REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

A inviolabilidade do domicílio e os limites impostos pela legislação em casos de flagrante delito

RC: 100972
1.606
5/5 - (1 vote)
DOI: ESTE ARTIGO AINDA NÃO POSSUI DOI
SOLICITAR AGORA!

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

COUTO, Frederico Roger [1], PEREIRA, Renan Rocha [2]

COUTO, Frederico Roger. PEREIRA, Renan Rocha. A inviolabilidade do domicílio e os limites impostos pela legislação em casos de flagrante delito. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 11, Vol. 05, pp. 200-227. Novembro 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/inviolabilidade-do-domicilio

RESUMO

É cediço que, a Magna Carta de 1988 traz em seu bojo uma série de direitos e garantias fundamentais aos seres humanos e, dentre esses, destaca-se o direito à inviolabilidade do domicílio. Nesse esteio, concomitantemente ao direito de inviolabilidade domiciliar, tem-se também os casos em que tal direito poderá ser relativizado, ou seja, hipóteses onde o agente tenha permissão para adentrar em uma residência alheia, sem que tal situação acarrete violação a um direito fundamental. Tais situações são consideradas exceções legais. Em que pese a relativização do direito de inviolabilidade do domicílio, tem-se situações em que o agente policial, subsidiado por uma das exceções legais (casos de prisão em flagrante), age de forma abusiva, autoritária, sem fundamentação, ou seja, à margem do que é preconizado pela legislação. Nesse contexto, infere-se: a utilização indevida da hipótese de flagrante delito por policiais, em nome da segurança pública, através da prática de condutas abusivas ou perseguições infundadas, afronta o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio? Dessa forma, objetiva-se tratar sobre a utilização indevida da hipótese de flagrante delito por policiais, em nome da segurança pública, através da prática de condutas abusivas ou perseguições infundadas. Para isto, adotou-se a metodologia de revisão bibliográfica. Portanto, coaduna-se com o posicionamento de que a situação de invasão de domicílio não poderá ocorrer com base em incertezas, haja vista que o agente violaria uma garantia constitucionalmente reconhecida. Mister que, em casos de flagrante delito que não se encontram em consonância com a Lei, o magistrado atue com ponderação de valores, requerendo o desentranhamento de tais provas obtidas por meios ilegais. Ademais, para aqueles agentes que buscam atuar de forma correta, faz-se precípuo que tenham consigo além da documentação escrita da diligência policial, um registro integral em formato de vídeo e áudio, para fins de comprovação de que tal conduta encontra-se pautada por critérios e valores legais. Trata-se, sobretudo, de uma forma de se resguardar em relação às atuações policiais errôneas.

Palavras-chave: Direito à inviolabilidade do domicílio, Flagrante delito, Consentimento, Direito Penal, Direito Constitucional.

1. INTRODUÇÃO

É cediço que o direito contemporâneo traz em seu bojo uma série de direitos, garantias e valores inerentes aos seres humanos. Nesse esteio, tem-se o direito à inviolabilidade do domicílio como uma prerrogativa, em prol dos cidadãos, para que esses possam ter um local para fins de desenvolvimento de direitos da personalidade. Em outras palavras, observa-se que a legislação pátria, sobretudo à Magna Carta de 1988, concede a proteção ao direito à intimidade e a privacidade de cada um.

Nesse contexto, concomitantemente ao direito de inviolabilidade domiciliar, tem-se também os casos em que tal direito pode vir a ser relativizado, ou seja, hipóteses onde o agente poderá adentrar em uma residência alheia, sem que tal situação acarrete violação a um direito fundamental. Tais situações são consideradas exceções legais. Em que pese a relativização do direito de inviolabilidade do domicílio, tem-se situações em que o agente policial, subsidiado por uma das exceções legais (casos de prisão em flagrante), age de forma abusiva, autoritária, sem fundamentação, ou seja, à margem do que é preconizado pela legislação pátria. Nesse esteio, infere-se: a utilização indevida da hipótese de flagrante delito por policiais, em nome da segurança pública, através da prática de condutas abusivas ou perseguições infundadas, afronta o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio?

No sentido exposto, tem-se que a presente pesquisa busca tratar sobre a atuação de agentes policiais que adentram em residências alheias, desprovidos de uma autorização judicial ou de fundamentações concretas, para cumprir com uma “situação de flagrância”. Dessa forma, analisa-se todas as questões e possíveis responsabilizações provenientes de tal ato.

Inicialmente, busca-se tratar acerca do direito à inviolabilidade do domicílio, bem como sobre as exceções ao direito em comento.

Posteriormente, trata-se sobre a prisão em flagrante no ordenamento jurídico pátrio e sobre todas as modalidades de flagrante permitidas pela lei em vigência.

Ademais, por intermédio do tópico principal, busca-se tratar sobre o direito de inviolabilidade do domicílio e sobre as situações em que o agente policial atua à revelia da lei, como em alguns casos de flagrante delito. Para fins de complementação da pesquisa, tem-se posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.

Com relação à metodologia adotada, enfatiza-se a utilização de elementos bibliográficos, doutrinários e jurisprudenciais, haja vista que se trata de um tema puramente teórico, ou seja, distante do âmbito prático e das pesquisas de campo.

2. O DIREITO À INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO: ANÁLISE CONCEITUAL E ELEMENTOS CONSTITUCIONAIS PREPONDERANTES

O termo “domicílio” se constitui como “a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou prática, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos” (DINIZ, 2020, p. 248) e o termo “residência” é o local onde a pessoa mora, ou seja, onde ela habita com o intuito de permanência (DINIZ, 2020).

Nesse contexto, estabelece o Código Civil Brasileiro, por intermédio do artigo 70, que o domicílio se trata do local onde um indivíduo estabelece residência com ânimo de ali permanecer por um lapso temporal maior. Da mesma forma, tem-se a possibilidade de que a pessoa tenha mais de uma residência, onde, de maneira alternativa, considere como domicílio qualquer uma delas (BRASIL, 2002).

Por sua vez, ao tratar dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio, o Código Penal utiliza o termo “casa”, conforme se extrai do artigo 50, parágrafos 4º e 5º:

[…] § 4º – A expressão “casa” compreende:

– Qualquer compartimento habitado;

II – Aposento ocupado de habitação coletiva;

III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce

profissão ou atividade.

§ 5º – Não se compreendem na expressão “casa”:

I – Hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva,

enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II – Taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero (BRASIL, 1940).

Nesse esteio, Capez (2020) disserta que o Código Penal, ao eleger o termo “casa” nas acepções acima expostas, deixa de conceder proteção aos locais de uso comum ou compartimentos abertos ao público (como salas de espera, lojas, dentre outros). Por outro lado, concede uma tutela jurídica, mesmo que generalizada, às dependências da casa, incluindo-se nessas, as partes exteriores, desde que estejam cercadas ou muradas.

