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Necessidade de garantias constitucionais na investigação preliminar

RC: 131929
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/investigacao-preliminar

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SOUZA NETTO, Flávia Esteves de [1], GONÇALVES, Rodrigo Machado [2]

SOUZA NETTO, Flávia Esteves de. GONÇALVES, Rodrigo Machado. Necessidade de garantias constitucionais na investigação preliminar. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 04, pp. 120-153. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/investigacao-preliminar, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/investigacao-preliminar

RESUMO

A necessidade de garantias constitucionais na investigação preliminar traz em seu contexto a aplicação combinada de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, o que pode, eventualmente, gerar uma colisão entre preceitos e a necessidade de se verificar qual será aplicado na prática, a fim de que sejam sempre observados os direitos inerentes ao indivíduo. A partir disso, faz-se necessário saber em que medida os dispositivos do processo penal brasileiro, em especial na investigação preliminar, tornam-se possivelmente inconstitucionais à luz das garantias presentes na Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, o objetivo central do trabalho é a análise do sistema de investigação preliminar brasileiro à luz das garantias constitucionais, utilizando-se da metodologia analítica teórica. Sob essa ótica, apesar da colisão entre alguns preceitos constitucionais e dispositivos processuais penais (com ênfase na investigação preliminar penal), com eventual inconstitucionalidade destes, concluiu-se que, atualmente, no caso concreto, há uma gradual mudança com precedência dos valores constitucionais sobre os demais, garantindo, com isso, uma melhor observância dos ditames da Carta Magna em relação aos destinatários dos direitos.

Palavras-chave: Garantias constitucionais, Sistema processual penal, Investigação preliminar, Inquérito policial.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988 (BRASIL, 1988), traz em seu bojo um grande número de dispositivos que conferiram, em todas as esferas jurídicas, inclusive na processual penal, garantias e direitos que não foram concebidos em Constituições anteriores. Especialmente em seu artigo 5º (BRASIL, 1988) estão elencados diversos instrumentos utilizados no processo penal brasileiro, instrumentos estes que são considerados garantidores. Apesar de a CRFB (BRASIL, 1988) prever um sistema processual penal acusatório, o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) brasileiro (CPP), de forma distinta, contém inúmeros traços de um sistema inquisitório, com eventual afastamento das garantias constitucionais. Nesse sentido, visa-se responder a seguinte pergunta: em que medida os dispositivos do processo penal brasileiro, em especial na investigação preliminar, se tornam possivelmente inconstitucionais à luz das garantias elencadas na CRFB (BRASIL, 1988)?

A motivação para a presente pesquisa encontra escopo no fato de que, como mencionado anteriormente, os sistemas processuais penais previstos na CRFB (BRASIL, 1988) – acusatório – e no CPP (BRASIL, 1941) – traços de inquisitório – são distintos resultando, muitas vezes, em mitigação das garantias constitucionais do acusado na investigação preliminar. Com isso, é importante se atentar mais a fundo sobre a necessidade dessas garantias também na fase pré-processual e não só na fase processual. Conclui-se, a partir disso, que tal estudo favorece a área teórica, podendo funcionar como auxílio inicial tanto àqueles que desejam se aprofundar no tema, visto que compila informações de diversos autores, quanto àqueles que somente desejam obter informações pontuais e específicas sobre o assunto.

Como objetivo geral, busca-se analisar o sistema de investigação preliminar brasileiro à luz das garantias constitucionais. Dentre os objetivos específicos estão: conceituação dos sistemas processuais penais existentes; análise do sistema processual penal previsto na CRFB (BRASIL, 1988); conceituação dos tipos de investigação preliminar; análise da estrutura procedimental do inquérito policial; e análise da necessidade das garantias constitucionais na investigação preliminar. O trabalho em questão se dará através da metodologia analítica teórica, sendo realizada a pesquisa bibliográfica com base em livros, artigos, periódicos, além de outros materiais já publicados com ênfase, no que tange a referencial teórico, nos autores Geraldo Prado, Aury Lopes Jr. e Fauzi Hassan Choukr.

