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Da prescrição na fase de cumprimento de sentença

RC: 143282
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/cumprimento-de-sentenca

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MOTA, Lohan dos Santos [1]

MOTA, Lohan dos Santos. Da prescrição na fase de cumprimento de sentença. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 03, pp. 110-127. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/cumprimento-de-sentenca0, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/cumprimento-de-sentenca

RESUMO

Este artigo investiga as diferentes formas pelas quais a pretensão de deduzir uma execução em juízo pode ser extinta pela prescrição, sob o prisma do Direito Civil. O estudo diferencia essas formas com base no marco inicial de contagem do prazo e no momento processual em que ocorrem, destacando ainda pontos em comum entre as facetas dessa dicotomia (momento processual: fase de cognição e fase executória). A pesquisa se baseia em legislação, análise de casos jurisprudenciais e revisão doutrinária.

Palavras-chave: Prescrição, Execução, Cumprimento de Sentença, Segurança Jurídica.

1. INTRODUÇÃO

Inicialmente, é pertinente apresentar uma breve definição técnica do que seria “Prescrição”, posto que sua aplicação transcende o universo jurídico e sua aplicabilidade é de interesse no cotidiano laboral de uma indefinível gama de profissões, bem como dos cidadãos em geral, que são potenciais detentores de direitos passíveis de serem lesados.

Portanto, deve ser entendido como prescrição: a perda do direito de ação, ou seja, em razão do transcurso de determinado lapso temporal, o detentor de um direito não mais poderá reivindicá-lo em juízo.

Fazendo uso das palavras do professor Marcelo Cometti (2008, p. 67), temos a seguinte definição: “É a extinção (perda) do direito de mover uma ação (pretensão) em razão da inércia do seu titular pelo decurso do tempo, sem que tenha havido algum fato impeditivo ou interruptivo do curso do prazo”.

Reforçando a conceituação do instituto aqui tratado, temos os ensinamentos do patrono do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua (1980, p. 286): “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo”.

Necessário frisar que não obstante o presente trabalho dá um enfoque mais voltado ao Direito Civil. A prescrição tem sua aplicação nos mais diversos ramos do direito, como: direito penal, trabalhista, tributário, entre outros.

Assim, tem-se que a prescrição é um instituto do direito material, portanto, seus prazos são tratados pelo Código Civil, mais precisamente do art. 189 ao art. 206-A, sendo que nos art. 205 e 206 do mesmo diploma legal, há uma pormenorização dos prazos em que ocorrerá a prescrição, a depender do direito que se pretende deduzir em juízo face ao réu (BRASIL, 2015).

No mencionado artigo 189, da Lei Material Civil, há uma conceituação da prescrição: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206” (BRASIL, 2002).

Todavia, ainda que o Código Civil tenha como escopo a regulação de direitos materiais, denota-se do artigo 206-A a aplicação da prescrição na seara instrumental do direito civil, ao fazer alusão à “prescrição intercorrente”, o que vem codificar um entendimento há muito consolidado pela jurisprudência, conforme será mais detalhado no decorrer deste artigo (BRASIL, 2015).

Portanto, desde já pode-se perceber que a prescrição possui importantes reflexos no âmbito do direito processual civil, sobretudo por ser causa da extinção da pretensão, ou seja, do direito de obrigar, mediante uma decisão judicial, que alguém faça algo.

Inclusive, a prescrição, para o Direito Processual Civil, é causa de extinção do processo, tanto na fase de conhecimento (art. 487, II, CPC), quanto na fase de cumprimento de sentença (art. 924, III e V, CPC) (BRASIL, 2015).

Nesse ponto, merece um breve esclarecimento acerca das mencionadas fases processuais – cognição/conhecimento e execução/cumprimento de sentença.

Eis que desde o Código Processual Civil – CPC/73, com o advento da Lei 11.232/2005, o processo civil tornou-se sincrético, ou seja, compilado num único processo (mesma numeração, inclusive) a fase de conhecimento e a fase de execução. Tal situação foi mantida com o advento do CPC/2015 (BRASIL, 2015).

Assim, devemos entender, como fase de conhecimento, a prestação jurisdicional, que vai desde a distribuição da demanda até o trânsito em julgado (decisão da qual não cabe mais recurso) da condenação.