A inviolabilidade do domicílio tem raízes na Constituição Federal, especificamente no artigo 5º, inciso XI, conforme se observa abaixo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial […] (BRASIL, 1988).

Em caráter complementar ao exposto, aborda Sarlet (2013) que a casa, o local onde se estabelece residência, adquire um status de direito fundamental, haja vista que o diploma constitucional busca assegurar que as pessoas tenham direito a um espaço para o livre desenvolvimento de suas personalidades, onde tenham direito à intimidade, ao sossego:

A inviolabilidade do domicílio constitui direito fundamental atribuído às pessoas em consideração à sua dignidade e com o intuito de lhes assegurar um espaço elementar para o livre desenvolvimento de sua personalidade, além de garantir o seu direito de serem deixadas em paz, de tal sorte que a proteção não diz respeito ao direito de posse ou propriedade, mas com a esfera espacial na qual se desenrola e desenvolve a vida privada (SARLET, 2013, p. 547).

É importante destacar que, consoante Silva (2020), a inviolabilidade domiciliar traduz-se como uma garantia inerente aos indivíduos, para que não tenham a privacidade e a intimidade violadas, em relação ao que acontece dentro de suas residências ou em seus arredores, excetuando-se as hipóteses previstas na Magna Carta de 1988 ou havendo o consentimento dos moradores para ali adentrar. Nesse sentido, pondera Silva:

O art. 5°, XI, da Constituição consagra o direito do indivíduo ao aconchego do lar com sua família ou só, quando define a casa como o asilo inviolável do indivíduo. Aí o domicílio, com sua carga de valores sagrados que lhe dava a religiosidade romana. Aí também o direito fundamental da privacidade, da intimidade, que esse asilo inviolável protege. O recesso do lar é, assim, o ambiente que resguarda a privacidade, a intimidade, a vida privada. A segurança aparelhada no dispositivo consiste na proibição de na casa penetrar sem consentimento do morador, a não ser em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial (SILVA, 2020, p. 435, grifo nosso).

Isso posto, tem-se que a inviolabilidade domiciliar consiste em uma forma de se garantir que a vida privada e a intimidade das pessoas sejam mantidas, possibilitando que as pessoas tenham um local reservado, onde possam desfrutar de tais direitos personalidade, sem que terceiros ali se intrometam, sendo permitida a entrada de terceiros somente com o consentimento dos moradores ou nas hipóteses legais.

2.1 EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS AO DIREITO DE INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO

É cediço que, embora a inviolabilidade domiciliar seja considerada como um direito fundamental, tal garantia não se torna absoluta. Em outras palavras, tem-se que a legislação atual apresenta exceções ao direito em comento, quer seja por interesse público ou por interesse do próprio morador (SILVA, 2020).

Nesse prumo, Silva (2020) complementa que essas exceções se encontram ligadas à própria segurança individual (no caso de cometimentos de crimes), prestação de socorro ou em decorrência de uma ordem judicial, sendo nesse último caso durante o dia, para fins de busca e apreensão de criminosos ou de objetos de um crime:

Essas exceções à proteção do domicílio ligam-se ao interesse da própria segurança individual (caso de delito) ou do socorro (desastre ou socorro) ou da justiça, apenas durante o dia (determinação judicial), para busca e apreensão de criminosos ou de objeto de crime (SILVA, 2020, p. 436).

Dessa forma, vislumbra-se que um terceiro só poderá adentrar em uma moradia alheia, de maneira legal, caso haja o consentimento do morador ou nas hipóteses elencadas, previstas na Magna Carta de 1988. Ademais, segundo Sarlet (2013), os casos legais de invasão domiciliar são previstos em um rol já estabelecido pela norma constitucional, não sendo possível uma ampliação por via ordinária.

Segundo Sarlet (2013), o consentimento do morador trata-se da hipótese mais plausível para se adentrar em uma moradia alheia. Ademais, ressalta-se que o termo “morador” é bem mais amplo do que aquele que detém apenas a propriedade do imóvel. Trata-se, sobretudo, daquele que ocupa o interior da residência, que ali exerce os direitos relativos à personalidade. Em caráter complementar ao exposto, aborda Capez: “a proteção legal destina-se àquele que ocupa o espaço, não ao titular da propriedade, pois o que se tutela aqui é o direito à tranquilidade e segurança no espaço doméstico, e não o direito à posse ou propriedade” (CAPEZ, 2020, p. 382).

Compreende-se, portanto, que a ocorrência de uma violação domiciliar, dar-se-ia pela entrada ou permanência em um imóvel, contra a vontade expressa ou tácita, do morador. Tal inconformismo poderá se dar por intermédio de gestos, palavras, escritos, ou de forma tácita, quando tal inconformismo provir de um comportamento ou fatos incompatíveis com a vontade de que o terceiro ali permaneça. Destaca-se, ainda, que a violação poderá ocorrer de forma clandestina (escondido, obscuro), astuta (conduta fraudulenta) ou de maneira ostensiva, ou seja, quando a entrada ou permanência de um terceiro contrariar veementemente a vontade do morador (CAPEZ, 2020).

No que se refere à entrada de um terceiro em moradia alheia, para fins de prestar socorro, faz-se necessário que o ocorrido se dê em razão de um desastre ou acontecimento (seja um acidente humano ou natural), conforme preleciona Sarlet:

É certo que por desastre se deve ter um acontecimento (acidente humano ou natural) que efetivamente coloque em risco a vida e saúde de quem se encontra na casa, sendo o ingresso a única forma de evitar o dano. Algo semelhante se passa no caso da prestação de socorro, em que a entrada no domicílio apenas se justifica quando alguém no seu interior está correndo sério risco e não haja como obter a autorização prévia (SARLET, 2013, p. 551).

Nessa ordem de ideias, pondera Capez (2020) que um desastre é um acontecimento inesperado, que coloca em risco à vida ou a incolumidade física dos moradores. Tal exceção visa preservar a vida humana, ou seja, um bem jurídico de maior importância, em comparação com direito de inviolabilidade domiciliar. Contudo, mesmo que tal situação se configure como uma hipótese legal de invasão de domicílio, o agente que ali adentra deverá comprovar que o morador estava sob situação de risco (uma situação de inundação, desmoronamento, terremoto, dentre outros) e que este se encontrava impossibilitado de clamar por socorro, por seus próprios meios.

Enfatiza que, em capítulo oportuno, será tratada a hipótese legal de violação domiciliar em situações de flagrante delito.

