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Dependência química: terapia cognitiva comportamental (TCC) como estratégia de intervenção

RC: 101985
2.091
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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

 SANTOS, Marcos Antônio Maia Cardoso dos [1]

SANTOS, Marcos Antônio Maia Cardoso dos. Dependência química: terapia cognitiva comportamental (TCC) como estratégia de intervenção. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 11, Vol. 12, pp. 176-189. Novembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/estrategia-de-intervencao

RESUMO

O uso abusivo de substâncias psicoativas pode levar à dependência química e outros transtornos mentais, causando prejuízos na vida dos dependentes e seus familiares. Tratar esta enfermidade é essencial, para que a pessoa recupere o seu bem-estar físico, cognitivo, emocional e social. Problema: quais as estratégias de intervenção a partir da TCC, no processo de recuperação de pessoas com dependência química? Objetivo: descrever as estratégias de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) utilizadas no tratamento de pessoas com transtornos associados ao uso de substâncias químicas. Metodologia: optou-se por uma revisão sistemática de literatura, de artigos científicos baseados em evidências, disponíveis nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Index PSI. Resultados: os resultados obtidos consistiram em oito artigos de estudos de caso clínico e estudos experimentais controlados, que descreveram técnicas de TCC, de intervenção em grupo e individual, voltadas para homens e mulheres adultos, que incluíram avaliação da autoeficácia, entrevistas motivacionais e técnicas de aprendizagem de habilidades desadaptativas, entre outras. Conclusão: a TCC tem sido valiosa no tratamento da dependência química, favorecendo, por meio da conscientização e da aquisição de habilidades, na reeducação, elevando a adesão aos diversos tratamentos, a abstinência e o retorno à prática de atividades da vida diária. Convém o desenvolvimento de novas pesquisas que apontem mais evidências sobre a TCC neste contexto, de modo a contribuir com a amplidão do conhecimento dos profissionais, para a melhoria das intervenções psicoterapêuticas junto aos dependentes químicos.

Palavras-chave: Transtornos relacionados ao uso de substâncias, dependência de drogas, comunidade terapêutica, terapia cognitiva comportamental (TCC), dependência química.

1. INTRODUÇÃO

O consumo de substâncias psicoativas está presente na humanidade desde tempos antigos, em diferentes civilizações. As motivações para o uso destas drogas variam em diferentes culturas, podendo ser utilizadas por motivos religiosos ou místicos, em rituais ou em comemorações. No cotidiano, diversos fatores podem levar ao uso abusivo, causando dependência e outros transtornos mentais. Condições socioeconômicas, estresse, hereditariedade e fatores psicológicos são apontados como preditores para este transtorno (VARGAS et al., 2013).

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2021, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, 2021), aproximadamente 275 milhões de pessoas usaram drogas no mundo em 2020 – um crescimento de cerca de 20% em relação a 2010; e mais de 36 milhões sofreram de transtornos associados ao uso de drogas, neste mesmo ano. O Relatório estima ainda que até 2030 haverá um crescimento do consumo de drogas em torno de 11%, sendo que no continente africano este crescimento será de 40%.

Ainda conforme o Relatório Mundial sobre Drogas (UNODC, 2021), a pandemia de Covid-19 contribuiu com o aumento do consumo de opioides farmacêuticos não prescritos e de morte por overdose destas drogas. O consumo de cannabis tem crescido exponencialmente e o isolamento social decorrente das medidas de contenção da pandemia tem conduzido ao uso destas e outras substâncias nas residências, levando à indução de outros sujeitos, que antes não consumiam drogas ao uso cada vez mais frequente, tendo como consequência, uma Síndrome da Dependência.

