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A importância das prisões cautelares no processo penal e o princípio da não culpabilidade antecipada

RC: 87818
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

AYRES LEITE, Thayanne Cristina Carreiro [1]

AYRES LEITE, Thayanne Cristina Carreiro. A importância das prisões cautelares no processo penal e o princípio da não culpabilidade antecipada. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 06, Vol. 03, pp. 137-152. Junho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/culpabilidade-antecipada

RESUMO

O presente artigo busca abordar sobre a importância das prisões cautelares na efetividade do processo penal, frente aos conflitos entre os direitos e as garantias individuais do indivíduo. Para tanto, serão esmiuçados seus principais aspectos de natureza jurídica, pressupostos e divergências doutrinárias. A metodologia técnico-científica utilizada para a realização dessa pesquisa se baseou na pesquisa bibliográfica. Assim, com esse artigo observou-se a necessidade da aplicação das medidas cautelares ao réu, além da ausência de ferramentas que instiguem o Estado em exercer a autoridade do direito de punir os casos que lhe foram conferidos.

Palavras-chave: Prisões cautelares, Natureza jurídica, Divergências doutrinárias.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo técnico-científico é realizar uma análise acerca da importância das prisões cautelares no processo penal, mesmo quando afrontadas pelo princípio da não culpabilidade antecipada.

Em matéria processual penal é frequente a ocorrência de situações em que a segregação antecipatória é autorizada, sobrepondo ao direito individual de liberdade elencado em nossa Carta Magna.

Havendo a necessidade de aplicação de tal medida excepcional, o Magistrado deve se pautar em critérios objetivos e subjetivos elencados no Código de Processo Penal, a fim de guarnecer a legalidade da medida.

Importante salientar que muito embora exista grande divergência, a doutrina moderna defende a tese de que a Carta Política de 1988 não presume a inocência do indivíduo. Haveria, na verdade, uma “não culpabilidade antecipada”, estritamente atrelada ao princípio do devido processo legal, devendo ser observada em todas as fases da persecução criminal, ou seja, tanto na fase inquisitorial, como na processual propriamente dita.

É nesse ponto que se pauta a legalidade da prisão cautelar. Nota-se que, caso houvesse, de fato, a presunção da inocência, não seria possível ao Julgador elencar descriminantes a manter um indivíduo em cárcere antes de sentença penal condenatória transitada em julgado.

Na verdade, o Réu é encoberto de um “estado de inocência”, sendo defeso ao Magistrado promover um julgamento condenatório como forma de fundamentar a prisão cautelar.

Tais questões serão melhor tratadas posteriormente e, para a exposição do tema, o trabalho irá remeter ao conceito, espécies, bem como os pressupostos autorizadores da custódia, buscando, para tanto, apoio na doutrina e jurisprudência pertinentes à matéria.

2. ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

As medidas cautelares representadas nesta pesquisa tratam sobre as prisões em flagrante, preventiva e temporária, que são medidas constritivas da liberdade individual, aplicadas antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, transgredindo, aparentemente, princípios elencados em nossa Carta Magna de que ninguém será privado de sua liberdade antes de sentença penal condenatória transitada em julgado. Ainda na mesma linha, saliente-se que a CRFB/88 possui um texto expresso que afirma que ninguém será mantido preso quando houver a possibilidade de liberdade provisória.

Existem diversos ângulos em que podemos enxergar o conceito de prisão.

Nas palavras de Capez (1999), a prisão é o ato de “privação de liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito”; todavia, para Tourinho Filho (1999) “a prisão é a supressão da liberdade individual, mediante clausura. É a privação da liberdade de ir e vir”.

Contudo, visto que ao invés de propiciar a redução da criminalidade, a prisão, somente agrava o problema, sendo indiciada como o grande fracasso da justiça penal, por gerar indiretamente delinquentes ao provocar miséria a família do detento, como descreve Foucault (1987).

O doutrinador Paulo Rangel, defende a inconstitucionalidade da prisão temporária, afirmando que vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde o Estado não pode dispor da prisão para investigar. É inaceitável primeiro prender para depois investigar se o indiciado é autor do delito (RANGEL, 2008).

Todavia, a prisão cautelar é aquela que acontece antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, a qual não possui objetivo de punição ao indivíduo, mas de restrição para que o mesmo não venha a cometer novos delitos, associados ou não com aquele pelo qual está segregado, ou para que as suas atitudes não venham interferir no apuramento dos fatos e na própria aplicação da sanção correspondente ao crime cometido. Em resumo, essas prisões possuem como principal objetivo a proteção da lei penal que, em algumas situações, se tornaria inofensiva caso o indivíduo não permanecesse acautelado.

No Brasil, especificamente, a prisão preventiva surgiu em 1822, com a proclamação da Independência.

Pode-se aferir que a prisão cautelar permanece até os dias de hoje no ordenamento jurídico, mesmo sofrendo pesadas críticas, uma vez que não visa apenas assegurar a futura aplicação da lei penal, mas também a defesa social, tal como a garantia da ordem pública e a ordem econômica.

Em razão da sua manifesta excepcionalidade, as prisões cautelares, são fundadas em alguns princípios constitucionais, a fim de garantir a legalidade da medida.

2.1PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O devido processo legal é assegurado pelo artigo 5º, inciso LIV da CRFB/88, o qual afirma que: Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Acerca do tema, Silva Júnior afirma que no processo cautelar não estão em vigor os princípios do contraditório e da igualdade entre as partes, pois se o réu tivesse a oportunidade de se defender e o juiz apenas o dever de decidir, depois da discussão, o assunto poderia estar restrito à medida objetivada. A situação que está em vigor no processo cautelar é o da inaudita altera pars. (SILVA JÚNIOR, 2000)

Isso significa que a decretação das prisões cautelares sem o contraditório, não gera constrangimento ilegal ao indivíduo, desde que as demais garantias fundamentais e regras do procedimento se façam presentes.

2.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O Princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 1º, inciso III, da CRFB/88, inserido no Título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

Para Martins (2006), conceituar a dignidade da pessoa humana é uma tarefa difícil, mas se guiado o raciocínio para o desenvolvimento de um conceito, deve-se presumir que as condições básicas para existência digna compreendem o respeito à vida e à integridade física do ser humano, protegendo a privacidade e a identidade do sujeito em questão, com a garantia de igualdade para com outrem, não excluindo a sua condição psicofísica.

Este princípio, de forma sucinta, garante a igualdade entre o Réu e a acusação, qual seja, o Ministério Público, não havendo hipótese de superioridade entre ambos.

2.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE

Prevista no artigo 5º, caput, da CRFB/88, a liberdade do indivíduo é regra, sendo a prisão, a exceção (BRASIL, 1988).

Sendo assim, o rol de possibilidades de decreto de segregação antecipatória é estritamente taxativo, devendo, ainda, a decisão ser fundamentada.

2.4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

As prisões cautelares devem ser proporcionais ao suposto delito praticado, bem como à pena de sua eventual condenação.

Carvalho (2006) afirma que a proporcionalidade se constitui na razoabilidade do limite imposto, comparado no confronto direto entre os interesses públicos ou particulares, com a finalidade de se estabelecer se é razoável exigir o sacrifício do interesse individual em nome do interesse de várias pessoas.

2.5 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Previsto no artigo 5º, o inciso LXI da CRFB/88, explicita que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem judicial escrita e fundamentada (BRASIL, 1988).

Tal princípio tem sua redação reproduzida também no artigo 283 do Código de Processo Penal.

2.6 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Tal princípio da fundamentação das decisões judiciais é citado por alguns doutrinadores como, por exemplo, Zavarize (2004). Desta forma, o art. 93, IX, da CF também expõe que as decisões devem ser fundamentadas.

Este princípio também foi homenageado no artigo 381, inciso III, do Código de Processo Penal, ao indicar que a sentença conterá os fatos e fundamentos ensejadores da condenação/absolvição.

