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Homicídio no trânsito: Dolo eventual ou culpa consciente?

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CONTEÚDO

ARTIGO  ORIGINAL

CALAND, Lucas Alves Silva [1]

CALAND, Lucas Alves Silva. Homicídio no trânsito: Dolo eventual ou culpa consciente? Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 01, pp. 33-44. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/homicidio-no-transito

RESUMO

O presente artigo tem por objeto a análise da diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, analisando-se as nuances presentes quando se trata de homicídio praticado no trânsito, além dos parâmetros objetivos comumente utilizados em tal diferenciação. Nesse contexto, serão estudados os outros critérios objetivos temperados em tal análise pelo Supremo Tribunal Federal, além da embriaguez ao volante.

Palavras-Chave: Dolo Eventual, Culpa Consciente, Homicídio no trânsito, Embriaguez ao volante.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho é demonstrar a possibilidade de caracterização dos institutos apresentados  em cada caso. Para tanto, o tratamento metodológico dado a este artigo está delineado em uma pesquisa cujas bases teóricas são de natureza bibliográfica doutrinaria e jurisprudencial. Realizou-se o estudo de obras e de julgados dos tribunais superiores, para assim elaborar os tópicos teóricos do artigo, de modo a concluir pela teoria adotada.

Esse trabalho está dividido em quatros capítulos e as considerações finais. O primeiro capítulo trata do Dolo, suas espécies e teorias de aplicação. O segundo capítulo trata da Culpa, suas modalidades e espécies de aplicação. O terceiro capítulo dá ênfase à discussão sobre dolo eventual versus culpa consciente buscando-se conferir o que diz a literatura sobre dolo e culpa consciente. No quarto capítulo busca traçar o diagnóstico da situação atual e analisa a possibilidade da aplicação da culpa consciente nos crimes de trânsito.

2. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

Fica-se, agora, diante de um dos mais árduos problemas da dogmática jurídico- penal. Mesmo em teoria, a diferenciação não é fácil, e na prática se torna ainda mais difícil. É sob este prisma que iremos complementar este trabalho.

Acidentes automobilísticos envolvendo motoristas embriagados e que resultam em morte têm recebido atenção da mídia, além de causar grande comoção na sociedade.

Para o operador do direito que atua na seara criminal, a situação retromencionada traz dúvidas em como tipificar o ato praticado por aquele que, embriagado, dirige um veículo automotor em alta velocidade, infringindo as leis de trânsito, acabando por tirar a vida de outrem.

O dolo eventual é caracterizado quando o nacional é capaz de prever o resultado que seu comportamento pode ocasionar e quando esse se mostra indiferente a este resultado. Assim, para o sujeito infrator ser enquadrado nesta modalidade de dolo é necessária uma análise de seu estado de ânimo, de sua subjetividade, exige-se, nestes casos, que ele tenha assumido o risco de produzir os resultados lesivos. Desse modo, faz-se necessário, na maioria dos casos, tentar entender o que o sujeito pensava na hora que praticava a conduta.

Bitencourt (2011, p. 321), quanto ao dolo eventual, afirma que:

haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado, (art.18, I in fine, do CP). No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas apesar de prevê-lo age aceitando o risco de produzi-lo. Como afirma Hungria, assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer.

Quanto às espécies de culpa, essa pode ser consciente e inconsciente.

A culpa consciente, por sua vez, o agente prevê o resultado, mas não o aceita. Assim, existe a previsibilidade do resultado pelo agente, mas ele a afasta de pronto, por entender que evitará com sua habilidade, impedindo o evento lesivo previsto.

Sobre culpa consciente Damásio (2002, p.19) diz:

a culpa consciente, ou culpa com representação, culpa exlascívia, surge quando o sujeito é capaz de prever o resultado, o prevê, porém, crê piamente em sua não produção; ele confia em que sua ação conduzirá tão somente ao resultado que pretende, o que só não ocorre por erro no cálculo ou erro na execução.

