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Relativização da prática de aborto em vítimas de estupro de vulnerável e o princípio da dignidade humana face ao direito à vida do nascituro

RC: 100908
292
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ALVARENGA, Gabrielle Lopes [1], CARVALHO, Matheus Lauria Moreira [2]

ALVARENGA, Gabrielle Lopes. CARVALHO, Matheus Lauria Moreira. Relativização da prática de aborto em vítimas de estupro de vulnerável e o princípio da dignidade humana face ao direito à vida do nascituro. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 11, Vol. 05, pp. 163-182. Novembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/dignidade-humana

RESUMO

Verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro traz exceções legais à prática de aborto e, dentre elas, está a possibilidade de aborto em caso de gravidez decorrente de um crime de estupro. Dessa forma, o presente artigo, tem como questão norteadora: há possibilidade de prevalência do direito à vida do nascituro, em caso de gravidez decorrente do crime de estupro de vulnerável? A pesquisa tem como objetivo demonstrar a possibilidade de relativização da prática de aborto em casos de vítimas de estupro de vulnerável em decorrência do princípio da dignidade humana. Nesse diapasão, trata-se de uma temática de suma importância, tanto no âmbito jurídico e, principalmente social, cediço que o crime de estupro de vulnerável tem grande sentimento de repugnância pela sociedade. Desta feita, discorre-se sobre a possibilidade de resguardar o direito do nascituro de vítima de estupro de vulnerável. A par disso, dentre os posicionamentos que serão apresentados, encontram-se aqueles que consideram que deve prevalecer o direito à vida do nascituro, ao passo que poderá sobrepor ao bem-estar da gestante. No que tange à metodologia utilizada, abordam-se elementos bibliográficos, jurisprudenciais e doutrinários. Para tanto, será explicitado o conceito de estupro, diferenciando estupro simples de estupro de vulnerável, bem como a prática de aborto, elencando as exceções legais ou hipóteses de não punição. Após, serão citados os princípios aplicáveis ao caso, de modo que, posteriormente, far-se-á necessária a abordagem quanto as espécies de vulnerabilidade, tudo pela análise integrada do Estatuto da Criança e Adolescente. Por fim, pretende-se demonstrar a possibilidade de relativização da prática de aborto em vítima de estupro de vulnerável, frente a exceção legal permissiva da prática do aborto, corroborado ao princípio da dignidade humana e o direito à vida do nascituro, devendo ser sopesadas as consequências da gravidez, ao passo que, em determinados casos, o direito à vida do nascituro poderá se sobrepor ao bem-estar da gestante.

Palavras-chave: Adolescente, aborto, estupro, nascituro, dignidade humana.

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se que o Direito Penal busca tutelar, dentre outros bem jurídicos, a vida humana desde o momento da concepção. Dessa forma, tem-se que qualquer rompimento dessa vida, qualquer conduta contrária ao nascimento, antes da realização do parto, denomina-se “aborto”, constituindo-se como de natureza criminosa ou não.

De outro lado, verifica-se que o Direito Penal, apesar de proteger os bens precípuos aos seres humanos (sobretudo à vida humana), apresenta em seu bojo as denominadas “exceções legais”, ou seja, situações em que a prática do aborto pela gestante é desprovida de ilicitude, sobretudo em relação à prática de aborto em casos de gravidez decorrente de estupro de vulnerável.

Dessa forma, vislumbram-se, hodiernamente, questionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da prevalência do direito à prática de aborto pelas vítimas do crime de estupro de vulnerável ou da preponderância do direito à vida do nascituro.

A par disso, busca-se através do presente artigo, tratar da possibilidade de relativização da prática de aborto em casos de vítimas de estupro de vulnerável em decorrência do princípio da dignidade humana e do direito à vida do nascituro.

Para alcançar tal objetivo, tem-se uma análise conceitual do crime de estupro simples, diferenciando do estupro de vulnerável, bem como do crime de aborto e da prática do aborto legal.

De lado a lado, realiza-se uma abordagem acerca dos princípios pertinentes ao caso em tela, trata-se dos princípios da dignidade da pessoa e também do direito à vida, aplicáveis na esfera de defesa dos nascituros, sobretudo em relação ao cometimento da prática do crime de estupro de vulnerável.