Conforme a Classificação Internacional de Doenças – CID-10 – F19.2, a Síndrome da Dependência consiste em fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos, devido ao consumo repetido de alguma substância psicoativa. Caracteriza-se pelo desejo incontrolável de usar a droga, além da dificuldade de manter controle sobre o consumo, fato que conduz à priorização ao uso da droga, deixando de lado as outras atividades. Tal Síndrome também se caracteriza pela elevação da tolerância à substância, o que leva à necessidade do consumo cada vez mais frequente e de doses cada vez maiores (OMS, 1990).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define dependência química, com aspectos semelhantes à classificação CID-10, compreendendo-a como:

O estado psíquico e algumas vezes físico resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância, caracterizado por modificações de comportamento e outras reações que sempre incluem o impulso a utilizar a substância de modo contínuo ou periódico, com a finalidade de experimentar seus efeitos psíquicos e, algumas vezes, de evitar o desconforto da privação (FIDALGO; PAN NETO; SILVEIRA, s.d., p. 2).

Há ainda a necessidade de salientar as comorbidades decorrentes da dependência, tais como a depressão e transtornos do espectro bipolar e psicótico, entre outras. Tais comorbidades devem ser analisadas, a fim de garantir uma avaliação clínica completa e assim, desenvolver um protocolo de intervenção apropriado a cada caso (FIDALGO; PAN NETO; SILVEIRA, s.d.).

Tais dados revelam a necessidade de discutir este tema, tendo em vista os transtornos causados pela dependência química de substâncias psicoativas, evidenciando-se como um problema de saúde pública, e a possibilidade de intervenção psicológica, a partir da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC). Trata-se de “uma terapia baseada em técnicas cognitivas e comportamentais: educação psicológica cognitiva, reestruturação cognitiva, exposição interoceptiva, exercícios respiratórios e relaxamento, todos visando mudanças comportamentais” (GUIMARÃES et al., 2014, p. 336).

A TCC implica em um conjunto de técnicas terapêuticas voltadas para o enfrentamento do problema a partir de um trabalho de aquisição de habilidades, de reeducação e desenvolvimento de estratégias de solução de problemas, podendo ser dividida, grosso modo, em três subtipos: terapias de habilidade de enfrentamento; terapias de solução de problemas; e terapias de restauração, a qual implica em promover pensamentos adaptativos (KNAPP; BECK, 2008).

Como forma de intervir junto às pessoas dependentes químicas e seus familiares, diversas abordagens psicológicas têm sido utilizadas, com destaque para a TCC, foco desta pesquisa. Tendo em vista este destaque, questiona-se: quais as estratégias de intervenção a partir da TCC, no processo de recuperação de pessoas com dependência química?

Para responder este questionamento, o presente artigo desenvolve-se com o objetivo de descrever as estratégias de TCC utilizadas no tratamento de pessoas com transtornos associados ao uso de substâncias químicas. Evidenciam-se as diversas intervenções de TCC, tanto em grupo quanto individuais, no tratamento da dependência química e suas comorbidades, tais como depressão e transtorno do humor bipolar.

2. METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada a partir de uma revisão sistemática de literatura, que, segundo Galvão e Pereira (2014), é uma valiosa contribuição com melhores níveis de evidências, favorecendo a tomada de decisões, tratando-se de um estudo original.

Assim, foi realizada uma busca nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Index PSI, no período de setembro a outubro de 2021. Para tanto foram usados os descritores “Transtornos relacionados ao uso de substâncias”; “dependência de drogas”; e “comunidade terapêutica” (Decs/Mesh); e das palavras-chave “Terapia Cognitiva Comportamental (TCC)” e “dependência química”. Os descritores e palavras-chave foram utilizados combinados, com o conector “AND”.

Para a seleção, foram definidos como critérios de inclusão: artigos publicados no período entre 2008 e 2021; disponíveis na íntegra; em língua portuguesa, inglês ou espanhol. Foram excluídos os artigos duplicados, artigos de revisão, além daqueles que não respondiam ao problema desta pesquisa, editoriais, teses, dissertações e projetos.

Os estudos foram analisados e discutidos, guiando-se por uma abordagem descritiva, a fim de evidenciar as estratégias de TCC para a intervenção no processo de recuperação de dependentes químicos, desenvolvidas pelos autores pesquisados. A discussão das evidências apresentadas emerge como etapa desta revisão, a fim de responder ao problema deste estudo, tendo em vista a necessidade de expandir os saberes a respeito de possibilidades de psicoterapia, que possam contribuir com a recuperação de dependentes químicos, por meio das abordagens aplicadas a partir da TCC.