A introdução aqui descrita aborda superficialmente as questões que serão tratadas ao longo da pesquisa, explicitando pontos específicos que possibilitam a compreensão geral do trabalho. O primeiro capítulo trata, de forma inicial, dos conceitos presentes na bibliografia atinentes à CRFB (BRASIL, 1988) e ao sistema processual penal nela previsto, com análise adicional da secularização da CRFB (BRASIL, 1988), tendo a cidadania como paradigma máximo, sendo a apresentação da constitucionalização democrática brasileira abordada de forma incidental, além de mencionar outros tipos de sistemas processuais penais existentes. Traz também a análise dos princípios constitucionais do processo penal brasileiro, também conhecida como estrutura principiológica assecuratória.

No contexto destas garantias, faz-se necessária sua aplicação no instituto da investigação preliminar e, portanto, o exame de suas vertentes à luz das ditas garantias. Nesse sentido, insere-se o segundo capítulo, que aborda o sistema de investigação preliminar penal brasileiro de forma aprofundada, analisando seu conceito e os tipos de investigações preliminares existentes atualmente, tanto penais quanto civis. Destaca-se, contudo, que a despeito da importância da investigação preliminar defensiva, esta não será objeto de aprofundamento no trabalho, sendo mencionada de forma incidental. Analisar-se-á também o conceito do inquérito policial, assim como a estrutura procedimental deste.

A fim de considerar a aplicação principiológica na prática, mostra-se de importante valor o estudo de alguns pontos específicos da investigação aqui tratada. A partir disso, o terceiro capítulo traz a junção das garantias constitucionais e da investigação preliminar, analisando a necessidade e a presença daquelas na investigação; explicita, ainda, a situação das pessoas investigadas no que tange aos direitos e garantias anteriormente citados, além de mencionar a ofensa, por parte da mídia, aos princípios que permeiam o indiciamento.

2. A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O SISTEMA PROCESSUAL PENAL NELA INSERIDO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), em seu preâmbulo, institui um Estado Democrático onde devem ser assegurados os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias. Tais valores supremos são: o exercício dos direitos sociais e individuais; a liberdade; a segurança; o bem-estar; o desenvolvimento; a igualdade; e a justiça (LENZA, 2017).

Tendo, ainda, a Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988) apresentado a maior legitimidade popular dentre todas as Constituições anteriores com características como: a República como forma de governo; sistema de governo presidencialista; a Federação como forma de Estado; instituição de Brasília como capital federal; inexistência de religião oficial; organização dos poderes, dividindo-se em Legislativo, Executivo e Judiciário; constituição mais rígida, sendo mais difícil a sua alteração; e a declaração de direitos, em especial a defesa dos direitos e garantias individuais e coletivos que estão descritos no texto constitucional (LENZA, 2017).

Nesse cenário, inserem-se então os sistemas processuais penais, em especial o acusatório, e os princípios constitucionais relativos ao processo penal, sendo estes princípios verdadeiras garantias conferidas ao acusado pela Carta Constitucional (BRASIL, 1988). Cumpre mencionar, de forma inicial, que o juiz e o Poder Judiciário como um todo têm como função primordial atuar como garantidor dos direitos (garantias) anteriormente mencionados (LOPES JR., 2019).

A Lei Maior (BRASIL, 1988) prevê, de forma implícita, um sistema processual penal acusatório fundado em princípios como o contraditório, a ampla defesa, a imparcialidade do juiz e outras regras atinentes ao devido processo legal (LOPES JR., 2019). Afirma-se acerca da previsão de tal sistema pois a Constituição aduz, por exemplo, que incumbe ao Ministério Público (MP) a função de acusar, estando dissociadas as funções de julgar (juiz) e acusar (MP); e define em seu artigo 5º (BRASIL, 1988) as regras do devido processo legal (LOPES JR., 2019).  Entende-se, com isso, que tal sistema possui um viés mais garantidor ao processo, conferindo ao acusado maior confiança de que terá seus direitos constitucionais observados durante todas as fases e durante a prática de todos os atos.