Posteriormente, também, por iniciativa do credor (parte vencedora na fase de conhecimento) é deflagrada a fase de cumprimento de sentença, momento no qual se busca dar efetividade à condenação judicial, inclusive utilizando-se de meios coercitivos, com observação do art. 831 e seguintes do CPC/2015 (BRASIL, 2015).

Nesse ponto, é salutar destacar que a prescrição – seja ela operada na fase de conhecimento ou cumprimento de sentença – não fulmina o direito em si, apenas a possibilidade de se valer do poder coercitivo do Estado-juiz para satisfação de um direito. Portanto, a satisfação de uma dívida prescrita é absolutamente legítima e válida ao credor que já não poderia obrigar seu devedor a fazê-lo.

Noutras palavras, ainda que operada a prescrição, a incolumidade do direito é preservada, todavia não possuindo mais o aparato do Poder Judiciário para auxiliar na busca da solução. Assim sendo, não cabe ao devedor que paga uma dívida prescrita, repeti-la, consoante dispõe o art. 882, do Código Civil: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível” (BRASIL, 2002).

Contudo, merece um valoroso destaque as exceções em que a prescrição pode adquirir o condão de extinguir o direito em si, como no caso de prescrição aquisitiva de direito real, na ação de usucapião, prevista no art. 1.238, CC (BRASIL, 2002), bem como possui caráter constitucional, previsto nos arts. 183 e 191 da Carta Magna (BRASIL, 1988).

Portanto, no caso apresentado, transcorrido o prazo disposto em lei, o antigo proprietário do imóvel usucapido perde não apenas a pretensão de revê-lo em juízo, mas o direito sobre o bem em si, que se transfere àquele que detinha a posse mansa do imóvel.

A prescrição que extingue o direito em si, a dita aquisitiva, está prevista na Parte Especial, no direito das coisas. É um direito concedido em prol do possuidor com animus de proprietário, coisas móveis e imóveis, adquirido com o transcurso, período de tempo determinado pelo legislador. Assim, temos os ensinamentos de Sílvio Venosa (2003, p. 613): São dois os fatores essenciais para a aquisição de direito real pela usucapião: o tempo e a posse. O decurso de tempo é essencial, porque cria uma situação jurídica. A posse cria estado de fato em relação a um direito”.

Possui, também, caráter extintivo do direito à prescrição aplicável noutros ramos do direito, como na hipótese de extinção do crédito tributário (art. 156, V, CTN) (BRASIL, 1966) e a extinção da punibilidade prevista no art. 107, IV, do Código Penal, dentre outras previsões dispostas no ordenamento pátrio (BRASIL, 1940).

Prosseguindo, temos que a finalidade mor do instituto da prescrição é dar segurança às relações jurídicas e pacificar as relações sociais, posto que um direito não pode se perpetrar indefinidamente no tempo, de modo a gerar uma inquietação ilegítima àquele contra quem o mesmo pode ser exercido.

Noutro giro, a prescrição tem o escopo de punir o negligente, que mesmo sendo titular de um direito, não o faz valer, indicando, portanto, sua intenção (ainda que tácita) em renunciá-lo. Nesse sentido temos o brocardo jurídico: o direito não socorre aos que dormem, cuja expressão deriva do latim “Dormientibus Non Sucurrit Ius”.

Elucidando, temos a lição de José Fernando Simão (2020),

podemos compilar os seguintes fundamentos para a existência da prescrição e da decadência: segurança jurídica, paz social, interesse geral, fim da angústia daquele contra quem o direito é exercido, presunção de renúncia, negligência do titular do direito. Ele conclui que “os fundamentos basilares da prescrição são realmente dois: segurança jurídica e negligência do titular do direito”.

Seguindo perspectiva semelhante, verificamos à docência de Sílvio Venosa (2003, p. 615:

A inércia é causa eficiente da prescrição; ela não pode, portanto, ter por objeto imediato o direito. O direito incorpora-se ao patrimônio do indivíduo. Com a prescrição o que perece é o exercício desse direito. É, portanto, conta a inércia da ação que age a prescrição, a fim de restabelecer estabilidade do direito, eliminando um estado de incerteza, perturbador das relações sociais. Por isso, a prescrição só é possível quando existe ação a ser exercida. O direito é atingido pela prescrição por via de conseqüência, porque, uma vez tornada a ação não exercitável, o direito torna-se inoperante. Tanto isso é válido que a lei admite como bom o pagamento de dívida prescrita, não admitindo ação para repeti-lo.