3. RESULTADOS

Os achados apresentados a seguir foram filtrados a partir da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, sendo inicialmente lidos os títulos, em seguida os resumos, e em seguida, de forma mais detalhada, todo o texto. Observou-se que a maior parte das publicações de ensaios e evidências clínicas datava de ano anterior a 2008; e a maioria dos artigos mais atuais implicava em revisões de literatura, sendo estes excluídos. Assim, foram encontrados 157 artigos, sendo descartados 149 artigos e selecionadas 08 publicações, as quais foram analisadas e discutidas, da forma descrita na Figura 1.

Figura 1 – Fluxograma dos artigos científicos selecionados para a revisão sistemática

Fonte: O autor (2021)

Para melhor percepção, os achados foram sumarizados em autores/ano, tipo de estudo, amostra, estratégia de TCC e principais resultados (Tabela 1).

Tabela 1- Sumarização dos resultados

AUTORES/ANO TIPO DE ESTUDO AMOSTRA ESTRATÉGIA DE TCC PRINCIPAIS RESULTADOS
RANGÉ, Bernard P.; MARLATT. G. Alan. 2008 Estudo baseado em evidências Alcoolistas encaminhados pela Divisão de Vigilância da Saúde do Trabalhador da Universidade Federal do Rio de Janeiro para o Centro de Pesquisa e Reabilitação do Alcoolismo. Tratamento em grupo cognitivo-comportamental de controle do processo de recaídas, para aumento da auto eficácia. As técnicas de interação intrapessoais podem reduzir as sensações de raiva e promover o aprendizado de habilidades que favorecem a redução de recaídas.
FARINA, Marianne. 2013 Relato de experiência 12 pacientes do sexo masculino com dependência química, com idade entre 18 e 52 anos, internados em uma unidade de tratamento de dependentes químicos, com período de internação entre 3 semanas e 1 mês. Sessões de psicoeducação em grupo Melhoria do entendimento dos pacientes sobre a doença; melhoria da sensação de acolhimento e compreensão, maior motivação e esperança para adesão ao tratamento.
GUIMARÃES, Flávia Melo Campos Leite et al. 2014 Estudo de caso 40 pacientes, sendo 22 homens e 18 mulheres. Sessões realizadas em duas etapas: uma etapa de “parar de fumar” com duração de quatro semanas, com 3 sessões / semana; um estágio de manutenção começando com 2 semanas de uma única sessão semanal, seguida por sessões mensais até o final do tratamento de um ano. 24 pacientes pararam de fumar, enquanto 16 recaíram durante o ano; dois abandonaram o tratamento. As mulheres apresentaram melhores resultados: 77,8% pararam de fumar ao final do tratamento, mas apenas 45,4% dos homens alcançaram essa meta.
LUCENA-SANTOS, Paola; ARAUJO, Renata Brasil. 2015 Estudo de caso clínico Paciente do sexo feminino com 52 anos, com dependência química (de álcool, cocaína, tabaco e maconha), transtorno de humor bipolar tipo I e bulimia nervosa tipo purgativo. Tratamento cognitivo-comportamental sinérgico. 10 sessões de TCC, com frequência semanal e duração de 50 minutos e seis atendimentos psiquiátricos concomitantes, com frequência quinzenal. A paciente aderiu ao tratamento farmacológico, diminuiu os comportamentos bulímicos, seu humor ficou eutímico e a fissura para o uso de álcool diminuiu.
SILVA, Eroy Aparecida da et al., 2015 Estudo baseado em evidências 52 pacientes usuários de substâncias e seus familiares (n=75).