Ademais, tem-se uma análise acerca da vulnerabilidade, corroborando tal ponto com o estatuto da criança e do adolescente.

Nesse contexto, questiona-se: há possibilidade de prevalência do direito à vida do nascituro, em caso de gravidez decorrente do crime de estupro de vulnerável? Em outras palavras, pode o aborto legal ser inadmitido?

É importante ressaltar que, nos casos de prática de aborto de gravidez (interrupção de gravidez) decorrente do crime de estupro de vulnerável, dispensa-se autorização judicial ou documento policial (atestando a ocorrência do crime de estupro), contudo, se faz necessária autorização dos pais ou representante legal da criança ou adolescente.

Em razão de tal fato, na questão meritória da presente pesquisa, através dos principais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, aborda-se a possibilidade de relativização da prática de aborto em casos de vítimas de estupro de vulnerável em decorrência do princípio da dignidade humana e o direito à vida do nascituro. Nesse contexto, analisa-se se o judiciário poderá resguardar o direito à vida do nascituro, mesmo quando a gestação é decorrente da prática do crime de estupro, de modo que deve ser levado em consideração pelo julgador se o direito à vida deverá ser sobreposto ao bem-estar da gestante, de modo que deverá realizar um sopesamento de direitos, princípios e valores, com a observação de todo o conjunto probatório apresentado nos autos ou mesmo utilização da técnica de ponderação de princípios.

Assim sendo, ao concluir a pesquisa, percebe-se que é possível  a prática do aborto em caso de gravidez decorrente do crime de estupro de vulnerável constitui-se como uma das exceções legais previstas no Código Penal Brasileiro. Contudo, em alguns casos, onde se tenha uma dualidade de direitos e princípios (princípio da dignidade humana como subsídio para a prática do aborto e do outro lado, o direito à vida do feto), há de prevalecer o direito à vida do feto, do nascituro, em consonância com a Magna Carta de 1988, com o ECA e com a legislação esparsa.

Para tanto, será utilizado como metodologia, o emprego de elementos bibliográficos, doutrinários e jurisprudenciais, eis que, a presente temática o é meramente teórica, de modo que, se distancia do âmbito prática, inclusive das pesquisas de campo.

2. CONCEITOS RELEVANTES

2.1 CRIME DE ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL

O Código Penal de 1940 dispôs sobre o crime de estupro em seu artigo 213. Nesse crime, o legislador excluiu a distinção entre mulher honesta e prostituta, utilizando apenas a denominação “mulher” (BRASIL, 1940), o que diferencia dos códigos anteriores, sejam eles, Código Penal Republicano e Código Criminal do Império, sendo que, naquele tempo, o delito somente podia ser praticado pelo homem, sendo ele a única pessoa capaz de figurar no polo ativo. Além disso, a conjunção carnal era elemento essencial para consumação do crime. Apresenta o artigo:

Art. 213: Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de seis a dez anos.(BRASIL,1940).

O Código Penal de 1940 foi o primeiro diploma legal a legislar sobre as vítimas vulneráveis, neste caso, em seu artigo 224. O crime considerava absoluta a presunção de violência quando o agente praticava conjunção carnal com alguma das vítimas descritas no tipo (BRASIL, 1940).

De lado a lado, com o advento da Lei 12.015/09, a qual trouxe em seu bojo inovações e alterações no que tange os crimes elencados no título VI do Código Penal, especialmente o crime de estupro, foi alterada a nomenclatura do capítulo, passando de crimes contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual, adequando, assim, quais bens jurídicos seriam protegidos (BRASIL, 2009).

A par disso, o crime de estupro com previsão no artigo 213 do Código Penal também teve alteração, ao passo que, o sujeito passivo passou a ser “alguém” e não mais a “mulher”, de modo que, tanto a mulher como o homem podem figurar como vítimas de estupro, bem como, houve fusão das figuras típicas do estupro e do atentado violento ao pudor, tendo sido esta introduzida no nomen juris de estupro (BRASIL, 2009).

E mais, o Capítulo II do Código Penal trata dos crimes sexuais contra vulneráveis, sendo que, diante da Lei 12.015/09, criaram-se os artigos 217 – A, 218 e 218 – B, a fim de tutelar as vítimas sexuais menores de 14 anos, aquelas enfermas ou deficientes mentais, ou as pessoas que, no momento do crime, não possuírem condições de oferecerem resistência (BRASIL, 2009).

