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O direito real de laje e o lançamento tributário do IPTU

RC: 98444
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SOUZA, Vanderson Silva de [1]

SOUZA, Vanderson Silva de. O direito real de laje e o lançamento tributário do IPTU. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 10, Vol. 01, pp. 194-209. Outubro 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/iptu

RESUMO

O presente artigo tem o condão de analisar a natureza jurídica do direito real de laje com o intuito de responder sobre a forma adequada de subsumi-lo à hipótese de incidência tributária do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, com primazia ao princípio da legalidade tributária. Tem-se por objetivo geral revisitar os conceitos de posse, de propriedade, de domínio útil, de modo a municiar os responsáveis ao lançamento tributário com elementos essenciais ao lançamento tributário consoante a legalidade tributária, essencial à Administração Pública. Sustenta-se, a partir de uma pesquisa bibliográfica, constatando que o direito real de laje tem natureza jurídica distinta do de propriedade, não consistindo em acessão deste, mas sim em direito próprio do titular da laje. Trabalha-se com a teoria da linguagem e com o método analítico, quando, então, conclui-se que o lançamento do imposto deve ser realizado de forma independente do direcionado ao proprietário das demais partes da construção e da área de terreno.

Palavras-chave: laje, imposto, propriedade, lançamento tributário. 

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem o intuito de analisar a natureza jurídica do direito de laje visando o lançamento do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana com primazia do princípio da legalidade tributária. Para isto, adota-se como metodologia a pesquisa bibliográfica.

Inicia-se a abordagem com a regra matriz de incidência tributária, revisitando cada um de seus aspectos ou elementos, de modo a reforçar a importância do princípio constitucional da legalidade tributária como uma das ferramentas de garantia do cidadão e à preservação do Estado Democrático de Direito.

Em sequência, tratar-se-á da materialidade e da sujeição passiva tributária do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, importando-se com os conceitos de posse,  de propriedade e de domínio útil, dado que relevantes para mais adiante avançar para as nuances do direito real de laje.

Por derradeiro, discorrer-se-á acerca da natureza jurídica do direito de laje, refletindo sobre sua equivalência (ou não) com o direito de propriedade e se seu titular pode ser enquadrado como possuidor fim de subsunção do fato gerador in concreto, com o que se retoma a norma padrão do tributo e seus aspectos, importantes para pesquisar acerca da legalidade do lançamento tributário levado a efeito pelo ente municipal em situações de concomitância dos direitos de propriedade e do direito real em referência.

2. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A NORMA PADRÃO DOS TRIBUTOS

É cediço que estamos inseridos em um Estado Democrático de Direito e, para que este não sucumba, há a necessidade de que algumas relações sejam reguladas por meio de um conjunto de normas e princípios que compõem nosso ordenamento jurídico (ou sistema). Daí decorre a importância da Constituição Federal, pois ocupa o topo da pirâmide e serve como limite e ponto de referência à atividade do legislador infraconstitucional.

No preâmbulo da Constituição Federal (CF) já se declara que o Estado Democrático de Direito está predestinado à proteção dos direitos sociais e individuais, tudo com vistas ao desenvolvimento e ao bem-estar de seus cidadãos, sendo a igualdade e a justiça valores supremos ao atingimento de uma sociedade fraterna, plural e sem preconceitos.

Para que referidos direitos sejam atendidos não é suficiente que o Estado atue por meio de uma função meramente reguladora e/ou fiscalizadora das atividades dos particulares, sendo importante também que preste serviços de relevância pública e essenciais ao desenvolvimento dos cidadãos, tais como a saúde, a educação, dentre outros. Para atingir tal desiderato se faz necessário que os entes federativos captem recursos financeiros, sendo que boa parte destes resultam da tributação.

A atividade tributária do Estado independe da vontade do particular, pois decorre de imposição legal. E, voltando ao preâmbulo da constituição, referida exigência não deve ocorrer com desconsideração dos princípios e normas constitucionais e, de forma mais precisa, com inobservância do Sistema Constitucional Tributário, dado que não faria sentido algum que o piso mínimo de direitos do povo representado fosse usurpado com desconsideração do regime democrático.

