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Cobain: Gênese da depressão e ideação suicida

RC: 47161
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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

CLARO, André Luis [1], MELO, Luiz Felipe Silva [2]

CLARO, André Luis. MELO, Luiz Felipe Silva. Cobain: Gênese da depressão e ideação suicida. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 03, Vol. 06, pp. 127-138. Março de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/cobain

RESUMO

O objetivo dessa revisão foi analisar as contingências da vida de Kurt Cobain e efetuar algumas análises funcionais acerca do repertório comportamental do cantor, a fim de identificar aspectos da depressão e da ideação suicida que podem ter contribuído para o seu suicídio. Desse modo, foram pesquisados fatores que permearam, sobretudo, suas presumíveis depressão e ideação suicida, pautando-se em um material fundamentado precipuamente dentro da área de Análise do Comportamento. Após refletir sobre esse material, considerou-se que houve a ratificação de que as respostas e consequências analisadas por meio de relatos do comportamento de Cobain são análogas tanto àquelas sobre a depressão, analisadas por Campos (2007), quanto às investigadas por Moreira e Bastos (2015) sobre a ideação suicida.

Palavras-chave: Depressão, ideação suicida, comportamento, Kurt Cobain.

1. INTRODUÇÃO

Kurt Cobain foi o líder da banda Nirvana nos anos noventa. O músico ditou moda e comportamento para toda uma geração e se matou com um tiro na cabeça, aos 27 anos. Muito se fala que Kurt se matara devido à depressão, às drogas ou mesmo à fama (HECK, 2015). Entretanto, é necessário analisar os comportamentos do músico que permeavam uma suposta depressão, o fazer uso de drogas ou não suportar a pressão do sucesso. Para melhor esclarecer essas questões, optou-se, ao realizar essa revisão de literatura, pautar-se nos materiais fundamentados precipuamente dentro da área de Análise do Comportamento, os quais estivessem associados à depressão, à ideação suicida e, consequentemente, ao próprio suicídio. De acordo com Skinner (1953; 2003), analisar funcionalmente um comportamento diz respeito à identificação das variáveis externas das quais o comportamento é função.

Quais contingências, de forma semelhante, foram emitidas pelo comportamento de Kurt? Tais contingências foram identificadas preteritamente por outros estudos? De todo modo, nesse trabalho, esses fatores estão interligados. A depressão, alvo de estudo de Campos (2007), está contida no estudo da ideação suicida de Moreira e Bastos (2015). A depressão, segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), vai de um grau leve, passando por moderado até grave. Os fatores de maior relevância são rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da atividade, tal como há alteração da disposição para experimentar o prazer e um decréscimo do interesse pelas atividades que antes eram atrativas. Não obstante, a concentração fica prejudicada e uma fadiga mesmo ante a um esforço mínimo se estabelece. A ideação suicida, na explicação de Werlang, Borges e Fensterseifer (2005), diz respeito a diversas manifestações e ideias quanto ao desejo de se matar.

Esses aspectos que, num primeiro momento, estão atrelados ao desejo de morte, vontade de praticar o ato para dar cabo de algo intolerável, num segundo momento, a gravidade se intensifica, pois tais aspectos se manifestam por meio de objetivas ameaças que visam colocar fim à própria vida, e, ainda, compreende-se manifestações e comportamentos verbais, ainda que o ato suicida não tenha sido consumado pelo sujeito. Desse eixo temático, presume-se que os comportamentos de Cobain continham fatores da depressão e da ideação suicida e, consequentemente, podem ter contribuído para o seu suicídio. Partindo-se dessa premissa, sugere-se que comportamentos equivalentes podem ser selecionados por pessoas inseridas em contextos semelhantes, o que vem a ser primordial para uma intervenção precoce, a fim de se evitar o suicídio.

2. METODOLOGIA

No presente trabalho foram escolhidos artigos sobre depressão, ideação suicida e suicídio, posteriormente contextualizados em grande parte na Análise do Comportamento. Para tanto, foram utilizados livros propriamente sobre a referida abordagem para a fundamentação e clarificação desses artigos e livros, além da análise de um documentário e de uma obra biográfica sobre Kurt Cobain. Dessa maneira, houve a leitura do livro biográfico intitulado “Mais Pesado que o Céu (CROSS, 2002)”, analisou-se um documentário sobre o cantor: Cobain: Montage of Heck (2015) e os seguintes livros do autor Skinner: Ciência e Comportamento Humano (1953/2003) e Sobre o Behaviorismo (1974). Essas pesquisas foram realizadas por meio do Google, considerando bancos de dados de universidades, como USP, UFMG, PUC e UNB, tendo como primeiro critério de predileção a inserção dos tópicos depressão, ideação suicida, suicídio e Análise do Comportamento no buscador.

