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Freud e o perigo na formação das massas

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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

GARRIT, Marcio [1]

GARRIT, Marcio. Freud e o perigo na formação das massas. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 02, Vol. 07, pp. 111-127. Fevereiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/formacao-das-massas

RESUMO

O objetivo desse artigo é analisar, tendo Freud como base, os processos de formação de massas e as consequências que as mesmas proporcionam. Freud, em Psicologia das massas e análise do Eu, de 1921, faz uma quantidade relevante de articulações de conceitos da psicanálise nesse processo de formação das massas.  Nosso objetivo, no primeiro momento, será discorrer sobre alguns desses conceitos como: narcisismo, ideal do Eu e identificação, articulados ao mecanismo de alienação a essas massas.  Em um segundo momento, tomaremos como base, uma vez já discorridos tais conceitos psicanalíticos, o filme: A Onda, para explicar na contemporaneidade as consequências dos perigos gerados na formação dessas massas, como, por exemplo, através do bullying e das redes sociais, gerando um constante desafio para o sujeito da atualidade a construção do seu lugar na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Ideal do eu, liderança, massas, narcisismo, violência.

INTRODUÇÃO

Tudo se passa como se os indivíduos tivessem se reunido por motivos imprecisos ou desconhecidos. (ENRIQUEZ, 1990, p. 60)

Uma das preocupações de Freud, registrada em sua obra, era de não desprezar a ligação do indivíduo com o social, pois é notória a importância que o meio cultural tem em influenciar a estrutura psíquica individual.  Após uma análise da repressão social desenvolvida por aquele, em A moral sexual “cultural” e nervosismo moderno – 1908, e as consequências da repressão cultural em relação aos pertencentes de uma cultura, nos deteremos a analisar o agir dos indivíduos em grupos, e a formação dos vínculos entre eles.

Segundo Enriquez (1990), quando Freud atribui como de grande importância a articulação da psicologia social com a individual, o mesmo “solta uma bomba” que marca o início de seu texto, Psicologia das massas e análise do eu – 1921.  Para Enriquez, ao levantar a necessidade dessa articulação, o criador da psicanálise deixa marcado que determinados conceitos até então defendidos deveriam ser revistos, sendo um deles a importância de fatores endógenos ou orgânicos, face à necessidade mais urgente de examinar a história de vida do sujeito e suas transformações, pois se “a psicologia do sujeito depende do contexto no qual ele se encontra é preciso admitir que um outro ambiente […] pode permitir-lhe mudar de conduta.” (ENRIQUEZ, 1990, p. 48) Dessa forma, condutas fixas necessitariam ser repensadas, pois “toda análise individual deveria ser acompanhada […] de uma análise social.” (ENRIQUEZ, 1990, p. 49)  Dessa forma, a análise seria uma tentativa de ressignificar as influências sociais desse sujeito mantendo seu equilíbrio.

Faz-se de extrema importância dizer que isto não significa reduzir a significação da relação Eu e Outro materno, mas sim enfatizar a importância que a continuidade dos vínculos possui na formação psíquica do sujeito. Para Enriquez (1990) o Outro é uma referência, o sujeito se constitui como tal pela existência e investimento afetivo partindo desse Outro.  De posse disso, podemos concluir que esse Outro teria uma grande influência na entrada do sujeito nas massas e é a partir disso que nos ateremos ao tema, partindo de uma análise do referido trabalho sobre as massas, de Freud, até a análise do funcionamento destas no contemporâneo.

O SUJEITO NAS MASSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Vê-se que Freud se apoia no trabalho de Le Bon de 1895, Psicologia das multidões, que orienta seus estudos sobre a formação dos grupos. Segundo Enriquez (1990) parte de Le Bon o conceito de “mente coletiva” dos indivíduos na massa e suas diferenças de pensamento em relação ao agir na individualidade, classificando-a assim como impulsiva e mutável. Além de observações comportamentais como onipotência, obediência cega ao líder e a necessidade de ilusões em detrimento da verdade sobre os seus ideais. Essas ideias foram de grande valia para o criador da psicanálise vir a desenvolver seus próprios conceitos a respeito do assunto. É importante frisar que mesmo Le Bon sendo uma fonte de pesquisa, ela não foi a única e não respondia aos questionamentos principais que Freud perseguia para o desenvolvimento de seu pensamento.

Indo a autores como Le Bon, McDougall e Trotter, encontra em cada um deles, uma dificuldade, um obstáculo, que ele quer resolver. […] O problema que ele encontra em Le Bon está vinculado ao fato de que não dá resposta a essa pergunta que Freud se faz: Se os indivíduos do grupo se combinam numa unidade, deve haver certamente algo para uni-los, e esse pode ser precisamente a coisa que é característica de um grupo?  (MAYA. 2016, p. 181)

Nota-se que não é exclusividade da psicanálise a busca por respostas a respeito do fascínio do líder sobre as massas, pois, a ideia de que, vez ou outra, aparecem pessoas com ímpetos de liderança gerando fascínio em grandes massas, não soa muito acolhedora. Freud, a respeito disso, observa segundo Becker (1973), que os sujeitos se tornam crianças novamente em grupo, se mostram como seres dependentes e seguem como se estivessem ouvindo a voz dos pais. Tais conclusões levam Freud a continuar seu aprofundamento teórico de análise do social articulada com a psique individual.