3. A PRISÃO EM FLAGRANTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO: PRINCIPAIS PONDERAÇÕES

Segundo o entendimento de Lima (2013), o termo “prisão em flagrante” é proveniente do latim “flagrare” (traduzindo-se como “queimar”) e “flagrans”, “flagrantis” (como algo que brilha, resplandece, encontra-se em evidência). Tratam-se, sobretudo, de termos ligados à uma infração que está sendo praticada ou em acaba de ser praticada pelo agente. Nesse esteio, Paulo Rangel (2009) complementa que a prisão em flagrante prescinde de autorização judicial, haja vista ser notória a ocorrência do delito, sendo que o próprio conceito já traz em seu bojo uma ideia de medida cautelar, de autodefesa e preservação da ordem pública.

No mesmo contexto abordado, salienta Tourinho Filho:

A prisão em flagrante é uma prisão provisória, que visa deter o indivíduo que cometeu uma infração penal, para assegurar a instrução probatória do crime, bem como para manter a ordem social diante deste atentado. […] Não obstante trate de medida cautelar, o ato de prender em flagrante não passa de simples ato administrativo levado a efeito, grosso modo, pela Polícia Civil, incumbida que é de zelar pela ordem pública (TOURINHO FILHO, 2013, p. 603).

Desse modo, tem-se que a prisão em flagrante atua como um mero ato praticado pelo agente público, sendo dispensável uma autorização judicial para cumprimento da medida. Portanto, exige-se apenas uma transparência de prática do ato, ou seja, que o agente público, ao efetuar a prisão em flagrante, tenha para si que tal ato é lícito e legítimo (TOURINHO FILHO, 2013).

Ressalta-se, consoante Lima (2013), que a prisão em flagrante tem início com a captura do agente infrator e, posteriormente, com a sua condução coercitiva à autoridade policial responsável. Após tais atos, será comunicado ao magistrado, ao Ministério Público e familiares indicados pelo autor do delito, acerca de sua prisão. Importante destacar que, a partir da comunicação da prisão em flagrante delito, ocorre uma conversão de tal ato administrativo em ato judicial.

Em caráter complementar ao abordado, tem-se as seguintes ponderações de Nucci sobre a natureza jurídica da prisão em flagrante:

A natureza jurídica da prisão em flagrante é de medida cautelar de segregação provisória do autor da infração penal. Assim, exige-se apenas a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade, outros dois requisitos para a configuração do crime. É a tipicidade o fumus boni juris (fumaça do bom direito) (NUCCI, 2020, p. 659).

Com relação aos elementos pertinentes à prisão em flagrante, tem-se que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa do povo, ou seja, “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” (BRASIL, 1941).

No mesmo contexto, tem-se que o sujeito ativo da prisão em flagrante trata-se do agente que efetua a prisão do autor do delito, com subsídio em uma das situações de flagrância descritas no artigo 302 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – Está cometendo a infração penal;

II – Acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (BRASIL, 1941).

Nesse esteio, segundo Lima (2013), qualquer pessoa do povo, mesmo que não seja policial, até mesmo a vítima, poderá efetuar a prisão em flagrante de alguém. Tal situação é denominada pela doutrina como “flagrante facultativo”. De maneira semelhante, aborda Nucci: “Quando qualquer pessoa do povo prende alguém em flagrante, está agindo sob a excludente de ilicitude denominada exercício regular de direito (art.23, III, CP)” (NUCCI, 2020, p. 587).

Por outro lado, diferentemente do flagrante facultativo, salienta Nucci (2020) que os policiais militares, diante de uma situação de flagrância, deverão efetuar a prisão do autor do delito. Trata-se, sobretudo, de um flagrante coercitivo, obrigatório ou compulsório. Nesse caso, não se tem o exercício regular de direito, mas sim o estrito cumprimento do dever legal, onde o agente público que realiza a prisão do autor do delito irá apresentá-lo diante da autoridade competente.

Com relação ao sujeito passivo da prisão em flagrante, tem-se que se trata do autor da infração ou de quem concorre para a autoria delitiva. Nesse esteio, em regra, qualquer pessoa pode ser presa em flagrante, salvo algumas exceções previstas na Magna Carta de 1988. Dentre os exemplos de imunidades prisionais, cita Neto:

São exemplos de imunidades prisionais: a) diplomatas, que não são submetidos a prisão em  flagrante, por força de convenção internacional; b) Presidente da República, conforme art. 86, § 3º, da Constituição Federal; c) Membros do Congresso Nacional, que só podem ser presos por crime inafiançável, conforme estabelece o art. 53, § 2º, da Constituição Federal; d) magistrados e membros do Ministério Público, que somente podem ser presos em flagrante por crime inafiançável, devendo a autoridade fazer a imediata comunicação e apresentação, respectivamente ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral; além de outros casos previstos em lei (NETO, 2012).

Dentre as espécies de flagrância previstas no ordenamento jurídico pátrio observa-se que, além das modalidades previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal, tem-se também o flagrante próprio, impróprio, presumido, preparado ou provocado, esperado, prorrogado e o forjado.

3.1 FLAGRANTE PRÓPRIO

O flagrante próprio também é denominado pela doutrina como “flagrante perfeito, real ou verdadeiro”. Tal espécie abarca duas possibilidades, quais sejam, aquela onde o agente é preso quando realiza o ato delituoso ou, em caso de prisão assim que o agente acaba de cometer o crime. Tais hipóteses estão previstas no artigo 302, incisos I e II do Código de Processo Penal.

Consoante Lima (2013), o autor do crime, na primeira modalidade, é pego durante a execução da conduta criminosa e, mesmo que haja atipicidade material da conduta (em decorrência do princípio da insignificância), o agente deverá efetuar a prisão normalmente e manter os procedimentos seguintes. Tal conduta deve-se ao fato de que nesse primeiro momento não são analisados critérios materiais, mas sim a tipicidade formal.

No segundo caso, uma vez que o agente seja abordado logo após a execução do crime, já se tem, de maneira clara, a materialidade do crime e autoria.

3.2 FLAGRANTE IMPRÓPRIO

A presente modalidade de flagrante também é chamada pela doutrina de “flagrante imperfeito, irreal ou quase flagrante”, haja vista que ocorre quando o agente é perseguido, seja por pessoa comum, pela vítima ou policial, em uma situação fática que presuma que ele é o autor do crime. Tal situação encontra-se tipificada no artigo 302, inciso III do Código de Processo Penal.

Em casos de perseguição, compreendem juristas que, se tal ato não for interrompido, mesmo que gaste dias, caso haja êxito na captura do acusado, ainda será considerado flagrante delito.

Dessa forma, o “quase-flagrante” necessita de que a perseguição tenha se iniciado logo após o cometimento do delito, podendo perdurar no tempo, sem que haja interrupções ou pausas. Para servir de subsídio para a situação narrada, juristas utilizam, por analogia, o artigo 290, §1º do Código de Processo Penal:

Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor poderá efetuar lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso.

§ 1º – Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:

a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;

b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço […] (BRASIL, 1941).