Foram encontrados, a princípio, 8.240.000 resultados para a depressão, 93.100 para a ideação suicida, 9.240.000 para o suicídio e 1.200.000 para Análise do Comportamento. Desses resultados, foram analisados 54 artigos sobre depressão, 26 sobre ideação suicida, 31 sobre suicídio e 37 sobre Análise do Comportamento. Posteriormente ao exame desses materiais, a manutenção ou descarte de artigos, novas buscas foram realizadas. Agora o parâmetro era o de complementação e evitação de repetição de conteúdo, o que levou a seleção de novos artigos e descarte de alguns ainda da primeira busca. Esse descarte foi realizado seguindo o critério de analogia entre o que se propõe no trabalho e o que foi apurado no resumo desses artigos. Foram obtidos os mesmos resultados totais de pesquisa. Por sua vez, o documentário e o livro foram pesquisados à parte, tal como pelo Google, porém com a palavra livro ou documentário anteposta à palavra Kurt Cobain, sendo 155.000 resultados no Google para documentários e em média 12 resultados para livros.

Também foi feita a busca em sites como Youtube, Vimeo e, especificamente, em livros digitais. Foram encontrados resultados mais parcos, como o de 4 documentários e 3 livros. Apenas um livro de fato serviu como fundamentação teórica. Embora 2 documentários tenham sido assistidos, apenas um foi utilizado como fonte de pesquisa. Primeiro foi realizado o exame dessas pesquisas qualitativas e quantitativas disponibilizadas nos artigos. No documentário, houve a seleção dos relatos das pessoas próximas a Kurt Cobain, das narrações e textos deixados pelo próprio cantor. A seguir foram somadas, a essas pesquisas, as orientações e determinações a respeito do suicídio na área de psicologia e de saúde de um modo geral. Por fim, foram elaboradas contingências que foram utilizadas em algumas análises funcionais da personalidade do cantor. Desse modo, chegou-se a um denominador comum entre os comportamentos de Kurt Cobain e aqueles investigados nas pesquisas sobre depressão e ideação suicida.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a realização deste trabalho predominaram-se duas dessas pesquisas: uma dissertação de mestrado de Campos (2007), que realizou um estudo com cinco pessoas, sendo elas quatro homens e uma mulher, entre trinta e nove e cinquenta e três anos de idade, que sofriam de depressão. Essas pessoas sofriam de depressão leve ou moderada e faziam uso de medicação. A autora analisou, individualmente, os comportamentos prevalentes, utilizando o Inventário de Depressão de Beck, entrevistas clínicas e auto-observação para selecionar tais comportamentos. Dando sequência, realizou novas entrevistas clínicas no intuito de angariar dados quanto à função dos comportamentos de maior incidência e informações sobre a vida pregressa dos componentes da pesquisa. A análise dos dados foi feita privilegiando os procedimentos da Análise do Comportamento que, porventura, mantinham relação com o comportamento analisado.

Tais fatores ficaram cuidadosamente sintetizados quando Campos (2007) definiu que o que determina os comportamentos, ao longo de sua história, são as variáveis ambientais. De uma maneira mais precisa, o organismo supostamente possui uma sensibilidade que lhe é inerente para vincular as implicações das consequências a certas condições antecedentes. Em seu estudo, ainda é suscitado como comportamento de maior frequência o reforçamento negativo, logo com função de esquiva de situações aversivas. Júnior, Souza e Dias (2005), em seu estudo, descrevem a esquiva como o afastamento de algo aversivo antes que ele se apresente. Nesse contexto, tratando-se do de reforço negativo, Skinner (1953; 2003) explica que tal reforço aumenta a probabilidade de o comportamento voltar a ocorrer pela retirada de um estímulo aversivo do ambiente.

Na história de aprendizagem desses sujeitos estudados por Campos (2007), além do reforçamento negativo, sobressaíram-se frequentes ocasiões de esquiva, baixa incidência de reforçamento positivo, punições frequentes na infância e perda de reforçadores positivos. Skinner (1974) entende que o reforço positivo ocorre quando há a adição de um estímulo reforçador ao ambiente capaz de intensificar a probabilidade de o comportamento voltar a ocorrer. Já em relação às punições, a definição funcional é a de que determinada consequência reduz a frequência do comportamento que a produz. Por ser restrito o acesso aos eventos privados de Kurt, ao longo desse trabalho, intensificou-se a possibilidade de verificar se as contingências analisadas por Campos (2007) poderiam ser identificadas nos eventos públicos do músico.

Desse modo, foi necessário lançar mão da análise funcional de Kurt e, posteriormente, correlacioná-la ao que foi revelado pelos resultados obtidos pela autora. Sendo esses resultados semelhantes em todos os participantes, Kurt Cobain parece ter selecionado comportamentos em contingências idênticas quando sofria de uma provável depressão. Esses mesmos aspectos e elementos da depressão descritos por Campos (2007) atingem um percentual considerável da população mundial. De forma concernente, os relatos de Kurt Cobain sugerem características de um processo depressivo, decerto tendo, mais tarde, como resultado, a ideação suicida. Ao dizer que não queria a vida depois dos trinta, pois julgava que, naquela idade, viver não seria bom (CROSS, 2002), o músico ampara essa presunção. Porém, o que provavelmente levava Kurt a agir daquela maneira era a consequência de ter a atenção do amigo ou um pedido de ajuda.

Ainda sob essa conjuntura da depressão e ideação suicida, a maneira de o jovem Cobain encarar a vida deixou Ryan Aigner, um amigo, estarrecido, o levando a ver, em Kurt, uma personalidade suicida. Concluiu que Kurt aparentava ser um suicida, pois caminhava e falava como um suicida (CROSS, 2002). Ainda, nesse sentido, efetua-se nova analogia entre a perda de reforçadores identificada nos indivíduos analisados por Campos (2007) e Kurt Cobain. Inicialmente, tem-se que o músico, quando criança, eventualmente recebia presentes tanto da mãe quanto das tias, além de elogios dos professores (HECK, 2015). Posteriormente, sobreveio o divórcio dos pais — evento que lhe funcionara como punição negativa — e, consequentemente, lhe findou o contato com os poucos amigos e parentes (HECK, 2015), ou seja, Kurt perdeu seus reforços positivos.

Segundo Skinner (1953; 2003), houve a diminuição da probabilidade de se repetir o comportamento devido à subtração de um estímulo reforçador do ambiente. Ao não ter mais acesso a esses presentes e elogios da família e professores, o músico provavelmente julgou não haver mais a probabilidade de ser recompensado, colocando em extinção aqueles comportamentos. A extinção ocorre quando determinado comportamento não mais é reforçado (SKINNER, 1974). Tais ocorrências podem ter contribuído para o seu isolamento e prenúncio de sua depressão. Em outro estudo, uma revisão de literatura dos autores Moreira e Bastos (2015), sobre ideação suicida em adolescentes, detectou-se fatores que têm grande incidência no sujeito que pensa e almeja se matar. Alguns desses fatores são: depressão, desesperança, isolamento, ansiedade, baixa-autoestima, falta de comunicação com os pais, abuso físico na escola, uso de substâncias e pertencer ao sexo feminino.

Quais deles não estiveram presentes na vida de Cobain, senão pelo fato de o músico não pertencer ao sexo feminino? De qualquer modo, não há como analisar o suicídio em si, a não ser que fosse possível contato ulterior com a vítima. Portanto, resta analisar os comportamentos de Kurt Cobain que precederam seu autoextermínio. Entre esses comportamentos, destaca-se que o músico, embora possuidor de habilidades precoces, viveu como qualquer outra criança até por volta dos 9 anos de idade. Sua mãe, Wendy, cuidava de reforçar positivamente a aprendizagem do filho, adquiria sempre material de apoio e os irmãos e irmãs dela estavam imbuídos no desenvolvimento de Kurt, tal como toda a família (HECK, 2015). Tais cuidados estão diretamente ligados ao pleno progresso do menino Cobain, mais especificamente em se tratando da música e do desenho. Era uma criança muito inquieta e curiosa.