O Sistema Tributário Nacional está disposto no Título VI, Capítulo I, da Constituição Federal, com previsões acerca dos princípios gerais (seção I), dos limites ao poder de tributar (seção II), dos impostos de competência de cada um dos entes federativos (seções de III a V) e da repartição das receitas tributárias (seção VI). Previu-se um conjunto de normas e princípios próprios com o intuito de reforçar tantos outros da Constituição.

Os princípios constitucionais “[…]conferem ao ordenamento jurídico estrutura e coesão […]” e que consistem em “[…] regra jurídica qualificada porque, tendo âmbito de validade maior, orienta a atuação de outras regras.” (CARRAZZA, 2019, p. 52)

Dentre as limitações ao Poder de Tributar, oportuno ao presente trabalho tratar do princípio da legalidade tributária (artigo 150, inciso I, CF), consistente em limite objetivo que reforça a segurança jurídica dos cidadãos, dado que só estarão obrigados à prática das ações prescritas pelo ordenamento jurídico. De certo, os entes federativos só poderão instituir ou majorar tributos por meio de lei.

Em verdade, o princípio ora em comento reforça a própria legalidade genérica tratada no artigo 5º, inciso II, CF, pois não se pode obrigar alguém a fazer algo ou que deixe de fazê-lo senão em virtude de lei.  O próprio tributo, consistente em prestação pecuniária compulsória, deve ser instituído por lei, conforme dispõe o artigo 4º do Código Tributário Nacional (CTN). Nesse sentido:

[…] se o tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade popular, cuja lapidação se dá no Poder Legislativo e em suas Casas Legislativas. Tal atrelamento, no trinômio “tributo-lei-povo”, assegura ao particular um “escudo” protetor contra injunções estatais feitas por instrumento diverso de lei. (SABBAG, 2016, p. 13)

Para que referido escudo protetor seja efetivo, o diploma legal instituidor ou majorador de determinado tributo deve contar com requisitos mínimos, pois, caso contrário, resultará em violação à própria Constituição, com prejuízos à segurança jurídica que se espera do ordenamento. De certo, os cidadãos devem ter pleno conhecimento da exigência que lhes está sendo feita, sob pena de não terem elementos precisos para coibirem eventuais arbitrariedades advindas daqueles que agem em nome do ente estatal.

Fala-se, então, em regra matriz de incidência tributária (hipótese de incidência ou norma jurídica tributária) (R.M.I.T).

A R.M.I.T., também conhecida por norma-padrão dos tributos, consiste em norma jurídica de comportamento, dirigida de forma direta ao contribuinte e que tem por finalidade a prescrição de condutas. Referida regra contém requisitos mínimos que nela devem estar identificados destacando os que seguem: (i) material; (ii) espacial; (iii) temporal; (iv) pessoal (sujeito ativo e passivo); e (v) quantitativo (base de cálculo e alíquota) (JESUS, 2019, p. 128).

Disso resulta que, em não sendo possível identificar na norma seus elementos mínimos, restará inobservada a legalidade tributária, pois a conduta do contribuinte não terá um referencial de subsunção com o prescrito em lei. Além disso, relembra-se que o lançamento tributário consiste em ato administrativo de cunho vinculado (art. 142, parágrafo único, CTN), razão pela qual a identificação dos aspectos possibilita inclusive o controle de legalidade pelo Poder Judiciário (art. 5º, inciso LXX, CF).

Vale relembrar que no critério material estão reunidos os elementos de ordem objetiva, com indicação do núcleo da hipótese de incidência. Referido elemento consiste na descrição dos dados substanciais que servem de suporte para a hipótese de incidência, como se fosse extraída uma imagem abstrata de um fato jurídico. (ATALIBA, 2019, p.106-107).