No sistema acusatório, o juiz é praticamente um espectador, não atuando de forma tão incisiva como ocorre no sistema inquisitório, explicado posteriormente. A função do magistrado é somente a de julgar, não podendo ter iniciativa quanto a obtenção de provas em nenhuma parte do processo, garantindo-se, assim, a imparcialidade do julgador (LOPES JR., 2019). Neste sistema, a característica mais marcante é a divisão dos poderes exercidos pelos sujeitos processuais: ao acusador, o exercício do poder de requerimento; ao imputado e sua defesa, o poder de resistir à imputação; e ao julgador, o poder de decisão (SOUZA, 2005). Além das já mencionadas, o sistema acusatório caracteriza-se por tratamento igualitário das partes, havendo posição de igualdade entre acusado e acusador; procedimento oral, em regra; publicidade de todo o procedimento; ausência de tarifa probatória; possibilidade de impugnação da decisão e duplo grau de jurisdição (LOPES JR., 2019); a sentença transita em julgado; e, em relação às medidas cautelares, a prisão é a exceção. A partir do século XIII, este sistema entra em declínio dando espaço para o sistema inquisitório (SILVA, 2003).

O sistema inquisitório, por sua vez, surgiu como modelo de solução às deficiências do sistema acusatório privado que vigorava nas sociedades rudimentares (SOUZA, 2005). Neste sistema as funções de julgar e acusar concentram-se nas mãos do juiz e as garantias (presentes na forma acusatória) não são plenamente observadas, ou seja, basicamente inexistem os limites anteriormente mencionados. O magistrado ganha um papel de “senhor soberano” do processo e, com isso, a prova é obtida e julgada pelo mesmo indivíduo, não havendo imparcialidade (LOPES JR., 2019). Esta forma de sistema tem como características principais, além das já mencionadas, a possibilidade de o juiz atuar de ofício, violando o princípio ne procedat iudex ex officio (o processo deve começar por iniciativa da parte); a inexistência de contraditório pleno; a sentença não transita em julgado; e a prisão é regra, para manter o acusado a disposição do juiz (CANI, 2014).

Por fim, menciona-se o sistema processual misto, acusatório misto ou formal, conceito este importado da Europa continental que, no entanto, não é pertinente para o Brasil, mesmo que existam formas inquisitoriais presentes no processo penal brasileiro, visto que não possui afeição com o ordenamento jurídico pátrio devido ao fato de que a Constituição (BRASIL, 1988) aderiu ao modelo acusatório (PRADO, 2005). Esse sistema divide o processo na fase pré-processual, de caráter inquisitório e fase processual, de caráter acusatório, sendo esta definição muito utilizada para caracterizar o sistema penal brasileiro (LOPES JR., 2019). Todavia, apesar da inexistência de sistemas puros atualmente, não há como existir um sistema misto como o previsto no conceito citado. Isso ocorre pois os sistemas processuais penais se baseiam em princípios centrais, quais sejam, princípio dispositivo (ou acusatório), no qual a gestão das provas está nas mãos das partes; e princípio inquisitivo, no qual a gestão das provas está nas mãos do julgador (LOPES JR., 2019).

Nesse âmbito, verifica-se a impossibilidade da existência de um sistema misto, visto que, com a junção dos princípios unificadores acima expostos, haverá a desconfiguração do sistema em questão e, além disso, não existe princípio unificador para o referido sistema. Assim, um sistema misto, na essência, é sempre puro, ou seja, inquisitório ou acusatório e a adjetivação é dada por conta dos elementos secundários, emprestados de um sistema ao outro (LOPES JR., 2019, p. 49 apud COUTINHO, 2001).

2.1 A SECULARIZAÇÃO E LAICIDADE DA CRFB

Apesar de terem aparência similar, a secularização e a laicidade não se confundem. Aquela possui um caráter sociocultural e encontra definição no declínio da religião com a consequente diminuição do poder da Igreja Católica sobre a sociedade, havendo a separação do Estado e da Igreja e as regras e valores do primeiro não mais se baseiam nos preceitos religiosos (RANQUETAT JR., 2008). Já a laicidade tem por base a exclusão da religião da esfera pública, ou seja, a imparcialidade religiosa do Estado tendo, por isso, um caráter sociopolítico (RANQUETAT JR., 2008).

De forma superficial, o Estado laico pode ser conceituado como “um instrumento jurídico-político para a gestão das liberdades e direitos do conjunto de cidadãos” (ZYLBERSZTAJN, 2012 apud BLANCARTE, 2008). Entende-se que não cabe ao Estado laico determinar regras de caráter religioso a serem seguidas por seus cidadãos, devendo ser garantido às pessoas o direito de livre crença e, a partir disso, sua proteção contra possíveis discriminações (ZYLBERSZTAJN, 2012 apud BLANCARTE, 2008). Como consequências destas ações estão a liberdade religiosa, o pluralismo e a tolerância (RANQUETAT JR., 2008).