Dentro desse contexto, o artigo 217 – A do Código Penal é o objeto da nossa pesquisa, qual seja, o estupro de vulnerável, que se configura quando o agente pratica conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com alguma das pessoas vulneráveis descritas no parágrafo anterior (BRASIL, 2009).

Cediço que a intenção do legislador foi cessar as discussões quanto à presunção de violência, se absoluta ou relativa, visto que, com o advento da mencionada lei, a presunção resta absoluta, entretanto, a possibilidade de relativização da vulnerabilidade e da prática de aborto de vítimas de estupro não estão encerradas.

Sabe-se que o termo vulnerável, vem do latim vulnerabilis, significando “lesão, corte ou ferida exposta, sem cicatrização, ferida sangrenta com sérios riscos de infecção”, evidenciando a incapacidade de outrem diante de situações específicas.

2.2 CRIME DE ABORTO E ABORTO LEGAL

Inicialmente, verifica-se que o termo “aborto” é constituído como privação de nascimento, interrupção voluntária ou induzida da gravidez, ou seja, o feto foi expelido ou retirado antes do término da gestação, se houver gestação. Nesse sentido, sobre as práticas de aborto, segundo disciplina Mirabete (2019), incluem-se as hipóteses de interrupção de gravidez, cuja consequência direta é a morte do óvulo (falha até três semanas de gestação), embrião (intervalo de tempo é três semanas a três meses) ou o próprio feto (neste caso, considere três meses de gravidez).

E mais, corroborando tal entendimento Villela e Barbosa (2011) disciplinam que o aborto pode ser espontâneo, quando decorre de causas naturais ou ato voluntário de uma mulher, acompanhada ou não de um terceiro.

Por outro lado, tem-se o “aborto legal”, o qual constitui um ato permitido pela legislação penal, de modo que representa a exceção prevista na proibição prevista na legislação, pela qual mulheres grávidas podem fazer um aborto sem sofrer qualquer tipo de punição.

Insta ressaltar o teor do artigo 128 do Código Penal:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – Se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de

consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.(BRASIL, 1940).

Nessa esteira, forçoso reconhecer que mencionadas previsões o são exceções legais, visto que, um fato que a princípio é típico, passa a ser impunível, não sendo passível de punição. Do artigo entende-se que o primeiro termo se refere a um aborto necessário ou terapêutico, por outro lado, a segunda parte trata da possibilidade de aborto na gravidez causada por estupro.

No caso de aborto necessário ou terapêutico, vislumbra-se a necessidade de preenchimento de certos requisitos, ao passo que, se deve restringir ao profissional que irá realizar o ato, a qual atuará em primazia da saúde da grávida, estando condicionado a inexistência de possibilidade de outros meios para salvar a vida da mãe.

Nesse entendimento, leciona Cunha (2021):

Para o primeiro caso (aborto necessário), indispensável o preenchimento de três condições: aborto praticado por médico: caso seja necessária a realização do aborto por pessoa sem a habilitação profissional do médico (parteira, farmacêutico, etc.), apesar de o fato ser típico, estará o agente acobertado pela descriminante do estado de necessidade; o perigo de vida da gestante: não basta o perigo para a saúde; a impossibilidade do uso de outro meio para salvá-la; não pode o médico escolher o meio mais cômodo, pois se houver outra maneira, que não a interrupção da gravidez, para salvar a vida da gestante, o agente responderá pelo crime. Entende a doutrina que não há necessidade de consentimento da gestante para a realização do aborto. Basta que o profissional entenda ser indispensável fazê-lo. Desnecessário, ainda, autorização judicial (CUNHA, 2021).

No que tange ao segundo inciso, verifica-se ao contrário do primeiro, não haver necessidade de preenchimento de requisitos, pois, nesse caso, não há necessidade de justificar o ato a ser prático, visto que, a forma que se deu a gravidez já é o bastante para autorização do aborto, eis que, resultante da prática de estupro.

Entende-se, portanto, que a prática do aborto necessário, depende de intervenção médica para sua realização e, no caso de vítima de estupro, imprescindível a autorização da gestante e, tratando-se de vulnerável, a autorização será dos pais ou quando não do representante legal.

