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Registro de imóveis e a proteção ambiental: A necessidade da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel

RC: 62244
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FERNANDES, Marina Maria Granjeiro [1]

FERNANDES, Marina Maria Granjeiro. Registro de imóveis e a proteção ambiental: A necessidade da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 10, Vol. 10, pp. 131-146. Outubro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/registro-de-imoveis

RESUMO

Trata-se o presente artigo da análise da necessidade da averbação do instituto da reserva legal na matrícula imobiliária, haja vista a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 que instituiu o Código Florestal dispensou essa averbação. Ocorre que por estar tratando-se diretamente do direito de propriedade, o sistema registral brasileiro apregoa que quaisquer mudanças que possam afetá-lo devem ser noticiadas na matrícula do imóvel. A pesquisa constatou que apesar da dispensa da averbação da reserva legal, ainda deverá continuar sendo averbada, uma vez que garante uma maior segurança jurídica nas relações envolvendo bens imóveis rurais. Será utilizada a metodologia exploratória, por meio do estudo doutrinário e análise da legislação brasileira.

Palavras-Chave: Registro de imóveis, propriedade, meio ambiente, reserva legal, averbação.

INTRODUÇÃO

O direito de propriedade é um instituto jurídico de salutar importância no ordenamento jurídico brasileiro, tendo proteção constitucional como direito fundamental. Nesse mesmo raciocínio tem-se o direito ao meio ambiente como direito fundamental, haja vista sua proteção constitucional.

Ocorre que o Código Florestal Brasileiro dispensou a obrigatoriedade, anteriormente vigente, da averbação da reserva legal na matrícula imobiliária, contrariando assim o ordenamento jurídico vigente, haja vista todas as alterações que afetem a propriedade devem ingressar no fólio real para que tenha oponibilidade contra todos.

Diante desse quadro, o presente artigo tem o objetivo de responder a seguinte pergunta: a dispensa em se proceder com a averbação da reserva legal prevista no Código Florestal deverá ser observada?

Responder a esse questionamento é de suma importância, haja vista a afetação do instituto da propriedade, uma vez que se faz necessário que todas as pessoas possam saber qual é a real situação da propriedade imobiliária rural para que as negociações e tratativas envolvendo esse direito sejam realizadas com segurança jurídica.

Assim, se faz necessário que todos os direitos e obrigações que possam de algum modo modificar a propriedade rural estejam plenamente descritos na respectiva matrícula imobiliária, uma vez que são nos cartórios que se dão as tratativas envolvendo referidos imóveis, sendo, portanto, o lugar onde deverá conter todas as informações.

O presente estudo é de grande importância, haja vista influenciar principalmente nas relações negociais envolvendo bens imóveis rurais afetados pela reserva legal, pois as partes envolvidas nesse tipo de relação jurídica, não dispõe de aspectos que identifiquem a real situação imobiliária daquele imóvel.

Desta maneira, o artigo encontra-se estruturado da seguinte forma: o primeiro tópico fala sobre a propriedade rural que é afetada pelo instituto da reserva legal. O segundo tópico aborda a reserva legal, trazendo seu conceito legal e seus aspectos e o terceiro tópico trata sobre a publicidade registral e o meio ambiente.

Ocorre que, a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 – Código Florestal, trouxe consigo a desnecessidade de averbação da reserva legal na matrícula no respectivo registro de imóveis, indo de encontro ao que apregoa o ordenamento jurídico.

Referida dispensa vem causando diversos transtornos para os proprietários, pois a atual legislação obrigada que a reserva legal não mais seja averbada no respectivo cartório, mas sim seja feito o seu registro no cadastro ambiental rural – CAR, órgão este que não está presente na grande maioria das cidades brasileiras.

Sendo assim, o principal alvo de discussão gira em torno da necessidade ou não da averbação da reserva legal na matrícula imobiliária, tendo em vista a dispensa legal trazida com o Código Florestal, sendo de suma importância esse debate, pois influencia diretamente nas relações negociais envolvendo imóveis rurais nesta situação.