O princípio da laicidade é o que encontra certo embasamento na Magna Carta (BRASIL, 1988) e, apesar de não estar previsto em seu texto que o Brasil é um país laico, alguns princípios expressos reafirmam essa constatação, como os atinentes à democracia, à igualdade e à liberdade, sendo neste último incluída a liberdade religiosa (ZYLBERSZTAJN, 2012 apud BLANCARTE, 2008). Nesse contexto, encontra-se o artigo 19, inciso I, da CRFB (BRASIL, 1988), sendo este uma regra que proíbe o estabelecimento, subvenção, embaraço ao funcionamento ou manutenção de relações de dependência ou aliança com representantes de religiões, exceto disposições em contrário na lei visando o interesse público (ZYLBERSZTAJN, 2012 apud BLANCARTE, 2008).

Regras são formuladas para serem aplicadas sempre que presente uma situação específica, sendo consideradas mais rígidas; já os princípios possuem caráter mais geral e flexível, sendo aplicáveis a mais situações. Os princípios presentes na Magna Carta (BRASIL, 1988) são considerados verdadeiros direitos fundamentais, no entanto, não são absolutos e, por isso, sua aplicação deve ser analisada de acordo com o caso concreto podendo haver colisão entre eles e, nestes casos, mitigação de um em relação a outro. Assim, apesar de o artigo 19, inciso I anteriormente mencionado guardar relação com laicidade não é considerado um princípio e sim, uma regra constitucional, visto que não necessita de um prévio juízo de valor entre outros possíveis princípios conflitantes, sendo apenas uma determinação de separação entre Estado e Igreja e devendo ser aplicado sempre que presentes as hipóteses estabelecidas na norma (ZYLBERSZTAJN, 2012 apud BLANCARTE, 2008).

2.2 A ESTRUTURA PRINCIPIOLÓGICA ASSECURATÓRIA DA CRFB

2.2.1 JURISDICIONALIDADE

De acordo com este princípio não há culpa sem julgamento, não há pena sem processo. Encontra escopo em vários incisos do artigo 5º da CRFB, como LIII, LIV, LV, LVII (BRASIL, 1988). O acesso à jurisdição é premissa material e lógica para a efetividade dos direitos fundamentais e a garantia desta jurisdição se traduz na exigência de se ter um juiz imparcial, natural e comprometido com o respeito e a eficácia da Carta Magna [BRASIL, 1988] (LOPES JR., 2019). A garantia da jurisdição – nulla culpa sine iudicio – possui, ainda, dois sentidos, quais sejam: sentido estrito, no qual o juízo é uma exigência do conjunto de garantias penais materiais; e sentido lato, que está relacionado ao conjunto de garantias processuais penais (ALMEIDA, 2010 apud FERRAJOLI, 2006).

Conclui-se, então, que todo cidadão tem direito de saber previamente a autoridade que irá processá-lo e qual juízo irá julgá-lo (juiz natural); todo cidadão tem direito de ser julgado em um prazo razoável (razoável duração do processo), evitando-se a demora excessiva sem, contudo, admitir-se a mitigação das garantias fundamentais em nome da pressa de punir; e, por fim, a garantia da imparcialidade do juiz, sendo todos estes pressupostos da existência do princípio da jurisdicionalidade (LOPES JR., 2019).

2.2.2 PRINCÍPIO ACUSATÓRIO

A Constituição brasileira (BRASIL, 1988) não dispõe expressamente a utilização do sistema acusatório, todavia todas as elementares do princípio acusatório (fundante do sistema) são adotadas pela nossa Carta Política de 1988, quais sejam: privatividade ao MP para o exercício da ação penal pública (artigo 129, I, da CRFB); devido processo legal (artigo 5º, LIV, da CRFB); ampla defesa e contraditório (artigo 5º, LV, da CRFB); julgamento por um juiz competente e imparcial (HAMILTON, 2001-2002 apud PRADO, 1999); presunção de inocência [artigo 5º, LVII, da CRFB]; e exigência de publicidade e fundamentação das decisões judiciais [artigo 93, IX, da CRFB] (BRASIL, 1988). A partir disso, percebe-se também que a mudança do sistema inquisitório para o sistema acusatório tem como base principal uma mudança do sistema político autoritário para o sistema político democrático, sendo este último parte do projeto democrático imposto pela Constituição [BRASIL, 1988] (LOPES JR., 2019).