3. DOS PRINCÍPIOS PERTINENTES AO CASO

Cediço que os princípios constitucionais se constituem entre os limites das normas jurídicas, ou seja, são os principais elementos norteadores e essenciais para a formação de um país democrático e com estado de direito. No mesmo contexto, destaca-se também que esses princípios são denominados “garantias otimizadas”, que podem afetar diferentes graus e possibilidades jurídicas:

Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. “O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes”. (ALEXY, 2008).

Depois disso, é sabido que esses princípios podem ser subdivididos em princípios gerais e princípios básicos. Portanto, pode-se dizer que a Carta Magna de 1988 estipulou de forma aleatória princípios gerais, que se traduziram em elementos norteadores de outras leis e princípios básicos, que, por outro lado, encontraram um destino específico e constituíram a colheita constitucional.

Princípios fundamentais são diretrizes imprescindíveis à configuração do Estado, determinando-lhe o modo e a forma de ser.

Refletem os valores abrigados pelo ordenamento jurídico, espelhando a ideologia do constituinte, os postulados básicos e os fins da sociedade.

[…] São qualificados de fundamentais, porquanto constituem o alicerce, a base, o suporte, a pedra de toque do suntuoso edifício constitucional. Em nossa Constituição, vêm localizados no Título I, artigos 1º a 4º. Tais princípios possuem força expressiva, agregando em torno de si, direitos inalienáveis, básicos e imprescritíveis, como a dignidade humana, a cidadania, o pluralismo político etc. (BULOS, 2011).

Ao que se refere a princípios fundamentais e princípios objetivos, Tavares (2020) afirma que:

De outra parte, a Constituição enuncia no artigo 1º os fundamentos do Estado brasileiro e no artigo 3º trata dos seus objetivos. Distinguem-se, pois, os fundamentos dos objetivos. É que aqueles são inerentes à estrutura do Estado e do Poder, enquanto estes se acham fora da estrutura do Estado, algo externo a ele, e que devem ser buscados por meio de ações do Estado e da própria sociedade(construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.) (TAVARES, 2020).

Silva (2008) distingue Princípios Fundamentais dos Gerais da seguinte forma:

Temos de distinguir entre princípios constitucionais fundamentais e princípios gerais do Direito Constitucional. Vimos já que os primeiros integram o Direito Constitucional positivo, traduzindo-se em normas fundamentais, normas-síntese ou normas-matriz, que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte, normas que contêm as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu no documento constitucional. Os princípios gerais formam temas de uma teoria geral do Direito Constitucional, por envolver conceitos gerais, relações, objetos, que podem ter seu estudo destacado da dogmática jurídico-constitucional. (SILVA, 2008).

Entende-se, de antemão, que o princípio da dignidade humana ocupa uma posição privilegiada no contexto constitucional, haja vista que o mesmo se constitui como fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III, CRFB/88), sendo um imperativo máximo de justiça social.

Como Princípio Fundamental, a Dignidade da Pessoa Humana possui algumas características próprias, tais como ser ele irrenunciável e inalienável. Isso significa dizer que o indivíduo não pode renunciá-lo a nenhuma coisa, tampouco vendê-lo a troco de algo. A dignidade representa, pois, um valor absoluto que cada indivíduo possui consigo.

Sob esse mesmo contexto, pode-se aduzir que a dignidade humana abarca não apenas o fator “dignidade”, mas todos os direitos e garantias fundamentais aos indivíduos, para que possam viver de maneira mais equilibrada e justa no âmbito social. Ademais, a dignidade humana abarca um conjunto de valores que são incorporados ao patrimônio humano:

Esse vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais e materiais. Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão. A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. (BULOS, 2011, p. 502)

E mais, no que se refere ao direito à vida este possui previsão na nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, senão vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […] (BRASIL, 1988).

Portanto, verifica-se que os princípios da dignidade humana, bem como o direito à vida estão resguardados na nossa Constituição Federal, sendo inerentes a qualquer cidadão.