Os raciocínios acima aplicam-se não apenas à necessária observação de um prazo legalmente estabelecido para deduzir em juízo o pedido de reconhecimento de um direito material, mas também à sua efetivação, através da reclamação perante o mesmo órgão judicante do cumprimento do julgado de uma decisão condenatória ou através de providências que busquem a viabilização de atos expropriatórios.

Destarte, prosseguindo no raciocínio da prescrição como elemento precípuo à segurança jurídica e estabilização das relações sociais, temos que ainda que o detentor do direito tenha exercido sua pretensão nos termos do art. 189, CC, os efeitos e finalidade da prescrição se irradiam para após a formação do título executivo judicial (BRASIL, 2002).

Também, no requerimento para cumprimento coercitivo da decisão judicial obtida (execução), faz-se necessário observar determinado prazo estabelecido em lei, sob pena de operar-se a prescrição da pretensão executiva. E, mesmo já deflagrada a execução, havendo inação de providências, a prescrição intercorrente pode ocorrer.

Assim, diante das explicações introdutórias, percebemos a importância do instituto da prescrição e sua correlação com o exercício do direito e a segurança jurídica, produzindo efeito nas relações sociais em geral.

Doravante, passaremos a identificar os aspectos em comum, bem como as nuances que diferenciam os tipos de prescrição já anunciados.

2. DO PRAZO COMUM DA PRESCRIÇÃO

Antes deste artigo adentrar às nuances em que se operam uma ou outra modalidade de prescrição, é importante apresentar seus pontos em comum.

Inicialmente, relembra-se que, não obstante, existiam ramificações da prescrição, doravante apresentadas, a depender do momento processual em que irá se fazer incidir, sempre será mantida sua intenção, conservando-se a mens legis, ou seja, a intenção do legislador (“espírito da lei”), do já citado art. 189, CC, que busca a segurança jurídica, bem como a estabilização das relações sociais (BRASIL, 2002).

Nessa esteira, temos que a finalidade pretendida pela prescrição alcança àquela atinente a do direito de ação em si, assim como estende-se às modalidades objeto deste artigo: Prescrição da Pretensão Executória e Prescrição Intercorrente.

Outro ponto de interseção entre os subtipos do instituto sob análise é o prazo. Neste ponto, urge uma breve conceituação jurídica daquele termo. Assim, temos que “Prazo é o lapso de tempo em que o ato processual pode ser validamente praticado. É delimitado por dois termos: termo inicial (dies a quo) e termo final (dies ad quem)” (DONIZETTI, 2022).

Agregando às lições acima, temos a conceituação de prazo trazida por Sílvio Venosa (2008, p. 466): “tradicionalmente se diz que prazo é o lapso decorrido entre a declaração de vontade e a superveniência do termo. O prazo é também o tempo que medeia entre o termo inicial e o termo final”.

Portanto, servirá de referência para a prescrição da pretensão executiva, bem como para a prescrição intercorrente, aquela aplicável ao direito material.

É dizer, para um direito material cujo prazo para propositura da ação seja de um ano, sob pena de prescrição, será também de um ano o prazo para que seja dado início ao seu cumprimento de sentença ou para efetivação deste quando já deflagrado.

Esse sempre foi o posicionamento da Corte Suprema, que editou a Súmula de Entendimento Predominante de nº 150, ainda no ano de 1964, sob a vigência do Código Beviláqua (Lei Material Civil, 1916) e do Código Buzaid (Lei Processual Civil, 1973), tendo sido recepcionada pela Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988), bem como aplicada até os dias atuais.

O aludido verbete sumular nº 150, do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1963), era a referência de prazo para prescrição em execução, inclusive na modalidade intercorrente, até a edição da Lei 14.362/2022, que alterou o atual Código Civil (BRASIL, 2002), fazendo incidir o art. 206-A:

A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão, observadas as causas de impedimento, de suspensão e de interrupção da prescrição previstas neste Código e observado o disposto no art. 921 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022) (BRASIL, 2002).

Em relação à prescrição da pretensão executória, de construção jurisprudencial, segue a súmula alhures referenciando seu prazo, através de seu enunciado: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (BRASIL, 1963).

3. DA DISTINÇÃO ENTRE A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA E A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Ultrapassados os aspectos pertinentes a todas as modalidades de prescrição, passa-se a apresentar a diferenciação entre elas, a fim de sua adequada conceituação e aplicação na prática forense. São duas as principais formas de identificar o subtipo da prescrição de que se esteja tratando.