A indicação das circunstâncias do lugar onde o fato deva ocorrer, com irradiação de seus efeitos, corresponde ao critério espacial. Há hipóteses cujo critério fará menção a determinado local para a ocorrência do fato típico, sendo possível também que se refiram a áreas específicas para que este ocorra, sob pena de não restar obtida a subsunção entre o fato e o tipo legal. O critério ora em comento também poderá se manifestar de forma genérica quando não restar expresso, mas decorrer da própria vigência territorial da lei instituidora. (CARVALHO, 2017, p. 282)

Por sua vez, o aspecto temporal possibilita saber em que instante restará consumado o fato descrito, sendo importante para evitar a imposição tributária antes do tempo devido, antecipando o tributo em momento anterior à completa ocorrência do verbo abarcado pelo aspecto material. (JUNIOR, 2016, p. 235).

Por derradeiro, o elemento pessoal (ou subjetivo) se refere à qualidade dos sujeitos da obrigação tributária que se conectam com o núcleo da hipótese de incidência. Noutras palavras, temos os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária nos extremos da relação jurídica.

2.1 NOTAS ACERCA DA NORMA-PADRÃO DO IPTU

Consoante o disposto no art. 156, inciso I, da CF, compete aos Municípios instituir o imposto sobe a propriedade predial e territorial urbana. A partir da literalidade do Texto Constitucional já se pode perceber que o ente municipal foi autorizado a instituir o imposto tanto sobre a propriedade predial quanto à territorial, desde que localizados na área urbana. A esse propósito, vale relembrar que referida materialidade estava bifurcada em dois tributos na Constituição de 1934, pois havia a incidência de um imposto sobre a propriedade predial e outro para a territorial urbana.

Oportuno ao desenvolvimento do presente tema relembrar os aspectos material e pessoal da regra-matriz de incidência tributária do IPTU.

O artigo 156, inciso I, da CF  traça a regra-matriz do tributo que deve ter por hipótese de incidência  a circunstância de uma pessoa física ou jurídica ser detentora do direito de propriedade (em sentido amplo) de bem imóvel situado na zona urbana do Município. (CARRAZZA, 2015, p. 173).

Nesse passo, o legislador infraconstitucional dispôs que a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel (por natureza ou por acessão física), conforme o definido na lei civil, desde que localizado na zona urbana municipal, configuram o fato gerador do tributo (art. 32 do CTN).

Como visto, a hipótese de incidência (ou fato gerador in abstrato) deve indicar o critério para identificar o sujeito passivo e, em regra, refere-se à pessoa que está em conexão íntima (relação de fato) com seu núcleo (elemento material). Noutras palavras, o legislador deve colocar no polo passivo da relação jurídico-tributária aquele que manifeste a capacidade contributiva quanto ao fato imponível. (ATALIBA, 2019, p. 86-88)

Assim, o legislador infraconstitucional foi expresso ao definir quanto ao IPTU que se tem por contribuinte o proprietário de determinado imóvel, o titular de seu domínio útil ou possuidor que o tenha a qualquer título (art. 34, CTN).

Revisitar os institutos da posse, da propriedade e do domínio útil é imprescindível para a compreensão da materialidade tributária, pois, consoante orientação trazida no artigo 110 do CTN, não se autoriza a alteração da definição, do conteúdo e dos alcances dos institutos, conceitos e formas de direito privado voltados à definição das competências tributárias e utilizados, de forma expressa ou implícita, pelo Texto Constitucional, pelas Constituições dos Estados ou Leis Orgânicas.

Venosa (2003, p. 160-168) destaca que a propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa, tendo o legislador optado por defini-la de forma analítica ao enumerar as faculdades presentes em seu exercício, quais sejam, o uso, o gozo, a disposição e a reivindicação da coisa de quem a possua ou a injustamente a detenha (art. 1.228 do Código Civil brasileiro).

Segundo o doutrinador, tem-se o uso dos bens imóveis quando neles se habita ou se permite que terceiro o faça, ou mesmo quando se mantém a coisa em seu poder, sem qualquer utilização. A extração dos frutos naturais ou civis se referem à faculdade de gozar do bem. O gozo consiste na extração dos frutos (naturais ou civis). (VENOSA, 2003, p. 160-168)

O professor também frisa que a faculdade de reivindicar a coisa é exclusiva do proprietário, o que não ocorre em relação ao gozo e ao uso. Há direitos reais que conferem faculdades do gozar e/ou usar de seus titulares, mas não o de reivindicar a coisa – faculdade exclusiva do proprietário – daquele que injustamente a possua ou a detenha (direito de sequela). (VENOSA, 2003, p. 160-168)

Por sua vez, a enfiteuse está associada à figura do titular do domínio útil, recebendo tratamento do legislador no artigo 678 do Código Civil de 1916. Basicamente, o exercente do domínio útil remunerava o senhorio direto e, segundo o art. 682 do mesmo diploma, também estava incumbido com de arcar os tributos incidentes sobre o imóvel.

O atual Código Civil proíbe a instituição de novas enfiteuses e subenfiteuses (art. 2038), que persistem apenas em relação aos terrenos da Marinha da União, com regência pelos Decretos-lei n. 9760/1946 e 2398/1987 e pela Lei n. 9636/1998. (TARTUCE, 2020, p. 579)

No que tange à posse, percebe-se que o legislador a conceitua de forma analítica, pois consiste no exercício de fato, de forma plena ou não, de alguns dos poderes próprios da propriedade. (art. 1196, CC).

Venosa (2003, p. 160-168)   também relembra as abordagens de Savigny e de Jhering, sendo que aquele referia-se à posse supondo a existência de dois elementos considerados essenciais: o corpus (o contato direto e físico com a coisa, sem o qual não existe a posse) e o animus (a intenção de possuir a coisa – elemento subjetivo). Jhering já adotava uma teoria objetiva, compreendendo o corpus não como o contato físico e direto com a coisa, mas no sentido de sua destinação econômica; integrava o animus no conceito de corpus. (VENOSA, 2003, p. 160-168)

O professor registra que a visão de Jhering contribuiu para a distinção entre os institutos da detenção e da posse, pois, quando há a proteção do ordenamento jurídico (vislumbra-se o comportamento de dono), tem-se posse; quando não, detenção. (VENOSA, 2003, p. 160-168)

Realizados alguns apontamentos sobre a R.M.I.T. do IPTU, avança-se com a abordagem do direito real de laje, cotejando-o com a norma-padrão, a fim de verificar a ocorrência de subsunção com a hipótese de incidência (ou fato gerador in abstrato)

3. DO DIREITO REAL DE LAJE

A Constituição Federal é clara no sentido de que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, com amplo rol de direitos individuais e sociais que, de acordo com o grau de sua inobservância, poderá resultar em violação ao mínimo existencial de cada cidadão.

Dentre os diversos direitos individuais previstos, destaca-se a propriedade (art. 5º, inciso XXIII, CF). Preocupou-se o legislador constituinte em deixar claro que referido direito não pode ser exercido de forma abusiva, sob pena de o interesse individual preponderar sobre o coletivo.

Faz sentido que a propriedade não possa ser exercida a qualquer custo, pois também deve atender a uma perspectiva maior – sua função social, o que se opera com o atendimento das exigências de ordenação da cidade previstas no plano diretor (art. 182, §2º, CF).

Todavia, basta assistir aos noticiários ou circular pelas cidades de nosso país para que se perceba que nem todos os imóveis observam as normas regulamentares, sendo que muitos se situam em áreas de parcelamento ilegal de solo erigidos em desacordo com a Lei Federal n. 6766/1975. Isso implica crescimento desorganizado do meio urbano, com impactos negativos na vida dos cidadãos, dado que pode haver casos de poluição visual, esgotamento a céu aberto, danos ao meio ambiente, dentre outros.

Por considerar a importância da regularidade fundiária rural e urbana como forma de cumprir o estatuído pela Constituição, o legislador editou a Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017, com disposições que vêm contribuindo para a resolução de questões atinentes à regularização que não estavam previstas na Lei n. 6766/1975. Referido diploma resultou da conversão da Medida Provisória n. 759, de 22 de dezembro de 2016, e também foi responsável por introduzir novos dispositivos legais ao Código Civil brasileiro.

Em suma, por meio da legislação publicada em 2017, algumas situações fáticas antes desagasalhadas pelo ordenamento jurídico passaram a receber sua proteção, destacando-se na presente abordagem o direito de laje, inserido no rol dos direitos reais do art. 1225 do Código Civil (inciso XIII) e, por meio da Lei n. 13465/2017, regulamentado no Título XI (artigos 1510-A a 1510-E), Livro III, da Parte Especial.

Gonçalves (2019) conceitua o instituto nos seguintes termos:

[…] a possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique a unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

Consoante o parágrafo primeiro do artigo 1510-A, o direito real de laje consiste em unidade imobiliária autônoma, com matrícula própria, e seus titulares terão o direito de uso, gozo e disposição. Percebe-se que o legislador não vinculou ao instituto a faculdade de reivindicar a coisa, sendo esta exclusiva do direito de propriedade, conforme se registrou anteriormente (VENOSA, 2003, p. 160-168).

O doutrinador também destaca que a existência do direito de laje não resulta na atribuição de fração ideal de terreno ao seu titular ou a participação, de forma proporcional, quanto às áreas edificadas (art. 1510-A, §4º, CC) (VENOSA, 2003, p. 160-168). Neste ponto difere do condomínio, não se aplicando as normas deste ao direito de laje no que diz respeito às áreas comuns (art. 1510-C).

Lobo (2021, p. 321) observa que ao direito de laje é excetuado o princípio de que o titular do solo é o que sobre ele realizou a edificação, pois com o instituto será possível sua cindibilidade em relação às construções sobre o primeiro teto.

[…] o titular do solo é o mesmo da primeira edificação, mas não mais será da edificação que ele próprio ou terceiro realizar sobre a laje que servir de teto àquela, ou em subsolo, em decorrência de negócio jurídico de alienação (compra e venda, doação, permuta). (LOBO, 2021, p. 321)

Quanto à sua natureza jurídica, Gonçalves (2019) compreende que “o direito de laje constitui […] um direito real em favor de terceiro, sobre unidade imobiliária autônoma erigida sobre a laje de determinada construção residencial, lançada em matrícula própria”. Noutros dizeres, o doutrinador compreende o direito de laje como instituto diverso da propriedade.

Infere-se do art. 1225 do Código Civil brasileiro que a propriedade (inciso I) e o direito real de laje (XIII) constam de incisos distintos, ou seja, com diferentes posições topográficas. Também não faria sentido que o legislador ordinário incluísse novo inciso ao artigo 1.225 se quisesse considerá-los institutos equivalentes.

Percebe-se que há uma relação de gênero (direitos reais) com suas espécies (propriedade, direito de laje, hipoteca etc.) no corpo do texto legal do art. 1.225 do Código Civil.

Carvalho (2018,  p. 161-216) compreende que o direito é um sistema comunicacional que se manifesta por meio da linguagem, tratando da concepção semiótica dos textos jurídicos em suas dimensões sintáticas (ou lógicas), semânticas e pragmáticas, que servem como ferramentas ao aprofundamento cognoscitivo.

Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que o ato de interpretar consiste em atribuir valores aos símbolos, dando-lhe significações e, assim, referências a objetos. Isso já sinaliza que há um percurso gerador de sentido, sendo necessário distinguir entre enunciados e normas jurídicas. (CARVALHO, 2018,  p. 161-216)

A partir deste raciocínio, faz sentido tratar da teoria geral dos signos – a semiótica – que permite o recorte metodológico do direito em três planos: o sintático, o semântico e o pragmático, realizando sua decomposição.

No plano sintático, tem-se a abordagem do relacionamento entre os símbolos, sem avançar para o mundo exterior ao sistema. Percebe-se, aqui, o trabalho de interpretação relacionado tanto ao método de interpretação literal quanto ao lógico. (CARVALHO, 2018,  p. 161-216)

No campo semântico se estabelece um vínculo entre os símbolos e os objetos significados (referencia-se a realidade). Tem-se o trato das denotações e das conotações dos termos jurídicos.  (CARVALHO, 2018,  p. 161-216)

Por fim, no plano da pragmática, trata-se das formas como a linguagem é empregada na comunidade para motivar os comportamentos, tais como as questões relativas à eficácia, à vigência e à aplicação das normas jurídicas. (CARVALHO, 2018,  p. 161-216)

As exposições acerca da linguagem realizadas pelo doutrinador reforçam o que foi dito acima no sentido de que o direito real de laje não se confunde com a propriedade, apesar de pertencerem a um gênero comum.

Por outra abordagem, Lobo (2021, p. 281-284) trata do direito real de laje por um viés analítico, o que faz em capítulo intitulado por “direitos reais limitados”

[…] a partir de algum ou alguns dos elementos formadores da propriedade, como gozar, fruir, dispor, reaver. Os direitos reais limitados são assim denominados porque se limitam a elementos do amplo conteúdo do direito de propriedade, necessários a suas finalidades. Nenhum direito real limitado ultrapassa o conteúdo do direito de propriedade. (LOBO, 2021, p. 284)

Faz sentido a compreensão de Lobo pelo fato de o artigo 1510-A, §2º, do Código Civil brasileiro estabelecer que o titular do direito real de laje poderá usar, gozar e dispor da unidade imobiliária (autônoma), mas silencia quanto à faculdade de reivindicação.

Por fim, observa-se que o disposto no artigo 1510-A do Código Civil excepciona a regra de que as construções consistem em acessão física realizada por terceiro em favor do proprietário do imóvel (artigos 1248, inciso V, e 1253, ambos do Código Civil brasileiro). Este ponto também é relevante ao cotejo a seguir exposto entre a regra matriz do IPTU e o direito real de laje.

4. O IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA E O DIREITO REAL DE LAJE

Retomando as disposições do Código Tributário Nacional, relembra-se que o fato gerador do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana consiste na propriedade, no domínio útil ou na posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, conforme o definido na lei civil (art. 32).

A partir do quanto visto sobre o direito real de laje, já se tem condições de perceber que o instituto não se enquadra no conceito de imóvel por acessão física, pois não pertence ao proprietário a construção realizada sobre a laje em decorrência do negócio jurídico de alienação.

No mesmo passo, a atividade tributária também deverá considerar que o direito real de laje não confere ao seu titular fração ideal de terreno ou participação de modo proporcional nas áreas edificadas (art. 1510-A, § 4º, CC). Nisso também difere da propriedade em condomínio.

De acordo com o princípio da legalidade tributária, o ente federativo só poderá instituir ou majorar imposto por meio de lei. Já se viu acima que referida lei deve conter todos os elementos da regra matriz de incidência, sob pena de o comando do artigo 150, inciso I, da CF não restar atendido.

Referidos aspectos da norma-padrão não são meramente figurativos e devem ser analisados com cautela por aqueles que realizam a atividade de lançamento tributário em busca da perfeita subsunção, sob pena de praticarem ato ilegal passível de controle pelo Poder Judiciário.

O princípio da isonomia tributária disposto no artigo 150, inciso II, da CF veda ao ente tributante que confira tratamento desigual aos que se encontrem em situação de equivalência.

A título de exemplo, pode-se imaginar dois imóveis com as mesmas áreas de terreno e de construção, sendo que em uma delas se instituiu o direito real de laje titularizado por terceiro.

Para este último caso, estaria correto o lançamento tributário realizado apenas em face do proprietário do imóvel tomando como base de cálculo a área de terreno e o total da área construída? A situação se revelaria justa na relação entre fisco – proprietário – titular do direito real de laje?

Por uma lente objetiva do cenário acima desenhado já se pode notar que os dois proprietários no exemplo acima não se encontram em situação de equivalência. Portanto, o fisco deverá se ater às nuances do caso concreto em prestígio aos princípios constitucionais da legalidade e da isonomia tributária, considerando, principalmente, o agasalho jurídico que foi dado à alienação da laje.

Isso se justifica porque o proprietário já não mais é titular de direitos em relação à laje, sendo este um instituto jurídico diverso, com previsão legal e contornos próprios. Se eventualmente o sujeito ativo da obrigação tributária considerar no campo material do imposto direito diverso ao da propriedade, s.m.j., restará violado o princípio da legalidade tributária. A esse propósito, pode-se notar, por exemplo, que a hipoteca – direito real de garantia – não confere ao credor hipotecário as faculdades de uso, gozo e fruição.

Em reforço ao raciocínio ora exposto, é importante lembrar que a base de cálculo do imposto corresponde ao valor venal do imóvel.

Segundo Harada (2012, p. 100), o “valor venal é o preço que determinado imóvel alcançaria em uma operação de compra e venda à vista, segundo condições usuais do mercado imobiliário, administrando-se a variação dez por cento para mais ou para menos”.

Ao consultar a Lei do Município de São Paulo que dispõe sobre a forma de apuração do valor venal dos imóveis situados em seu território, além de outras disposições (Lei n. 10235, de 16 de dezembro de 1986), percebe-se que o cálculo leva em conta os valores de terreno e de construção (art. 17).

Chama a atenção o disposto no art. 13 do referido diploma, pois ao cálculo da área construída bruta das unidades autônomas de prédios em condomínio se acresce à área privativa de cada unidade a parte que corresponde às áreas comuns. Logo, em se tratando de condomínios, cada unidade autônoma também arca em sua medida com o imposto relativo à propriedade do terreno em comum.

Portanto, relativamente aos condomínios, o fisco deve levar em consideração tanto a área de terreno quanto a de construção ao realizar o lançamento em face do sujeito passivo do tributo.

Por lógico, então, no exemplo que retratou, mormente por conta das alterações introduzidas no Código Civil brasileiro, compreende-se por inadequado o lançamento  do imposto pelo total da área construída tão somente em face do proprietário do imóvel urbano, desconsiderando os regramentos acerca do direito de laje. Da mesma forma, também não se pode tributar o titular do direito real de laje pela área de terreno em razão no referido codex.

Acerca da sujeição passiva tributária envolvendo o direito de laje, dispõe o art. 1510-A, §2º, do Código Civil brasileiro que o titular do direito real de laje responde pelos tributos incidentes sobre a unidade.  No entanto, s.m.j., o dispositivo merece algumas reflexões.

Vale indagar sobre o fato de a legislação ordinária conter previsão acerca da responsabilidade tributária relativa ao direito de laje, dado que, segundo o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária e, especificamente quanto aos impostos, os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

As leis complementares exercem papel importante na seara tributária porque são de cunho nacional e regulam todas as esferas tributantes, sendo certo ainda que passam por um processo legislativo em que o quórum é qualificado (metade mais um dos membros de cada Casa do Congresso Nacional) e, também, não poderão ser objeto de edição de medida provisória(BECHO, 2015, p. 371-372).Viu-se que a Lei Federal 13.465, de 11 de julho de 2017 resultou da conversão da Medida Provisória n. 759, de 22 de dezembro de 2016, razão pela qual o art. 1510-A, §2º, do Código Civil é de constitucionalidade duvidosa.

Segundo o Código Tributário Nacional, recepcionado com status de Lei Complementar, contribuinte é aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (art. 121, inciso I), ao passo que a responsabilidade é definida fora do conceito de contribuinte, porém a partir de disposição expressa de lei.

Por conta da referida inconstitucionalidade do dispositivo do Código Civil, o fisco ficaria impossibilitado de lançar o tributo em face do titular do direito real de laje?

Acredita-se que não porque na materialidade do imposto também estão incluídas a posse e o domínio útil.

Segundo o conceito analítico de posse previsto no artigo 1196 do Código Civil brasileiro, possuidor é todo aquele que exerce, de fato, algum dos poderes inerentes à propriedade.

A legislação civil confere ao titular do direito real de laje as faculdades de usar, gozar e dispor da unidade imobiliária. Logo, apesar de não ser proprietário, o titular do direito real limitado também ostenta a qualidade de possuidor. Não se trata de mero detentor, dado que exerce o direito em nome próprio, compreensão que pode ser extraída da interpretação dada aos artigos 1198 e 1204 do Código Civil brasileiro.

De qualquer modo, temos como possível realizar o lançamento tributário em face do titular do direito real de laje, pois, por ser minimamente possuidor, possível enquadrá-lo dentre o rol de contribuintes previstos no artigo 34, caput, do Código Tributário Nacional.

O entendimento aqui exposto também restou corroborado durante a VIII Jornada de Direito Civil em que foi aprovado o Enunciado n. 627, firmando-se o entendimento de que o direito de laje em terreno privado por ser objeto de usucapião. De certo, a prescrição aquisitiva demanda o exercício da posse.

Assim, percebe-se um erro técnico na redação do artigo 1510-A, §2º, do Código Civil brasileiro, pois, além de inconstitucional, confunde os conceitos de contribuinte e de responsável tributário. Não faz sentido que o titular do direito real de laje praticante do fato gerador do tributo em comento seja tido por responsável quando, em verdade, é contribuinte (artigo 121, inciso I, CTN).

Por fim, quanto à base de cálculo, vale lembrar que ao titular do direito real de laje não se atribui fração ideal de terreno, razão pela qual deve ser tributado tão somente pela área construída (art. 1510-A, §4, CC).

As ideias acima remontam à Constituição de 1934, pois o imposto estava bifurcado em relação à área construída e à de terreno. Até por conta dessa historicidade nada impede que o tributo seja lançado considerando o direito titularizado pelo proprietário e pelo adquirente da laje, conforme suas respectivas metragens.

5. CONCLUSÃO

 A presente abordagem teve o intuito de destacar a importância do princípio constitucional da legalidade tributária como forma de preservar os direitos do cidadão e evitar o arbítrio do Estado em sua atividade de lançamento em situações de concomitância entre os direitos de propriedade e de laje.

Viu-se que o direito real de laje foi agasalhado em nosso ordenamento jurídico com o advento da Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017, com disposições que vêm contribuindo para a resolução de questões atinentes à regularização que não estavam previstas na Lei n. 6766/1975 (que trata dos parcelamentos de solo). A legislação editada em 2017 resultou da conversão da Medida Provisória n. 759, de 22 de dezembro de 2016, sendo também responsável por introduzir novos dispositivos legais ao Código Civil brasileiro, que teve o condão de contribuir para a regularização urbana, reconhecendo direitos aos titulares de construções erigidas sob lajes de imóveis de propriedade de outrem.

A partir do agasalho jurídico dado à laje, pode-se ver que o Fisco não deve fazer vistas grossas quando de sua atividade de lançamento do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, pois a novel legislação trouxe diferenciação entre os direitos de propriedade e o de laje, sendo importante, assim, realizar o cotejo entre tais conceitos com o fato gerador do imposto in abstrato, em prestígio ao princípio da legalidade tributária.

Concluiu, assim, que o direito de laje apresenta características próximas à propriedade, mas que com esta não se confunde por diversas razões, incluindo a de cunho lógico, dado que não faria sentido que o legislador dispusesse dos institutos em incisos diversos no art. 1225 do Código Civil brasileiro.

Levantou-se também reflexões sobre a constitucionalidade do artigo 1510-A, §2º, do Código Civil brasileiro, dado que tratou o titular do direito real de laje como responsável em relação a um fato por ele praticado, com deturpação do conceito de contribuinte previsto no artigo 121, inciso I, do Código Tributário Nacional, recepcionado com status de lei complementar.

Em razão disso, pode-se compreender que o tributo de competência dos entes municipais lançado em face do titular do direito real de laje se revela possível pelo fato de seu titular ser minimamente possuidor, estando a posse compreendida pelo aspecto material da norma padrão do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

REFERÊNCIAS

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[1] Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário, Ciências Penais e Direito Público; Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Enviado: Julho, 2021.

Aprovado: Outubro, 2021.

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Vanderson Silva de Souza

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