4. DOS TIPOS DE VULNERABILIDADE

Inicialmente, salienta-se que a Constituição Federal de 1988 traz em sua essência diversas formas de proteções, seja como à vida, saúde, educação, moradia, dentre outras. Ademais, corroborando tal fato, existem outras normas no nosso ordenamento que buscam proteger pessoas com características determinadas, dentre elas, a Lei 12.015/09 que inovou ao trazer para o nosso Código Penal o termo vulnerabilidade (BRASIL, 2009).

Mencionada lei trouxe mudanças deixando de existir presunção de violência e instituiu a vulnerabilidade absoluta do adolescente menor de 14 anos e, dos demais casos específicos do artigo 217 – A do Código Penal (BRASIL, 2009).

Nessa esteira, necessário se faz a diferenciação de presunção de vulnerabilidade e a vulnerabilidade, de modo que aquela leva em consideração a presunção legal, seja absoluta ou relativa, seja ela implícita ou tácita, sendo presunção absoluta, a vulnerabilidade é indiscutível e, na presunção relativa, a vítima pode ser vulnerável, todavia, o caso concreto deve ser analisado, razão pela qual, existe a possibilidade de haver prova em sentido contrário, no qual deverão se observar o grau de conhecimento da vítima para estabelecer se ela tem capacidade ou não para consentir.

Por outro lado, no que se refere a vulnerabilidade não se fala mais em presunção, independente se absoluta ou relativa, observa-se o grau de dimensão, ou seja, o quantum de vulnerabilidade da pessoa descrita no tipo. Assim sendo, ao falar que vítima do crime previsto no artigo 217 – A do Código Penal seria absolutamente vulnerável, o legislador instituiu que o grau de vulnerabilidade dela seria alto, sendo ela incapaz de consentir com quaisquer práticas de atos sexuais (BRASIL, 2009).

5. ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

O artigo 227 da Constituição (BRASIL, 1988) estipula que os pais, o Estado e a sociedade têm a obrigação de proteger as crianças e os jovens e zelar para que seus direitos não sejam violados. O artigo é muito claro ao discutir obrigações e direitos, e formulou medidas eficazes para garantir a proteção efetiva da criança e do adolescente, como a promoção de planos de saúde integrais, que devem ser promovidos pelo Estado. Basicamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece normas semelhantes às contidas no texto constitucional protetivas aos seus destinatários (BRASIL, 1990).

O ECA prevê medidas de proteção social e de educação social em seus artigos, que se aplicam aos responsáveis ​​e, em determinadas circunstâncias, aos jovens. Mas, para o sujeito, o que importa é a conceituação da expressão de “crianças” e “adolescentes” dada por essa lei particular (BRASIL, 1990).

Desse modo, para o ECA (1990), criança se trata da pessoa de até 12 anos de idade e adolescente a pessoa de 12 anos a 18 anos de idade, senão vejamos:

Art. 2° Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. (BRASIL, 1990).

Nesse aspecto, considerando a diferença entre criança e adolescente, tem-se discussão acerca da vulnerabilidade do menor de 14 anos, levando em consideração que, perante o ECA, o adolescente está sujeito à aplicação de medidas socioeducativas quando pratica ato infracional, contudo, para a prática de atos sexuais, o adolescente é tratado como absolutamente vulnerável (BRASIL, 1990).

Quanto a vulnerabilidade, disciplina Nucci (2019):

Partimos do seguinte ponto básico: o legislador, na área penal, continua retrógrado e incapaz de acompanhar as mudanças de comportamento reais na sociedade brasileira, inclusive no campo da definição de criança ou adolescente. Perdemos uma oportunidade ímpar para equiparar os conceitos com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, criança é a pessoa menor de 12 anos; adolescente, quem tem mais de 12 anos. Logo, a idade de 14 anos deveria ser eliminada desse cenário. A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deve ser absoluta, quando se tratar de criança (menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior de 12 anos). (NUCCI, 2019).