1. A PROPRIEDADE RURAL AFETADA PELA RESERVA LEGAL

Desde o princípio das sociedades, observou-se a importância das relações de homem e bem. Notou-se que o posseiro na grande maioria dos casos é o dono e que precisava de proteções jurídicas, diante da necessidade do Direito em relação a coisa e o homem.

Sabe-se que para viver em sociedade deve-se observar os princípios, as regras e o ditames legais do ordenamento jurídica, cujos conceitos alteram-se e evoluem com o passar do tempo.

Pode-se afirmar que o direito de propriedade também vem passando por diversas transformações, não sendo mais entendido como um direito que pode ser exercido de forma independente e sem quaisquer limitações.

Inicialmente, a propriedade era considerada um direito autônomo, que poderia ser exercido conforme as intenções do seu respectivo proprietário, mas com o passar do tempo e com a evolução da sociedade, referido direito passou por diversas alterações, tendo sido mudado o seu conceito.

Assim, em que pese a propriedade merecer a sua proteção legal, também deverá ser protegido o meio ambiente, uma vez que é dever de todos a sua proteção, conforme preceitua a nossa Constituição Federal em seu artigo 225.[2]

Ademais, deve-se observar, o cumprimento da função social da propriedade e também a função ambiental, conceitos jurídicos basilares do direito de propriedade. Este é o entendimento Belchior (2017, p.176):

Assim, a função social da propriedade é o gênero, do qual função ambiental é uma espécie, o que faz surgir o conceito de função socioambiental da propriedade. Até porque existem outras condicionantes previstas no ordenamento jurídico para o cumprimento da função social que não se limita à proteção ambiental. A função ambiental (ou socioambiental) da propriedade não é um simples limite ao exercício do direito de propriedade, mas um verdadeiro recondicionamento, na medida de em que impõe ao proprietário uma série de obrigações positivas e negativas. Atribuir função social ao direito de propriedade significa subordinar o seu exercício ao respeito a interesse alheios aos do proprietário.

Conforme o ensinamento trazido, a função ambiental da propriedade impõe diversos direitos e obrigações para o proprietário, o que mostra que o direito de propriedade não é mais um direito autônomo, como era o antigo entendimento da sociedade, mas sim um direito que deve ser exercido com responsabilidade social.

Deste modo, limita-se esse estudo a falar sobre a propriedade rural afetada pela reserva legal, pois é nela que há a maior expressão da presença meio ambiente e a necessidade de sua proteção, para que seja efetivado o papel constitucional de garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Não se aborda aqui o conceito de propriedade urbana, pois nela não há a expressão da reserva legal, sendo este um instituto jurídico que afeta as propriedades imobiliárias rurais.

O conceito de propriedade rural encontra-se previsto na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra, sendo considerado rural independentemente de onde esteja localizado, assim, em grandes centros urbanos pode-se ter imóveis rurais, pois o que caracteriza um imóvel rural é se nele está havendo exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial.[3]

Nesse mesmo interim, a Constituição Federal traz explicitamente quando a propriedade rural cumpre sua função social, conforme dicção do artigo 186.[4]

Deste modo, a propriedade rural não poderá ser vista como um conceito isolado e sem quaisquer limitações, uma vez que há mandamento constitucional determinando a observação de limites a serem estabelecidos, bem como requisitos a serem cumpridos, sendo um deles a preservação do meio ambiente.

A proteção ambiental é de salutar importância em nosso ordenamento jurídico, tendo previsão constitucional. Assim, diante disso, se faz necessário analisar a correlação entre a propriedade rural e o instituto da reserva legal, o qual será delineado no tópico a seguir.

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESERVA LEGAL

É dever de toda a sociedade e do Poder Público a proteção ao meio ambiente. Tratando-se especificamente da propriedade rural, se faz necessária a sua proteção por meio dos instrumentos jurídicos existentes no nosso ordenamento jurídico, sendo um deles a reserva legal.

A Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que instituiu o Código Florestal, traz a definição da reserva legal artigo 3º, inciso III, que de forma suscita significa uma área localizada dentro do imóvel rural que deve ser protegida a fim de manter o ambiente ecologicamente equilibrado.[5]

Assim, todo imóvel rural deverá manter essa área destinada à área de reserva legal, conforme percentuais expressamente previstos no Código Florestal.[6]

Observar-se pela leitura dos dispositivos, a reserva legal é um instituto jurídico que limita o direito de propriedade, haja vista a necessidade da sua preservação pelo proprietário ou mesmo pelo possuidor, uma vez que para a proteção ambiental não importa se trata-se do proprietário ou do mero possuidor, importando o único fim de preservar o meio ambiente.

Assim, o instituto da reserva legal é de suma importância para a preservação ambiental, haja vista criar a obrigação de todo proprietário ou mesmo possuidor, manter em seu imóvel essa área destinada a preservação da fauna, flora, bem como o aproveitamento sustentável dos recursos que ali existam.

Tal responsabilidade é clara e nítida, não deixando margens para quaisquer dúvidas acerca da obrigatoriedade da sua preservação, atuando o legislador infraconstitucional conforme os ditames constitucionais.

Ainda no referido Código Florestal, com o objetivo de unificar as informações acerca das áreas rurais e suas respectivas situações, o legislador criou um cadastro denominado Cadastro Ambiental Rural – CRA, como instrumento de política pública de proteção ao meio ambiente.

Trata-se o CAR de um registro público eletrônico e obrigatório para todos os imóveis rurais que existam no Brasil, cujo interesse do Poder Público é reunir as informações ambientais desses imóveis.[7]

Pela leitura do dispositivo percebemos que com base nesse cadastro – CAR, o poder público irá controlar, monitorar e planejar os imóveis rurais no tocante às informações ambientais, por meio das informações que se referem ao meio ambiente e que atingem os imóveis rurais.

É neste interim que se encontra a questão cerne deste estudo, pois o Código Florestal dispensou a necessidade de averbar o instituto da reserva legal na matrícula imobiliária, contrariando assim a obrigação contida na Lei de Registros Públicos que determina a respectiva averbação da mesma junto ao registro de imóveis.

Referida dispensa vem causando diversos transtornos, pois atualmente não se sabe como encontra-se a situação jurídica dos imóveis, haja vista os problemas enfrentados para conseguir realizar o registro da reserva legal no CAR, conforme será delineado no tópico seguinte.

3. A PUBLICIDADE REGISTRAL E A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

A nossa constituição federal no seu artigo 236, trata sobre os serviços notariais e de registros, descrevendo que são exercidos em caráter privado por meio da delegação do Poder Público, e em seu parágrafo primeiro aduz que lei infraconstitucional regulará as atividades dos notários e registradores, sendo essas leis a 8.935/94 (Estatuto dos Notários) e a 6015/73 (Lei de Registros Públicos).

Além da verificação dos aspectos registrais, se faz necessário evidenciar a obrigação de proteger o meio ambiente, sendo este um dever constitucional de todos, cuja previsão legal existe expressamente na Constituição Federal.

O sistema registral brasileiro é constitutivo, que significa dizer que a  propriedade de um bem imóvel só é adquirida com o registro.

Referida previsão legal encontra-se no artigo 1.245 do CC, o qual transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.[8]

Assim, para que alguém seja havido como proprietário de um determinado imóvel, precisa que essa informação conste na matrícula deste imóvel no respectivo Cartório de Registro de Imóveis competente.

A essa necessidade de constar na matrícula do imóvel a informação de quem é a sua propriedade e demais informações atinentes ao imóvel, é o que se chama do princípio da publicidade registral.

Conforme as lições de Loureiro (2018, p.533):

A publicidade registral pode ser definida como a garantia dos direitos reais inscritos e, tal como estão inscritos, da pessoa que consta como titular registral; e ainda como garantia da tutela de interesses daqueles que, confiando nas informações constantes do Registro, realizam negócios jurídicos imobiliários.

Referido princípio é a base de toda o Sistema Notarial e Registral Brasileiro, pois é por meio dele que as informações podem ser obtidas por quaisquer interessados, basta dirigir-se ao respectivo cartório e solicitar informações acerca de determinado imóvel.