 

psicoterapia cognitivo-comportamental familiar breve. Aa estratégias de TCC contribuíram com a aquisição de habilidades de mudança e de comportamentos desadaptativos.
ZARSHENAS, Ladan et al. 2017 Estudo experimental 40 pacientes internados no Hospital Ebnesina, Shiraz, Irã, com dependência química, sem nenhum outro transtorno psiquiátrico. 12 sessões educacionais baseadas em terapia de grupo e controle da raiva de Patrick-Reilly, concentrando-se no uso de uma combinação de intervenção cognitiva, relaxamento e habilidades de comunicação. Diferença significativa entre os dois grupos em relação ao nível de agressão (p = 0,001). Nenhuma relação significativa foi observada entre o nível de agressão e as variáveis demográficas (p> 0,05).
SAHRANAVARD, Sara; MIRI, Mohammad Reza. 2018 Estudo experimental, com grupo controle e grupo teste. 30 pacientes mulheres iranianas que fazem uso abusivo de substâncias. Teste comparativo entre TCC e Terapia Comportamental Dialética (TCD) As intervenções de TCC reduziram a depressão em mulheres usuárias de substâncias psicoativas.
KARSBERG, Sidsel Helena et al. 2021 Ensaio controlado. 300 pacientes de quatro centros de tratamento público de quatro municípios dinamarqueses. Tratamento baseado em TCC e entrevista motivacional, vouchers de atendimento e lembretes de texto, além de medicação conforme a necessidade, com a duração de um ano. Redução na ingestão das substâncias, melhoria do bem-estar psicológico, melhoria na execução de atividades da vida diária.

Fonte: O autor (2021)

4. DISCUSSÃO

Ao descrever o processo de intervenção de TCC, Farina (2013) evidenciou a necessidade de realizar uma etapa inicial de observação, contemplação, para em seguida os pacientes entrarem no estágio de prontidão. Tais etapas foram desenvolvidas com base nos quatro estágios de “pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção (BITTENCOURT, 2009 apud FARINA, 2013, p. 180). Durante a aplicação das estratégias psicoeducativas, o diálogo, os questionamentos no início de cada sessão e o feedback constantes foram essenciais para que os temas fossem definidos, havendo adaptações conforme as necessidades do grupo. A cada sessão, os pacientes tinham a oportunidade de falar sobre si, sobre como passaram a semana e esclarecer dúvidas; em seguida alguns temas eram explicados em relação à dependência enquanto doença, suas características, consequências e possibilidades de enfrentamento.

De acordo com Farina (2013), estas estratégias de intervenção contribuíram com a conscientização e melhor adesão ao tratamento. Quanto às limitações, Farina (2013) salienta o fato de os pacientes estarem internados e serem apenas do sexo masculino, o que limitou a mensuração dos resultados em outros contextos.

Sahranavard e Miri (2018), ao realizar estudo com 30 mulheres dependentes químicas e com depressão, demonstrou que a TCC contribui com a redução dos sintomas depressivos, o que favorece, por sua vez, no controle da dependência. Para medir os níveis de depressão, as pacientes preenchiam a autoavaliação Inventário de Depressão de Beck (BDI). Ao aplicar a TCC e a Terapia Comportamental Dialética (TCD) em grupos diferentes, Sahranavard e Miri (2018) fizeram a comparação entre os resultados, identificando as duas estratégias como positivas. Durante as sessões de TCC, foram levantadas questões em relação à depressão; trabalhadas técnicas de relaxamento progressivo, distração, concentração, dramatização imaginação, consciência emocional e sensorial, memória e lógica cognitiva; também foram realizadas educação e conscientização sobre as diferenças entre realidade e percepção, além de atividades para casa.

Convém observar que o estudo apresentado por Sahranavard e Miri (2018) deteve-se em avaliar os benefícios da TCC e TCD para a redução da depressão em pacientes mulheres. Compreende-se que ao atuar neste comorbidade, as pacientes se fortalecem, favorecendo na redução do consumo abusivo das substâncias psicoativas.