Explanando sobre essa diferença de conceitos, Martinelli (2012) expõe:

[…] é inconcebível que o adolescente entre 12 e 14 anos possa ter maturidade reconhecida em lei para sofrer medida socioeducativa em caso de prática de ato infracional e, simultaneamente, não possua capacidade para manter relação sexual. […] Entre 12 e 14 anos há uma zona cinzenta, que permite a aplicação de medida socioeducativa e impede a liberdade sexual. Quando o menor tiver menos de 12 anos não há dúvidas: ele é criança e, portanto, não há maturidade para a vida sexual, e isso legitima a intervenção penal do Estado. Entretanto, o menor entre 12 e 14 anos já é um adolescente e sua vulnerabilidade pode ser discutida. (MARTINELLI, 2012)

Nesse contexto, não se discute os direitos e garantias seja da criança ou do adolescente, visto que, estão protegidos integralmente, sem distinção. Entretanto, quanto à capacidade de discernimento mental, a diferença é evidente, visto que uma lei específica dispõe que o adolescente entre 12 anos e 14 anos sabe discernir para esfera criminal, e outra, atesta que ele não possui maturidade para discernir sobre a própria liberdade sexual.

6. POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DA PRÁTICA DE ABORTO EM VITÍMA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Forçoso reconhecer que o nosso ordenamento jurídico resguarda a vida humana desde a sua concepção, razão pela qual, qualquer prática que impeça o desenvolvimento do feto antes do parto é considerada aborto, delito esse, previsto no nosso Código Penal (2009).

Inicialmente, antes de adentrar na relativização da prática do aborto, necessário se mostra salientar acerca da relativização da vulnerabilidade, ao passo que, antes da alteração feita pela Lei 12.015/09 ao crime do Art. 217 – A do Código Penal, muito se discutia quanto a possibilidade de relativização da vulnerabilidade do adolescente, se seria possível validar o consentimento deste (BRASIL, 2009). Naquela época, se discutia se os adolescentes possuíam capacidade e discernimento para consentir a prática de atos sexuais. Quanto a isso, o STF se posicionou a favor, na decisão do HC n° 73662/MG, dispondo o relator Ministro Marco Aurélio de Melo:

COMPETÊNCIA – HABEAS-CORPUS – ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha esse, ou não, qualificação de superior. ESTUPRO – PROVA – DEPOIMENTO DA VÍTIMA. Nos crimes contra os costumes, o depoimento da vítima reveste-se de valia maior, considerado o fato de serem praticados sem a presença de terceiros. ESTUPRO – CONFIGURAÇÃO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – IDADE DA VÍTIMA – NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça – artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea a, do Código Penal. (STF-HC:73662 MG, Relator: Marco Aurélio, Data de Julgamento: 21/05/1996. Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 20-09-1996).

Por outro lado, sem levar em consideração as evoluções sofridas pela sociedade e o acesso à informação pelos jovens, o STJ diz que basta manter conjunção carnal com menor de 14 anos ou qualquer ato libidinoso para configurar o crime de estupro de vulnerável; independentemente do seu consentimento, experiência sexual ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. ADEQUAÇÃO SOCIAL. REJEIÇÃO. PROTEÇÃO LEGAL E

CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(…)9. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida nos autos da Ação Penal n. 0001476-20.2010.8.0043, em tramitação na Comarca de Buriti dos Lopes/PI, por considerar que o acórdão recorrido contrariou o art. 217-A do Código Penal, assentando-se, sob o rito do Recurso Especial Repetitivo (art. 543-C do CPC), a seguinte tese: Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.480.881-PI (2014/0207538-0), 26/08/15).

Pretendeu o legislador cessar a discussão acerca dessa possibilidade de relativização, instituindo a idade do menor vulnerável de forma imperativa e absoluta. A regulamentação tinha por objetivo impedir que juízes absolvessem acusados com base no consentimento, vida ou experiência sexual do adolescente menor de 14 anos.

Ocorre que, não obstante a tais fatos, outro ponto se mostra relevante, ou seja, o direito à vida do nascituro, o que, acarretaria a diminuição da prática de aborto de vítimas vulneráveis de estupro, apesar de legalmente aceito.

Sobre o tema da discussão, o Ministro Barroso acrescentou que em análise de Habeas Corpus, abortos realizados de forma clandestina poderiam colocar em risco a vida de milhares de mulheres sem acesso a serviços médicos adequados para a realização do aborto, senão vejamos:

A tudo isso se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que essas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.

[…] a tipificação penal produz também discriminação social, já que prejudica, de forma desproporcional, as mulheres pobres, que não têm acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo. Por meio da criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrera clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem elevados riscos de lesões, mutilações e óbito (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC124.306/RJ. Relator: ministro Marco Aurélio. Diário Judiciário Eletrônico DJe, 26 nov. 2016, grifo nosso).

Ou seja, observa-se que a regulamentação da prática do aborto apresentou circunstâncias especiais que não sejam ilegais, especialmente sobre a prática do aborto em caso de gravidez de estupro, visto que, teve uma grande repercussão em várias áreas, conforme leciona Ferreira (2019):

Alegam que o aborto em caso de estupro se configura como um atentado à vida. De acordo com a autora a premissa de que este tipo de prática fere o direito à vida e a existência, o qual é garantido por lei.

Na mesma seara, Amaral e Cordeiro (2018) elucidam ainda que as bases religiosas no país são categóricas ao discursar contra esse direito já instituído, ignorando a violência sofrida pela vítima que se encontra gestante, mas declara que uma vida não anula a outra, e que existem outras formas de superar a problemática, como a adoção, por exemplo.(FERREIRA et al. apud VIEIRA, 2019).

Nesse sentido, verifica-se que a prática do aborto decorrente de gravidez por estupro, seja vulnerável ou não, produzirá dois tipos consequências, ao passo que, as mulheres não são obrigadas a conceber um filho havido de certa maneira de violência, coerção, sem qualquer sentimento ou respeito.

Além disso, no que se refere ao consentimento da gestante quando vítima de estupro, dispõe Teles (2018):

A mulher é livre. O ser humano é. Livre para ter relações sexuais com quem quer que seja. Livre para não ter com determinada pessoa e para não ter senão quando o desejar. Ainda que com o próprio marido ou companheiro.

A mulher não é mero objeto do desejo. É senhora de si e não poderá ser compelida à conjunção carnal. Em hipótese alguma. Tanto que é crime o constrangimento ao ato sexual (art. 213, CP). O estupro é uma violência inominável. Se dele resulta gravidez, não pode o Direito obrigá-la a gerar e, depois, ser mãe de quem não queira. A violência seria inominável e se perpetuaria, repetindo-se, no tempo. Uma vez no ato sexual. Depois quando a mulher se descobre grávida. Durante toda a gestação estará sendo submetida àquilo que não a desejou. E depois ainda estaria obrigada a receber o filho de que não queria, pelo menos da forma como ele aconteceu. E ainda ter que ser mãe, por todo o tempo de sua vida, de um filho que lhe foi imposto. Não, o Direito jamais poderia exigir isso de uma mulher (TELES, 2018, p. 154).

De lado a lado, em recente decisão proferida em Minas Gerais, a Magistrada Indirana Cabral indeferiu a prática do aborto legal para menina que teria sido vítima de estupro, ao argumento de se ver resguardado o direito à vida do nascituro.

A par disso, cumpre destacar trecho da sentença publicada, levando em consideração que o processo tramita em segredo de justiça e não é possível o acesso da sentença em sua íntegra:

(…)

Indo além, o art. 277, CF, reitera o direito à vida que é garantido não somente a adolescentes ou adultos, mas também às crianças, dentre as quais, por evidência, se incluem os nascituros, cuja natureza jurídica, como já alinhavado, é de pessoa.

Adentrando na legislação civilista, o art. 2, do Código Civil, já aduz que “ a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no capítulo I ( Do Direito à Vida e à Saúde), por igual protege o embrião desde a concepção (art. 7. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência).

Tanto a Constituição Federal (1988), quanto o Código Civil (2002) e o ECA (1990) são normas posteriores ao multicitado na petição inicial art. 128, II, CP, promulgado no “recente” ano de 1940. Como é de sabença, norma posterior revoga norma anterior que lhe é contrária (Art. 2º, §1, LINDB).

Não há que se falar que, entre os direitos da mãe e os do nascituro, aqueles devem prevalecer, pois que, à luz da técnica da ponderação de Robert Alexy, a colisão entre direitos fundamentais deve pender para o que possui maior peso.

Passo a perpassar as três etapas da ponderação de Alexy, no fito de aferir qual direito deve prevalecer, se o direito à vida do nascituro ou o direito ao bem-estar psicológico da genitora.