A primeira é o momento processual em que se opera. Assim, a chamada prescrição da ação ocorre na fase de cognição, ou seja, quando da análise acerca da procedência direito material deduzido em juízo, momento em que se faz a verificação da observância do prazo prescricional, inclusive ex officio.

Já a prescrição da pretensão executória percebe-se no momento imediatamente seguinte à formação de título judicial executivo. Opera-se, entretanto, antes da deflagração do cumprimento de sentença.

Por fim, a prescrição intercorrente tem sua contagem de prazo num contexto da fase de execução iniciada, portanto no curso desta.

A segunda forma de identificação técnica da prescrição é o termo inicial de sua contagem. Ainda que umbilicalmente ligado ao momento processual, o conhecimento do dies a quo de cada modalidade de prescrição é primordial para a análise do operador do direito se a pretensão foi extinta ou não.

Sobre a prescrição do direito material em si, a própria lei estipula o início da contagem do prazo prescricional como sendo a violação do direito, que dá azo à pretensão que poderá ser exercida nos prazos legalmente estabelecidos (Art. 189, CC), observados os casos de suspensão, interrupção e impedimento da contagem do prazo prescricional (art. 197 usque 201, Código Civil) (BRASIL, 2002).

Analisando a prescrição intercorrente, identificamos dispositivos legais que também estabelecem a partir de quando será sua contagem. Todavia, há algumas condições que merecem destaque. Além do fator tempo, existem providências de ordem prática que devem ser adotadas pelo exequente de modo que não seja operada tal prescrição.

Assim, para a prescrição intercorrente devem ser observadas as regras do art. 921, CPC (BRASIL, 2015), que impõe sucessivas condições para a abertura da contagem daquela. Nessa esteira, iniciada a execução, esta será suspensa pelo prazo de até um ano na hipótese de não ser localizado o executado ou bens penhoráveis. Destaca-se que suspensa a execução, suspende-se o prazo da prescrição.

Já o dies a quo (data inicial) específico à prescrição intercorrente é apresentado pelo §4º do mesmo art. 921, o qual estabelece que:

O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo (BRASIL, 2021).

Nota-se, então, que para abertura do prazo de contagem da prescrição intercorrente, é preciso ocorrer, cumulativamente, as seguintes condições:

  1. Deflagração da fase de cumprimento de sentença;
  2. Tentativa infrutífera de localização do executado ou de bens penhoráveis;
  3. Decurso do prazo de suspensão da prescrição (período de até um ano) sem localização do executado ou bens penhoráveis.

Frisa-se que além do primordial elemento temporal, merece destaque a ineficiência ou desídia do exequente em adotar medidas que possam satisfazer seu direito reconhecido judicialmente, mormente através da localização do devedor e seus bens.

Corroborando a explanação, merece destaque o julgado de relatoria do eminente ministro Marco Aurélio Belizze, no julgamento do REsp 1.604.412/SC:

a prescrição intercorrente é meio de concretização das mesmas finalidades inspiradoras da prescrição tradicional, guarda, portanto, origem e natureza jurídica idênticas, distinguindo-se tão somente pelo momento de sua incidência. Por isso, não basta ao titular do direito subjetivo a dedução de sua pretensão em juízo dentro do prazo prescricional, sendo-lhe exigida a busca efetiva por sua satisfação (BRASIL, 2016).

É digno de destaque que o art. 921, §4º, CPC, ao tratar do termo inicial da prescrição intercorrente não o condiciona a uma prévia intimação do credor-exequente. Dá-se, portanto, o início da contagem prescricional de forma automática com o fim do prazo de suspensão de que trata o art. 924, §1º, CPC (até um ano) (BRASIL, 2015).

Finalmente, analisamos o termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executiva. Esta modalidade de extinção da pretensão não possui expressa previsão legal, contudo utiliza a inteligência do art. 523, caput, CPC, ressaltando-se a necessária providência do credor em instaurar a fase de cumprimento de sentença: “…o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente…” (BRASIL, 2015).

Noutra perspectiva, ainda que detentor de um título executivo judicial, o cumprimento deste não ocorrerá de ofício, sendo necessário requerimento do credor, que não o fazendo (no mesmo prazo do direito material que deu ensejo à ação) verá sua pretensão executória ser fulminada pela prescrição, não podendo exigir em juízo o cumprimento do direito que lhe foi garantido na fase de conhecimento.