Todavia, não demorou para que esses aspectos de Kurt levassem os pais a procurar por um pediatra, o qual receitou um medicamento muito semelhante à atual Ritalina. Sabe-se que a Ritalina pode ser um preditor de dependência química na idade adulta (CROSS, 2002). Pouco depois, com o divórcio de seus pais, Kurt se isola. Seus comportamentos, antes fundamentados em reforçadores positivos, diminuem de frequência, ele passa a se comportar por reforçamento negativo, porquanto passa a beber, possivelmente, para evitar entrar em contato com estímulos aversivos. Dever-se-ia evitar, conforme é explicitado em Heck (2015), seus pensamentos de ruína e de que era uma criança pior do que as outras devido ao divórcio dos pais. O estímulo aversivo ou estímulo punidor diz respeito a dado evento que, se apresentado, reduz a frequência de um comportamento e se retirado a aumenta (JÚNIOR; SOUZA; DIAS, 2005).

Antes de partir definitivamente para a rua, Kurt tentou morar sem êxito com o pai, com a mãe, com amigos e outros parentes, terminando por passar muitas noites numa recepção de um hospital, fazendo de cama os bancos dali. Para piorar, passou a restringir as amizades, indicando um comportamento de esquiva. Kurt optava por locais desertos. Preferia a companhia de sua guitarra, violão e de seu caderno de desenho, sem contar a bebida e as drogas (HECK, 2015). Esse isolamento pode ter convindo para sua ideação suicida, a qual, supostamente, torna-se mais evidente em seus comportamentos na adolescência. Quando estava com quatorze anos de idade, Kurt realizou alguns curtas-metragens em super 8. A Câmera era dos pais e serviu para o músico mostrar seu lado criativo e sombrio. Primeiro por meio de um filme de alienígenas modelados em argila pelo próprio Kurt.

Nesse curta-metragem, os alienígenas invadem sua casa. O músico se empenhou em convencer um amigo mais novo de que era real a cena. Num outro filme, Kurt é o protagonista que, no fina,l se mata cortando os pulsos com a metade de uma garrafa estilhaçada (CROSS, 2002). Dois anos mais tarde, Kurt, perdeu a virgindade com uma deficiente intelectual. Outros amigos de Kurt igualmente iam para a casa dessa menina. Aproveitando-se da ausência dos pais dela, sacavam a despensa, assistiam à TV e assaltavam a geladeira. Esses amigos souberam do feito de Kurt, uma vez que a família da menina relatou o caso à escola onde o músico estudava. Ele foi impetuosamente satirizado na escola (HECK, 2015). Naquela noite, Kurt bebeu e se drogou, foi para o trilho do trem, colocou placas de concreto no peito e nas pernas e esperou que o trem passasse por cima dele. Mas o trem mudou seu rumo (HECK, 2015).

Retomando algumas correlações, a exemplo da sua perda de reforçadores positivos ocorrida a partir de o momento em que reside por um curto período com o pai e não mais tem contato com a mãe e as tias, pessoas que mais lhe provinham reforços positivos, tem-se, notavelmente, que tais fatores são análogos ao estudo de caso de Campos, (2007). A depressão, o isolamento, a falta de comunicação com os pais, inseridos no estudo de Moreira e Bastos (2015), são, também, descritos nas contingências do músico, quando ele opta por morar sozinho. Nessas contingências estão inseridas as conversas de Kurt a respeito de seu desejo de se matar. Elas talvez fossem assuntos aversivos para seus amigos, ao passo que põem em dúvida se não os afastavam dele. Por outro lado, há indícios que levem a justificar essa predileção de Kurt pelo suicídio por meio das tentativas de suicídio ocorridas na família, o que recai no pressuposto da aprendizagem por modelação.

A modelação, de acordo com Júnior, Souza e Dias (2005), ocorre ao se ter um modelo que possa servir de perito ou instrutor. O irmão mais velho de Leland, seu tio-avô de 66 anos, Burle Cobain, dois anos antes, se baleara no estômago e na cabeça com uma pistola calibre 38. O corpo fora encontrado por Leland. A hipótese para a causa do suicídio fora a de que esse seu tio estava à iminência de sofrer uma acusação por agressão sexual (CROSS, 2002). Apesar de ser um dos tios que mantinha menos intimidade com a família, Kurt invariavelmente relatava o caso para os seus amigos. E acrescentava que fora devido à recente morte de Jim Morrison que o tio se matara. Detalhe: Jim Morrison havia morrido dez anos antes. De toda forma, e apesar do tratamento cínico de Kurt com o assunto, para Leland, o suicídio foi algo aterrador. Em outro caso na família, um ano antes, mais precisamente em 1978, Ernest, também irmão de Leland, apesar das advertências de que morreria se não parasse de beber, sofreu um acidente.