Guimarães et al. (2014), conseguem avaliar o efeito da TCC em homens e mulheres, uma vez que as intervenções foram realizadas em grupos mistos, com o propósito de mensurar a manutenção da abstinência. Após as sessões semanais, que duraram por um ano, Guimarães et al. (2014) puderam fazer uma comparação, verificando que as mulheres obtiveram maior êxito que os homens, quanto ao propósito de parar de fumar; sendo que durante as sessões houve uma recaída de 16 pacientes, além de 2 terem abandonado o tratamento. Contudo, observou-se neste estudo, que a estratégia de TCC apresentou bons resultados, salientando-se as entrevistas realizadas com os pacientes antes e depois das sessões possibilitaram mensurar em que estágio eles se encontravam, se pré-contemplativo (sem motivação para parar); contemplativo (com motivação para parar, mas sem estratégia definida) ou de ação (quando já há uma definição de data ou estratégia para parar de fumar).

Durante as primeiras sessões, Guimarães et al. (2014) definiram um plano para parar de fumar específico para cada paciente, que consistia em três possibilidades: abrupto – parar em uma data definida; redução – reduzir o consumo processualmente; ou adiamento – adiar no cotidiano, o momento de fumar o primeiro cigarro. Tais estratégias foram escolhidas após as sessões de terapia onde o diálogo de conscientização em relação à doença, suas causas e consequências para cada paciente foi primordial, gerando a aquisição de habilidades necessárias de desadaptação.

Nas sessões seguintes, Guimarães et al. (2014) abordavam tópicos envolvendo as reações no processo de parar de fumar, de cada paciente, classificando-as em: assertividade, síndrome de abstinência e reforço da data para desistência. Tais fatores foram discutidos, associados à observação das reações fisiológicas, psicológicas e sociais. Também foram incluídas práticas de relaxamento e respiração, para o aprendizado destas habilidades, as quais podem contribuir com o propósito de parar de fumar. Nas últimas sessões, foram discutidas questões como: “fortalecimento da decisão sobre a data de término; revisão dos obstáculos superados e dos que ainda restam; avaliação dos benefícios esperados após a interrupção” (GUIMARÃES et al., 2014, p. 338).

As estratégias aplicadas por Zarshenas et al. (2017) também foram de terapia em grupo, voltadas para 40 pacientes internados. O foco principal deste estudo foi avaliar a importância da TCC no desenvolvimento de estratégias para a redução da raiva e de atitudes agressivas. As sessões consistiram em diálogos, cujo conteúdo implicava em “gerenciamento da raiva, reconhecimento da raiva, estratégias cognitivas comportamentais para controle da raiva, técnicas assistenciais para controle da raiva e impacto do aprendizado anterior e tarefas práticas” (ZARSHENAS et al., 2017, p. 2).

Rangé e Marlatt (2008) desenvolveram um modelo de TCC voltado para pessoas alcoolistas, tendo como viés também a terapia em grupo, com foco no controle da raiva. Para tanto, atuaram no sentido de promover o controle das recaídas, favorecendo a autoeficácia. Compreendendo que se trata de terapias com foco na reeducação, estratégias de aprendizado de habilidades desadaptativas, ou seja, de construção de novos comportamentos e pensamentos, foram essenciais, de modo que os pacientes tiveram maiores subsídios internos, para lidar com os sintomas da abstinência e não recaírem no consumo abusivo do álcool.

O aprendizado sobre o controle da raiva contribui com a melhoria da socialização e do bem-estar do paciente, sendo a TCC apontada como uma estratégia de grande valor para este propósito em adultos com dependência química, porém, em crianças e adolescentes, pode não ser tão eficiente (ZASHENAS et al., 2017).

Em ensaio controlado com 300 pacientes, Karsberg et al. (2021) desenvolveram intervenções de TCC, com diferentes instrumentos, a fim de promover a redução da ingestão das substâncias psicoativas, elevar o índice de abstinência e de bem-estar. As técnicas utilizadas incluíram entrevista motivacional, fundamental para a adesão à continuidade da terapia e aos tratamentos adjacentes, vouchers de atendimento e lembretes e mediação. Os autores apontaram o total de um ano de pesquisa com os pacientes, sendo que as sessões se encerraram em oito meses, levando a entender que houve um monitoramento destes pacientes após o encerramento das sessões, a fim de identificar os resultados obtidos com a TCC. Destacam-se a melhoria da motivação para a realização de atividades do cotidiano, o que favorece na convivência social, na relação com o trabalho e na interação familiar.

Silva et al. (2015), compreendendo que é importante tratar não somente o paciente, mas seus familiares, que adoecem e sofrem junto com o dependente químico, desenvolveram estratégias de TCC voltadas para 52 pacientes e seus familiares. As técnicas consistiram em atendimento individual e grupal, em aprendizado de habilidades de enfrentamento à doença, voltadas para a aquisição de comportamentos desadaptativos, o que implica em reverter as atitudes que priorizam o consumo das substâncias em detrimento das outras atividades e necessidades pessoais, familiares e sociais; em lidar com a abstinência e reduzir o desejo de consumo.

As técnicas de TCC em grupo são demasiadamente importantes no processo de recuperação dos dependentes químicos, por possibilitar o espelhamento de ações, a troca de informações, o acolhimento mútuo e o fortalecimento da esperança (RANGÉ; MARLATT, 2008; FARINA, 2013; GUIMARÃES et al., 2014; ZASHENAS et al., 2017).

Contudo as estratégias de terapia individual têm a relevância de centrar-se no caso único de cada pessoa, desenvolvendo uma terapia específica. O estudo apresentado por Lucena-Santos e Araújo (2015) é uma evidência da importância desta terapia individual. Neste caso, foram utilizados como instrumentos:

Entrevista estruturada (…); balança decisional; escala analógico-visual (…); cartões de tarefa de casa (…); materiais de psicoeducação explicativos(…); caderno de automonitoramento (…) com critérios do DSM-IV-TR (APA, 2002), para avaliar os sintomas cotidianamente (…); registros de pensamentos disfuncionais (…); e diário alimentar (LUCENA-SANTOS; ARAÚJO, 2015, p. 501).

Convém observar que o propósito da TCC apresentada neste caso por Lucena-Santos e Araújo (2015), visava tratar não somente as questões referentes à dependência química de álcool, cocaína, tabaco e maconha, mas também às comorbidades de transtorno de humor bipolar e bulimia nervosa. Tais condições exigiram uma abordagem mais específica, com o desenvolvimento de estratégias que favorecessem a conscientização da paciente a respeito das próprias enfermidades, limitações e possibilidades de aprendizagem de habilidades que poderiam contribuir com a melhoria do bem-estar. Mais uma vez estas estratégias evidenciaram-se relevantes, tendo como objeto de mensuração, o resultado apresentado de adesão ao tratamento farmacológico, além da redução do desejo pelo uso do álcool e outras drogas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A qualidade das evidências apresentadas nos resultados obtidos eleva a compreensão sobre a importância da TCC no tratamento da dependência química. Ao retomar a questão norteadora “quais as estratégias de intervenção a partir da TCC, no processo de recuperação de pessoas com dependência química?” verifica-se nos achados diversas estratégias de intervenções de grupo e individuais, com sessões semanais, com duração de tratamento de meses a até um ano.

As estratégias identificadas distinguem-se em sessões somente para mulheres, somente para homens e mistas, com técnicas psicoeducativas e de exposição interoceptiva, visando a autoeficácia, adesão ao tratamento farmacológico e terapêutico, o prolongamento da abstinência e o tratamento de comorbidades associadas à dependência das substâncias psicoativas. Sendo o objetivo deste estudo, voltado para esta análise específica, durante a leitura dos estudos selecionados, outro propósito emergiu – o tratamento das comorbidades psíquicas emocionais e relacionais associadas à dependência química.

Esta amplitude de adoecimento associada ao consumo abusivo de álcool e outras drogas elevou o valor da TCC, por tratar-se de estratégias de intervenção com possibilidades diversas de técnicas, as quais implicam na conscientização e fortalecimento das pessoas afetadas – pacientes e familiares. O processo desadaptativo emerge repetidamente nos estudos, compreendendo-se que a TCC atua na mudança de pensamentos e atitudes, que perpassa o autoconhecimento e a conscientização sobre a doença, suas características e meios para superá-la. Por tratar-se de técnicas que conduzem à avaliação da autoeficácia, no processo da abstinência, que emerge da conscientização, a continuidade das sessões é essencial, para que haja fortalecimento emocional dos indivíduos.

Geralmente, a dependência química pode estar associada a outros transtornos, os quais precisam ser tratados de forma concomitante, e por uma equipe multiprofissional. Verificou-se este aspecto em alguns estudos analisados, identificando que a TCC contribuiu com a adesão ao tratamento farmacológico.

Estes dados evidenciados nos estudos analisados confirmam a importância de uma terapia que atue no despertar da consciência, na aprendizagem e na reeducação, pois o processo de superação da dependência química é diário, contínuo e desafiador, exigindo muito mais dos pacientes do que das pessoas com as quais ele convive.

Cabe o desenvolvimento de novas pesquisas, a fim de evidenciar a diversidade de estratégias de TCC e seus efeitos no tratamento da dependência química e assim, contribuir com o tratamento destas pessoas, reduzindo o sofrimento mental, físico e social e melhorando a qualidade de vida destes sujeitos e seus familiares.

REFERÊNCIAS

FARINA, Marianne et al. Importância da psicoeducação em grupos de dependentes químicos: relato de experiência. Aletheia, Canoas, n. 42, p. 175-185, dez. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942013000300015&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 09 out. 2021.

FIDALGO, Thiago Marques; PAN NETO, Pedro Mário; SILVEIRA, Dartiu Xavier da. Abordagem da dependência química: Caso complexo 12 – Vila Santo Antonio. UNA-SUS, UNIFESP, s.d. Disponível em: https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/casos_complexos/Vila_Santo_Antonio/Complexo_12_Vila_Abordagem_dependencia.pdf. Acesso em: 10 out. 2021.

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GUIMARÃES, Flávia Melo Campos Leite et al. Cognitive behavioral therapy treatment for smoking alcoholics in outpatients. Medical Express [online]. v. 1, n. 6, p. 336-340, 2014.  Disponível em: https://www.scielo.br/j/medical/a/GcMvNc3VpgKQmKn59bj4C4m/?lang=en. Acesso em: 10 out. 2021.

KARSBERG, Sidsel Helena et al. Group versus individual treatment for substance use disorders: a study protocol for the COMDAT trial. BMC Public Health, v. 21, n. 413, p. 1-9, 2021. Disponível em: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-021-10271-4.pdf. Acesso em: 10 out. 2021.

KNAPP, Paulo; BECK, Aaron T. Fundamentos. Modelos conceituais, aplicações e pesquisa da terapia cognitiva. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. v. 30, suppl 2, p. s54-s64, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/HLpWbYk4bJHY39sfJfRJwtn/?lang=pt#ModalArticles. Acesso em: 02 out. 2021

LUCENA-SANTOS, Paola; BRASIL ARAUJO, Renata. Tratamento Cognitivo-Comportamental sinérgico de dependência química, bulimia nervosa e transtorno bipolar. Psicologia Argumento, [S.l.], v. 33, n. 83, nov. 2017. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/19863/19167. Acesso em: 09 out. 2021.

OMS. Classificação Internacional das Doenças – CID 10. Organização Mundial da Saúde. 1990.

RANGÉ, Bernard P.; MARLATT, G. Alan. Terapia cognitivo-comportamental de transtornos de abuso de álcool e drogas. Brazilian Journal of Psychiatry [online], v. 30, suppl 2, p. s88-s95, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-44462008000600006. Acesso em: 10 out. 2021.

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[1] Pós-graduado em Psicologia e Ação Social, Pós-graduando em Dependência Química e Psicopatologia, Bacharel em Psicologia. ORCID: 0000-0002-3935-8937

Enviado: Outubro, 2021.

Aprovado: Novembro, 2021.

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Marcos Antônio Maia Cardoso dos Santos

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