Ressalta-se, no sentido proposto, que o flagrante impróprio permite que a prisão do acusado seja realizada em qualquer município ou comarca, devendo o sujeito ativo apresentar o acursado imediatamente à autoridade local (BRASIL, 1941).

3.3 FLAGRANTE PRESUMIDO

Observa-se, nesse contexto, que o flagrante presumido (também denominado ficto ou assimilado), refere-se à situação fática onde o acusado é preso, logo após cometer o crime e, junto com ele, são encontrados instrumentos, armas, ou qualquer objeto que se faça presumir a autoria delituosa. Tal modalidade de flagrante encontra-se tipificada no artigo 302, inciso IV do Código de Processo Penal.

É importante salientar que o flagrante presumido não necessita do ato de perseguição ao agente criminoso, mas sim da identificação de elementos que traduzam um notável indício de autoria ou participação do agente no cometimento do crime. No sentido realçado, tem-se as ponderações do Tribunal de Justiça do Amapá, em sede de análise de um habeas corpus:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. EFETIVAÇÃO 48 HORAS DEPOIS DA OCORRÊNCIA DO FATO CRIMINOSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

1) A doutrina e a jurisprudência vêm concedendo uma interpretação mais elástica à expressão “logo depois” contida no inciso IV, do artigo 302, do Código de Processo Penal, de tal sorte que não configura constrangimento ilegal ao direito de ir e vir do paciente se a prisão em flagrante foi efetivada quarenta e oito (48) horas após a ocorrência do fato delitivo. Aliás, para a caracterização do flagrante presumido, não há necessidade de se demonstrar a perseguição imediatamente após a ocorrência do fato-crime, mas, sim, o encontro do autor, “logo depois”, em condições de se presumir a ação delituosa do agente.

2) Ordem denegada (BRASIL. Tribunal de Justiça do Amapá. HC 106404/AP. Relator: desembargador Luiz Carlos. Diário Judiciário- DJ, 28 jun. 2004, grifo nosso).

Compreende-se, dessa forma, que o flagrante presumido necessita da situação fática, onde o infrator é surpreendido com objetos ou coisas que demonstrem que ele tenha praticado o crime ou atuado como participe. Ademais, a expressão “logo depois” admite que se enquadre a situação em um flagrante, mesmo que tenha decorrido várias horas ou no dia subsequente.

3.4 FLAGRANTE PREPARADO OU PROVOCADO

O denominado flagrante preparado ou provocado constitui-se como um “crime de ensaio”, um delito que serve como experiência ao agente provocador. Dessa forma, ter-se-á tal modalidade de flagrante quando o agente, de forma insidiosa, provoca alguém para que cometa um crime e, concomitantemente, atua de forma com que o delito não chegue à fase final. Portanto, a execução total do crime restará frustrada, tornando-se, ao final, um crime impossível (NUCCI, 2020).

Em tom supletivo, pondera Paulo Rangel (2009) que o flagrante preparado se assemelha à uma peça teatral, onde tem-se a montagem de um palco e o protagonista desconhece tal papel:

No flagrante preparado, há toda uma montagem de um palco, onde o agente é o artista principal, porém desconhecendo que o seja. Somente ele não sabe que, no cenário que escolheu para praticar o crime, se passa uma peça teatral, onde os policiais (ou terceiras pessoas) vão impedir a lesão ao bem jurídico. Em verdade, a atuação dos policiais faz nascer e alimenta o delito, o qual não seria praticado se não fosse a sua intervenção (PAULO RANGEL, 2009, p. 601).

Com relação ao flagrante presumido, ressalta o Supremo Tribunal Federal, por intermédio da súmula 145, que não há crime em tal modalidade de flagrante, haja vista que é impossível a consumação do delito: “Súmula 145- Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal).

O respeitável Tribunal compreende, portanto, que a situação de um flagrante presumido só pressupõe a existência de um crime, haja vista que não há consumação do delito, nem tampouco realização da prisão. Dessa forma, o agente não poderá ser preso em flagrante nem autuado, sendo apenas induzido à prática de uma conduta, por agentes policiais.

3.5 FLAGRANTE ESPERADO

O flagrante esperado, diferentemente do flagrante provocado, trata-se de uma conduta de “espera” por parte dos agentes públicos, haja vista que tenham tomado conhecimento de que o indivíduo se encontra em vias de prática de um crime, em determinado local e horário (podem não se constitui como informações precisas, ou seja, podem os agentes não terem certeza de tais elementos, nem tampouco de controle sobre os atos praticados pelo indivíduo). Nesse esteio, Nucci (2020) salienta que os agentes policiais, dotados de tal informação, deslocam-se para o local onde irá acontecer o crime e, concomitantemente, aguardam pelo indivíduo que irá praticá-lo. Dessa forma, nessa modalidade de flagrante, pode-se falar em possibilidade de prisão em flagrante e da constituição válida de um crime:

Essa é uma hipótese viável para autorizar a prisão em flagrante e a constituição válida do crime. Não há agente provocador, mas simplesmente chega à polícia a notícia de que um crime será, em breve, cometido. Deslocando agentes para o local, aguarda-se a sua ocorrência, que pode ou não se dar da forma como a notícia foi transmitida. Logo, é viável a sua consumação, pois a polícia não detém certeza absoluta quanto ao local, nem tampouco controla a ação do agente criminoso. Poderá haver delito consumado ou tentado, conforme o caso, sendo válida a prisão em flagrante, se efetivamente o fato ocorrer (NUCCI, 2020, p. 585).

É importante salientar que, consoante Nucci (2020), nessa modalidade de flagrante, inexiste qualquer ato de induzimento ao cometimento do delito. Tal situação só ocorre com a ciência da polícia, que se desloca, de maneira antecipada, até o local onde haverá a prática de um delito. Ressalta-se também que tais informações são obtidas através de denúncias ou da própria investigação policial.

3.6 FLAGRANTE PRORROGADO

No que se refere ao flagrante prorrogado (também denominado de flagrante protelado ou de ação controlada), constitui-se como aquele onde ocorre o retardamento da ação policial, em prol de uma melhoria da investigação criminal ou da colheita de um conjunto probatório mais concreto. Em outras palavras, Nucci (2020) pondera que o flagrante prorrogado se trata da “possibilidade de que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores dados e informações a respeito do funcionamento, dos componentes e da atuação de uma organização criminosa” (NUCCI, 2020, p. 585).

É importante observar que a modalidade de flagrante em questão traduz-se em um objetivo estratégico, onde os agentes públicos possuem a prerrogativa para retardar a prisão imediata do indivíduo, para que se tenha maior efetividade da investigação ou da colheita de provas. Tal hipótese, segundo, Neto (2012), é cabível na Lei das Organizações criminosas (Lei 9.304/95) e na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06):

Na Lei de Organizações Criminosas, que dispõe sobre o combate e repressão das ações praticadas pelas organizações criminosas, é prevista a possibilidade da utilização do flagrante prorrogado para formação de provas e fornecimento de informações. A lei dispensa autorização judicial e prévia oitiva do Ministério Público, cabendo a autoridade policial verificar a conveniência ou não da medida (NETO, 2012).