Cabe citar o entendimento sobre culpa consciente do Bittencourt (1995, p.250), que afirma: “Há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, possível, mas confia convictamente que ele não ocorra”.

Ressalta-se que assumir um risco não é somente prever o resultado, pois deve o agente, além de prevê-lo, aceitar ou, pelo menos, tolerar, e não se importar com esse. Assim, o agente não quer o resultado, quando age com culpa consciente, mas, por erro, excesso de confiança (imprudência), negligência ou falta de preparo para concretizar seu intento, acaba por ocasioná-lo. Já no dolo eventual, ocorre uma aceitação do resultado, pois o agente não se interessa pelo que pode vir a ocorrer, sendo indiferente ao resultado de sua conduta.

Nessa esteira, é correto dizer que a culpa consciente tem elementos parecidos com o dolo eventual, pois também exige do agente a previsão do resultado. Nos dois institutos o sujeito tem o conhecimento que seu comportamento pode ocasionar um resultado lesivo.

No entanto, embora parecidos, tais institutos são diferentes. Isso está no fato de que a culpa consciente o agente acredita que suas habilidades evitarão o resultado, ou seja, ele acredita que tem plenas condições de evitar o resultado.

Assim, o limite entre a culpa consciente e o dolo eventual está no fato de na culpa consciente o agente não aceitar o resultado e não assumir o risco de produzi-lo. Já no dolo eventual, o agente, aceita o resultado e assume o risco de produzi-lo, haja vista o resultado danoso ser para ele indiferente.

Cabe citar que, em razão da imprecisão da expressão “assumir o risco”, usada pelo legislador para definir o dolo eventual, confunde-se esse instituto com a culpa consciente. Logo, para evitar esse tipo de dúvida, deve-se interpretar o Código Penal em consonância com algumas teorias expostas a seguir.

Reale Júnior (2006, p. 228) defende que critério mais adequado para distinguir dolo eventual de culpa consciente é o do assentimento:

o assentimento e a não confiança de que não ocorreria o resultado devem caminhar juntos, pois ao aderir à ação que confia que possa eventualmente produzir o resultado, ou dito de forma, que não confia que não produzirá o resultado há, na verdade, um assentimento de que este resultado faça parte da sua intenção. O dolo é eventual quando o agente inclui o resultado possível, de forma indiferente, como resultado da ação que decide realizar, assentimento em sua realização, que confia possa dar. Diante de um resultado nocivo possível o agente arrisca e prefere agir, admitindo e não lhe repugnando assim a ocorrência do resultado. Diante de um resultado nocivo possível o agente arrisca e prefere agir, admitindo e não lhe repugnando assim a ocorrência do resultado.

2.1 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS DELITOS DE TRÂNSITO PARA A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA

Ao se fazer uma análise da conduta do agente que dirige embriagado e da interpretação pelos tribunais é de suma importância que se destaque inicialmente o conceito de Trânsito, trazido pelo Código Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503 de 29 de Setembro de 1997, em no seu Artigo1º, §1º, in verbis: “considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.”

Damásio de Jesus (1999, p.77) diz que “o legislador não restringiu o local da ocorrência. Pode ser, pois, em qualquer lugar. Por exemplo: homicídio culposo cometido no ato de tirar o veículo da garagem”. Ademais, ocorrendo o acidente com resultado morte, o agente será punido de acordo com o artigo 121, parágrafo 3º do Código Penal Brasileiro. Entretanto, se o fato típico for ocasionado no trânsito, previstos na Lei 9.503/97, será este o diploma legal utilizado para penalizar o agente.

Diante do exposto, muito se discute, se quem causa a morte de alguém por ocasião de uma conduta inicial de embriaguez ao volante, age sob o domínio de dolo eventual ou culpa consciente, existindo julgados e posições doutrinárias em ambos os sentidos.