Conclui-se, a partir disso, que o modelo constitucional é acusatório devendo, por exemplo, a gestão das provas estar a cargo das partes, sendo o CPP (BRASIL, 1941), por outro lado, inquisitório (em parte de seu texto), no qual a gestão das provas fica cargo do juiz (LOPES JR., 2019). Ressalva-se, nesta seara, a reforma processual penal de 2008, dada pela Lei nº 11.690 (BRASIL, 2008), na qual houve a modificação do artigo 212 do CPP (BRASIL, 1941), alterando-se a forma de inquirição de testemunhas com a consequente constitucionalização do artigo e o afastamento parcial da gestão da prova pelo juiz, ocorrendo, contudo, uma certa manutenção da inquisitoriedade, já que a função de controle e fiscalização não foi retirada do magistrado (VIEIRA, 2009), com isso, atualmente, o CPP (BRASIL, 1941) respeita em parte a prova a cargo das partes. Assim, os dispositivos de natureza inquisitória do CPP (BRASIL, 1941) são considerados substancialmente inconstitucionais (LOPES JR., 2019).

2.2.3 PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA

Consagrada inicialmente no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (BRANCO, 2014) que diz “todo acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda de sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei” (BRASIL, 2016). Na Lei Maior, está presente no artigo 5º, LVII (BRASIL, 1988), sendo o princípio reitor do processo penal e através de sua eficácia podendo-se verificar a qualidade do sistema processual (LOPES JR., 2019).

Levando-se em conta os dispositivos acima mencionados, pode-se chegar a três aspectos principais que decorrem do referido princípio: é o princípio fundante do processo penal; impõe um dever de tratamento para com o acusado, já que o réu deve ser tratado como inocente, diminuindo, na medida do possível, medidas que restrinjam seus direitos; e sua incidência impõe a absolvição do imputado caso a culpabilidade não reste suficientemente demonstrada (LOPES JR., 2019 apud TORRES, 2002).

Cumpre mencionar ainda que o dever de tratamento, que decorre do princípio da inocência, se divide em duas dimensões, além de se inserir no contexto protetivo do estado de dignidade e liberdade das pessoas. Na dimensão interna ao processo estão as regras de tratamento e regras de julgamento (essas direcionadas ao juiz) e, para que estas sejam substanciais, o estado de tratamento deve ser sempre mantido, somente admitindo-se a sua violação em hipóteses excepcionais. Já na dimensão externa está a exigência de uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do réu na sociedade antes mesmo da efetiva condenação (LOPES JR., 2019), sendo que estes exemplos também estão inseridos no contexto protetivo acima citado, já que tratam da dignidade e liberdade dos indivíduos, servindo como limites democráticos à exploração midiática abusiva no que tange ao processo criminal.

2.2.4 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

Sendo este o mais importante princípio do sistema acusatório, presente no artigo 5º, LV, da CRFB (BRASIL, 1988), podendo ser nomeado também de “princípio da bilateralidade da audiência”, conceitua-se como a possibilidade de as partes atuarem de forma a realizar o convencimento do juiz, de forma igualitária, além de existir a necessidade de cientificação da parte contrária dos atos praticados por uma das partes (BECHARA; CAMPOS, 2005).

Dentro do contraditório há ainda uma íntima relação com o princípio do audiatur et altera pars (de forma literal: a outra parte também deve ser ouvida), no qual a descrição do delito cometido deve ser feita por meio de alegações tanto da acusação (vítima), quanto do acusado (LOPES JR., 2019). Além disso, em seu conteúdo, este princípio versa sobre o direito à informação e o direito à participação e, quanto ao momento de sua observância, pode ser prévio, real ou simultâneo, diferido ou prorrogado (BECHARA; CAMPOS, 2005).