Não é tanto pelo fato de o homem ser um animal de rebanho, disse Freud, mas de ser um animal de horda, liderado por um chefe […] O chefe é uma personalidade perigosa, para com o qual só é possível uma atitude passivo-masoquista, ao qual a vontade da pessoa deve ser entregue […] O homem tem “uma paixão extrema pela autoridade” e “quer ser governado por uma força irrestrita” […] precisamente porque querem voltar à proteção mágica, à participação na onipotência, ao “sentimento oceânico” de que desfrutavam quando eram amados e protegidos pelos pais. (BECKER, 1973, p. 136)

A esta altura do presente trabalho, importante se faz explicar um conceito complementar, pois é estruturante ao sujeito, para auxiliar no entendimento desse fascínio que certos indivíduos causam em outros. Para isso, faz-se imprescindível a definição de narcisismo.  Segundo Freud (1914), o “termo “narcisismo” vem da descrição clínica e foi escolhido por P. Näcke, em 1899, para designar a conduta em que o indivíduo trata o próprio corpo como se este fosse o de um objeto sexual.” (FREUD, 1914, p.10) Mas sua conceituação por Freud muda de figura, pois trata do narcisismo como um tipo de investimento libidinal no próprio corpo que é correlativo à constituição do eu. O investimento do bebê, derivado do narcisismo parental, permite a constituição de um Eu ideal, quando o bebê é seu próprio ideal.  Posteriormente, constitui-se o Ideal do Eu, que persegue o amor a si mesmo que o Eu ideal desfrutou na primeira infância. Sendo assim, o narcisismo desloca-se para o Ideal do Eu, que é condição do recalque. Todo esse processo se dá pela incapacidade da libido humana em renunciar a suas satisfações.

Aqui, como sempre no âmbito da libido, o indivíduo se revelou incapaz de renunciar à satisfação que uma vez foi desfrutada. Ele não quer se privar da perfeição narcísica de sua infância, e se não pôde mantê-la, perturbado por admoestações durante seu desenvolvimento e tendo seu juízo despertado, procura a readquirir na forma nova do ideal do Eu. O que ele projeta diante de si como seu ideal é o substituto para o narcisismo perdido da infância, na qual ele era seu próprio ideal. (FREUD, 1914, p. 27-28)

Vê-se que para Freud (1914) a formação desse ideal do Eu dá-se pela influência crítica dos pais e posteriormente aos outros sujeitos do convívio dessa criança, não esquecendo a opinião pública de forma geral que também tem grande apelo e influência nesta formação.  Sendo assim, podemos dizer que o desenvolvimento do Eu necessita de um distanciamento de sua fase primária de constituição e o deslocamento da libido para objetos de fora do Eu da criança.

Nota-se que a partir da explicação conceitual da teoria do narcisismo, todo o movimento do sujeito em relação a suas escolhas virá a demonstrar uma tentativa de resgate do amor a si mesmo vindo do outro. Dessa forma, ficará mais fácil o entendimento da necessidade e do mecanismo que leva o sujeito a depositar em alguns membros da sociedade a imensa expectativa de que esse Outro seja seu ideal de Eu. Freud (1921) evidencia a importância do Outro no processo de desenvolvimento individual do sujeito e a partir daí deixa clara a importância da psicologia social articulada com a individual, além de afirmar que “a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado, mas inteiramente justificado.” (FREUD, 1921, p.10)

Freud, sobre a articulação entre indivíduo e grupo, destaca a forma como aquele passa a se comportar ao ser inserido em um grupo, influenciado pela teoria de Le Bon. Os indivíduos ao se unirem em determinados grupos, independentes de serem parecidos ou não em seu estilo de vida, ao se tornarem massa, imediatamente, passam a agir e pensar de forma coletiva, como se possuidores de alguma “consciência de massa”. Isso faz crer que os grupos têm personalidade própria, e a mesma não é regida por vontades individuais e sim coletivas. Segundo Enriquez (1990) seria como se o funcionamento individual fosse guiado pela razão, e o da massa o seu inverso, pois o indivíduo reprime algumas tendências pulsionais, porém, inserido na massa deixa se guiar quase que exclusivamente por pulsões e emoções, e não pela razão, parecendo sofrer uma regressão.

O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva. Esta alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e agiria isoladamente. (LE BON Apud FREUD, 1921, p. 10)

Vê-se que Freud se sustenta em duas grandes massas organizadas para ter como base na sua teoria, se baseia na igreja e exército e com isso propõe que “ambas as organizações só existem na medida em que, […] prevalece à ilusão da existência de um chefe supremo.” (ENRIQUEZ, 1990, p. 61) Além de reforçar a ilusão do amor desses chefes para com seus seguidores como sendo sempre igual. Diferentemente de Totem e tabu – 1913, em que o grupo nasce da recusa do amor, em Psicologia das massas Freud concebe o nascimento do grupo como constituído pelos laços libidinais que unem todos os seus membros. O grupo para Freud, de acordo com Enriquez (1990), apresenta características particulares em sua formação, podendo ter sua origem a partir de um só chefe, mas também pode ser constituído sem preferência entre os membros e assim se desenvolver sobre uma base de igualdade, ser coordenado por um indivíduo vivo ou não, e/ou ser fundado sobre uma ilusão. Sendo assim, é importante observar que nem todos os grupos têm líder, pois no lugar desse líder, pode haver uma abstração ou uma ideia, pois “a ideologia e o desejo coletivo […] aparece aos indivíduos como uma forma que existe fora deles e suscetível, assim, de possuir todos os atributos de um modelo a seguir.” (ENRIQUEZ, 1990, p.78) O líder pode ser representado pela mensagem que deixou, pois segundo Enriquez (1990) não é plausível que um grupo exista sem a mensagem pronunciada por alguém, e essa mensagem ou abstração conserva o corpo do autor e o mesmo se exprime através dos seguidores da mesma.

Percebe-se que esta análise leva a algumas conclusões a respeito do psiquismo humano enquanto ser de grupo e individual.  Uma de suas conclusões é a respeito da consciência moral; para Freud (1921) a mesma se origina no “medo social”. As massas acabam por se tornar aptas à criação de uma enormidade de ditos sociais, éticos e morais; isso se dá porque na “massa todo sentimento, todo ato são contagiosos, e isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo.” (LE BON Apud FREUD, 1921, p.15)

Faz-se importante citar que todo esse poder exercido pela massa parte de ações impulsionadas pelo inconsciente. A inclusão do indivíduo na massa produz a não aceitação de impossibilidades, falta de limites para a realização dos impulsos, e uma sensação de onipotência: “A massa é um momento de exaltação e de efervescência […] desaparece para os indivíduos a noção de impossibilidade.” (ENRIQUEZ, 1990, p. 58) Freud (1921) irá afirmar essa particularidade das massas ao escrever que as mesmas são impulsivas, volúveis e excitáveis, sendo guiadas pelos mecanismos inconscientes e sendo assim, a noção de impossível desaparece para todos os indivíduos na massa.

O comportamento impulsivo, percebido por Freud, em relação à satisfação dos desejos dos grupos é analisado a partir de uma transformação imediata à entrada do sujeito no grupo.  Percebe-se que há uma necessidade de cessamento de inibições e até de determinados impulsos destrutivos individuais. Freud define que no grupo são despertados os vestígios das satisfações enquanto seres selvagens, primitivos.

Para julgar corretamente a moralidade das massas, deve-se levar em consideração que, ao se reunirem os indivíduos numa massa, todas as inibições individuais caem por terra e todos os instintos cruéis, brutais, destrutivos, que dormitam no ser humano, como vestígios dos primórdios do tempo, são despertados para a livre satisfação instintiva. Mas as massas são também capazes, sob influência da sugestão, de elevadas provas de renúncia, desinteresse, devoção a um ideal. (FREUD, 1921, p. 19)

O poder exercido e a força influenciadora das massas no indivíduo é algo extremamente relevante e também preocupante. Apesar disso, Freud conceitua a massa como um rebanho dócil, pois não pode “jamais viver sem um senhor. Ela tem tamanha sede de obediência, que instintivamente se submete a qualquer um que se apresente como seu senhor.” (FREUD, 1921, p. 21) Essa demanda por um senhor demonstra o lado perigoso das massas, pois isso evidencia que o “mais notável e também mais importante fenômeno da formação da massa é o aumento de afetividade provocada no indivíduo.” (FREUD, 1921, p. 25) Percebe-se então, que as massas são dóceis enquanto seu senhor assim o quiser e sem ele não há como a mesma continuar.

Com isso, Freud se preocupa em explicar quais motivos fazem com que a massa se mantenha unida, e considera que esta é a grande contribuição da psicanálise para o entendimento das peculiaridades descritas por Le Bon. A estruturação de uma massa e manutenção de sua união necessita de alguma explicação consistente sobre seu funcionamento como exposto até agora. Freud assinala que o principal fator de união das massas é o poder de Eros. Sabe-se, pela teoria pulsional, Eros é responsável por esse trabalho, o de unir, criar laços. Tal necessidade de criação de laços se mostra tão forte nos grupos, que o sujeito se conforma de não questionar aquilo com que não concorda, e se rende ao contágio e à sugestão, para que a necessidade de estar de acordo e pertencer prevaleça, e com isso as massas continuem unidas e fortalecidas.

Para começar, apoiaremos nossa expectativa em duas reflexões sumárias. Primeiro, que evidentemente a massa se mantém unida graças a algum poder. Mas a que poder deveríamos atribuir este feito senão a Eros, que mantém unido tudo o que há no mundo? Segundo que temos a impressão, se o indivíduo abandona sua peculiaridade na massa e permite que os outros o sugestionem, que ele o faz porque existe nele uma necessidade de estar de acordo e não em oposição a eles, talvez, então, “por amor a eles”. (FREUD, 1921, p. 34)

Vê-se que o uso inteligente feito por Freud de sua teoria pulsional, ao atribuir a Eros a responsabilidade de unificação dos grupos, além de eficaz, acaba por necessitar de outros esclarecimentos em relação aos vínculos estabelecidos pelo sujeito. Freud (1921) afirma que toda relação sentimental do indivíduo, seja de qual grau for, contém afetos hostis que, por serem recalcados, acabam por não ser percebidos ou diretamente demonstrados ao longo do convívio. Dessa maneira, toda e qualquer relação se mostra refém de instabilidades ou até mudanças drásticas, e que Eros não possui, dessa forma, o domínio total dos relacionamentos.