Nos delitos de trânsito, com destaque para os casos em que ocorrem homicídios, existe uma tendência da população em desejar enquadrar tais fatos na figura do dolo eventual.

Tal aplicação se mostra errônea, pois se deve analisar o caso concreto, e não se aplicar de imediato o dolo eventual.

Dessa maneira, contrário ao posicionamento de se classificar como dolo eventual os homicídios no trânsito, Callegari (1996, p.516) estabelece uma crítica que merece ser repassada:

Não é possível afirmar, como querem alguns aplicadores do direto do nosso Estado, que da conduta daquele que se embriaga, dirige em velocidade elevada e fere ou mata mais de uma pessoa, que estaria agindo com dolo eventual, visto que tal conduta não há manifestação de vontade do agente em relação ao resultado.

Para esse autor é evidente a generalização do dolo eventual, pois se cria uma responsabilização penal objetiva por parte daquele que comete um delito de trânsito, estando embriagado. Isso porque não bastaria o elemento psíquico do agente, bastando apenas que esse estivesse em velocidade excessiva, embriagado ou tivesse vitimado considerável número de pessoas. Ocorre que isso não configura o dolo eventual, pois o que é determinante é a postura psicológica do agente em relação ao fato, ou seja, somente se configura o dolo eventual, se mesmo prevendo o resultado, o agente anuir para que ele ocorra e continuar com sua execução, sendo indiferente quanto à ocorrência do resultado lesivo. Assim, para esse autor, tal fato é justamente o inverso dos que ocorrem nos delitos de Trânsito, já que nesses não há essa manifestação.

Nesse mesmo sentido vêm os ensinamentos de Ferracini (2000, p.50):

Nos homicídios de Trânsito, não há manifestação positiva de vontade dos agentes em relação ao resultado morte. Não existe uma perseguição a este resultado. A finalidade da conduta não é matar, Os condutores manifestamente imprudentes, não estão buscando o pior resultado.

Vale ressaltar que “alguns doutrinadores criticam o dolo eventual, dizendo ser inócuo, pois sua prova residiria exclusivamente na mente do autor.” (MASSON, 2010, p. 252). Pois, é impossível adentrar na mente do agente e arrancar dele seus pensamentos que comprovem que este assumiu o risco do resultado.

Esta também é a atual posição dos tribunais pátrios:

salientou-se que, no Direito Penal contemporâneo, além do dolo direto – em que o agente que o resultado como fim de sua ação e considera unido à esta última – há o dolo eventual, em que o sujeito não deseja diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível ou provável (CP, art. 18, I, in fine). Relativamente a este ponto, aduziu-se que, dentre as várias teorias que buscam justificar o dolo eventual, destaca-se a do assentimento ou da assunção, consoante a qual o dolo exige que o agente aquiesça em causar o resultado, além de reputá-lo como possível. Assim, esclareceu-se que, na espécie, a questão principal diz respeito à distinção entre dolo eventual e culpa consciente, ambas apresentando em comum a previsão do resultado ilícito. Observou-se que para a configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento, sendo imprescindível, isso sim, que delas (circunstâncias) se extraia o dolo eventual e não da mente do autor (STF: HC 91.159/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 02.09.2008, noticiado no informativo 518).

A quantidade de acidentes fatais se deve, principalmente, pela conduta de motoristas que, num rompante de audácia e arrojo, dirigem seus veículos embriagados em velocidades excessivas pelas vias públicas. Nesse caso, quando há acidente com morte, há um clamor popular para submeter o autor a julgamento perante o tribunal popular. No entanto, a visão dos leigos, na grande maioria das vezes, é a técnica.

Tal postura jurídica de submeter o agente, na condição de réu, a julgamento perante o Tribunal do Júri não é a mais acertada, pois visa somente classificar a conduta como dolo eventual, através da exploração do inconformismo popular ante a brandura de nossas leis, e sob o pálio da soberania constitucional que as decisões do tribunal popular usufruem.

Entretanto, tal situação configura, na realidade, culpa consciente. É inconcebível distorcer os princípios jurídicos (diferença entre dolo eventual e culpa consciente), dogmas que servem de diretrizes para solucionar casos concretos como recurso para superar a brandura da legislação penal.

Bitencourt (1998, p. 114) chama atenção para o problema:

os tribunais pátrios não têm realizado uma reflexão adequada, decidindo quase que mecanicamente: se a embriaguez não é acidental, pune-se o agente. Se houve ou não previsibilidade do fato no estágio anterior à embriaguez não tem sido objeto de análise. É muito fácil: o Código diz que a embriaguez voluntária ou culposa não isenta de pena, ponto final. O moderno Direito Penal há muito está a exigir uma nova e profunda reflexão sobre esse aspecto, que os nossos tribunais não têm realizado.

Tavares adverte (2003, p.352):

esse mesmo raciocínio vale para a conhecida hipótese de embriaguez volante, associada à velocidade excessiva, à qual a jurisprudência brasileira tem assinalado, sem outras condições, as características do dolo eventual. Neste caso, para configurar-se o dolo eventual não basta, exclusivamente, a constatação de embriaguez e da velocidade. Será preciso demonstrar que as condições concretas do evento eram, igualmente, desfavoráveis ao agente, de modo que este não pudesse objetivamente invocar a expectativa de que o resultado não ocorreria ou poderia ser evitado.

Assim, não é viável a caracterização, como regra, de dolo eventual, pois ao dirigir embriagado, não é presumível dizer que o indivíduo é indiferente à vida de terceiros, ou seu conhecimento de que a ingestão de bebida alcoólica e direção é uma transgressão às leis.

Nesse contexto, manifestou-se recentemente o STJ, consoante julgado colacionado:

OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. HOMICÍDIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DOLOEVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. PRONÚNCIA. APLICAÇÃO DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE.INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DO DOLO EVENTUAL.

DÚVIDA NÃO CARACTERIZADA. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA QUE SE IMPÕE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Inexistente qualquer ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no aresto impugnado, insubsistente a alegada contrariedade ao art. 619 do CPP. A revaloração do contexto probatório firmado pelo Tribunal a quo, diferente do reexame de  provas vedado pela Súmula 7/STJ, é permitida em sede de recurso especial. A pronúncia do réu, em atenção ao brocardo in dúbio pro societate, exige a presença de contexto que possa gerar dúvida a respeito da existência de dolo eventual. Inexistente qualquer elemento mínimo a apontar para a prática de homicídio, em acidente de trânsito, na modalidade dolo eventual, impõe-se à desclassificação da conduta para a forma culposa. (REsp 705.416/SC, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 23/05/2006, DJ 20/08/2007 p. 311, REPDJ 27/08/2007 p. 298).

Acerca da questão auferida pelo STJ, é indubitável que não se poderá considerar como regra o dolo eventual nos crimes de trânsito quando o condutor estiver embriagado. Pois quando o condutor assume o risco do resultado, gera uma dúvida a respeito da aplicação da pena, já que tal efeito é comum no dolo eventual e na culpa consciente, além da existência da previsão do resultado.

Haja vista ter generalizado os casos de embriaguez ao volante como dolo na modalidade eventual, pois estabeleceu uma punição mais severa ao indivíduo,  tal punição considerada injusta, à medida que deve se avaliar cada caso, para evitar injustiças.

Desse modo, o motorista que se envolve em acidente de trânsito não é lógico afirmar que ele assume o resultado, por isso não será viável a caracterização de dolo eventual. Caso haja um homicídio onde o motorista esteja sob efeito de álcool, ele será o único a sofrer as sanções pelo cometimento de ato ilícito, como o martírio de sua consciência pelo fato ocorrido, indenização dos parentes da vítima, danos ao seu veículo.

Nesse sentido, segue algumas decisões jurisprudenciais sobre o tema:

dolo eventual. Culpa consciente. Distinção. Enquanto, no dolo eventual, o sujeito age movido de egoísmo, na dúvida sobre se o resultado previsto sobreviria ou não, arriscando-se a produzir o resultado, ao invés de renunciar a ação, na culpa consciente, o agente, embora inconscientemente, repele a superveniência do resultado, empreendendo ação na esperança ou presunção de que este resultado não ocorra.(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação n. 693039687 4º C. Relator. Dr. Egon Wilde. Publicado no DO de 29/06/93).

ACIDENTE DE TRÂNSITO – HOMICIDIO CULPOSO E LESAO CULPOSA – ATROPELAMENTO – EMBRIAGUEZ E VELOCIDADE INCOMPATIVEL PARA O LOCAL DO SINISTRO – CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE –

ABSORÇÃO. Age com culpa, o agente que, em velocidade exagerada e embriagado, três dias após iniciar o cumprimento de pena de suspensão da habilitação para dirigir aplicada por condenação decorrente de embriaguez ao volante, atropela pedestres que caminhavam na lateral da via pública, evadindo-se do local sem lhes prestarem socorro, embora as circunstâncias assim o permitissem. O crime do art. 306 (embriaguez ao volante), do Código de Trânsito Brasileiro, é absorvido pelo previsto nos art. 302 e 303(homicídio culposo e lesão culposa).32 Dessa forma, ainda que haja uma tendência a responsabilizar o agente a título de dolo eventual, vê-se que o mais coerente é a aplicação da culpa consciente. CONCLUSÃO Após analisar os institutos do dolo eventual e da culpa consciente, conclui-se que apesar de existirem diversas correntes doutrinárias, a compreensão, assim como sua diferenciação não é tarefa complexa. O que é complexo é a aplicação prática dos institutos, principalmente nos casos de homicídios provocados na direção de veículo automotor. Ultimamente, a jurisprudência tem adotado a teoria do dolo eventual nos delitos provocados por indivíduo embriagado na condução de veículo automotor, já que entende que, ao ingerir bebida alcoólica, o agente assume o risco de produzir o resultado, o que tecnicamente falando é um grande equívoco. Não se pode realizar pré-julgamento das situações de acidente de trânsito como sendo todas, objetivamente, casos de dolo eventual. Isso porque, nesses casos, deve ser levado em consideração a esfera subjetiva do agente, ou seja, sua vontade no momento da conduta.(BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação n. 2003.023349-0. Relator: Dr. Newton Janke. Publicado no DO de 29/06/2004).

Desta feita, devem ser analisados os elementos materiais em cada caso, para concluir se o agente agiu com dolo ou culpa, até porque sem essa análise, deve-se entender que, nesses casos, o agente almejou o suicídio, o que não é razoável, pois  em nenhuma situação o condutor deseja que uma mal lhe ocorra.

Por tais motivos, é que nos delitos de trânsito deve ser aplicada a culpa consciente, ainda que para a sociedade não seja a decisão mais justa, porém é a mais técnica.

3. CONCLUSÃO

Na esteira do que foi trabalhado, depreende-se que a definição de dolo eventual ou culpa consciente depende de circunstâncias fáticas a serem analisadas no julgado, nos termos de decisão do STF. Dessa forma, além da embriaguez ao volante, deve ser analisado se está presente alguma outra circunstância hábil a demonstrar que o agente assumiu o risco de causar o resultado, a exemplo da direção em contramão e da alta velocidade. Por conseguinte, conclui-se aduzindo que a embriaguez, por si  só, não é apta a fazer incidir o dolo eventual na conduta do  agente.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Portucalense, Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Faveni e em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Piauí.

Enviado: Janeiro, 2021.

Aprovado: Março, 2021.

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Lucas Alves Silva Caland

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