O professor Loureiro (2018, p.533):

Ao contrário dos direitos obrigacionais, que vinculam apenas as partes na relação jurídica, os direitos reais são oponíveis erga omnes. Para que possam ser conhecidos e respeitados por todos, os direitos reais devem ser comunicados a todos os membros da sociedade. Daí a necessidade da instituição de um mecanismo que torne pública a titularidade do imóvel, bem como a existência de ônus e gravamos sobre ele incidentes.

Assim, o sistema brasileiro torna-se eficiente, pois a partir do momento que todas as informações que constem na matrícula do imóvel dizem respeito a sua realidade fática, então, quaisquer interessados podem ter acesso a essas informações, garantindo assim uma maior segurança jurídica nos negócios imobiliários realizados.

Nessa configuração, existe na Lei de Registros Públicos a expressa previsão da necessidade de averbação da reserva legal e da servidão ambiental.[9]

Então, existindo a reserva legal num imóvel, tal fato deve ser averbado na matrícula do imóvel, para que haja o cumprimento da publicidade registral, a fim de que tenha eficácia erga omnes.

Marcelo Augusto Santana de Melo (p.41), assim aduz,

O Registro de Imóveis é o guardião do direito de propriedade e a publicidade registral da reserva legal florestal tem outra finalidade que não a cadastral. É mediante o registro que os poderes e deveres inerentes da propriedade podem ser exercidos em sua plenitude. Se, no perímetro do imóvel, existe qualquer parcela submetida a qualquer regime especial de proteção, no caso, a reserva legal florestal e área de preservação permanente, é necessário que ela integre o rol de informações registrais até para facilitar sua preservação já que, em tese, seria possível a instituição de direitos sobre o imóvel incompatíveis como servidões de passagem e mesmo parcelamentos do solo.

Para melhor compreensão, tem-se que o Cadastro Ambiental Rural – CAR é um registro público eletrônico de âmbito nacional, sendo obrigatório o cadastro de todos os imóveis rurais nele, seja relativo à posse ou propriedade, para que forme uma base de dados nacional, a fim de realizar um controle e monitoramento dos mesmos pelo governo.

Assim, todas as informações ambientais que digam respeito a imóveis rurais devem ser noticiadas ao CRA, para que os gestores públicos controlem, monitorem e planejem políticas públicas voltadas ao combate do desmatamento.

Ocorre que, conforme foi delineado, o Código Florestal trouxe expressamente a desnecessidade da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, conforme artigo 18.[10]

Assim, realizando-se o registro da reserva legal no CAR, o interessado está desobrigado de proceder com a averbação no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, dispensando-se a expressa previsão da necessidade de averbação da reserva legal, conforme previsão contida na Lei de Registros Públicos.

O cerne do problema é justamente essa situação trazida pelo Código Florestal que é uma lei do ano de 2012 que trata sobre Direito Ambiental e contraria a Lei de Registros Públicos que é do ano de 1973.

O dispositivo legislativo deverá ser revogado quando for incompatível com a nova lei ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Assim, o novo Código Florestal não tratou totalmente da matéria, principalmente de publicidade das áreas protegidas, o que é disciplinado por competência constitucional através de legislação própria, no caso, a Lei de Registros Públicos.

O que estamos vendo é o rompimento da obrigação do cumprimento da publicidade registral por meio da averbação da reserva legal e a criação de uma nova modalidade de publicidade, qual seja, o registro da reserva legal apenas no CAR.

A situação é bastante curiosa, haja vista no Código Florestal anterior – Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965, que foi revogado pelo atual Código Florestal – Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, existia a expressa previsão da necessidade de averbação da reserva legal.

Referida situação vem causando diversos transtornos nas relações entre particulares, especialmente nos negócios imobiliários envolvendo a transferência de imóveis rurais, pois o adquirente não consegue verificar a real situação do imóvel, haja vista alguns não terem noticiadas as suas respectivas reservas legais.

Atualmente, para adquirir-se um imóvel rural, o adquirente deve além de verificar a situação imobiliária do imóvel no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, ainda precisa averiguar a situação do mesmo perante o Cadastro Ambiental Rural – CAR, o que ocasiona mais burocracia, uma vez que em muitas cidades do Brasil, especialmente no interior, não existe órgão de fiscalização ambiental que tenha instituído o CAR, não sabendo assim o adquirente de como realmente aquele imóvel encontra-se.