Nos mesmos moldes, compreende Nucci (2020) que o flagrante postergado também se adequa à Lei de Drogas, almejando, sobretudo, a repressão ao uso e ao tráfico de entorpecentes. Apesar de os objetivos serem semelhantes ao flagrante postergado aplicável na Lei de Organizações Criminosas, tem-se que na Lei de Drogas, para fins de flagrante postergado, necessita-se de uma autorização judicial, de prévia oitiva do Ministério Público, da rota de tráfico e da identificação dos autores ou partícipes.

3.7 FLAGRANTE FORJADO

Segundo o entendimento de Távora e Alencar (2019), o denominado flagrante forjado constitui-se como aquele onde a situação de flagrante foi criada, fabricada por terceiro, com o objetivo de incriminar alguém. Nesse esteio, complementa Nucci:

Trata-se de um flagrante totalmente artificial, pois integralmente composto por terceiros. É fato atípico, tendo em vista que a pessoa presa jamais pensou ou agiu para compor qualquer trecho da infração penal. Imagine-se a hipótese de alguém colocar no veículo de outrem certa porção de entorpecente, para, abordando-o depois, conseguir dar voz de prisão em flagrante por transportar ou trazer consigo a droga. A mantença do entorpecente no automóvel decorreu de ato involuntário do motorista, motivo pelo qual não pode ser considerada conduta penalmente relevante (NUCCI, 2020, p. 586).

É importante salientar, conforme entendimento de Távora e Alencar (2019), que o flagrante forjado apresenta uma imagem de algo ilícito, haja vista que o autor da conduta delituosa não possui intenção, vontade ou responsabilidade pela prática do crime, recaindo toda a responsabilidade sob aquele que forjou tal situação para incriminar alguém. Importante salientar que o agente forjador sofrerá a sanção prevista no artigo 339 do Código Penal (incorrendo no crime de denúncia caluniosa) ou, na hipótese de o mesmo ser um agente público, incorrerá também no crime de abuso de autoridade, previsto na Lei 4.898/65.

4. A RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO À INVIOLABILIDADE DOMICILIAR E OS LIMITES IMPOSTOS PELA LEGISLAÇÃO PÁTRIA

Hodiernamente, tem-se que a Magna Carta de 1988, estabelece uma série de direitos, princípios e valores. Dentre tais direitos, destaca-se à inviolabilidade do domicílio. No contexto avençado, observa-se que os cidadãos possuem o direito a um local onde possam desfrutar da privacidade e intimidade, de forma plena e sem interferências do Estado ou de terceiros. Contudo, ao mesmo passo que existe tal premissa constitucional, também se compreende que tal direito poderá vir a sofrer restrições, sobretudo em prol de direitos da coletividade. Em outras palavras, aduz-se que alguém poderá adentrar ou invadir residência alheia, independentemente do consentimento dos moradores, caso detenha uma ordem proveniente do Poder Judiciário ou esteja amparado por alguma das exceções constitucionais vigentes:

A sua violação poderá ser estabelecida pelo próprio Constituinte ou por meio de legislador ordinário. A nossa novel Constituição foi feliz em discriminar as hipóteses de violação de domicílio, ou seja, com o consentimento do morador, em estado de flagrante delito, desastre, para prestar socorro e, durante o dia, por determinação judicial. Com isso, retirou do legislador ordinário o poder de estabelecer hipóteses de invasão de domicílio (BERTOLO, 2003, p. 133).

É cediço que o direito à inviolabilidade do domicílio possui um status de direito fundamental. Contudo, não se trata de um direito imutável, que não poderá sofrer limitações. Dessa forma, os denominados “limites aos direitos fundamentais” são plenamente aceitos, configurando-se como um ato de redução ou extinção da tutela jurídica que permeia um direito fundamental:

Os limites aos direitos fundamentais, em termos sumários, podem ser definidos como ações ou omissões dos poderes públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) ou de particulares que dificultem, reduzam ou eliminem o acesso ao bem jurídico protegido, afetando o seu exercício (aspecto subjetivo) e/ou diminuindo deveres estatais de garantia e promoção (aspecto objetivo) que resultem dos direitos fundamentais (SARLET, 2013, p. 385).

É importante ressaltar que o agente público, através de uma autorização ou dentro das exceções legais, poderá adentrar em domicílio alheio, sem que o direito constitucional em comento seja considerado violado. Nessa perspectiva, observa-se que uma das limitações ao direito à inviolabilidade do domicílio, refere-se à possibilidade de adentrar em uma residência alheia, sem o consentimento dos moradores, para fins de efetivação da segurança pública. Ademais, tem-se que tal conduta só poderá ocorrer, em situações permitidas pela Magna Carta de 1988.

Dentre tais situações permissíveis, cita-se a questão da entrada forçada em domicílio, para efetuar a prisão do agente em flagrante delito (conforme artigo 302 do Código de Processo Penal). Trata-se de uma situação de restrição do direito fundamental à inviolabilidade domiciliar em prol da segurança pública, em crimes ou contravenções penais:

[…] a inviolabilidade do domicílio é a regra; excepcionalmente [..] diante do perigo na demora, o agente estatal no exercício do poder de polícia, à noite, poderá ingressar na casa de alguém, quando se depare com flagrante delito, nesta última hipótese, a situação deve demonstrar-se com base em fatos concretos, só devendo validar-se a busca domiciliar correlata (que não é consectário necessário do flagrante) quando pudesse ser autorizada, naquelas circunstâncias específicas (avaliadas ex ante), pelo juiz (SARLET, 2013, p. 388).

Apesar da existência de tais permissivos legais, tem-se que a questão de maior polêmica centra-se na conduta do agente público que, sob a utilização indevida da hipótese de flagrante delito, através da prática de condutas abusivas ou perseguições infundadas, afronta o direito fundamental à inviolabilidade domiciliar, em nome da segurança pública:

Uma vez que a atuação policial se encontre em dissonância da previsão constitucional e infraconstitucional, se amparando pelo imaginário do agente público, mesmo que se confirme posteriormente o cometimento do delito, o agente estará cometendo uma atuação abusiva e inconstitucional por violação do domicílio do agente (LIRA, 2020, p. 14, grifo nosso).

Com relação ao crime de abuso de autoridade, sob uma perspectiva conceitual, compreende Meirelles:

Abusar do poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública. O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social exige. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, da violência contra o administrado constituem formas abusivas do uso do poder estatal, não tolerados pelo direito e nulificadoras dos atos que as encerram. O uso do poder é lícito; o abuso sempre ilícito (MEIRELLES, 2015, p. 112).