2.7 PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE ANTECIPADA

Sendo o tema subsidiário da presente pesquisa, este princípio se encontra presente no artigo 5º, inciso LVIII, da CRFB/88.

A Declaração Universal dos Direito Humanos de 1948, das Nações Unidas, também prevê tal princípio em seu artigo 11, o qual estabelece que

toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (ONU, 1984)

No Brasil, adota-se a teoria da não culpabilidade em detrimento ao princípio da presunção de inocência. Sendo assim, é uma situação de transitoriedade, de caráter de tratamento e processual, durante a instrução criminal até a sentença penal condenatória irrecorrível.

Por fim, abordando o assunto de prisão cautelar, há que se falar em uma série de questões genéricas, a fim de formar o convencimento, em teoria geral, de que, mesmo sob um “estado de inocência”, em algumas situações, a segregação cautelar do indivíduo é uma medida que sobrepõe os direitos fundamentais coletivos sobre os particulares.

Obviamente, as referidas matérias serão ilustradas com ênfase à reforma promovida pela Lei 12403/2011.

3. PRISÕES CAUTELARES – NATUREZA JURÍDICA

Medida cautelar que recai sobre a pessoa.

Importante frisar que, ante a sua natureza, as prisões cautelares possuem as mesmas características dos processos cautelares, ou seja, poderão ser preparatórias ou incidentais.

3.1 CARACTERÍSTICAS

a) Acessoriedade

São acessórias ao processo principal que dependem deste para existir.

b) Provisoriedade

Possuem um tempo certo para expirar.

Em sua obra, Manual de Processo Penal, Tourinho Filho (2008) promoveu um cálculo, baseado no Código de Processo Penal anterior, por meio do qual ilustrou qual seria o tempo necessário à razoável duração do processo. Para tal doutrinador, a instrução deveria findar-se em oitenta e um dias. Decorrido este prazo, a prisão preventiva deveria ser realizada ante a sua manifesta ilegalidade.

O entendimento sedimentado pela jurisprudência é de que na instrução criminal, a coleta de provas em Juízo, quando o Réu está preso, não pode ultrapassar de 120 (cento e vinte) dias, pois se isso ocorrer, haverá constrangimento ilegal por excesso de prazo e a prisão deverá ser relaxada.

Todavia, esta regra não é absoluta, sendo possível a dilação do prazo instrutório quando ocorrer: complexidade probatória (processo com muitas perícias), excessivo número de Réus ou quando a defesa der causa à demora na prestação jurisdicional.

Na verdade, não há um prazo específico na legislação apto a indicar qual seria o lapso temporal necessário ao término da instrução criminal.

Da análise do ordenamento jurídico brasileiro, há um único dispositivo na recente Lei nº 12.850/2013, (Lei de Combate ao Crime Organizado que revogou a Lei nº 9034/1995) que dispõe em seu artigo 22, parágrafo único, sobre a referida matéria.

Em conclusão, todas as prisões cautelares têm esse caráter de provisoriedade porque se encerrarão, seja concedendo-se liberdade provisória, relaxamento, ou posteriormente, convertendo-se em prisão penal. Rememore-se que nesta última hipótese, o tempo de prisão cautelar será computado a título de detração penal, ou seja, prazo de pena cumprido.

c) Instrumentalidade Hipotética

A medida cautelar visa assegurar a eficácia prática da atividade jurisdicional desenvolvida no processo de conhecimento ou de execução. “É o instrumento do instrumento, ou a tutela da tutela” (LOPES JÚNIOR, 2011).

A crítica que alguns doutrinadores fazem é: se as medidas cautelares são garantias do processo principal, como explicar a necessidade da prisão preventiva como garantia da ordem pública?

Nesta situação hipotética, o indivíduo estaria preso porque haveria o risco de que, em liberdade, continuasse a delinquir. Sendo assim, o mesmo estará acautelado por crimes que ainda nem existem e mais, se vierem a existir, serão objeto de cognição em demanda diversa.

Por isso, alguns doutrinadores entendem que a característica da instrumentalidade hipotética não é suficiente para alcançar todas as hipóteses de prisão preventiva. Para esses, há uma outra característica das prisões cautelares, qual seja, a preventiva. Desta forma, a segregação cautelar teria um caráter, também, de prevenção social.

d) Homogeneidade

O ordenamento jurídico é um só, ou seja, deve ser analisado de forma homogênea. Em outras palavras, se há uma alteração no Código Penal, esta tem uma influência no Código de Processo Penal.

Exemplo: há alguns anos houve uma alteração no Código Penal em seu artigo 44 (BRASIL, 1941). A atual redação dispõe que toda vez que o indivíduo for condenado a uma pena privativa de liberdade de até quatro anos, desde que não haja violência ou grave ameaça ou não seja reincidente, ele tem direito a uma substituição de uma pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.

Dessa forma, como o Réu permanecerá preso durante a instrução criminal, quando na sentença penal condenatória este receberá alvará de soltura?

Sendo assim, tem-se que o gravame durante o decurso do processo não pode ser maior do que a sanção que o agente receberá se for condenado.

Em razão disso, alguns autores sustentavam que, se o indivíduo supostamente praticasse um delito com pena máxima em abstrato inferior a 04 (quatro) anos, não haveria substrato para a decretação da custódia cautelar.

Essa posição, que era minoritária, incrivelmente foi a que vingou com a reforma provocada pela Lei nº 12.403/2011. Com o advento desta lei alterou-se a possibilidade de decretação de prisão preventiva, adotando-se o entendimento de que só será possível a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos com pena máxima superior a 04 (quatro) anos, salvo reincidência ou violência doméstica em que a custódia se justifica para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência.

Partindo da mesma gênese, o Delegado de Polícia poderá arbitrar fiança quando da autuação em flagrante para crimes com pena máxima em abstrato de até 04 (quatro) anos.

3.2 REQUISITOS

a) Legitimidade

Toda e qualquer prisão depende de ordem judicial, exceto o flagrante.

Quanto a esta, há quem se refira como sendo precautelar, posto que antecipa uma medida cautelar, qual seja, a prisão preventiva. Em outras palavras, a prisão em flagrante servirá de instrumento para a decretação ou não da prisão preventiva.

b) Pressupostos

As prisões cautelares possuem os pressupostos de toda e qualquer medida cautelar, qual seja: o fumus boni iuris e o periculum in mora, que no âmbito Penal, possuem a terminologia fumus comissi delicti e periculum libertatis, art. 312 do Código de Processo Penal (LOPES JÚNIOR, 2001).

c) Legalidade

Para que uma prisão não seja ilegal é preciso que estejam presentes a legitimidade, os pressupostos e a expressa previsão legal de cabimento de segregação cautelar para o suposto delito praticado pelo indivíduo.

Antes da reforma promovida pela Lei nº 11.689/08 (BRASIL, 2008), existiam no ordenamento jurídico cinco espécies de prisão cautelar, que eram: prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de pronúncia e a prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível.

Posteriormente, o STF firmou o entendimento de que não existiam as duas últimas, porque estas nada mais seriam do que prisão preventiva. Adotou-se, então, que o Magistrado, no momento da sentença de pronúncia e da condenação, deverá ponderar os presentes requisitos autorizadores da prisão preventiva e, caso assim existam, decretar a prisão (HC 101244/MG, 2010).

Com a reforma de 2008, tais prisões foram definitivamente extirpadas do ordenamento jurídico, permanecendo as conhecidas espécies elencadas no atual CPP, quais sejam: prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva.

4. PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE ANTECIPADA

4.1 CONCEITO

Princípio decorrente de uma moderna corrente doutrinária que reforça o dispositivo constitucional (BRASIL, 1988) de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória for julgada.

O Desembargador Paulo Rangel, em sua obra Direito Processual Penal, afirmou que “o Magistrado, ao condenar, presume a culpa; ao absolver, presume a inocência...”, “desta forma, o réu tanto pode ser presumido culpado como presumido inocente e isto em nada fere a Constituição Federal”. (RANGEL, 2003)

Tal corrente critica a denominação princípio da inocência, posto que, em nenhum momento a Constituição Federal cita a palavra “inocência” e sim, culpabilidade.

O conceito acaba por legitimar a decretação da custódia cautelar, pois caso o indivíduo fosse realmente considerado inocente até a sentença penal condenatória, não seria possível que o mesmo fosse preso preventivamente, por exemplo, para repelir que praticasse novos delitos.

O princípio da presunção de não culpabilidade possui duas regras específicas em relação ao Réu: probatória e de tratamento.

Conforme a primeira, o ônus de provar a culpabilidade inequívoca do agente incumbe a quem alega, qual seja, ao Ministério Público (RANGEL, 2003).

De acordo com a segunda, que é a que pertence ao tema abordado no artigo, em nenhum momento da persecução criminal poderá o acusado sofrer uma antecipação de sua pena, fundamentando-se na possibilidade de condenação.

Segundo Pacelli (2012), o estado de inocência impõe um caráter excepcional à segregação cautelar, só podendo ser decretada em casos de extrema necessidade.

Ademais, os tribunais superiores têm entendimento sedimentado de que é manifestamente ilegal a prisão preventiva decretada exclusivamente com fundamento na gravidade abstrata do delito praticado pelo Réu, confirmando que, de fato, a regra é a liberdade e que esta cede à custódia em restritas situações.

4.2 PRISÕES CAUTELARES X PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE ANTECIPADA

Sendo assim, ilustrados tais conceitos, torna-se mais didático visualizar que a decretação da custódia cautelar não fere o “estado de não culpabilidade” do indivíduo e muito menos o direito individual de liberdade.

No momento de decretação da prisão preventiva, por exemplo, o Magistrado deve ponderar entre os direitos individuais e os coletivos, ou seja, a liberdade individual do indivíduo ou a insegurança social, ou a efetividade da instrução criminal ou ainda da aplicação da lei penal.

Conforme explícito no início do artigo, a prisão cautelar não é uma mera liberalidade do Magistrado. Existem inúmeros limites impostos tanto pelo constituinte como pelo legislador para que o acusado permaneça preso, mesmo antes de decretada sua pena definitiva, sob pena de ilegalidade e consequente relaxamento de prisão.

As custódias cautelares constituem verdadeiras ferramentas processuais, como forma de resguardar do jus puniendi estatal e, sempre que o acusado oferece risco tanto à sociedade quanto ao processo, a sua decretação é imposta.

Há que se rememorar que sempre que os direitos individuais se veem confrontados com os coletivos, estes devem prevalecer.

Não seria proporcional ou mesmo razoável que um indivíduo com uma extensa folha de antecedentes criminais, sem atividade laborativa lícita ou mesmo residência fixa, continuasse em liberdade para continuar praticando delitos ou mesmo afugentar-se em local incerto ou desconhecido até a prescrição da pena abstrata do crime cometido.

Isto criará um cenário de temor e descrença na justiça inimagináveis, além de que seria um verdadeiro estímulo à prática de delitos cuja hediondez ultrapassaria quaisquer expectativas.

Desta forma, pode-se perceber a suma importância das prisões antecipatórias no Processo Penal, como verdadeiras chaves para promover a paz social e a credibilidade da Justiça.

O Direito Penal como ultima ratio, não poderá permitir a permanência da injustiça, assim, os danos provocados, caso não houvesse no ordenamento jurídico previsão de segregação antecipatória, seriam maiores do que a privação legal e fundada a liberdade de um indivíduo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo foi esclarecer de forma abrangente a importância das prisões cautelares no processo penal.

A segregação antecipatória é uma medida extrema que visa restringir a liberdade individual antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

São três as prisões vigentes em nosso ordenamento jurídico, sendo elas: prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva.

Ante tal caráter de excepcionalidade, a custódia é balizada por pressupostos a fim de garantir a efetividade da medida. Dois deles são comuns a todas as espécies de prisões antecipatórias: o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, expressões específicas do direito penal, derivadas do fumus boni iuris e periculum in mora.

A prisão preventiva é a ferramenta mais utilizada tratando-se de espécies específicas de cautela, visando preservar a ordem pública ou econômica, bem como a efetividade da instrução criminal e futura aplicação da lei penal.

A ordem pública e econômica se vê ameaçada frente aos casos que apresentam riscos fundamentados de que o indivíduo possa reiterar sua conduta criminosa, gerando grande insegurança social, além de pairar um clima de impunidade.

A prisão, para garantir a efetividade da instrução criminal, visa resguardar vítimas ou testemunhas, a fim de garantir que suas integridades físicas e psicológicas não sejam maculadas, para que prestem seus referidos depoimentos em Juízo livres de quaisquer temores.

Por fim, a prisão preventiva, se fundamenta na preservação da futura aplicação da lei penal quando há fundados riscos de que o indivíduo, em liberdade, venha a se refugiar em local incerto e não sabido do Juízo. Tal receio se apresenta, principalmente, quando o Réu não possui atividade laborativa lícita ou mesmo residência fixa no local de culpa.

Como delineado ao longo do artigo, a decretação das custódias cautelares não necessita de contraditório, sendo imperioso, tão-somente, a presença dos requisitos autorizadores da medida.

O tema, não menos importante, tratado foi o princípio da não-culpabilidade antecipada.

Apesar de alguns autores se referirem ao princípio da presunção de inocência, a doutrina moderna e majoritária adotou o entendimento de que o Constituinte, ao afirmar que ninguém será considerado culpado até sentença penal condenatória, refere-se a um estado de não-culpabilidade, e não de inocência.

A não culpabilidade é uma garantia de que o Réu, em nenhum momento da persecução criminal, irá sofrer uma antecipação de sua eventual condenação. Neste ponto, vale lembrar a diferença entre prisão cautelar e prisão penal, sendo a primeira um instrumento garantidor da efetividade processual, enquanto, a outra é decorrente de sentença penal condenatória irrecorrível.

Caso houvesse, de fato, a presunção de inocência do agente, não haveria, em nenhuma hipótese, a possibilidade de decretação de sua custódia cautelar, ou seja, como fundamentar a decisão na necessidade de garantia da ordem pública se o indivíduo, até sentença condenatória transitada em julgado, é inocente?

Sendo assim, a doutrina achou por bem a adoção do critério de não-culpabilidade, como forma de preservar as garantias individuais do Réu, mas também a futura aplicação da lei penal.

Por fim, verifica-se que as prisões cautelares são de suma importância para a garantia da paz social.

Segregar a liberdade do indivíduo não é mera liberalidade do Magistrado. O que há, na verdade, é uma ponderação entre os direitos e garantias individuais e coletivas.

Fato é que, havendo possibilidade, ante a agressividade da prisão, bem como suas consequências, medidas cautelares do cárcere deverão ser aplicadas ao Réu. Contudo, verifica-se que nem sempre essas medidas se mostram eficientes, além de que a sociedade necessita de ferramentas que garantam ao Estado a autoridade do direito de punir o que lhe foi conferido.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Câmera dos Deputados, 1941.

BRASIL. Lei Nº 11.689, de 9 de junho de 2008. Casa Civil, 2008.

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LOPES J. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. 4.ed. rev.atual. e ampl.  12. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 201.

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SILVA JÚNIOR, Euclides Ferreira da. Prisão liberdade provisória habeas corpus: teoria e prática. p. 24. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

TOURINHO, F. F. da C. Manual de processo penal. p. 48. 10. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

ZAVARIZE, R. B. A fundamentação das decisões judiciais. p. 39. Campinas: Millennium, 2004.

[1] Bacharel em Direito pela universidade Estácio de Sá, Campus Cabo Frio; Pós Graduada em Direito Penal e Processo Penal da Universidade Estácio de Sá; Acadêmica em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Enviado: Março, 2021.

Aprovado: Junho, 2021.

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Thayanne Cristina Carreiro Ayres Leite

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