Com isso, as relações imobiliárias envolvendo imóveis rurais estão cada vez mais complexas, pois sem a necessidade da averbação da reserva legal na matrícula imobiliária, cria-se uma certa insegurança jurídica para as partes envolvidas, pois a situação ambiental do imóvel não se encontra totalmente evidenciada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do presente artigo, analisamos o conceito da propriedade rural, tratamos sobre o instituto da reserva legal e falamos sobre a publicidade registral e a preservação do meio ambiente.

Sabe-se que o direito de propriedade sofreu diversas mudanças no decorrer dos anos, passando de um direito que tinha caráter ilimitado, para ser um direito cada vez mais com restrições, devendo desempenhar uma função social na sociedade, bem como garantir o cumprimento da função ambiental.

Por ter o direito à propriedade uma grande relevância social, se faz necessário que seja possibilitado à população em geral o seu reconhecimento e sua proteção. Percebemos, ao estudar o instituto da reserva legal, que ela afeta diretamente a propriedade rural, e que após a edição do Código Florestal, a publicidade da reserva legal foi prejudicada.

Isso porque, a Lei de Registros Públicos continua prevendo a necessidade da averbação da reserva legal na matrícula imobiliária, a fim de efetivar o mandamento da publicidade registral, porém, o Código Florestal dispensa a referida averbação.

Assim, diante da incongruência legislativa, quem vem suportando o ônus dessa lacuna é a sociedade, uma vez que as relações negociais envolvendo imóveis passaram a ter uma menor segurança jurídica, haja vista o adquirente em muitos casos não conseguir verificar a real situação imobiliária daquele imóvel.

Para resolver essa situação, expomos aqui algumas alternativas. A primeira alternativa é a revogação expressa do artigo 18, parágrafo quarto, do Código Florestal, por meio de alteração da legislação, a fim de que, assim como existia a previsão no antigo Código Florestal e como existe na Lei de Registros Públicos, que se continue a averbar a reserva legal.

Uma outra alternativa que se propõe é que o Poder Público seja o responsável por informar aos Registros de Imóveis a reserva legal, pois como existe a determinação da obrigação dos proprietários cadastrarem a reserva legal dos seus imóveis no CAR, então, o Poder Público diante dessas informações, irá informar aos cartórios, par que estes procedam com a averbação da reserva legal.

Em todo o estudo, não se verificou como é possível garantir que a dispensa da reserva legal é uma alternativa válida, uma vez que ao modificar o direito de propriedade rural essa situação seja imediatamente informada ao Registro de Imóveis.

Assim, para que o Poder Público e a sociedade em geral possam saber como encontra-se a real situação de um determinado imóvel rural, eles buscam essas informações junto ao cartório, sendo este o guardião dessas informações desde os longínquos tempos.

A outra alternativa proposta como solução, seria a obrigatoriedade do Poder Público informar para o Registro de Imóveis a existência da reserva legal. Esse procedimento se daria de forma administrativa, de modo que os proprietários iriam informar ao CAR a existência da reserva legal, conforme determinação do Código Florestal e o Poder Público com a posse dessas informações, seria responsável por transmiti-las aos respectivos cartórios.

Desta maneira, garantia-se a publicidade registral, uma vez que a matrícula imobiliária iria conter todas as situações jurídicas que estão afetando a propriedade imobiliária rural e não traria maiores ônus para os proprietários.

A situação basilar de todo esse problema é que em hipótese alguma se verificar ser correta a dispensa da averbação da reserva legal, em virtude da insegurança jurídica causada.

Como existe a dispensa legal trazida pelo Código Florestal, caso não haja a revogação deste inciso, que se faça obrigatório que o Poder Público seja o responsável legal por informar a existência, de modo que não se verifique a ausência desta informação.

É importante frisar, que o instituto da servidão ambiental, que também é ato de averbação, previsto na Lei de Registros Públicos, continua a ser obrigatória a sua averbação por meio do Código Florestal.

Assim, verifica-se que são institutos cujos efeitos são semelhantes, pois ambos afetam a propriedade rural, mas a reserva legal foi dispensada a averbação e a servidão ambiental não.

Verifica-se assim uma incongruência legislativa, pois ambos os institutos tem previsão legal de serem atos de averbação, existiam no antigo Código Florestal, mas no atual houve a dispensa da averbação apenas da reserva legal.

Desta maneira, percebe-se que o legislador foi falho ao dispensar a averbação, pois a insegurança jurídica causada certamente trará enormes prejuízos para as partes envolvidas em uma relação negocial.

Ademais, a grande maioria das cidades não possuem o CAR, dificultando assim a vida dos proprietários desses imóveis rurais que precisam deslocar-se para outros municípios a fim de realizarem esse cadastro, diferentemente da situação anterior na qual a averbação era feita no cartório e como este está presente na maior parte dos municípios brasileiros, facilitando o acesso para a realização deste procedimento.

Se o intuito do legislador ao dispensar a averbação da reserva legal era desonerar os proprietários, seu objetivo não foi atingido, uma vez que eles estão dispensando bem mais esforços financeiros para realizar a averbação, haja vista a dificuldade em ter nos municípios o CAR.

Portanto, a situação verificada é de uma total incongruência legislativa, não sabendo realmente qual foi a intenção do legislador ao dispensar a averbação da reserva legal, devendo portanto, serem seguidas umas das alternativas aqui propostas para que essa situação e impasse seja resolvido, a fim de não prejudicar a sociedade diante dessa insegurança jurídica.

REFERÊNCIAS

AGHIARIAN, Hércules. Curso de Direito Imobiliário, 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.

AVVAD, Pedro Elias. Direito Imobiliário. Teoria Geral e Negócios Imobiliários. 3ª ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2012.

BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Fundamentos Epistemológicos do Direito Ambiental. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2017.

BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Instituiu o Código Civil de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 3 maio. 2019.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 3 maio. 2019.

BUENO, F. G. O novo código florestal, entenda-o de ponto-a-ponto. Site Notícias Agrícolas, 2012. Disponível em: https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/agronegocio/106770-o-novo-codigo-florestal–entenda-ponto-aponto–na-analise-do-escritorio-csmg.html#.WQ97VmnyvIU. Acesso em: 05/12/2019.

CADASTRO AMBIENTAL RURAL. Disponível em: http://www.car.gov.br/#/. Acesso em: 06/05/2017. METZGER, J. P. Bases biológicas para a reserva legal. Disponível em : http://www.tecniflora.com.br/8_-_Metzger_CH-opiniao-2002.pdf. Acesso em: 05/12/2019.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Código Civil. São Paulo, Editora Juspodivm, 2018.

DEBS, Martha El. Legislação Notarial e de Registros Públicos comentadas, Editora Juspodivm, 2018.

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GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de Direito Civil. 2ª. Ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2018.

LEITE, José Rubens Morato. Manual de Direito Ambiental. São Paulo, Editora Saraiva, 2015.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. 9ª Ed. Bahia, Editora Juspodivm, 2018.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16 ed. Atual. E ampl-São Paulo: Saraiva. 2012.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 9 ed. Ver. Atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Registro de imóveis é um aliado da proteção do patrimônio cultural. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-fev-04/registro-imoveis-protecao-patrimonio-cultural. Acesso em: 3 de junho de 2018.

PELLANDA, Patricia Précoma. A sociedade de risco e o princípio da informação: uma abordagem sobre a segurança alimentar na produção de transgênicos no Brasil. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 10, n. 19, p. 89-114, Jan./Jun. 2013. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/download/258/341

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APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

2. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

3. Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:

I – “Imóvel Rural”, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;

4. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

5. Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;

6. Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:

I – localizado na Amazônia Legal:

a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;

b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;

c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;

II – localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).

7. Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

8. Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1 Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2 Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

9. Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.

II – a averbação: 22. da reserva legal;  23. da servidão ambiental.

10. Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

§ 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).

[1] Mestranda em Direito Privado. Pós-graduada em Direito Notarial e Registral. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho. Graduada em Direito.

Enviado: Agosto, 2020.

Aprovado: Outubro, 2020.

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Marina Maria Granjeiro Fernandes

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