Infere-se, nesse esteio, que o agente público não poderá adentrar em uma residência sem uma autorização judicial ou sem uma justificativa prévia. Em outras palavras, aduz Bitencourt (2020) que o agente público deverá ter fundadas razões de que uma infração penal está ocorrendo no interior de uma residência, do contrário, tal conduta será considerada arbitrária, mesmo que se constate, posteriormente a situação de flagrante.

Em caráter complementar ao exposto, compreende Lira (2020) que o direito fundamental à inviolabilidade domiciliar não pode ser lançado à sorte, não pode basear-se em incertezas. Dessa forma, tem-se que as fundadas razões, mesmo que não sejam prontamente apresentadas pelo agente, devem se fazer presentes em tal questão. A situação flagrancial deve ser detectada com certa segurança, antes mesmo de se adentrar em uma residência alheia.

Acerca de tal celeuma, tem-se o posicionamento proveniente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sede de análise de um recurso de Apelação:

[…] 1. O ingresso de policiais em residências, mesmo diante de informações anônimas da prática de delitos, é permitido apenas quando os policiais tenham, antes da entrada na casa, certeza da situação de flagrante. O juízo ex ante de certeza, no entanto, deve ser comprovado e analisado em cotejo com a legalidade. (…) RECURSO PROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70057356313/ RS. Relator: desembargador Nereu José Giacomolli. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 05 jun, 2014, grifo nosso).

Em caráter complementar ao exposto, aduz Capez (2020) que a lei de abuso de autoridade traz em seu bojo apenas crimes próprios, ou seja, que podem ser praticados apenas pelo agente público. Ademais, observa-se que tais delitos não admitem a modalidade culposa e não se admite a tentativa de prática de um crime de abuso de autoridade. Dentre tais delitos que, uma vez iniciados, tornam-se consumados, encontra-se o crime de inviolabilidade de domicílio (art. 3º, alínea “b” da Lei n. 4.898).

Nesse esteio, com o escopo de se respeitar a norma constitucional, Bitencourt (2020) ressalta que na hipótese de ocorrência de um flagrante, tal situação deverá configurar-se como “flagrante próprio”, ou seja, não se admite ampliar a possibilidade de invasão domiciliar em relação às modalidades de flagrante impróprio ou presumido. Entrementes, caso se trate de um crime permanente, considera-se mais viável a invasão, mesmo que os agentes não possuam um mandado judicial (como por exemplo em casos de tráfico de drogas, onde tal material encontra-se na casa). Enfatiza-se, ademais, que para fins de inviolabilidade do domicílio de forma legal, faz-se necessário que o agente tenha certeza da prática do crime naquele local.

Segundo o entendimento de Mirabete (2020), a atividade policial posterior à inviolabilidade domiciliar deverá ocorrer no sentido de se comprovar que se adentrou na residência alheia sob fundadas razões ou por motivos justos. Dentre os elementos probatórios mais comuns para justificar tal conduta, encontra-se o próprio testemunho policial. Dessa forma, será necessário fazer um juízo de admissibilidade em decorrência de tal conduta e de suas justificativas.

No âmbito jurisprudencial, observa-se decisões que caminham para o mesmo sentido, ou seja, de que o policial, em situação de flagrante delito, deverá munir-se de um mandado judicial ou possuir fundadas razões para adentrar em uma residência alheia. Dessa forma, consoante decisão proveniente da 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, em sede de análise de um Habeas Corpus, restou configurado que a conduta dos policiais, que adentraram em uma residência sem fundada suspeita da prática de um crime, constitui-se como flagrante ilicitude. Em outras palavras, enfatizaram que a residência do acusado foi vasculhada, sem permissão, sem qualquer ordem judicial e, sobretudo, sem um motivo justo. Nesse esteio, observa-se a ementa da mencionada decisão:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. EXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA APTA A AFASTAR A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691. TRÁFICO DE DROGAS. QUANTIDADE ÍNFIMA DE ENTORPECENTES (8.3 GRAMAS). DENÚNCIA POR TRÁFICO. CONDUTA QUE NÃO SE ADEQUA AO TIPO PENAL DO ART. 33 DA LEI DE TÓXICOS. EXISTÊNCIA DE FATOS E PROVAS QUE DEMONSTRAM O DEPÓSITO PARA CONSUMO PESSOAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO JUSTIFICADA PELA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.

I- Peculiaridades do caso que revelam a existência de contexto fático apto a ensejar a admissão da presente ação constitucional, de modo a superar o verbete da Súmula 691/STF.

II- Preso em flagrante, teve prisão posteriormente convertida em preventiva, por guardar em sua residência, 8 gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína. Conduta que se assemelha ao tipo penal de consumo pessoal e não do tráfico de drogas.

III- O trancamento da ação penal em Habeas Corpus só é justificável diante da ocorrência de situações de ilegalidade ou teratologia, tais como aquelas constantes do art. 395 do Código de Processo Penal: (i) a denúncia for manifestamente inepta; (ii) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; (iii) faltar justa causa para o exercício da ação penal.

IV- Ordem concedida para trancar a ação penal e conceder a liberdade ao paciente, salvo se estiver preso por outro motivo (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 138565/SP.Relator: ministro Ricardo Lewandowski. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 03 ago.2017).

Acerca da decisão retromencionada, observa-se que o Supremo Tribunal Federal, já no fim de 2015, aprovou uma tese com repercussão geral, estabelecendo que a entrada de maneira forçada em residência alheia, sem que se tenha um mandado judicial, só será lícita se o agente possuir motivos plausíveis para tal conduta:

O STF, no fim de 2015, aprovou tese, com repercussão geral, estabelecendo que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas posteriormente que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados (CONSULTOR JURÍDICO, 2017).

Além disso, também se ponderou que se o agente praticar tal conduta acreditando que há fortes indícios de prática criminosa em determinada residência, mas se nenhum crime for constatado, o agente não será punido (haja vista que atuou de boa-fé). Contudo, se cometerem abusos, tais condutas serão passíveis de responsabilização:

Ele explicou que os tribunais há tempos discutiam em que situações agentes de segurança deveriam ser punidos ou absolvidos por invadir uma casa sem autorização. Com a decisão do STF, Alexandre de Moraes disse que essa discussão acabou, pois ficou estabelecido que se houver fortes indícios, mas nenhum crime for constatado, os policiais não podem ser punidos, pois agiram de boa-fé. Contudo, o agora ministro afirmou que aqueles que cometerem abusos deverão responder por eles (CONSULTOR JURÍDICO, 2017).

Outro ponto de grande discussão refere-se ao caso de crimes permanentes (como por exemplo, em casos de crimes de sequestro). Nesse sentido, pondera o Supremo Tribunal Federal, que o Poder Judiciário deverá analisar e efetuar o controle das ações policiais no caso de entrada forçada em domicílio. Verifica-se, sobretudo, se tal ação se encontra subsidiada por fundadas razões:

Por definição, nos crimes permanentes, há um intervalo entre a consumação e o exaurimento. Nesse intervalo, o crime está em curso. Assim, se dentro do local protegido o crime permanente está ocorrendo, o perpetrador estará cometendo o delito. Caracterizada a situação de flagrante, viável o ingresso forçado no domicílio (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 603.616/RO. Relator: ministro Gilmar Ferreira Mendes. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 10 mai. 2016).

Consoante Sarlet (2013), o desatendimento dos critérios estabelecidos na Magna Carta de 1988, para fins de concretização da violação domiciliar, poderão acarretar contaminação das provas obtidas, não podendo ser utilizadas, mesmo que se comprove que o Poder Público não tenha participado do ato de invasão:

Importante consequência resultante do desatendimento dos critérios estabelecidos pela Constituição Federal é que prova obtida em situação que configure violação do domicílio tem sido considerada como irremediavelmente contaminada e ilícita (ponto a ser desenvolvido no próximo item), não podendo ser utilizada, ainda que o Poder Público não tenha participado do ato da invasão (SARLET, 2013, p. 389).

Nesse mesmo contexto abordado, ressalta-se a decisão proveniente da Terceira Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sede de análise de um recurso de Apelação. Nesse aspecto, reconheceu o respeitável tribunal que a atuação de inviolabilidade domiciliar ocorreu de maneira não autorizada, ou seja, tratava-se de um ato eivado de arbitrariedade por parte dos policiais. Dessa forma, tais provas foram consideradas ilícitas, devendo ser desentranhadas dos autos:

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DEFENSIVO. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO, DESCLASSIFICAÇÃO PARA POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL E AFASTAMENTO DA PENA DE MULTA. Apreensão de drogas feita no curso de busca domiciliar não autorizada constitui prova material ilícita, a impedir condenação. Ilicitude da invasão reconhecida conforme precedentes da Terceira Câmara Criminal, com a consequente absolvição do acusado. […] RECURSO PROVIDO (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70053999611, Terceira Câmara Criminal. Relator: desembargador João Batista Marques. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 23 mar. 2015, grifo nosso).

Apesar de existirem condutas errôneas por parte de agentes públicos, durante um procedimento em estado de flagrância pondera-se que não é justo para com o agente público, que seja o único responsabilizado por um ato ilícito de violação ao domicílio. Ao contrário, observa-se que, se ele estiver de boa-fé, na prossecução de um legítimo interesse público, mesmo que eivado de erro, em um caso de flagrante delito, então subentende-se que a própria sistemática do erro já é suficiente. Em outras palavras, compreende-se que, dadas às circunstâncias da conduta do agente, a coletividade deverá assumir tal risco (NUCCI, 2020).

É importante destacar, conforme Lopes Júnior (2021), que o âmbito do Processo Penal necessita de uma análise apurada, da observância das regras do jogo, sobretudo quando se trata de exercício de um poder (invasão domiciliar em situações permitidas pela legislação vigente) e de limitação da liberdade individual (direito fundamental a inviolabilidade do domicílio):

Quando se lida com processo penal, deve-se ter bem claro que, aqui, forma é garantia. Por se tratar de um ritual de exercício de poder e de limitação da liberdade individual, a estrita observância das regras do jogo (devido processo penal) é fator legitimante da atuação estatal (LOPES JUNIOR, 2021, p. 58).

Como não se trata de um direito absoluto, imutável, tem-se que a Magna Carta de 1988, bem como a legislação esparsa, apresentam possibilidades de relativização do direito de inviolabilidade do domicílio. Contudo, deve o legislador, os julgadores e o Poder Judiciário, como um todo, pautarem-se no princípio da proporcionalidade, para que não se tenham decisões injustas:

O ambiente vital, que confere horizonte de sentido à ordem jurídica em análise, é o Estado democrático de direito, que procura conciliar os dois corações do atual Estado Constitucional, o princípio majoritário (governo da maioria, com soberania popular), e a proteção aos direitos e garantias fundamentais, inclusive da minoria. Em traço largo, afirmados constitucionalmente os direitos fundamentais, limitá-los e restringi-los é tarefa cometida, a priori, ao legislador e, na dinâmica social, ao Poder Judiciário – em ambos os casos, mediante atenção aos critérios da proporcionalidade (SARLET, 2013, p. 392).

Observa-se, desse modo, que há necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade, no âmbito de relativização do direito à inviolabilidade do domicílio, bem como do estabelecimento de parâmetros e teorias acerca da exceção constitucional do flagrante delito. Tal necessidade, deve-se, sobretudo, pelas incongruências apresentadas pela doutrina e jurisprudência atual, além do fato de se tratar de um direito constitucionalmente reconhecido, que não pode ser violado sob motivos incertos ou em situações não reconhecidas pela lei vigente (SARLET, 2013).

Ademais, segundo o entendimento de Sarlet (2013), deve-se observar os critérios e elementos que permeiam à atividade policial, para que possam atuar de forma lícita, em respeito aos princípios e garantias previstos em Lei e, sobretudo, em prol da segurança pública. Dessa forma, tem-se que as provas ilícitas não deverão prevalecer, subsistindo apenas aquelas que se encontram em consonância com a legalidade.

Nesse contexto, observa-se que, além de se realizar uma ponderação de valores, condutas e todos os elementos que permeiam uma situação de invasão de domicílio sem autorização judicial, faz-se precípuo que o agente policial tenha consigo além da documentação escrita da diligência policial, que a mesma seja integralmente registrada em vídeo e áudio, para fins de comprovação de que tal conduta encontra-se pautada por critérios e valores legais:

[…] 7. São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país conhecido por suas práticas autoritárias – não apenas históricas, mas atuais, a aceitação desse comportamento compromete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos fundamentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele ou raça.

[…] 7.2. Por isso, avulta de importância que, além da documentação escrita da diligência policial (relatório circunstanciado), seja ela totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a não deixar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e, particularmente, quanto ao livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar. Semelhante providência resultará na diminuição da criminalidade em geral – pela maior eficácia probatória, bem como pela intimidação a abusos, de um lado, e falsas acusações contra policiais, por outro – e permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa causa para o ingresso e, quando indicado ter havido consentimento do morador, se foi ele livremente prestado […] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 616.584/RS. Relator: ministro Ribeiro Dantas. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 06 abr. 2021).

Compreende-se, segundo Nucci (2020), que a atuação do agente policial deverá ser pautada por critérios legais e ser sempre motivada por fatos concretos. Tem-se, sobretudo, que a situação de invasão de domicílio não poderá ocorrer com base em incertezas, haja vista que o agente violaria uma garantia constitucionalmente reconhecida. Mister, portanto, que, em casos de flagrante delito que não se encontram em consonância com a Lei, que o magistrado atue com ponderação de valores e requeira o desentranhamento de tais provas obtidas por meios ilegais.