É importante evidenciar que o texto de 1921 é onde Freud apresenta com detalhes as formas de identificação. Há um mecanismo de identificação do sujeito com o Outro, chamado de “infecção psíquica”, que age a partir de uma semelhança, em determinado aspecto, com outra pessoa. O sujeito desloca o aspecto identificado como semelhante ao seu para o sintoma, e o recalca. Esse acaba por tornar-se o marco de semelhanças entre os dois Eus, tem-se assim o mecanismo da infecção psíquica.

[…] é aquele da identificação baseada em querer ou poder colocar-se na mesma situação […] Um Eu percebeu no outro uma analogia significativa em certo ponto — em nosso exemplo, na mesma disposição afetiva —, constrói-se uma identificação nesse ponto, e sob influência da situação patogênica essa identificação se desloca para o sintoma que o Eu produziu. A identificação através do sintoma vem a ser desse modo, o indício de um local de coincidência dos dois Eus, que deve permanecer reprimido. (FREUD, 1921, p. 49)

A identificação é um processo, segundo Freud (1921) que pode assumir três formas: A primeira é a forma mais primordial de ligação afetiva a um objeto, a segunda é uma via regressiva que trata o objeto perdido, investido libidinalmente, pela sua introjeção no Eu; o terceiro, correspondente ao efeito de contágio e infecção psíquica na massa, surge a qualquer momento que o Eu notar uma nova percepção de algo comum com uma pessoa que não é objeto das pulsões sexuais. Dessa forma, “quanto mais significativo esse algo em comum, mais bem-sucedida deverá ser essa identificação parcial, correspondendo assim ao início de uma nova ligação.” (FREUD, 1921, p. 49-50) Vários os motivos de identificação, assim como suas consequências no sujeito em sociedade, marcando sua alienação ao outro e posteriormente ao grupo de que faz parte.

É importante pontuar que a introjeção do objeto no Eu significa uma alienação do sujeito em relação ao outro e com isso pode provocar uma enormidade de intempéries. Segundo Freud, “na cegueira do amor, o indivíduo pode se tornar, sem remorsos, um criminoso. Toda a situação pode ser resumida cabalmente numa fórmula: O objeto se colocou no lugar do ideal do Eu.” (FREUD, 1921, p.56) Um grupo estruturado dessa forma, tendo seu líder como ideal do Eu, pode ser visto como uma “uma massa primária […], identificaram-se uns com os outros em seu Eu.” (FREUD, 1921, p.59) Nessa estrutura primária, é possível aceitar qualquer ordem vinda do líder, e dificilmente os membros terão qualquer força de contra argumentação, podendo o grupo assumir qualquer forma, por mais nefasta que seja para defesa de seus ideais.

Nota-se, que toda a teoria elaborada por Freud sobre as possíveis formas de dependência do Eu em relação ao Outro, termina por mostrar a imensa limitação do indivíduo em relação a sua capacidade de impor-se. Isso denota o quanto a dependência se faz notar em uma sociedade, ao mesmo tempo em que, sem ela nenhuma relação poderia ser capaz de se estruturar. Enfatiza a dependência do sujeito em relação às massas ou aos seus líderes, sempre crescente. Além disso, faz-se importante notar, que não é apenas pelos líderes das massas que a alienação do indivíduo se mostra, Freud cita o poder que a sugestão tem, ao ponto de caracterizá-la como enigmática, pois a mesma tem estrutura não só vertical, mas também horizontal, e com isso sua forma de influência é exercida por todos da massa e seu poder de domínio é muito forte.

Somos lembrados de como esses fenômenos de dependência fazem parte da constituição normal da sociedade humana, de quão pouca originalidade e coragem pessoal nela se encontram, do quanto cada indivíduo é governado pelas atitudes de uma alma da massa, que se manifestam como particularidades raciais, preconceitos de classe, opinião pública etc. A influência da sugestão torna-se um enigma ainda maior quando concedemos que é exercida não só pelo líder, mas também por cada indivíduo, um sobre o outro […] (FREUD, 1921, p. 60)

Percebe-se que esse domínio age como um processo hipnótico que “toma o lugar do ideal do ego,” (ENRIQUEZ, 1990, p. 68) o que produz uma perda da capacidade de autocrítica. É dessa forma que a massa é guiada por seu líder, hipnotizada. Segundo Enriquez (1990) o hipnotizador tem tarefa similar ao chefe primitivo da horda, pois provoca no sujeito o mesmo temor que ele tinha pelo pai, uma personalidade de grande poder e perigo, frente a qual se desenvolve uma atitude passivo-masoquista. Faz-se importante citar a forma como Freud continua sua investigação a respeito dessa falta de imposição pessoal do sujeito em relação aos quereres da massa em que está inserido, mencionando suas observações a respeito do universo infantil.  Ele discorda da existência de um instinto gregário. A criança não apresenta uma necessidade de vida em bando ou sentimento de pertencimento de massa. Sua rivalidade com os irmãos é o impulso primário, mas isso não é bem aceito pelos pais.   Assim, a criança, impossibilitada de privar os demais do convívio com seus criadores, recalca esse desejo e é automaticamente levada à identificação com os irmãos. A partir daí, forma-se o primeiro sentimento de massa ou sociedade que posteriormente se desenvolverá para a escola e demais grupos, ao longo de seu crescimento. Nessa análise, Freud considera que a dependência humana está ligada diretamente à perda da exclusividade do amor dos pais. Não bastando isso, tal perda acaba por obrigar o infante ao recalque do ciúme, seguida de identificação a estes semelhantes.

Por muito tempo, então, nada se percebe de um instinto gregário ou sentimento de massa na criança. Isto se forma apenas em casas com mais de uma criança, a partir da relação delas com os pais, como reação à inveja inicial com que a criança mais velha recebe a menor. Sem dúvida, a mais velha gostaria de ciumentamente reprimir a que veio depois, de conservá-la distante dos pais e privá-la de todos os direitos, mas em vista do fato de que também esta criança — como todas as que seguem — é amada pelos pais da mesma maneira, e devido à impossibilidade de manter sua atitude hostil sem prejudicar-se, é obrigada a identificar-se com as outras crianças, e assim se forma no bando de crianças um sentimento de massa ou de comunidade, que depois continua a desenvolver-se na escola. A primeira exigência dessa formação reativa é aquela por justiça, tratamento igual para todos. É sabido como essa reivindicação se expressa de modo nítido e inexorável na escola. Quando não se pode ser o favorito, então nenhum dos outros deve ser favorecido. (FREUD, 1921, p.63)

Em 1913, o criador da psicanálise adota uma teoria de Darwin que defende que a primeira forma de civilização era governada por alguém mais forte, e que essa estrutura deixou traços indeléveis na história da linhagem humana:

Os indivíduos todos devem ser iguais entre si, mas todos querem ser dominados por um só. Muitos iguais, que podem identificar-se uns com os outros, e um único, superior a todos eles — esta é a situação que se acha realizada numa massa capaz de subsistir. Ousemos então corrigir o enunciado de Trotter, segundo o qual o homem é um animal de rebanho, dizendo que ele é antes um animal de horda, membro individual de uma horda conduzida por um chefe. (FREUD, 1921, p.65)

A menção de Freud é a seu mito Totem e Tabu de 1914, no qual afirmou que a horda era governada irrestritamente por um único ser denominado pai da horda.  Tal estrutura social, segundo Freud, deixou traços que jamais serão apagados na história e desenvolvimento humano.  A posterior instituição do totemismo acabou por trazer uma série de segmentações necessárias para o estabelecimento da sociedade, tal como a conhecemos: lei, religião, moral e ética e demais estruturas de organização social.

A nostalgia pelo pai protetor acaba por colocar o sujeito na posição de total submissão, e carente de liderança e comando por uma única pessoa.  Podemos afirmar que tal mecanismo faz-se presente devido às marcas indeléveis do totemismo enquanto formador da civilização.

DIE WELLE: O AUTORITARISMO, AS MASSAS E O LÍDER

Vê-se a partir desse momento, a necessidade de se utilizar um fato histórico para melhor explicitar e articular uma analogia em relação à teoria desenvolvida por Freud do sujeito nas massas e sua relação com o líder. Para isso tomaremos como base o filme A ONDA, que “[…] ilustra bem como a figura de um chefe autoritário e intimidador que impõe passividade e submissão a um grupo, facilmente desencadeia os mecanismos da psicologia de massas.” (TELLES, 2015, p. 316) O mesmo conta a história real de um experimento realizado em meados do século XX sobre o possível ressurgimento de uma ideologia nazista.  Almejamos com esse relato, articular a teoria de Freud com o filme e os demais mecanismos que rondam o psiquismo humano e sua influência, como a identificação, os tipos de liderança e o papel do autoritarismo.

Faz-se importante iniciar com o resumo da história, que usaremos como base, para exposição dos mecanismos de funcionamento das massas. O filme “A onda” ou “Die Welle”, seu título original em alemão, dirigido por Dennis Gansel e lançado em 2008, foi segundo Blauth (2016) inspirado no livro de Todd Strasser[2] que toma como base o experimento realizado pelo professor de história Ron Jones[3] nos Estados Unidos da América. Este idealizou um experimento com alunos, no qual buscou criar uma ambientação do sistema nazista para testar as consequências de sua receptividade. O projeto durou apenas uma semana e causou inúmeros problemas.  Usaremos a partir de agora a história como retratada no filme para dar continuidade a nossa exposição.

No filme, segundo Blauth (2016) a escola onde o professor Rainer Wengel leciona, estava oferecendo cursos semanais. Este era o responsável pela disciplina autocracia.  Ao iniciar o curso, seus alunos afirmam que não acreditariam que um sistema ditatorial pudesse surgir novamente em seu país. O professor tem então a ideia de fazer um experimento com o qual pretendia mostrar como é fácil manipular as massas. Com isso, inicia o mesmo com sua turma, utilizando várias táticas utilizadas pelas lideranças nazistas. No cenário elaborado pelo professor, os alunos representavam o povo e ele o ditador.  Criaram um slogan chamado: “Poder, disciplina e superioridade”, e também um símbolo com o nome “A onda”, além de uniforme, saudação e divulgação do mesmo.

Após o início das primeiras regras ditadas pelo professor, estabeleceu-se uma submissão gradativa e imensa da turma, e foi justamente essa obediência cega que veio a criar inúmeros problemas, a ponto da experiência ter que findar em uma semana. De acordo com Blauth (2016), o professor foi aceito imediatamente como líder, por eleições. Depois disso, fez suas primeiras intervenções: todo o grupo deveria funcionar conforme suas ordens e quem não aceitasse deveria sair imediatamente da classe; os alunos só poderiam se comunicar após pedir sua permissão. Vê-se que lideranças autocráticas são bem aceitas “por pessoas inseguras e que não sabem fazer um pleno uso de sua liberdade.” (BLAUTH, 2016, p. 73) Quadro que se mostra de forma clara ao longo do filme através da personalidade dos componentes do grupo, além da nossa própria história ocidental mostrar isso nas últimas décadas. Vê-se que o grupo A ONDA tem uma aderência crescente, e em pouco tempo vários alunos da escola iniciam seu ingresso no mesmo. O professor começa imediatamente a ser exaltado entre os alunos e sua liderança segue ao longo do experimento cada vez mais forte e inquestionável, isso sem falar da força da união entre os membros.

A partir da disciplinarização e uniformização do grupo, seus integrantes passam a sentir-se cada vez mais unidos e identificados entre si.  Esta identificação gera o sentimento de pertença […] O grupo seguiu veementemente o professor e ganhou forças através da sensação de segurança e proteção que era fornecida pela união de seus membros.  (BLAUTH, 2016, p.74)

Nota-se que um dos fatores que também auxiliam para o crescimento de grupos de liderança totalitarista é o vazio de sentido. A falta de propósito das pessoas provindas de desequilíbrios econômico-social ou familiar acaba por se tornar forte motivação para uma maior aceitação desse tipo de enquadramento autoritário. No filme, o professor se aproveitou desse cenário e articulou suas ordens tentando conciliar as necessidades de pertencimento e identificação, conceito a que iremos nos ater mais à frente.

Para a falta de objetivos, criou a perspectiva de objetivos comuns, estabelecendo uma massa de manobra, o que levou à intensa sensação de identificação e segurança individual.  Ambos os contextos orbitam em torno de uma figura central endeusada; o que, não raro, decai para o controle, manipulação e estimulação do fanatismo como forma de assegurar longevidade a essa situação, uma vez que o poder causa uma atração irresistível. (MONTIGELLI apud BLAUTH, 2016, p. 75)

Vê-se que a necessidade de regramento da vida é algo necessário para uma possível desaceleração ao impulso de integração a esses grupos e lideranças autocráticas.  No ambiente que o filme retrata, vemos diversos adolescentes com famílias desestruturadas, em conjunto com a conhecida necessidade de pertencimento que os habita. As segmentações criadas no ambiente escolar, algo não diferente no meio social fora da classe escolar, empurram as pessoas ao desamparo e solidão

[…] momentos finais do filme, em que Reiner lê o que os integrantes do movimento escreveram: ”não importa agora quem é o mais bonito, o mais popular, ou quem faz mais sucesso, A Onda nos tornou iguais”; ”Quando podemos confiar uns nos outros conquistamos muito mais, mesmo que isso signifique sacrificar a nós mesmos”. (BLAUTH, 2016, p. 77)

Ao analisarmos histórias como essa, percebemos a tentação pelos extremos que acomete o sujeito. De um lado, temos a uma necessidade de fragmentação do corpo social com a criação de subgrupos norteada pela dificuldade das diferenças, e, de outro, uma facilidade extrema de pertencimento a massas. Percebemos que ”[…] o fortalecimento do grupo através da identificação e padronização, leva também ao fortalecimento individual de seus membros.” (BLAUTH, 2016, p. 78). Com isso, fica mais fácil perceber por que alguns grupos mais organizados não cessam de progredir em suas ideologias, e, nos não participantes, uma crescente sensação de solidão. Podemos considerar que o bullying tem relação com esse lugar de não pertencimento.

De acordo com Telles (2015) o bullying é um fenômeno da psicologia de massas ou grupos que ocorre majoritariamente entre crianças e adolescentes em ambiente escolar, e “consiste na escolha de um bode expiatório no qual o grupo projeta seus próprios aspectos inaceitáveis e nele procura destruí-los.” (TELLES, 2015, p. 316) O sofrimento proporcionado à vítima não provoca compaixão nesses grupos e massas e, se constatarem que há impossibilidade de reação, a violência só tenderá a crescer. O sujeito oprimido, ao perceber que não tem como recorrer a instâncias superiores para pleitear proteção, devido à grande aceitação da ideologia dessas massas, sente-se mais solitário e desamparado, e sua capacidade de exercer sua individualidade tenderá a zero. Com isso, para “sobreviver nessas situações extremas são acionadas poderosas defesas, como identificação com o agressor, negação maciça da realidade ou posições masoquistas.” (TELLES, 2015, p. 316) Percebe-se, pelas situações já citadas, que há um movimento de regressão do sujeito no grupo e assim os impulsos agressivos e sexuais dos sujeitos são facilmente liberados em prol da defesa e continuidade de seu pertencimento. Isso tudo é balizado pela sensação de poder e liberdade que sente o indivíduo na massa. Estas dão a sensação de realização dos desejos humanos e conseguem estar presentes em qualquer tipo de organização política: democrática ou totalitária. Segundo Telles (2015) nos regimes autoritários há, devido à estrutura de poder, maior tendência a doutrinação ideológica e controle social, e nos regimes democráticos mais avançados há grupos de trabalho mais conscientes e avessos à estrutura autocrática.

Esses fenômenos psicológicos próprios da massa mostram a plasticidade e fluidez do aparelho psíquico, que é capaz de transitar do funcionamento mais estruturado e organizado que possibilita o exercício do pensamento racional e objetivo para posições comandadas por uma afetividade mais arcaica. (TELLES, 2015, p.317)

Entende-se a necessidade de pontuar outras manifestações de organizações de massas, além daquelas já ditas e bem conhecidas na qual o líder está presente e pontifica. Como já explicado no item anterior, nem sempre há a necessidade desse sujeito para a organização das massas; muitas vezes, uma ideologia correspondente já realizará o trabalho.  Uma das formas, clássicas, desse tipo de função é exercida há tempos pelos meios de comunicação, “possibilitando sub-repticiamente a instalação dos fenômenos regressivos típicos da psicologia das massas.” (TELLES, 2015, p. 318)

De acordo com Telles (2015) ao assistirmos televisão estamos participando de uma grande massa a ser doutrinada, mas não temos noção direta disso. Após recebermos todas aquelas “ordens de consumo e ação” acabamos por executar o que sugerem sem darmos conta do que fazemos. Tal estratégia ocorre em diversos regimes, autoritários ou não.  Vê-se que o sujeito exposto a esse tipo de veículo de comunicação, de conteúdos doutrinários e de consumo, está sujeito a essas ordens “que são seguidos da mesma forma como a multidão real, presencial, segue o líder totalitário.” (TELLES, 2015, p. 318)

Fazer essa constatação não significa ignorar as diferenças e confundir o autoritarismo totalitário com a democracia. O que está em jogo é o reconhecimento da importância dos elementos psicológicos no comportamento das massas, a compreensão de que elas inconscientemente desejam o controle autoritário, a obediência a pais poderosos que as isentem do peso inerente à independência, à liberdade e à responsabilidade. (TELLES, 2015, p. 318)

Faz-se importante citar o papel que as redes sociais desempenham na condução das sugestões e regras para as massas. Segundo Telles (2015), as diferenças entre o uso das redes sociais e a televisão seria que, enquanto esta tem o poder hipnotizante e totalmente passivo às ordens recebidas, aquela estimula a interatividade e com isso acaba por ser ambígua, pois, ao mesmo tempo em que incita um sentimento de individualidade e autonomia, institui fragilidade justamente por não ter “uma centralização ou organização estável que a alimente, tende a se manifestar em ondas, abalos sísmicos.“ (TELLES, 2015, p. 320) Tal fragilidade pode proporcionar a criação de massas, cada dia, mais perigosas e instáveis. Se os grupos são conduzidos por forças inconscientes, segundo Queiroga, Barone e Costa (2016) uma das características que poderíamos atribuir a esses grupos digitais seria a despreocupação com a veracidade. Muitos usuários não se mostram preocupados com a realização de todas as checagens das informações recebidas e assim acabam tornando verídicas a maioria, ou todas, as informações que recebem e “reagindo de forma agressiva e conservadora, caso essas informações entrem em desacordo com os interesses dos grupos aos quais pertencem.” (QUEIROGA; BARONE e COSTA, 2016, p. 114) Percebemos que o meio político não cessa, devido ao cenário citado, de utilizar as redes sociais para disseminar notícias que acabam por estruturar massas manipuladas de acordo com o que lhe convém.

De acordo com Telles (2015) não podemos deixar de considerar o papel relativo que a política tem na condução de massas. O líder político se manifesta através de três formas: autonomia pela introjeção da lei, regressão pela busca da proteção e identificação com a onipotência do pai da horda. Caberia ao estado, com isso, proporcionar subsídios para o desenvolvimento crítico da população e assim uma reação discriminatória a tudo que fosse propício para o surgimento de massas e líderes perniciosos às sociedades. Com isso, achamos necessário analisar como essas lideranças se manifestam e como o mecanismo de identificação com as mesmas se dá.

O processo de identificação com o líder tem uma ligação direta com os mecanismos de funcionamento do narcisismo. De acordo com Queiroga, Barone e Costa (2016), quando o sujeito inicia uma busca pelo objeto de identificação, ao colocá-lo no lugar de ideal do ego, todas as demais funções do mecanismo psíquico são prejudicadas, pois isso permite que o objeto comece a agir plenamente cessando a capacidade de crítica do sujeito e com isso distorcendo a capacidade do mesmo em verificar a realidade. Ou seja, “quanto mais próximo o ego do ideal de ego, maiores serão as chances de o indivíduo deixar-se mergulhar em uma massa.” (QUEIROGA; BARONE e COSTA, 2016, p.118) Segundo os autores, há a possibilidade do sujeito se identificar com “ideais de eu” mais flexíveis ou que não ocasionem os estragos citados, e com isso não precisaria anular sua individualidade e recorrer às massas como possibilidade de experimentação de desejos.

Sabe-se que o narcisismo, segundo Queiroga, Barone e Costa (2016) seria um ato de amor que o sujeito volta para si mesmo através de um movimento forte e conservador a ponto de por qualquer mudança em relação a isso como algo de ameaça, porém, tal ato de amor ficaria “suspenso” entre os integrantes da massa e a ameaça se voltaria apenas e muito intensamente contra os grupos e pessoas contrárias a ela.

CONCLUSÃO

Para concluir, sem a intenção de esgotar o assunto, essa breve explicação sobre o funcionamento das manifestações das massas observou que não adiantaria se utilizar de argumentação ou fundamentação de qualquer ordem para modificação da estrutura funcional das mesmas, pois, como já dito, seus membros estão envoltos por uma força que bloqueia toda e qualquer possibilidade de análise que venha a pôr em dúvida a estrutura dos grupos a que pertencem.

Percebe-se que a conquista crescente da liberdade do sujeito contemporâneo o coloca em posição de criação obrigatória de seu projeto de vida e, de acordo com Queiroga; Barone e Costa (2016), se estiver sem a ajuda das instituições responsáveis para tal, o sujeito se colocará frente ao desamparo que o lançará para o interior das massas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A ONDA (Die Welle) – A contaminação fascista. Direção de Dennis Gansel e Peter Thorwart. Alemanha: Paramount, 2008. 1 DVD (101 min.)

BECKER, Ernest. A negação da morte. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. 1.ed. RJ:RECORD, 1973.

BLAUTH, Ângela Cruz. O fenômeno da autocracia dentro do processo grupal. Barbarói. Santa Cruz do Sul. n.46, p.67-80, 2016. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.17058/barbaroi.v0i46.5123>. Acesso em: 10 de Junho. 2019.

ENRIQUEZ, Eugène. Da horda ao estado – Psicanálise do vínculo social.Tradução de Teresa Cristina Carreteiro e Jacyara Nasciutti.1.ed. RJ:JORGE ZAHAR EDITOR, 1990.

FREUD, Sigmund. (1908). “A moral sexual “cultural” e nervosismo moderno”. In. Freud, Sigmund. Obras completas, volume 8: O delírio e os sonhos na gradiva, análise da fobia de um garoto de cinco anos e outros textos. Tradução Paulo Cesar Souza. 1.ed. SP: CIA DAS LETRAS, 2015. p.251-271.

_____.(1913). “Totem e tabu”. In. Freud, Sigmund. Obras completas, volume 11: Psicologia das massas e análise do eu e outros textos. Tradução Paulo Cesar Souza. 1.ed. SP: CIA DAS LETRAS, 2012. p.7-157.

_____.(1914). “Introdução ao narcisismo”. In. Freud, Sigmund. Obras completas, volume 12: Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos. Tradução Paulo Cesar Souza. 1.ed. SP: CIA DAS LETRAS, 2010. p.9-37.

_____.(1921). “Psicologia das massas e análise do eu”. In. Freud, Sigmund. Obras completas, volume 15: Psicologia das massas e análise do eu e outros textos. Tradução Paulo Cesar Souza. 1.ed. SP: CIA DAS LETRAS, 2014. p.9-100.

MAYA, Beatriz Elena. Psicologia das massas: método analógico?. Stylus (Rio J.),  Rio de Janeiro,  n.32, p.181-190. 2016 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2016000100017&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  10  fev.  2020

QUEIROGA, Cíntia Silva; BARONE, Leda Maria Codeço  e  COSTA, Beethoven Hortencio Rodrigues da. Uma breve reflexão sobre a formação das massas nas redes sociais e a busca por um novo ideal do eu. J. psicanal. [online]. São Paulo. vol.49, n.91, p.111-126, 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-58352016000200011&lng=pt&nrm=i.p>. Acesso em: 17 de Jun. 2019

TELLES, Sérgio. Refletindo sobre grupos e massas. Jornal de Psicanálise. São Paulo. v.48, n.88, p.315-322, 2015. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v48n88/v48n88a25.pdf>. Acesso em: 10 de Junho. 2019.

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

2. Todd Strasser se utiliza do pseudônimo Morton Rhue para exposição de suas obras.

3. Experimento realizado na data de 1967 na Califórnia, EUA.

[1] Mestre em Psicanálise, saúde e sociedade – UVA/JR (Universidade Veiga de Almeida) – Atualmente, doutorando pela PUC/RJ em Psicologia clínica.

Enviado: Setembro, 2020.

Aprovado: Fevereiro, 2021.

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Marcio Garrit Pereira

2 respostas

  1. Todo ser humano, tem uma tendência a acompanhar a maioria :Pôr isso ando sempre na contramão.

  2. Excelente trabalho. A dissonância cognitiva também explica influência das massas no comportamento individual ?

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