Nessa esteira, firmou-se, através de entendimento jurisprudencial construído no Superior Tribunal de Justiça, que o dies a quo da contagem do prazo da prescrição executiva é o trânsito em julgado da decisão condenatória, posto que se trata do último ato da fase de conhecimento. Foi esse o elucidativo entendimento da relatora ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.419.386/PR:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DE REPARAÇÃO CIVIL. SÚMULA 150/STF. DIREITO INTERTEMPORAL. ACTIO NATA. CC/16. PRAZO VINTENÁRIO. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA.

      1. A pretensão do cumprimento de sentença é a mesma pretensão da ação de conhecimento. Não há uma nova pretensão executiva que surge na data do trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedente da 4ª turma.
      2. O momento em que nasce a pretensão de reparação civil (teoria da actio nata) é o critério para definir a legislação do prazo prescricional aplicável à hipótese. Incidência da Súmula 150/STF.
      3. O prazo da prescrição da execução flui a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória.
      4. Na hipótese, a pretensão de reparação civil surgiu antes da entrada em vigor do CC/02, incidindo o regime jurídico do CC/16 para contagem do prazo prescricional do cumprimento de sentença.
      5. Recurso especial não provido.

(REsp 1419386/PR, relatora ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/16, DJe 24/10/16) (BRASIL, 2018).

O entendimento acima foi posteriormente ratificado pela corte através do REsp 1.804.754, que, inclusive, traz um caso concreto com termos e prazos:

A referida orientação se aplica perfeitamente ao caso dos autos, no qual a sentença proferida na ação de conhecimento transitou em julgado em 1º de junho de 2012, enquanto a execução referente à obrigação de pagar foi proposta em agosto de 2018, quando já transcorridos mais de cinco anos do trânsito em julgado da decisão exequenda, o que torna impositivo o reconhecimento da prescrição da pretensão executória (BRASIL, 2022).

Estabelecido o termo inicial (trânsito em julgado da decisão condenatória), o prazo prescricional a ser aplicado deverá ser o mesmo do direito material invocado em juízo, consoante já mencionado entendimento firmado pela Súmula nº 150, STF (BRASIL, 1963).

Faz-se mister destacar que, tal como ocorre na prescrição do direito de ação e na prescrição intercorrente, a contagem da prescrição da pretensão executória não carece de prévia intimação do credor para adoção das providências necessárias à satisfação do seu direito. É, pois, automático o início do cômputo do prazo prescricional. No último caso estudado, desde o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Com o escopo de dar uma melhor visualização entre as distinções das modalidades de prescrição que podem ser observadas no curso de um processo judicial, bem como sua aplicação na prática forense, apresenta-se um sintético quadro comparativo e uma situação de caso concreto.

Quadro 1. Comparativo entre Prescrição X Momento Processual X Termo Inicial

PRESCRIÇÃO MOMENTO PROCESSUAL TERMO INICIAL
PRETENSÃO EXECUTÓRIA TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL FORMADO. EXECUÇÃO NÃO INICIADA. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA
INTERCORRENTE CURSO DA EXECUÇÃO FIM DA SUSPENSÃO DO PRAZO JUDICIAL (ATÉ UM ANO) APÓS NÃO HAVER A LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR OU SEUS BENS

Fonte: Autor.

Num exemplo proposto, um profissional liberal é titular do direito de seus honorários. Assim, nos termos do art. 206, §º, II, do Código Material Civil, é de cinco anos o prazo do profissional de deduzir sua pretensão em juízo (caso não observado, restará prescrito o direito de ação) (BRASIL, 2002).

Tendo sido proposta a ação dentro do lapso legal, apreciado o direito material na fase de conhecimento, sobreveio a decisão condenando o contratante em pagar os honorários do profissional liberal contratado. Com o trânsito em julgado da decisão condenatória, terá o credor idêntico prazo de 05 anos para deflagrar o cumprimento de sentença (art. 523, CPC. Súmula nº 150, STF) (BRASIL, 2015; BRASIL, 1963). Portanto, este é o nascedouro de um novo prazo prescricional, da pretensão executória.

Prosseguindo, tendo o credor promovido o cumprimento de sentença dentro do prazo de 05 anos, será dado andamento à execução com a tentativa de localização do devedor e seus bens, para fins de atos expropriatórios. Contudo, na hipótese de não restar frutífera aludida tentativa, o juiz suspenderá o processo – e por conseguinte o prazo prescricional – uma única vez pelo prazo máximo de um ano, período que o exequente deverá se desincumbir da tarefa de localizar o devedor ou seus bens.

Decorrido o prazo de suspensão de até um ano, será retomada a contagem do prazo prescricional de 05 anos (art. 206, §º, II, CC. Súmula nº 150, STF), durante o qual caberá ao exequente localizar bens do executado passíveis de penhora (BRASIL, 2002; BRASIL, 1963). Caso não logrado êxito dentro daquele lapso, operar-se-á a prescrição intercorrente.

Outra situação cotidiana que bem exemplifica em termos práticos o assunto aqui proposto, é numa hipótese em que o titular de um direito de recebimento de aluguéis ingressa com a respectiva ação de cobrança contra o locatário, antes de prescrita a pretensão de cobrar os valores (3 anos, na forma do art. 206, §3º, inciso I, do CC) (BRASIL, 2002).

Transitada em julgado a decisão que condenou o locatário ao pagamento dos aluguéis, o locador terá o mesmo prazo de 3 anos para iniciar o cumprimento de sentença, na forma do art. 523 do CPC (BRASIL, 2015). Não o fazendo, estará prescrita a pretensão de execução do título judicial que reconheceu o direito do locador.

E, mesmo após deflagrada a execução, não sendo localizados bens suficientes do devedor para satisfação da condenação nos aluguéis, o processo e o prazo prescricional serão suspensos pelo período de até um ano, a partir de quando se iniciará o idêntico prazo de 3 anos de contagem da prescrição intercorrente.

Por fim, uma última distinção entre a prescrição da pretensão executória e a prescrição intercorrente diz respeito ao direito intertemporal, sendo esta última regulada pelo art. 1.056, CPC, que dispõe da seguinte forma: “Considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V, inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código” (BRASIL, 2015).

Todavia, caso a suspensão da execução e prescrição (diante da não localização do executado ou seus bens) ocorra durante a vigência do CPC/1973 (BRASIL, 1973), a retomada do cômputo da prescrição intercorrente ocorrerá desde o final do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo, do transcurso de 1 ano da suspensão. Esse é o entendimento do REsp. 1.604.412/SC, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze (BRASIL, 2016).

No que tange à prescrição da pretensão executória, haja vista não ter previsão legal expressa, não é aplicável a aludida regra de transição. Portanto, o termo inicial da contagem do prazo prescricional será sempre a data do trânsito em julgado, seja no CPC/1973 (BRASIL, 1973), seja no CPC/2015 (BRASIL, 2015).

4. CONCLUSÃO

É crível, após o que foi exposto, a ilação pela relevância da prescrição como fenômeno jurídico que busca empregar segurança jurídica e estabilidade nas relações sociais, seja pelo viés da punição diante da inércia do detentor do direito em exercê-lo, seja pela inexistência no direito pátrio de uma pena perpétua, não sendo legítimo que sobre aquele que o direito possa ser exercido paire uma dúvida e inquietação sem termo final.

Assim, é curial a exposição das situações em que a inação do detentor do direito pode ser penalizada com a extinção da pretensão, ainda que após já ter sido reconhecido (o direito) judicialmente.

Prosseguindo, a análise aqui apresentada tem como escopo a correta e adequada identificação da prescrição porventura operada no caso concreto para que possa ser arguida de modo técnico.

Portanto, este artigo não se exaure na seara conceitual e acadêmica, tendo relevante aplicabilidade pelo operador do direito, sobretudo ao distinguir o momento processual de incidência de cada forma de prescrição, bem como seu termo inicial e condições.

REFERÊNCIAS

BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 10 de janeiro de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2002a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 31 mar. 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2010.406%2C%20DE%2010%20DE%20JANEIRO%20DE%202002&text=Institui%20o%20C%C3%B3digo%20Civil.&text=Art.,e%20deveres%20na%20ordem%20civil. Acesso em: 31 mar. 2023.

BRASIL. Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 31 mar. 2023.

BRASIL. Decreto-Lei No 2.848, De 7 De Dezembro De 1940. Código Penal. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 31 mar. 2023.

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[1] Pós-graduação em Direito Processual Civil (UCAM). Graduado no curso de Direito (Universidade Veiga de Almeida). ORCID: 0009-0002-6581-3638. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/8826543287033164.

Enviado: 3 de abril, 2023.

Aprovado: 13 de abril, 2023.

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Lohan dos Santos Mota

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