5. CONCLUSÃO

Diante de toda a pesquisa realizada, compreende-se que o direito à inviolabilidade do domicílio constitui-se como um direito fundamental, inerente a todos os cidadãos. Nesse esteio, ressalta-se que o mencionado direito visa, sobretudo, assegurar um espaço onde as pessoas possam desenvolver e manter os direitos da personalidade, ou seja, há uma proteção ao direito à intimidade e à privacidade, para que esses não sejam violados.

Embora tenha-se o direito à inviolabilidade do domicílio como um direito fundamental, previsto na Magna Carta de 1988 e no Código Civil Brasileiro, observa-se que o mencionado direito poderá ser relativizado, ou seja, em determinadas hipóteses tal direito poderá ser violado, sem que o agente que ocasionou tal ato seja responsabilizado. Dessa forma, vislumbra-se aqui que os direitos fundamentais também podem ser limitados, em prol do bem comum ou de algum interesse plenamente justificável.

Nesse contexto, compreende-se que às exceções ao direito de inviolabilidade domiciliar perfazem algum interesse público ou particular (partindo-se do próprio morador). Dessa forma, tem-se que o direito em comento poderá ser rompido em casos de segurança individual (caso algum delito ocorra na residência), caso de prestação de socorro (devido a um desastre ou algo similar) ou em prol da justiça (apenas durante o dia, por intermédio de determinação judicial, para fins de busca e apreensão de criminosos ou de objetos de um delito).

No mesmo esteio apresentado, tem-se que o agente policial poderá adentrar em uma residência alheia, para fins de cumprimento da prisão do agente em flagrante delito (hipótese prevista no Código de Processo Penal). Nesse âmbito, tem-se uma violação a um direito fundamental em nome da segurança pública.

Apesar de a legislação hodierna apresentar tal possibilidade, vislumbra-se que agentes policiais, sem uma autorização judicial e desprovidos de uma justificativa plausível, adentram em residências alheias para fins de cumprimento de uma situação de flagrância.

Nesse aspecto, cumpre salientar que grande parte da doutrina e jurisprudência pátria, consideram que o agente policial não poderá basear-se em incertezas, ou seja, só poderá atuar sob fundadas razões ou por motivos justos. Dentre os elementos probatórios mais comuns para justificar tal conduta, encontra-se o próprio testemunho policial. Dessa forma, será necessário fazer um juízo de admissibilidade em decorrência de tal conduta e de suas justificativas.

Com relação ao acervo probatório juntado aos autos, oriundos de uma situação de “falso flagrante policial” ou em razão de abuso de autoridade, tem-se que tais provas são consideradas ilegais, devendo ser desentranhadas do processo, mesmo que se comprove que o Poder Público não tenha participado de tal ato.

Respondendo à questão norteadora, observa-se, desse modo, que o direito à inviolabilidade do domicílio apresenta possibilidade de relativização, haja vista que nenhum direito ou garantia é absoluto, imutável. Contudo, os operadores do direito deverão agir com cautela, observando e ponderando todos os valores e garantias, para que não se tenha a propagação de decisões injustas.

Conforme visto, assim como os operadores do direito, os agentes policiais também deverão agir com cautela, principalmente em casos de violação ao domicílio. Nesse esteio, a atuação do agente deverá ser pautada por critérios legais e sempre ser fundamentada e justificada. Em outras palavras, observa-se que a violação de um direito fundamental não pode ter como subsídio uma situação incerta, fora da Lei, sob pena de responsabilização na esfera cível e criminal.

REFERÊNCIAS

BERTOLO, Rubens Geraldi. Inviolabilidade do domicílio. São Paulo: Método, 2003.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/DOUconstituicao88.pdf. >Acesso em: 03 jun. 2021.

BRASIL. Decreto Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 07 de dezembro de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm > Acesso em: 02 jun. 2021.

BRASIL. Decreto Lei 3.689 de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 03 de outubro de 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm > Acesso em: 02 jun. 2021.

BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm > Acesso em: 02 jun. 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Amapá. HC 106404/AP. Relator: desembargador Luiz Carlos. Diário Judiciário- DJ, 28 jun. 2004.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70057356313; RS. Relator: desembargador Nereu José Giacomolli. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 05 jun, 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 138565/SP.Relator: ministro Ricardo Lewandowski. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 03 ago.2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 603.616/RO. Relator: ministro Gilmar Ferreira Mendes. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 10 mai. 2016.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70053999611, Terceira Câmara Criminal. Relator: desembargador João Batista Marques. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 23 mar. 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 616.584/RS. Relator: ministro Ribeiro Dantas. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 06 abr. 2021.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

CONSULTOR JURÍDICO. Ação por tráfico é extinta no STF porque policiais invadiram casa sem mandado. 2017. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-abr-20/acao-extinta-porque-policiais-invadiram-casa-mandado > Acesso em: 22 set. 2021.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Saraiva,2020.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013.

LIRA, Maria Teresa Dias. A inviolabilidade do domicílio perante o flagrante delito nos crimes relacionados à prática do tráfico ilícito de drogas. Trabalho de Conclusão de Curso. Centro Universitário do Planalto Central Aparecido dos Santos –UNICEPLAC. Gama, Distrito Federal, 2020.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal – Parte Especial. 35.ed. São Paulo: Atlas, 2020.

NETO, Nilo de Siqueira Costa. Prisão em flagrante: análise de sua natureza jurídica diante do advento da Lei 12.403/11. 2012. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/22769/prisao-em-flagrante-analise-de-sua-natureza-juridica-diante-do-advento-da-lei-12-403-11 > Acesso em: 10 ago. 2021.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. A inviolabilidade do domicílio e seus limites: o caso de flagrante delito. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, jul/dez. 2013.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 43. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula 145. Disponível em: < http://www.coad.com.br/busca/detalhe_16/464/Sumulas_e_enunciados#:~:text=S%C3%9AMULA%20145%20%2D,TORNA%20IMPOSS%C3%8DVEL%20A%20SUA%20CONSUMA%C3%87%C3%83O. > Acesso em: 15 set. 2021.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM, 2019.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. 33.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

[1] Bacharelando no curso de graduação em Direito pela faculdade UNA- Campus Bom Despacho/MG.

[2] Bacharelando no curso de graduação em Direito pela faculdade UNA- Campus Bom Despacho/MG.

Enviado: Outubro, 2021.

Aprovado: Novembro, 2021.

5/5 - (1 vote)
Frederico Roger Couto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POXA QUE TRISTE!😥

Este Artigo ainda não possui registro DOI, sem ele não podemos calcular as Citações!

SOLICITAR REGISTRO
Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita