REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

O poder de extensão do sigilo das arbitragens às ações judiciais correlatas – art. 189, IV, do código processual civil

RC: 137081
227
5/5 - (12 votes)
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/acoes-judiciais-correlatas

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

PELLEGRINELLI, Eduardo Palma [1]

PELLEGRINELLI, Eduardo Palma. O poder de extensão do sigilo das arbitragens às ações judiciais correlatas – art. 189, IV, do código processual civil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 01, Vol. 02, pp. 05-23. Janeiro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/acoes-judiciais-correlatas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/acoes-judiciais-correlatas

RESUMO 

O presente artigo traz em pauta a discussão sobre a dinâmica de poder entre as partes e o juiz, no âmbito da relação jurídica processual, a partir da situação específica da atribuição de segredo de justiça aos processos judiciais conexos aos procedimentos arbitrais, por aplicação da regra do art. 189, IV, do Código de Processo Civil – CPC. Para isso, adota-se a metodologia de revisão bibliográfica, analisando autores que versam sobre a temática, bem como o que demanda o ordenamento jurídico brasileiro. Ao final, compreende-se que o conflito entre os interesses dos agentes e o aparente esgarçamento da relação de poderes podem ser especialmente observados em relação à publicidade das ações judiciais conexas aos procedimentos arbitrais. Por este motivo, defende-se que a melhor solução é a construção colaborativa de uma resposta própria para cada caso concreto, sendo duvidosa a aplicação genérica, abstrata e literal da regra do art. 189, IV, do CPC, por uma perspectiva constitucional.

Palavras-chave: Sigilo, Arbitragem, Código Processual Civil.

1. INTRODUÇÃO

Propondo uma interessante perspectiva, Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos (1985) trabalha a ideia de poder como meio de comunicação. Partindo do pressuposto de que os sistemas sociais são formados por meio da comunicação, o conflito, pode ser caracterizado pela comunicação da rejeição e tematização da rejeição, de forma que todo o sistema social é potencialmente conflitivo.

E, tratando da ideia de poder como controle, afirma:

O poder é por isso um “medium” generalizado simbolicamente de comunicação, que não depende nem da submissão concreta nem, imediatamente, pelo efeito pretendido pelo detentor do poder. Pois o código poder realizar uma redução de complexidade, de ambos os lados, ao nível da ação de ambos. Equivale dizer que também o detentor do poder tem de ser movido para usar o “seu poder”. Isto provoca uma série de dificuldades. Uma consequência disso é que o poder não é o instrumento de uma vontade sobre a outra, mas, como “medium” de comunicação, ele instrumentaliza, não uma vontade já dada, e sim uma vontade por ele (enquanto meio) produzida, vinculando-a, sujeitando-a, conduzindo-a ao sucesso na absorção de riscos e levando-a ao fracasso. Estamos, pois, diante de uma situação em que o poder é meio para a transmissão de seleções de ações (e não seleção de seleção de motivos de ações para ações), nos quais ambos os comunicadores são sistemas aos quais se imputam seleções como suas ações (SANTOS, 1985, p. 156-160).

Nesse cenário, o presente artigo propõe analisar a dinâmica de poder entre as partes e o juiz, no âmbito da relação jurídica processual, a partir da situação específica da atribuição de segredo de justiça aos processos judiciais conexos aos procedimentos arbitrais, por aplicação da regra do art. 189, IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).

Se a publicidade é característica da atuação do Poder Judiciário, é inegável que a arbitragem representa meio importante e válido para a solução de conflitos, sendo que a opção por tal alternativa se deve, em muito, ao sigilo dos procedimentos arbitrais.

Nesse contexto, sendo necessário o acesso ao poder judiciário por ocasião do ajuizamento de ações conexas aos procedimentos arbitrais, surge o conflito entre a publicidade dos processos e o sigilo da arbitragem.

Uma vez ajuizada a ação, partes e juiz devem solucionar o conflito no caso concreto, em meio a uma dinâmica de poderes endoprocessual, destacada pela tensão entre os deveres do juiz e pela autonomia privada.

2. A DINÂMICA DE PODER NO PROCESSO

Segundo Antônio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 147), jurisdição é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça”.

Por outras palavras, jurisdição é o poder, a função e a atividade de dizer o direito no caso concreto, em substituição à vontade das partes e com força de definitividade.

Como poder é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe compete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal) (CINTRA; GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p. 147).

Em que pese, os termos “poder” e “função” utilizados no conceito de jurisdição sejam alusão à atividade típica do Poder Judiciário (art. 2º da CF) (BRASIL, 1988), é inegável a existência de uma dinâmica de poderes interna no processo, que é o instrumento da jurisdição.

Há entre os sujeitos da lide e o juiz uma relação jurídico-processual trilateral dinâmica, que não se estabiliza, mas “evolui, necessariamente, transformando-se, a cada instante, no caminho e na marcha obrigatória da busca da sentença de mérito” (THEODORO JÚNIOR, 2019, p. 194-195).

Por essa perspectiva, para a análise das relações de poder endoprocessuais, há que se compreender que o processo deve respeitar todos os princípios e valores que constituem a base do Estado em que se desenvolve, sendo necessário que o processo civil seja legítimo como instrumento para o exercício da jurisdição, compreendendo, não só os fins a que se destina o processo civil, mas também os meios de que se vale para alcançá-los (CÂMARA, 2007, p. 33-46).

Para o juiz, não há faculdades ou ônus no processo, mas poderes-deveres, de modo que a cada poder do juiz corresponde o dever de exercê-lo, com a finalidade de possibilitar o alcance dos escopos almejados para o processo, em especial o de garantir a efetivação concreta dos direitos abstratamente previstos no ordenamento (COSTA NETO, 2015, p. 81-116).

A perspectiva constitucional e moderna do processo civil representa a superação da concepção de um o juiz-espectador (fundada no princípio liberal e no individualismo, “em que o magistrado era comparado a um relógio a que as partes deveriam dar corda”) e de um juiz-ditador (o magistrado atua “como dono absoluto da relação processual, porque investido de poderes autoritários, atuando de forma inquisitória, de modo a dispensar-se a iniciativa das partes”), com a consolidação da concepção do juiz-diretor (sendo o meio termo entre as outras concepções, o magistrado é investido do poder de dirigir o processo, em colaboração com as partes) (DANTAS, 1994, p. 35-39).

Segundo Adroaldo Furtado Fabrício (1993, p. 30-36), a transformação no papel das partes no processo tem como correspondência o incremento acentuado dos poderes do juiz, “cujo papel há de ser tanto mais ativo quanto menos “duelístico” for o processo”, sendo que a tendência do processo civil moderno “…é no sentido de depressão do princípio dispositivo e incremento dos poderes do juiz na condução do processo”. Assim, a atribuição de poderes mais amplos ao juiz não representa preferência teórica, mas a resposta a uma efetiva necessidade decorrente da transformação do Direito, o que, inclusive, está relacionado com o crescimento da carga de interesse público envolvido nas relações do direito privado.

Mais que promover impulso oficial, os poderes do juiz compreendem o dever de dirigir o processo em consonância com os princípios e regras constitucionais e legais, inclusive no sentido de garantir às partes o exercício dos seus poderes e a observância dos seus direitos.

Ademais, como apontado por José Wellington Bezerra da Costa Neto (2015), p. 81-116), “O juiz é a substância humana dentro do processo, e a própria lei já lhe outorga certa dose de inquisitoriedade, a fim, inclusive, de humanizar o processo”.

O Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), visando conferir maior eficiência e efetividade à prestação jurisdicional, aumentou os poderes do juiz e das partes, de forma consentânea com as exigências do Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, é possível destacar o dever de cooperação (art. 6º), a obrigação do juiz fazer observar o contraditório (art. 7º) e a impossibilidade de o juiz proferir decisão surpresa (art. 9º) (BRASIL, 2015).

Vale destacar, em especial, a regra do art. 8º: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (BRASIL, 2015), que para além de aplicar a lei, “o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (art. 8º) (BRASIL, 2015).

Especialmente, em relação ao incremento dos poderes do juiz, é importante fazer referência ao art. 139, IV, do CPC, segundo o qual o juiz determinará todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial (BRASIL 2015).

Segundo Bryan Bueno Lechenakoski e Andreza Cristina Baggio (2019, p. 303-332), tal dispositivo estabelece verdadeira “função criativa do juiz”, por meio da qual “confere-se ao juízo amplos poderes discricionários para que possa adotar qualquer medida, estando ela prevista em lei ou não”, no sentido de assegurar o cumprimento de ordem judicial, que emana da própria decisão do juiz e não do título executivo.

Por sua vez, especialmente em relação ao incremento dos poderes das partes, é importante fazer referência ao art. 190 do CPC, segundo o qual, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, as partes capazes podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo (BRASIL, 2015).

Como aponta Rosa Maria de Andrade Nery (1994),

…o Código de Processo Civil, ao permitir às partes litigantes em processo que versa sobre direitos que permitem à autocomposição a possibilidade de estipular mudanças de procedimento (art. 190 do CPC/2015) ampliou o espectro de disposição das partes, e com isso trouxe algo de novo à da tipicidade da transação, alargando-a com relação ao objeto: não apenas permite-se a transação quanto a direitos patrimoniais de caráter privado (art. 841 do CC/2002), como também com relação a regras procedimentais de processo em que o objeto litigioso verse sobre os direitos que admitem autocomposição, quais sejam direitos patrimoniais de caráter privado (art. 841 do CC/2002 e art. 190 do CPC/2015) (NERY, 1994, p. 261-274).

3. A PUBLICIDADE DOS ATOS JUDICIAIS

A publicidade dos atos processuais está prevista no art. 14, § 1º, do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos[2], no art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[3] e no art. 8º, § 1º, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos[4].

Por sua vez, o art. 5º, LX, da Constituição Federal, dispõe que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (BRASIL, 1988).

Já o art. 93, IX, da Constituição Federal determina que

todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (BRASIL, 1988).

Segundo Luís Alberto Reichelt (2014), a concretização da garantia constitucional da publicidade dos atos processuais é projeção do direito humano e fundamental ao processo justo, compreendido como “Um processo humanizado, construído como ferramenta eficiente com vistas a assegurar aos indivíduos tudo aquilo que lhes é prometido pelo conjunto de normas jurídicas criadas pelos mesmos homens para, em suma, viabilizar a sua coexistência digna e fraterna” (REICHELT, 2014, p. 77-97).

Assim, a publicidade dos atos processuais é ferramenta indispensável à existência substancial do Estado Democrático de Direito, como garantia contra o arbítrio no exercício do poder do Estado. Como tal, possibilita a proteção do jurisdicionado contra uma justiça secreta e sem a possibilidade de controle pelo público, além de propiciar a preservação da confiança nas cortes e tribunais, permitindo a construção de um modelo de processo justo (REICHELT, 2014, p. 77-97).

No sentido do que já foi exposto, a interpretação conjunta do art. 5º, LX, e do art. 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) permite a conclusão de que o sistema constitucional brasileiro elegeu a publicidade como regra, que apenas pode ser restringida em nome da intimidade e do interesse social.

Para José Afonso da Silva (2009), a restrição legal à publicidade dos atos processuais deve estar afinada às exigências constitucionais, no sentido de que as restrições admitidas estão relacionadas com a intimidade e o interesse social:

as leis processuais já agasalham essa salvaguarda, admitindo o segredo de justiça nos processos que dizem respeito a relações familiares e filiação, onde a questão da intimidade é mais sensível. A “proteção do interesse social” no processo também já consta daqueles dispositivos processuais lembrados acima, quando admitem o segredo de justiça ditado pelo interesse público. Pode ser até que o “interesse social” seja mais amplo que o “interesse público”; mas como se trata de restrição a um princípio, não há mal em que ela fique devidamente definida (SILVA, 2009, p. 157).

Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a regra constitucional da publicidade dos atos processuais era excepcionada nas hipóteses previstas nos incisos do art. 155, de forma que tramitavam em segredo de justiça os processos (i) em que havia especial interesse público ou (ii) que tratavam de casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores (BRASIL, 1973).

Por sua vez, assim estabelece o Código de Processo Civil de 2015:

Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

I – Em que o exija o interesse público ou social;

II – Que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;

III – Em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;

IV – Que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo (BRASIL, 2015).

Como se observa, o art. 155 do Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL, 1973) tinha conteúdo coincidente com o art. 5º, LX, e do art. 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), apenas explicitando, no inciso II, o conceito de intimidade.

A sistemática foi reproduzida no art. 189 do Código de Processo Civil de 2015, nos I, II e III (BRASIL, 2015). Entretanto, por sua vez, com o inciso IV, houve uma aparente ampliação das hipóteses em que seria possível a tramitação do processo em segredo de justiça. Desta forma, resta a indagação acerca da compatibilidade entre o inciso IV do art. 189 do Código de Processo Civil de 2015 (BRASIL, 2015) com o art. 5º, LX, e o art. 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

4. O SIGILO NOS PROCEDIMENTOS ARBITRAIS

A arbitragem é uma forma heterocompositiva de resolução de conflitos, sendo que a autonomia da vontade é o fundamento da vinculação das partes a um processo arbitral.

Tal como disciplinado pela Lei n. 9.307/96, a arbitragem abrange litígios entre partes maiores e capazes, que versam sobre direito patrimonial disponível (art. 1º), sendo que a sentença proferida será considerada um título executivo judicial (art. 31 – além do art. 515, VII, do CPC), tendo sido proferida por árbitros com status de juízes de fato e de direito para o processo arbitral em que atuam (art. 18) (BRASIL, 1996).

A constitucionalidade da arbitragem foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do agravo regimental em sentença estrangeira SE 5.206[5], também sendo relevante destacar a promulgação do Decreto 4.311/2002, por meio do qual foi ratificada a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, conhecida como Convenção de Nova Iorque (BRASIL, 2001a; BRASIL, 2002).

Segundo Natália Mizrahi Lamas (2018), a arbitragem tem como características marcantes a flexibilidade do procedimento, permitindo que as partes escolham as regras mais adequadas e simplificando formalidades, assim como a confidencialidade, que apesar de não ser obrigatória, costuma ser estabelecida pelas partes (LAMAS, 2018).

Especificamente em relação à confidencialidade, Renato Stephan Grion (2018) aponta que apesar de não ser inerente à arbitragem ou obrigatória, “…mostra-se particularmente interessante ao meio empresarial a possibilidade de as partes envolvidas em determinada contenda pactuarem a confidencialidade dela”, uma vez que “pode lhes trazer maior segurança ao tratarem de dados e informações de extrema sensibilidade que restarão protegidos, tais como estratégias comerciais, documentos internos, projetos, know-how, segredos comerciais, entre tantos outros presentes na atividade empresarial” (GRION, 2018).

O autor supracitado, também, aponta que o ordenamento jurídico brasileiro não contém disposições expressas acerca da confidencialidade dos processos arbitrais, havendo quem sustente na doutrina a tese de que a confidencialidade pode ser interpretada como um dever anexo de conduta decorrente do princípio da boa-fé objetiva (GRION, 2018).

Diante disso, afirmando que “o acordo de vontades entre as partes é, em regra, elemento bastante para que fique estipulada a confidencialidade no ambiente arbitral”, Grion (2018) sugere que as partes pactuem a confidencialidade da arbitragem nos caso em que entendam ser importante, sendo recomendável que o contrato contenha cláusula de confidencialidade específica, que adotem um regulamento de arbitragem que preveja a confidencialidade, ou que estabeleçam essa obrigação depois de iniciada a arbitragem.

Na mesma linha de raciocínio, Ana Olivia Antunes Haddad (2020), aponta que:

no Direito brasileiro a confidencialidade da arbitragem é um dever de fonte contratual e que, portanto, depende de acordo entre as partes. A autonomia da vontade das partes para estipular a confidencialidade é ampla, podendo manter em segredo apenas atos específicos do processo ou, em sentido contrário, tudo relacionado ao processo, até mesmo a existência da disputa (HADDAD, 2020, p. 56-58).

5. A COMPATIBILIDADE DO ART. 189, IV, DO CPC COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Em uma perspectiva válida, Grion (2018) aponta que o acordo de vontades entre as partes é, em regra, elemento bastante para que fique estipulada a confidencialidade no ambiente arbitral. E a transposição dessa sistemática para os processos judiciais a ela conexos ocorreria por meio do art. 189, IV, do CPC e do art. 22-C, parágrafo único, da Lei n. 9.703/96, cabendo às partes, apenas, demonstrar, perante o juízo estatal, a confidencialidade do procedimento arbitral (GRION, 2018).

Por meio de raciocínio similar, Haddad (2020) sustenta a compatibilidade entre o art. 189, IV e a Constituição Federal, destacando que:

…o sigilo da arbitragem atende a interesses legítimos das partes e é uma das vantagens do instituto. Portanto, ao escolher o sigilo, as partes fazem uma escolha legítima, que merece ser respeitada. […] Destarte, ao prever o sigilo de processos judiciais que versam sobre arbitragem (desde que comprovada a confidencialidade estipulada no procedimento arbitral), buscou-se prestigiar a autonomia da vontade das partes e, ao mesmo tempo, promover o instituto da arbitragem, conferindo às partes que optam por este método uma vantagem adicional, qual seja, o sigilo de eventuais processos judiciais relacionados à arbitragem (HADDAD, 2020, p. 56-58).

Não obstante, a questão deve ser analisada pela perspectiva constitucional.

Como já foi apontado, a interpretação conjunta do art. 5º, LX, e do art. 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) permite a conclusão de que o sistema constitucional brasileiro elegeu a publicidade como regra, que apenas pode ser restringida para resguardar a intimidade e o interesse social.

Materializando o comando constitucional, o art. 189 do Código de Processo Civil estabelece que devem tramitar em segredo de justiça os processos em razão (i) do interesse público ou social; (ii) da discussão entre as partes envolver sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; (iii) em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; e (iv) relacionados a arbitragem, uma vez que a confidencialidade tenha sido comprovadamente estabelecida.

Não resta dúvida de que os incisos I, II e III (BRASIL, 2015) reproduzem e explicitam o conteúdo das exceções constitucionais, o que não é óbvio em relação ao inciso IV (BRASIL, 1988).

Seria facilmente sustentável a tese da interpretação conforme a Constituição Federal (BRASIL, 1988), no sentido de que a possibilidade do segredo de justiça nos processos que versem sobre arbitragem estaria limitada aos casos em que, além de comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem, fosse demonstrada em concreto a caracterização das hipóteses de intimidade, interesse público e interesse social.

Não obstante, o que se pretende, de modo geral, é a aplicação irrestrita do conteúdo extraído por meio da interpretação literal do inciso IV, de forma que o segredo de justiça seria determinado em todos os processos que versem sobre arbitragem, exigindo-se, apenas, a comprovação de que a confidencialidade fora estipulada na arbitragem, independentemente da caracterização das hipóteses de intimidade, interesse público e interesse social, tal como contido no art. 5º, LX, e no art. 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Entretanto, tal interpretação padeceria de erro, na medida em que o art. 5º, LX, e o art. 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), ao possibilitarem exceções pontuais à publicidade dos atos processuais, devem ser compreendidas como regras restritivas de direito, sendo que, como tal, não poderiam ter sido ampliadas pelo legislador infraconstitucional, por meio do inciso IV, do art. 189, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).

Esse raciocínio atende à regra do art. 1º do CPC, ao dispor que: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil…” (BRASIL, 2015).

Na lição de Clóvis Beviláqua (1908):

Interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as suas palavras. Para penetrar o pensamento da lei e fazê-la regular, de acôrdo com os fins da legislação, os fenômenos sociais a que deve presidir, pode o intérprete recorrer aos elementos puramente verbais (interpretação gramatical) ou ao raciocínio, à análise, à comparação, a todos os meios que fornece a ciência jurídica à exata compreensão do direito na mecânica social, à história da formação da lei e à evolução do direito (interpretação lógica). Sobretudo deve atender a que o direito é um organismo destinado a manter em equilíbrio as fôrças da sociedade e portanto, tem princípios gerais a que os outros se subordinam (as permanências jurídicas, os preceitos constitucionais), e tôdas as suas regras devem ser entre si harmônicas (interpretação sistemática) (BEVILÁQUA, 1908, p. 47-48 apud SILVEIRA, 1968).

Outrossim, segundo André Del Negri (1993): 

…a hermenêutica jurídica contemporânea impõe à análise das normas uma significância vinculada ao que denominamos de devida hermenêutica constitucional, pois cumpre ressaltar que a análise de casos a serem decididos tem, por exigência constitucional, que atender aos princípios institutivos do devido processo legal, regenciador do procedimento interpretativo preparador de um provimento final (decisão) (DEL NEGRI, 1993, p. 7-17).

Portanto, não parece possível que a regra recém introduzida no inciso IV, do art. 189, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) possa ser interpretada apenas de forma gramatical, ignorando-se o sistema em que está inserido, de forma a ultrapassar as hipóteses em que a Constituição Federal expressamente possibilita a exceção à regra da publicidade dos atos processuais, no art. 5º, LX, e no art. 93, IX (BRASIL, 1988).

É importante salientar que a regra do art. 189, IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) prestigia interesses puramente privados. Há o interesse particular da câmara ou dos árbitros, no sentido de que os procedimentos sejam sigilosos, assim como o interesse da parte de que restringir o conhecimento acerca da existência do litígio.

Diante do mesmo litígio, caso as partes não houvessem contratado a solução por meio de arbitragem, eventual cláusula de confidencialidade provavelmente não seria considerada suficiente para justificar a excepcional tramitação do processo em segredo de justiça.

Neste ponto, vale destacar a afirmação de Haddad (2020, p. 44), no sentido de que o termo “estipulada” contido no art. 22-C da Lei n. 9.703/1996, “…indica a existência de um acordo de vontade das partes em manter o procedimento arbitral confidencial, sendo que, perante o Poder Judiciário, a mera vontade das partes ao pactuar a confidencialidade do procedimento arbitral poderia ser considerada suficiente para ultrapassar o comando contido no art. 5º, LX, e no art. 93, IX (BRASIL, 1988), com apoio no inciso IV, do art. 189, do CPC (BRASIL, 2015).

Nesse contexto, a solução seria, com base na autonomia privada e no prestígio ao instituto da arbitragem, considerar a vontade das partes suficiente para a caracterização do interesse social referido no art. 5º, LX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Entretanto, inclusive à luz do princípio da isonomia, os litigantes em processos conexos a procedimentos arbitrais não poderiam ser os únicos autorizados a optar livremente, por conveniência própria, pela tramitação dos seus processos em segredo de justiça.

É importante ressalvar, outrossim, que os processos conexos a procedimentos arbitrais deverão necessariamente tramitar em segredo de justiça, quando estiverem caracterizadas em concreto as hipóteses de risco à intimidade, interesse público e interesse social, tal como ocorre, por exemplo, nas demandas envolvendo segredos industriais.

Assim, de forma abstrata, não é possível afirmar que a regra do art. 189, IV, do Código de Processo Civil não preserve a intimidade, o interesse público e o interesse social, valores já contemplados pelos incisos I, II e III (BRASIL, 2015).

Mais ainda, a regra em questão é contrária ao interesse social, por constituir verdadeiro obstáculo à construção e ao aprimoramento do direito.

A reiteração de decisões homogêneas pelo Poder Judiciário também proporciona pacificação social, em razão da segurança e previsibilidade, consolidando precedentes e formando jurisprudência, sendo que, aliás, o novo Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) acentuou a influência dos precedentes e da jurisprudência.

Na contramão, o inciso IV, do art. 189, do Código de Processo Civil possibilita a concentração da informação em poucos operadores do direito, uma vez que as decisões relacionadas com arbitragem são inacessíveis ao jurisdicionado e aos estudiosos do direito, em geral (BRASIL, 2015).

Portanto, além dos arts. 5º, LX, e 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) não autorizarem a restrição à publicidade inciso IV, do art. 189, do Código de Processo Civil (por tutelar interesses particulares) (BRASIL, 2015), tal regra é prejudicial ao sistema jurídico, uma vez que impede o conhecimento de informações relevantes, além de prejudicar a evolução do direito.

Ademais, a inexistência de publicidade impede que o conteúdo das decisões seja conhecido de forma geral, o que, por consequência, é obstáculo para o efetivo controle da atividade jurisdicional.

De forma ilustrativa, ao realizar busca de processos no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conjugando os termos “segredo”, “justiça” e “arbitragem”, foram identificados 10 resultados, sendo que o resultado é de 16 quando a mesma busca é realizada quando se acessa o sistema com a senha de magistrado.

Tal exercício, em que pese simples, possibilita a reflexão acerca da quantidade de casos e temas sensíveis que são discutidos em ações judiciais tramitando em segredo de justiça, fundado no art. 189, IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), sem que necessariamente estejam caracterizadas, em concreto, as hipóteses de risco à intimidade, ao interesse público e ao interesse social.

Logo, a tramitação desnecessária de processos em segredo de justiça é prejudicial ao direito, por possibilitar o desconhecimento de informações relevantes, além de impedir a evolução do direito.

Por consequência, aqueles que não detém a informação relevante são obrigados a tomar decisões menos qualificadas, enquanto poucos operadores do direito são capazes de traçar estratégias a partir de uma perspectiva privilegiada.

É importante transcrever trecho elucidativo do lúcido voto proferido pelo Ministro Celso de Mello (BRASIL, 2014), verbis:

Nada deve justificar, em princípio, a tramitação, em regime de sigilo, de qualquer procedimento que tenha curso em juízo, pois, na matéria, deve prevalecer, ordinariamente, a cláusula da publicidade.

Não custa rememorar, tal como sempre tenho assinalado nesta Suprema Corte, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.

Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na expressiva lição de NORBERTO BOBBIO (“O Futuro da Democracia”, p. 86, 1986, Paz e Terra), como “um modelo ideal do governo público em público”.

A Assembleia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, tão fortemente realçados sob a égide autoritária do regime político anterior.

Ao dessacralizar o segredo, a Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.

Isso significa, portanto, que somente em caráter excepcional os procedimentos judiciais poderão ser submetidos ao (impropriamente denominado) regime de sigilo (“rectius”: de publicidade restrita), não devendo tal medida converter-se, por isso mesmo, em prática processual ordinária, sob pena de deslegitimação dos atos a serem realizados no âmbito da causa (STF – 2ª Turma – RMS 30461 AgR – rel.  Min. Celso de Mello – j. 24/06/2014) (BRASIL, 2014).

6. PRECEDENTES JUDICIAIS

Em que pese, haja diversos precedentes judiciais tratando do segredo de justiça nas ações conexas com os procedimentos arbitrais, o presente estudo está restrito ao art. 189, IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), o que provoca sensível diminuição na quantidade de decisões.

Nos tribunais superiores não foram localizados precedentes em que a constitucionalidade do art. 189, IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) tenha sido tratada de forma direta.

Foram identificadas, apenas no Superior Tribunal de Justiça, decisões monocráticas analisando a possibilidade no caso concreto da determinação do segredo de justiça, com fundamento na norma em questão.

A análise realizada nas referidas decisões monocráticas se limitou à comprovação da efetiva confidencialidade do procedimento arbitral, o que, de certa forma e por meio de um raciocínio inverso, significa a afirmação da compatibilidade entre o art. 189, IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) e a Constituição Federal (BRASIL, 1988), ao menos até que o tema seja enfrentado de forma direta.

De forma ilustrativa, cabe apontar trecho da decisão monocrática proferida pelo Ministro Antonio Carlos Ferreira (BRASIL, 2021a), em que o segredo de justiça foi deferido no caso concreto, por estarem presentes os requisitos do art. 189, IV, do CPC (BRASIL, 2015), verbis:

Nos termos do art. 189, IV, do CPC/2015, correm em segredo de justiça os processos que versem sobre arbitragem, inclusive àqueles que tratam de cumprimento de carta arbitral, desde que demonstrada a confidencialidade do ato arbitral (STJ – Petição no Recurso Especial n. 1921762/RJ – Min. Antonio Carlos Ferreira Relator – 28/05/2021) (BRASIL, 2021a).

Outrossim, também cabe apontar trecho da decisão monocrática proferida pelo Ministro Humberto Martins (BRASIL, 2021b), em que o segredo de justiça foi indeferido no caso concreto, por não ter sido demonstrado o preenchimento dos requisitos do art. 189, IV, do CPC (BRASIL, 2015), verbis:

Quanto à alegação de que a confidencialidade é inerente ao próprio procedimento arbitral, destaca-se, do parecer da Procuradora de Justiça oficiante, que as Agravantes não comprovaram, em sede de razões recursais, a existência de acordo ou de cláusula de confidencialidade, que é condição indispensável à decretação do segredo de justiça na arbitragem, à luz do que dispõe o artigo 189, IV, do CPC (STJ – Agravo em Recurso Especial n. 1.788.412/SP – Min. Humberto Martins – 04/03/2021) (BRASIL, 2021b).

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a abordagem foi inicialmente similar, sendo que, entretanto, em alguns casos a questão da compatibilidade entre o art. 189, IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) e a Constituição Federal (BRASIL, 1988) passou a ser analisada de forma direta, tendo em vista a declaração da inconstitucionalidade em primeira instância, em algumas oportunidades.

Nesse sentido, vale transcrever trecho do voto proferido pelo Desembargador Alexandre Lazzarini (BRASIL, 2020a), reconhecendo a possibilidade de extensão da confidencialidade do procedimento arbitral para o processo judicial correlato, verbis:

…a publicidade do processo e dos atos processuais seja a regra, a aludida inconstitucionalidade do art. 189, IV, do CPC/2015, é objeto de intensa controvérsia doutrinária e, ademais, há cláusula de confidencialidade no regulamento da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem (art. 46 fls. 10), em que foi apresentado o requerimento de instauração de arbitragem (fls. 154), com efetiva instauração em meados do corrente ano (fls. 1.437/1.450 originais); e, no parágrafo único do art. 22-C da Lei Federal n.º 9.307/96, há a previsão de que o juízo estatal observará o segredo de justiça desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem, previsão esta que é seguida pelo C. STJ (Nesse sentido: REsp. n.º 1.678.224/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 07/5/2019) (TJSP – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – Agravo de Instrumento n. 2122048-29.2020.8.26.0000 rel. Des. Alexandre Lazzarini – j. 29/10/2020) (BRASIL, 2020a).

Outrossim, vale transcrever trecho da ementa do acórdão cujo relator foi o Desembargador César Ciampolini (BRASIL, 2021c), no qual foi reconhecida a incompatibilidade, ao menos geral e abstrata, entre o art. 189, IV, do CPC (BRASIL, 2015) e os arts. 5º, LX, e 93, IX, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), verbis:

Segredo de justiça. A regra do sistema é publicidade dos atos processuais, de acordo com os arts. 5º, LX, e 93, IX, da Constituição Federal. A luz do sol, como afirmado pelo Justice Louis Blandeis, é o melhor detergente, faz bem à administração da Justiça. A generalizada imposição de segredo nos juízos arbitrais, contrariamente ao que sucede nos processos e julgamentos do Poder Judiciário, “é nociva ao sistema jurídico, por provocar assimetria de informações e obstar a formação do direito (consolidação dos precedentes e da jurisprudência)”, afirma muito corretamente a decisão agravada, da lavra da Juíza de Direito Paula da Rocha e Silva Formoso. Os jurisdicionados têm o direito de conhecer a jurisprudência; os empresários, especificamente, o de antever, pela coerência que sempre se espera dos que têm a nobre missão de julgar, o provável resultado dos veredictos, levando-o em consideração ao celebrar negócios mercantis (TJSP – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – Agravo de Instrumento n. 2263639-76.2020.8.26.0000 – rel. Cesar Ciampolini – j. 02/03/2021) (BRASIL, 2021c). 

Vale, ainda, transcrever trecho do voto proferido pelo Desembargador Gilson Delgado Miranda (BRASIL, 2020b), verbis:

Como é cediço, “tendo em vista que o segredo de justiça configura exceção a uma regra de ‘status’ constitucional (qual seja o princípio da publicidade dos atos processuais), as normas que o disciplinam deverão ser interpretadas restritivamente. O CPC, por sua vez, manteve a orientação do CPC/1973 155, o qual trazia um rol estrito de situações nas quais deveria o juiz decretar o segredo de justiça. […] O CPC 189 manteve a tipificação dos casos de segredo de justiça, mas acrescentou restrição quanto à divulgação de informações de modo ofensivo ao direito constitucional de intimidade, o que deve restringir as possibilidades de aplicação do segredo de justiça em hipótese não prevista legalmente” (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “Código de Processo Civil Comentado”, 16ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, p. 757).

Não se desconhece que o Código de Processo Civil “deixou claro que o segredo de justiça terá lugar quando houver necessidade de preservação do interesse público ou social, que se revela sempre em face de uma situação concreta, impossível de delimitação ‘a priori’. Por interesse público ou social há de se entender o transindividual, o que transpõe o interesse das partes (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, ‘Comentários ao Código de Processo Civil’, III. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 52)” (Pedro Henrique Nogueira, ‘in’ Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas [coord.], “Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil”, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 589).

Ocorre que, na avaliação desses interesses, “o juiz avalia caso a caso, segundo o seu prudente arbítrio, para determinar ou não que o processo corra em segredo de justiça (para evitar, v.g., o chamado ‘strepitus processus’)” [grifei] (Antônio Cláudio da Costa Machado, “Código de Processo Civil interpretado e anotado”, Barueri, Manole, 2006, p. 475).

No caso concreto, como bem apontou a douta Procuradoria Geral de Justiça, não há “qualquer das hipóteses que poderiam ensejar o sigilo, cumprindo relembrar que se está diante de ação de responsabilidade cumulada com desconsideração da personalidade jurídica e extensão de efeitos, em razão de suposta gestão abusiva de seus controladores, que se insere em grandioso feito falimentar, ainda mais a justificar a inteira publicidade de seus atos” [grifei] (fls. 544).

Nesse passo, nem se diga que a manutenção da publicidade tumultuará o andamento do processo. Realmente, conforme deliberou este colegiado, caberá ao juízo de primeiro grau avaliar a necessidade e a conveniência de manter o sigilo sobre determinados atos processuais a fim de preservar a instrução do processo (TJSP – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – Agravo de Instrumento 2123888-11.2019.8.26.0000 – Des. Cesar Ciampolini – j. 19/02/2020) (BRASIL, 2020b).

7. CONCLUSÃO

Se é verdade que a jurisdição é função do Estado, por meio da qual se busca a pacificação de um conflito específico, também é certo que o processo deve respeitar os princípios e valores que constituem a base do Estado em que se desenvolve.

A relação jurídico-processual, trilateral e dinâmica, é palco de uma relação própria de poderes, estabelecida entre o juiz e as partes, que não é marcada pela superioridade de qualquer dos agentes, mas pela diversidade das posições e dos interesses defendidos.

O conflito entre os interesses dos agentes e o aparente esgarçamento da relação de poderes podem ser especialmente observados em relação à publicidade das ações judiciais conexas aos procedimentos arbitrais. Nesse cenário, o juiz tem por norte a publicidade como característica marcante da atuação do Poder Judiciário. Já as partes, têm por norte a autonomia da vontade, caracterizada pelo interesse de estender o sigilo dos procedimentos arbitrais aos processos judiciais conexos.

Ao que parece, a melhor solução é a construção colaborativa de uma resposta própria para cada caso concreto, sendo duvidosa a aplicação genérica, abstrata e literal da regra do art. 189, IV, do CPC, por uma perspectiva constitucional.

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Presidência da República, 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Presidência da República, 1992a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Promulgação. Presidência da República, 1992b. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Presidência da República, 1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869impressao.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Presidência da República, 1996. Presidência da República, 1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. SE 5.206-Espanha (AgRg). Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Julgado em: 12/12/2001a.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF. Brasília, 10 a 14 de dezembro de 2001b. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo254.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002. Promulga a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Presidência da República, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4311.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. RMS 30461 AgR. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em: 24/06/2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição no Recurso Especial n. 1921762/RJ. Min. Antonio Carlos Ferreira Relator. Julgado em: 28/05/2021a.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Especial n. 1.788.412/SP. Min. Humberto Martins. Julgado em: 04/03/2021b.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Agravo de Instrumento n. 2122048-29.2020.8.26.0000. Rel. Des. Alexandre Lazzarini. Julgado em: 29/10/2020.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Agravo de Instrumento n. 2263639-76.2020.8.26.0000. Rel. Cesar Ciampolini. Julgado em: 02/03/2021c.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Agravo de Instrumento 2123888-11.2019.8.26.0000. Des. Cesar Ciampolini. Julgado em: 19/02/2020b.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Poderes instrutórios do juiz e processo civil democrático. Revista de Processo, São Paulo, vol. 153, p. 33-46, 2007.

COSTA NETO, José Wellington Bezerra da. O Novo Código de Processo Civil e o fortalecimento dos poderes judiciais. Revista de Processo, São Paulo, v. 249, p. 81-116, 2015.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Os poderes do juiz no processo civil e a reforma do judiciário. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 700, p. 35-39, 1994.

DEL NEGRI, André. Devida hermenêutica constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, v. 58, p. 7-17, 1993.

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. As novas necessidades do processo civil e os poderes do juiz. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 7, p. 30-36, 1993.

GRION, Renato Stephan. Introdução e princípios aplicáveis à arbitragem. In: LEVY, Daniel; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coord.). Curso de arbitragem. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

HADDAD, Ana Olivia Antunes. Transparência no Processo Arbitral. São Paulo: Almedina, 2020.

LAMAS, Natália Mizrahi. Introdução e princípios aplicáveis à arbitragem. In: LEVY, Daniel; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coord.). Curso de arbitragem. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

LECHENAKOSKI, Bryan Bueno; BAGGIO, Andreza Cristina. A atipicidade da técnica executiva no Código de Processo Civil e o juiz com super-poderes: uma aproximação do sistema processual penal inquisitório? Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1006, p. 303-332, 2019.

NERY, Rosa Maria de Andrade. Fatos processuais. Atos jurídicos processuais simples. Negócio jurídico processual (unilateral e bilateral). Transação. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 64, p. 261-274, 1994.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Organização Das Nações Unidas, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 05 jan. 2022.

REICHELT, Luis Alberto. A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo, São Paulo, v. 234, p. 77-97, 2014.

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Jurídico e Violência Simbólica. São Paulo: Cultura Paulista, 1985.

SILVEIRA, Alípio. Bevilaqua e a hermenêutica contemporânea. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 391/417, 1968.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 60ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. V. I.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores (BRASIL, 1992a).

3. Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele (ONU, 1948).

4. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (BRASIL, 1992b).

5. “O Tribunal, por maioria, declarou constitucional a Lei 9.307/96, por considerar que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória no momento da celebração do contrato e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 2001b).

[1] Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

Enviado: Novembro, 2022.

Aprovado: Dezembro, 2022.

5/5 - (12 votes)
Eduardo Palma Pellegrinelli

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita