (n=12) consideraram o ambulatório de transição um suporte adicional, e as terapias e cuidados individualizados que receberam como satisfatórios, sendo o ambulatório de transição, um acréscimo à qualidade do atendimento, com terapias adaptadas às necessidades e desejos dos pacientes com DH e ARM e que impactou de maneira positiva principalmente nos sintomas psicológicos decorrentes desses distúrbios.

Estudo de Wittmeier et al. (2018), investigou as principais necessidades de informação dos cuidadores e cirurgiões pediátricos de crianças com a doença de Hirschsprung (DH). A pesquisa com os cuidadores foi conduzida através de uma comunidade na internet e a dos cirurgiões pediátricos ocorreu por meio da Associação Canadense de Cirurgiões Pediátricos (ACCP), sendo distribuída entre seus membros. Após isso, foi realizada uma revisão de literatura para saber se as principais necessidades de informação das duas partes interessadas estavam ou não sendo supridas pelas publicações científicas sobre a DH.

A pesquisa foi respondida por 89 cuidadores e 52 cirurgiões pediátricos da ACCP. Apenas 18 (20%) cuidadores referiram satisfação quanto às informações atualmente disponíveis sobre a doença. Gerenciamento da função intestinal, nutrição e desenvolvimento, enterocolite, infamação perianal, dor abdominal, diagnóstico e complicações cirúrgicas foram os 7 principais pontos relatados por eles e sobre os quais prioritariamente necessitam de informação.  Nutrição e desenvolvimento, inflamação perianal e dor abdominal foram, respectivamente, os 2º, 3º e 5º pontos de maior interesse identificados pelos cuidadores. No entanto, apenas 1 estudo acerca do primeiro tópico, 1 acerca do segundo e nenhum sobre o terceiro foram encontrados na literatura. Já os temas sobre os quais mais houve estudos publicados foram diagnósticos e complicações cirúrgicas, que foram as 3ª e a 5ª questões de maior necessidade de informação relatadas pelos cirurgiões pediátricos, mas não pelos cuidadores.

DISCUSSÃO

TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG (DH): RESULTADOS E COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

Como evidenciado em resultados, os dados atuais sugerem que a frequência evacuatória nos primeiros meses após a cirurgia é superior aos meses subsequentes, com tendência à redução significativa com 6 meses de pós-operatório. Além disso, os resultados das biópsias das peças cirúrgicas asseguraram uma ressecção completa dos segmentos aganglionares e nenhum dos pacientes apresentou estenose estomacal, constipação ou sujidade fecal após 6 meses do procedimento (LI et al., 2017). No entanto, um estudo retrospectivo que avaliou a qualidade de vida de 204 portadores de DH típica submetidos a operações pull-through há mais de 5 anos, sendo acompanhados por até 20 anos depois, observou que a incontinência fecal ainda é relatada por alguns deles, após a correção cirúrgica. Houveram registros de pacientes apresentando problemas como sujidade fecal e incapacidade de conter a defecação anos após o procedimento, mesmo que isso tenha sido observado em um número reduzido de pacientes. A maioria dos participantes da pesquisa não apresentava esses sintomas ou quaisquer outras repercussões, levando uma vida social sem intercorrências relacionadas à cirurgia (NIRAMIS et al., 2008).

Estudo de Levitt; Dickie e Peña (2012) avaliou a variedade de problemas evacuatórios após o pull-through, focando em queixas de sujidade, incluindo constipação. Observou-se que a incontinência fecal pós-operatória é uma complicação que acrescenta importante morbidade e pode ser justificada por uma ausência ou dano lesional do canal, com rompimento da linha dentada. Levitt, Dickie e Peña descrevem, portanto, três elementos de continência que podem estar danificados após a cirurgia, sendo eles a sensação ou sensibilidade do canal anal, o mecanismo esfincteriano e a motilidade.
Por conseguinte, em 2017, na Suécia, foi realizada uma revisão acerca dos resultados da função intestinal em pacientes após o pull-through, e, em concordância com o trabalho citado anteriormente, verificou-se que podem ser causadas lesões esficterianas, devido ao alongamento dos esfíncteres durante a dissecção transanal, o que pode resultas em sintomas evacuatórios. Além disso, a sensação anormal causada pelos danos ao canal anal, pode levar à constipação e à incontinência por ‘’transbordamento’’, como consequência secundária (WESTER; GRANSTRÖM, 2017).

Como visto em nossos resultados, o risco de constipação após o procedimento cirúrgico pela técnica de Soave foi 8,5 vezes maior do que o procedimento de Duhamel. (WIDYASARI et al., 2018). De acordo com Langer et al. (2017), esse sintoma pode ocorrer devido a uma “rolagem” do manguito muscular retal ou a uma estenose da anastomose após a cirurgia de Soave ou, mais tardiamente, por aderências pós-cirúrgicas. Diante das complicações pós-operatórias, é sugerido investigar a etiologia dos sintomas, determinar seu mecanismo e conduzir a resolução baseada na causa, sendo essa reparação, na maioria das vezes, de abordagem local por via laparoscópica.

Assim, apesar de a cirurgia para correção da DH ser o principal tratamento, viável e seguro, com resultados satisfatórios na grande maioria dos casos, ela não é isenta de complicações. Diante disso, salienta-se a importância do acompanhamento a longo prazo desses pacientes e da intervenção adequada frente às complicações pós-operatórias, a fim de melhorar o resultado cirúrgico e a qualidade de vida desses pacientes.

TRATAMENTO CONSERVADOR COM TOXINA BOTULÍNICA

Como evidenciado em resultados, o uso da toxina botulínica na DH mostrou eficácia com o uso das injeções em 66% dos pacientes, com melhora de sintomas obstrutivos e duração de efeito por 6,4 meses, após uma média de 2,6 aplicações. Os efeitos adversos ocorreram em 17% dos pacientes, sendo os mais prevalentes a incontinência fecal transitória e dor anal. Para o tratamento de enterocolite, não foi demonstrado eficácia (ROORDA et al., 2019). Em comparação, trabalho publicado em 2017, sobre as diretrizes de segmento dessa doença, observou que não há padronização no tratamento da enterocolite associada à DH, porém há condutas sugeridas. Viu-se que, em relação à enterocolite de repetição, a aplicação da toxina botulínica no sulco esfincteriano resultou em diminuição de admissões em hospitais por episódios de enterocolite associada à DH (GOSAIN et al., 2017). Ainda sobre essa temática, outro estudo, publicado em 2011, concluiu a mesma informação sobre o impacto positivo da toxina botulínica na diminuição dos episódios de enterocolite de repetição, acrescentando que não houve complicações de curto ou longo prazo com o seu uso (PATRUS et al., 2011). Ademais, ao analisar a utilização da toxina botulínica em outras situações, como evidenciado por Minkes e Langer (2000), que observaram o uso na hipertonia do esfíncter anal interno nos pacientes com DH, condição subjacente que cursa com sintomatologia de constipação persistente e obstrução, demonstrou-se que o uso da toxina seria uma melhor alternativa à miotomia. Por fim, estudo de Chumpitazi, et al. (2009) incluiu um total de 73 crianças e evidenciou melhora clínica inicial em 89% delas, após a primeira injeção da toxina botulínica, enquanto somente 9,5% evoluiu para uma incontinência fecal temporária. Ao analisar um subgrupo de 13 pacientes com enterocolite de repetição associada à DH, observou-se uma redução da necessidade de hospitalizações por ano, de 2,3 + 0,6 para 1,0 + 0,3 hospitalizações por ano (P = 0,06).  Dessa forma, após as análises dos estudos, conclui-se que a toxina botulínica melhora os sintomas obstrutivos da DH, os quais levam à estase fecal e aumentam o risco de enterocolite. Além disso, seu uso não demonstrou complicações ou efeitos adversos maiores a longo prazo. Assim, embora a toxina botulínica não trate uma enterocolite aguda, ela pode, além de melhorar os sintomas da DH, diminuir a ocorrência de enterocolite de repetição.

QUALIDADE DE VIDA E FATORES PSICOLÓGICOS RELACIONADOS À DISFUNÇÃO INTESTINAL

Estudo incluído em nossa revisão revelou que os pacientes com DH podem apresentar transtornos psicológicos com maior frequência. A existência de constrangimentos em decorrência dos sintomas defecatórios foi relatada por 51,8% dos participantes da pesquisa, 18,5% apresentavam depressão e 33,3% referiram dificuldade de interação social (WITVLIET et al., 2017). Coorte de base populacional de Amin et al. (2019), incluiu 739 pacientes com Doença de Hirschsprung e 7.390 indivíduos sem a doença, selecionados para o grupo controle, com média de idade de 19 anos em ambos os grupos. Após a análise, foi constatado o diagnóstico de depressão em 4,7% dos pacientes com DH, enquanto no grupo controle apenas 2,5% dos participantes apresentava o mesmo diagnóstico. Outro ponto importante foi o uso de antidepressivos, que também foi maior no grupo com DH (4,5%), em relação aos indivíduos do grupo controle (2,3%). O estudo sugere que a hipótese para essa diferença é o fato de a função intestinal prejudicada afetar de forma significativa a qualidade de vida dos pacientes com DH. A disfunção pode causar constrangimentos, problemas de autoestima, de imagem corporal e aparência, insegurança, medo, limitações, que podem levar a transtornos psicossociais.

A literatura atual apresenta dados relevantes sobre os fatores que reduzem a qualidade de vida na população pediátrica com DH, sendo eles a idade, a incontinência fecal, a constipação e a eliminação disfuncional. Diante desses dados, Collins et al. (2017) concluíram que mesmo as crianças com DH já apresentam qualidade de vida psicossocial inferior às crianças sem a doença, o que pode comprometer o desenvolvimento das habilidades e elevar o risco de apresentar, mais tardiamente, transtornos psíquicos. Dessa forma, as dificuldades psicossociais enfrentadas e a maior ocorrência de transtornos mentais em indivíduos com DH, são fatos que devem receber a devida atenção pelos profissionais, cuidadores, educadores e comunidade, para que os pacientes sejam encaminhados ao tratamento adequado e possuam suporte familiar e social para o enfrentamento desses desafios.

Como apresentado em resultados, dentre os pacientes que participaram do estudo de Witvliet et al. (2017), 92,3% relataram satisfação em relação as terapias multidisciplinares realizadas e aos cuidados individualizados recebidos, com impacto positivo no funcionamento psicológico e nos pensamentos e sentimentos negativos relacionados aos sintomas, os quais melhoraram significativamente. Em análise feita por Feng et al. (2020), os pacientes com DH devem receber acompanhamento multidisciplinar e de longa duração, de modo a auxiliá-los quanto às questões psicossociais as quais se deparam diariamente e assim, melhorar sua qualidade de vida. Em relação a essa melhora, o estudo sugere a existência de três pontos principais para que seja alcançada, sendo eles autoeficácia e autoconsciência, apoio multidisciplinar e estratégias para o enfrentamento familiar da doença. Sendo assim, é reforçada a necessidade de acompanhamento multidisciplinar e contínuo para o enfrentamento psicossocial adequado da doença, por parte do paciente e de seus familiares.

ORIENTAÇÃO DE FAMILIARES E CUIDADORES FRENTE AOS DESAFIOS ENCONTRADOS

Conforme apresentado em resultados, em relação à necessidade de conhecimentos sobre a doença de Hirschsprung por familiares e cuidadores, a pesquisa demonstrou que somente 20% deles estavam satisfeitos quanto às informações atualmente disponíveis. Observou-se deficiência de conteúdo com ênfase na nutrição e desenvolvimento, inflamação perianal e dor abdominal, que também foram os assuntos de maior interesse dos cuidadores. Viu-se que há muitos estudos sobre diagnósticos, técnicas, resultados e complicações cirúrgicas, assuntos de maior importância para os cirurgiões pediátricos, mas não para os familiares e cuidadores (WITTMEIER et al., 2018). Dessa forma, percebe-se que há uma divergência entre as temáticas dos estudos que são oferecidos e os tópicos que possuem demanda necessária, de forma que assuntos cruciais e problemas corriqueiros do dia a dia das crianças com DH não são abordados pelas pesquisas, ficando os cuidadores desassistidos e desinformados quanto ao manejo dessas reais dificuldades. Ademais, essa incongruência entre as informações necessárias e as abordadas em estudos ocorre, também, em outras patologias. Crowe et al. (2015) analisaram pesquisas publicadas entre 2007 e 2014 com relação às prioridades de informações sobre diabetes tipo 1, eczemas e derrames, por pacientes e familiares, e demonstraram que existe uma carência por estudos sobre tratamentos não medicamentos por esse público-alvo, ao passo que a grande maioria das pesquisas abordam avaliações de medicamentos. Tallon; Chard e Dieppe (2000), por sua vez, descreveram uma incompatibilidade em pesquisas financiadas quando comparadas com as prioridades do paciente.

Assim, no que concerne à DH, uma patologia de difícil manejo, que envolve um espectro de dificuldades no dia a dia dos pacientes, pais e cuidadores, é importante que a comunidade de familiares, educadores e profissionais de saúde possa ser ouvida, de modo a estabelecer prioridades para as pesquisas sobre a DH, para que os estudos futuros foquem nas reais dificuldades enfrentadas e apoiem e reconheçam tais necessidades como de igual importância ao tecnicismo do diagnóstico e da terapia cirúrgica, de atenção dos profissionais especialistas, ao passo que estes devem, também, conhecer os problemas diários e seu manejo, para que possam orientar os cuidadores, de modo a melhorar ao máximo a qualidade de vida do paciente com DH.

CONCLUSÃO

Diante das informações coletadas da literatura e explanadas nesta revisão, infere-se que a Doença de Hirschsprung (DH) é uma patologia de difícil manejo, que tem como principal tratamento a ressecção cirúrgica do segmento aganglionar, a qual possui resultados satisfatórios na grande maioria dos casos, mas não é isenta de complicações a curto e longo prazo. Ademais, a DH é uma condição que acrescenta importante morbidade e piora da qualidade de vida, devido aos sintomas evacuatórios decorrentes da disfunção da motilidade intestinal. Esse panorama torna os pacientes mais suscetíveis a desenvolver transtornos psicológicos, relacionados, principalmente, aos desafios e limitações que enfrentam no âmbito psicossocial, em decorrência dos sintomas. Familiares, cuidadores e comunidade são peças importantes no manejo dessa patologia, mas as informações atualmente disponíveis na literatura não correspondem às reais necessidades de informação apontadas por eles, para gerir os principais problemas enfrentados no dia a dia dos pacientes. Assim, diante desses principais resultados encontrados, salienta-se a importância do acompanhamento a longo prazo dos pacientes com DH após o tratamento cirúrgico, com intervenções adequadas frente às eventuais complicações pós-operatórias, a fim de otimizar o resultado e diminuir a ocorrência dos sintomas. Além disso, os pacientes devem receber acompanhamento multidisciplinar e contínuo, com apoio psicológico e estratégias de enfrentamento psicossocial e familiar da doença. Ademais, reforça-se a importância da publicação de estudos que abordem os reais desafios enfrentados, os problemas diários e seu manejo, para instruir a comunidade de familiares, educadores e profissionais de saúde a gerir essas dificuldades. Tudo isso resultaria em melhora substancial da qualidade de vida do paciente com DH e redução da morbimortalidade, que são os principais objetivos do manejo dessa patologia, enquanto não há um tratamento curativo.

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[1] Discente do curso de Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG).

[2] Discente do curso de Medicina do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, João Pessoa – PB.

[3] Discente do curso de Medicina do Centro Universitário Do Espírito Santo – UNESC, Colatina – Es.

[4] Discente do curso de Medicina do Centro Universitário INTA – UNINTA, Sobral- CE.

[5] Discente do curso de Medicina do Centro Universitário UNINTA, Sobral-CE.

[6] Discente do curso de Medicina da Universidade Federal Do Tocantins – UFT, Palmas – TO.

[7] Discente do curso de Medicina do Centro Universitário INTA – UNINTA, Sobral – CE.

[8] Discente do curso de Medicina do Centro Universitário INTA – UNINTA, Sobral – CE.

[9] Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora Campus Avançado Governador Valadares- UFJF GV, Governador Valadares – MG.

[10] Orientador. Docente do curso de Medicina do Centro Universitário UNINTA, Sobral-CE. Cirurgião geral pela Santa Casa de Misericórdia de Sobral- Ceará. Coordenador da residência de Cirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Sobral- UFC, Sobral-Ceará.

Enviado: Março, 2021.

Aprovado: Março, 2021.

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Fernanda Cândido Pereira

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