A primeira fase da ponderação diz respeito ao vetor da adequação. Indaga-se se a violação de um direito será adequada a resguarda o direito colidente. No caso em exame, nada há que comprove cientificamente que o aborto causa melhoria no quadro psicológico da gestante. Ao reverso, a possibilidade de que o novo trauma da perda de um filho somente agrave o estado de depressão e angústia em relação a si mesma ( infante de 14 anos) é previsível e real.

A medida pleiteada neste feito, portanto, não ultrapassa sequer o vetor da adequação na técnica da ponderação de interesses.

Ainda que não indicado pela técnica da ponderação perpassar pelos demais vetores quando o caso já é solucionado pelo primeiro vetor, analisa-se o segundo, a saber a necessidade.

Não se vislumbra a necessidade de colher a vida do nascituro para evitar danos psicológicos à adolescente gestante, já que, acaso não seja do desejo desta exercer o múnus da maternidade, poderá entregar a criança em programas de acolhimento institucional. Inclusive, este Eg. TJMG possui o programa de Entrega Legal, em que a gestante mantém garantidos todos os direitos ao sigilo e à privacidade para a entrega seguro e lícita de seu filho à adoção.

Desta feita, o aborto novamente não ultrapassa o vetor da necessidade.(…) (LEVY, 2021).

 Assim sendo, patente se mostra a possibilidade de relativização da prática de aborto em caso de gravidez decorrente de estupro de vulnerável, levando em consideração o direito à vida do nascituro, devendo esse, a depender do caso, se sobrepor ao bem-estar psicológico da gestante, mormente se analisado o contexto de consentimento ou entendimento da figura típica trazida pelo Estatuto da Criança e Adolescente.

7. CONCLUSÃO

Diante da presente pesquisa científica, verifica-se que a previsão contida no artigo 128, II do Código Penal é, de fato, importantíssima aos jovens, uma vez que é função do Estado zelar por eles. A violência sexual e a exploração de crianças e adolescentes merecem serem efetivamente combatidas.

Por outro lado, inconteste que o direito à vida do nascituro também deve ser levado em consideração, de modo que, necessário se faz adequar o tipo penal ao caso concreto, analisando suas particularidades.

A par disso, considerando todos os elementos expostos na presente pesquisa, pode-se compreender que o crime de estupro de vulnerável constitui-se como um crime de presunção de violência absoluta, quando o agente pratica conjunção carnal com alguma das vítimas descritas no tipo penal.

Noutro prumo, observa-se que o direito penal permite vítimas de estupro interromper a gravidez causada por tais crimes, sendo necessário apenas o seu consentimento, entretanto, em caso de vulnerável é preciso autorização judicial, o chamado aborto legal.

Não obstante, se a gravidez é resultante da prática de estupro ou não, se deve sopesar o direito à vida do feto, de modo que o direito penal protege desde o início, razão pela qual se compreende como vida humana mesmo antes do parto.

Portanto, em caso de vítima de estupro de vulnerável que resulta em gravidez, se mostra possível a relativização da prática do aborto, especialmente, observado o direito à vida do nascituro, eis que, em determinados casos, este deve se sobrepor ao “bem-estar” da gestante.

Ademais, insta salientar que a doutrina e jurisprudência não possuem entendimento sedimentado quanto a possibilidade de relativização da prática de aborto em caso de vítimas de estupro de vulnerável, de modo que, o sopesamento do direito à vida do nascituro quanto ao direito à dignidade humana da gestante, deverá o judiciário atuar com cautela, com os elementos probatórios constantes nos autos que permitam maior percepção dos fatos.

Por fim, compreende-se, portanto, a possibilidade de relativização da prática de aborto em vítimas da prática do crime de estupro de vulnerável, em decorrência do princípio da dignidade humana e do direito à vida do nascituro, devendo, para tanto, analisar o caso de maneira individual, onde o direito à vida do nascituro irá sobrepor ao direito à dignidade humana da gestante, visto que, em tese, iria afetar tão somente ao seu bem-estar e, não sua integridade física.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Bacharelanda no curso de graduação em Direito pela faculdade UNA- Campus Bom Despacho/MG.

[2] Bacharelando no curso de graduação em Direito pela faculdade UNA- Campus Bom Despacho/MG.

Enviado: Outubro, 2021.

Aprovado: Novembro, 2021.

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Gabrielle Lopes Alvarenga

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