Caiu de uma escada, o que provocou um aneurisma e em decorrência desse aneurisma houve um derrame cerebral que o matou. Vê-se que a causa não foi oficializada como suicídio, embora houvesse evidência para isso (CROSS, 2002). Em outro momento, ao sugerir que Kurt deveria ser artista, John Fields, um amigo, ouviu como resposta do impassível músico que os planos deste eram os de ser um superastro da música e então se matar numa chama de glória. Apesar de Fields ter repugnado o que ouvira, Kurt prosseguiu insistente, declarando que queria ser rico e famoso e se matar como havia feito Jimi Hendrix. Embora o suicídio de Hendrix fosse uma mentira, outros amigos relatam que essa mesma conversa teve outras roupagens, mas com o mesmo final macabro. Kurt estava com 14 anos nessa época e já por essa fase mais ninguém ficava surpreso com a displicência com que ele abordava o suicídio (CROSS, 2002).

Na oitava série, Kurt, junto de dois amigos, Burgahardt e Rod Marsh, ao caminharem para a escola, depararam-se com um rapaz enforcado, o corpo dependurado numa árvore, do lado de fora da escola. Durante meia hora ficaram contemplando o corpo e só se foram quando um funcionário da escola os afastou dali (CROSS, 2002). Em decorrência da história da própria família e de incidentes como aquele, o suicídio se tornaria um conceito e uma palavra sem o peso de sua significação para Kurt. Pelo contrário, era atávico ao seu ambiente, outrossim o alcoolismo, a pobreza ou as drogas. Kurt ponderou a Marsh que possuía a genética de um suicida (CROSS, 2002). Analisando alguns desses comportamentos do músico, pode-se presumir que com as tentativas de evitar estímulos aversivos, fosse por meio do álcool ou de entorpecentes, o cantor obtinha uma redução temporária da ansiedade.

Ou, mais precisamente, conforme Zamignani e Banaco (2005), alcançava uma redução do contato ou a proscrição do estímulo o qual temia. Consequentemente, essas atitudes do músico reforçavam negativamente os seus comportamentos de esquiva. Em suma, a causa da depressão de Kurt, possível e incialmente, adveio das contingências punitivas as quais viveu. Dessa perspectiva, pode-se citar novamente o caso de bullying na escola, posteriormente, a perda do vínculo com a família e, por fim, sua imersão na heroína. De modo geral, o sujeito tende a levar essas punições para outras áreas de sua vida, se os próprios pais de Cobain o puniram o “abandonando”, como crer que estranhos não fariam o mesmo? Dessa forma, sugere-se que houve, por parte do músico, a emissão de comportamentos para aliviar o desconforto, essa ansiedade, por meio de reforçamento negativo (bebidas e drogas, a própria música).

Não obstante, havia pessoas com tentativas de suicídio na família, mais do que isso, havia a insistência de Kurt em dizer que o suicídio estava em sua genética (CROSS, 2002). O que pode ser verdade, visto que Mann (2002) apud Abreu et al (2010) corrobora com essa declaração do músico. Para o autor, da genética pode nascer a conduta suicida. Há indícios cada vez maiores de que a genética intervém na predisposição ao autoextermínio, pois o comportamento suicida é tão hereditário quanto os distúrbios psíquicos, como, por exemplo, a esquizofrenia. Partindo-se de duas passagens anteriormente mencionadas, uma em que Kurt diz não querer a vida após os trinta anos e outra na qual sinaliza que se mataria numa chama de glória, pode-se inferir que a ideação suicida está contida em ambas, o que nos remete ao estudo de Moreira e Bastos (2015), visto que Kurt não permite apreender nenhuma esperança quanto ao seu futuro.

Podemos retomar sobre sua aprendizagem por modelação com base numa possível internalização dos suicídios dos tios pelo músico. Além disso, houve a ocasião do suicídio do aluno à entrada da escola (CROSS, 2002). Afinal, Kurt seguiu a vida com o paulatino agravamento daqueles comportamentos. E entre tentativas de suicídio e períodos de abstinência, ele, gradualmente, tornava-se um ícone ao passo que se chafurdava na heroína. Embora tivesse casado e, posteriormente, tido uma filha, o músico passou a cancelar turnês, isolar-se da própria esposa — embora julgasse que ela se distanciava —, comumente com ataques de ciúmes, ideia fixa de se matar, logo não merecia viver. Em certa ocasião, ingeriu uma grande quantidade de um certo medicamento com champanhe, já que achava que a esposa estava distante e o traindo com um vocalista de uma outra banda (HECK, 2015). Nas comparações entre os estudos e nas análises funcionais das tabelas, esses comportamentos do músico e os prováveis motivos de assim se comportar são circunstanciados.

Tabela 1: Comparação entre os estudos

Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

Tabela 2: Análises funcionais de Cobain

Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Equiparando o que foi investigado nas contingências da vida de Kurt Cobain e nas pesquisas e artigos, mais precisamente no estudo de Campos (2007) e Moreira e Bastos (2015), foi visto que o mais prevalente na vida do músico foi o reforçamento negativo e a perda de reforçadores positivos. Outro aspecto que se evidenciou foi seu isolamento e comportamento de esquiva, ou seja, o fato de Kurt Cobain supostamente evitar situações que lhe incomodassem ou pudessem lhe trazer à tona sensações preteritamente experimentadas. Destaca-se, entre elas, o divórcio dos pais, tido como punição negativa. Igualmente, há que se relevar a desesperança quando o músico foi taxativo ao dizer que não queria chegar aos trinta anos, pois se mataria numa chama de glória. Não bastasse, houve o emprego de reforços negativos, por exemplo, nas ocasiões em que fazia uso de entorpecentes, a fim de evitar estímulos aversivos.

Foi possível, ainda, constatar que seus comportamentos de esquiva provavelmente contribuíram para levá-lo à depressão, pois comportamentos de esquiva semelhantes nas análises feitas por Campos (2007) desencadearam depressão em seus participantes. Em suma, a ratificação das respostas e consequências analisadas por meio de relatos do comportamento do músico foram equivalentes às contingências das pessoas estudadas por Campos (2007) e àquelas investigadas por Moreira e Bastos (2015), provavelmente, contribuindo para o suicídio do músico.

Para tanto, espera-se que esse trabalho sirva de subsídio para pesquisas não apenas inseridas na Análise do Comportamento, mas para aqueças em que os profissionais estejam interessados em compreender melhor o comportamento humano, mais precisamente os relacionados ao suicídio. O propósito então se estende a fim de que os fatores explicitados nesse estudo sirvam de alerta, isto é, possam possibilitar uma prevenção ao suicídio. Nesse sentido, deve-se atentar para os comportamentos subentendidos, ou seja, aqueles eventos encobertos do sujeito, desde sua tenra idade, não apenas aqueles que dizem respeito aos eventos públicos mais graves e explícitos. Somente assim poderá haver uma intervenção mais efetiva do suicídio.

REFERÊNCIAS

ABREU, K. et al. Comportamento suicida: fatores de risco e intervenções preventivas. Revista Eletrônica De Enfermagem, v. 12, n. 1, 2010.

BRETT, M, Cobain: Montage of Heck. EUA, 132 min. Produção: Brett Morgen, Danielle Renfrew, 2015, 1 DVD.

CAMPOS, A. P. A. Análise Funcional em Depressivos. 2007. 112 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2007.

CID-10, Código Internacional de Doenças. Disponível em http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/webhelp/f30_f39.htm.  Acesso em: 20 jan. 2018.

CROSS, C. R. Mais pesado que o céu. Rio de Janeiro: Globo, 2002.

JÚNIOR, R. R. T.; SOUZA, M. A. O.; DIAS, M. F. Vocabulário de análise do comportamento.  Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Federal do Pará, 2005. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~vocabularioac/vocabularioac.pdf. Acesso em: 14 fev. 2020.

MOREIRA, L. C. de. O.; BASTOS, P. R. H. de O. Prevalência e fatores associados à ideação suicida na adolescência: revisão de literatura. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v. 19, n. 3, p. 445-453, 2015.

SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Originalmente publicado em 1953).

SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974.

WERLANG, B. S. G.; Borges, V. R.; Fensterseifer, L. Indícios de Potencial Suicida na Adolescência. Psicologia Revista, v. 14, n. 1, p. 41-57, 2005.

ZAMIGNANI, D. R.; BANACO, R. A. Um Panorama Analítico-Comportamental sobre os Transtornos de Ansiedade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 7, n. 1, 2005.

[1] Pós-graduação em Neuropsicopedagogia e Graduação em Psicologia (Bacharel).

[2] Mestre em Psicologia.

Enviado: Setembro, 2019.

Aprovado: Março, 2020.

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André Luis Claro

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