Já a ampla defesa pode ser entendida, inicialmente, como o direito do acusado de utilizar dos meios necessários para defender-se das acusações a ele imputadas. Seu conteúdo abarca o direito à autodefesa, considerada renunciável para acusado (mas não para o juiz), que se divide em defesa pessoal positiva e negativa; e o direito à defesa técnica, sendo a defesa exercida por advogado ou defensor e considerada indisponível (LOPES JR., 2019).

Na defesa pessoal positiva o acusado pratica atos objetivando resistir ao poder de investigar do Estado; expressa os motivos e justificativas ou nega a autoria e materialidade do fato que lhe é imputado. Já na defesa pessoal negativa (Nemo Tenetur se Detegere) o acusado escolhe se manter omisso, não realizando nenhum ato ou dando declarações quanto aos fatos ocorridos e, assim, não fornecendo provas contra si mesmo. Nesse contexto, insere-se o direito ao silêncio, garantia insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o acusado não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico caso opte por se manter em silêncio e não com alguma atividade probatória da acusação (LOPES JR., 2019).

2.2.5 MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Presente no artigo 93, IX, da CRFB (BRASIL, 1988), na motivação o juiz deve explanar os motivos e razões que o levaram ao seu convencimento. Tal princípio é utilizado de forma a controlar a eficácia do contraditório e de garantir que existem provas suficientes para afastar a presunção de inocência, além disso, esta garantia constitucional legitima o poder contido na decisão proferida por meio da observância das regras do devido processo legal (LOPES JR., 2019). Serve também como instrumento de realização de garantias processuais como, além das já mencionadas, ampla defesa; poder de ação; coisa julgada; duplo grau de jurisdição; imparcialidade do julgador; além de impedir a inércia jurisdicional (LUCCA, 2019).

A fundamentação deve estar presente durante todo o processo, seja na sentença, seja nas decisões interlocutórias tomadas no curso do procedimento, principalmente as que implicam restrições de direitos e garantias fundamentais (LOPES JR., 2019). Extrai-se, com isso, que a motivação das decisões, sendo um verdadeiro controle de racionalidade, legitima as decisões proferidas (como dito anteriormente), visto que só pode ser imposta uma pena a quem (racionalmente) pode ser considerado autor do fato criminoso em questão (LOPES JR., 2019).

2.2.6 DEVIDO PROCESSO LEGAL DEMOCRÁTICO

Presente no artigo 5º, inciso LIV da CRFB (BRASIL, 1988), tal princípio possui dimensão continental além de ter sido marcado, durante a história, em vários momentos, pelas discussões da vida, da propriedade e da liberdade contra as ingerências do Poder Público (ROSA, 2013). De acordo com ele, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e, nesta conjuntura, inserem-se também o exercício dos princípios do contraditório e ampla defesa, já discutidos anteriormente (LENZA, 2017).

Apesar de haver certa coerência na sua construção, não sendo totalmente desprovido de conteúdo democrático e nem sendo mera formalidade procedimental (ROSA, 2013), ele não assegura a liberdade como regra, podendo ser autoritário, sendo o princípio democrático em si o responsável por assegurar a liberdade como regra. Nesse sentido, o princípio democrático está presente no artigo 1º da CFRB (BRASIL, 1988) e versa, de modo geral, sobre uma democracia participativa e representativa ao mencionar que todo poder emana do povo, sendo então uma cláusula democrática, visando a influência da população nas ações estatais e sua atuação, mesmo que indireta, no funcionamento do governo (MACEDO, 2019).

Pode-se dividi-lo, ainda, em dois aspectos, quais sejam: material (ou substancial), do qual são extraídos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo ambos natureza constitucional (LENZA, 2017); e formal (ou processual), no qual o princípio será observado sempre que uma causa puder ser submetida ao Poder Judiciário, sendo o julgamento realizado de acordo com as regras compreendidas no ordenamento jurídico brasileiro (POZZA, 2006). No concernente aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, recorrem-se a estes para operacionalizar o devido processo legal substancial, pois devem ser sempre aperfeiçoados a fim de que sejam observados os direitos individuais da vida, da propriedade e da liberdade, não podendo estes princípios serem usados contra o sujeito (ROSA, 2013). Além disso, neles encontram-se os parâmetros de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (LENZA, 2017), que devem ser observados como requisitos para a aplicação do Direto e consequente prevalência dos direitos fundamentais individuais sobre juízos em favor da coletividade (LENZA, 2017).

3. O SISTEMA DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR PENAL BRASILEIRO

3.1 CONCEITO DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

A investigação preliminar brasileira é constituída pelo conjunto de atividades a cargo de órgãos do Estado, realizadas com o intuito de averiguar a autoria e materialidade de um delito para a eventual posterior propositura de ação penal ou para o seu arquivamento, tudo isso a partir de uma notícia crime ou atividade de ofício (LOPES JR., 2005), dependendo da natureza do delito.

Apesar de a questão não ser tão amplamente discutida, a investigação preliminar não é necessariamente penal, podendo ser realizada também no âmbito civil e administrativo e trazida no presente trabalho de forma incidental. O inquérito civil é um exemplo disso. Tendo sido criado pela Lei federal 7.347 de 24 de julho de 1985, que é a Lei da Ação Civil Pública (BRASIL, 1985), esse instituto guarda semelhanças com o procedimento penal, diferindo, contudo, em relação ao agente que realiza diretamente a investigação, já que no procedimento civil este papel cabe ao Ministério Público e seu objetivo principal é a colheita de evidências para a propositura de eventual ação civil pública (MAZZILLI, 1999). O instituto possui previsão explícita na Constituição, em seu artigo 129, inciso III (BRASIL, 1988) e, destaca-se, o MP é o único legitimado a instaurar o inquérito civil.

Outro importante exemplo é a auditoria forense, que se propõe a investigar, descobrir e revelar possíveis crimes e fraudes nas funções públicas e privadas, sendo desenvolvido com utilização de técnicas forenses de investigação, além de noções de contabilidade e conhecimento jurídico, com o objetivo de fornecer informações à justiça (FERNANDES, 2016). Este instituto pode ser dividido em auditoria forense preventiva e auditoria forense detetiva, sendo aquele responsável pelo desenvolvimento de medidas presentes objetivando evitar fraudes no futuro, como programas antifraude e regimes de alerta precoce de irregularidades, e este responsável pela identificação da fraude já concretizada, sendo uma abordagem reativa (FERNANDES, 2016).

De volta ao contexto penal, cumpre mencionar que existem duas correntes predominantes no que tange à natureza jurídica do instituto. Na primeira, a investigação preliminar é procedimento administrativo pré-processual, ou seja, como citado anteriormente, é um conjunto de atos prévio ao processo penal e diz ser administrativo por ser realizado pela Polícia “Judiciária” , órgão do Poder Executivo (LOPES JR., 2005). Já na segunda corrente é considerado procedimento judicial pré-processual, visto que é realizado por órgão vinculado ao Poder Judiciário, qual seja, o Ministério Público. Contudo, no Brasil, de maneira geral, a primeira corrente é a mais adotada, ficando a cargo das polícias civis e da polícia federal a realização das investigações e dos inquéritos policiais (IP), de acordo com o artigo 144, §1º, inciso IV e §4º, da CRFB (BRASIL, 1988).

Vale destacar também, como fundamento da existência do instituto aqui trabalhado, os pilares básicos da investigação preliminar, sendo eles: busca do fato oculto, salvaguarda da sociedade e evitar acusações infundadas (LOPES JR., 2005). Este último mostra-se de grande importância para o tema abordado no presente trabalho, visto que as acusações infundadas ferem as garantias constitucionais do acusado, em especial a presunção de inocência. Isso ocorre principalmente devido ao estigma e ao “pré-julgamento” realizado pela mídia e, consequentemente, pela sociedade, trazendo malefícios para o sujeito passivo mesmo que ele seja considerado inocente ao fim da investigação ou do processo penal em si.

No que tange ao objetivo de evitar acusações infundadas, insere-se a função de filtro processual, localizada na fase intermediária e servindo como junção entre a investigação preliminar e a ação penal (LOPES JR., 2005). Pode-se dizer que esta é uma função negativa, visto que busca negar a culpa de alguém que pode ser suspeito de praticar um delito, diferentemente do que ocorre nos pilares da busca pelo fato oculto e salvaguarda da sociedade, nos quais busca-se afirmar a autoria e materialidade de um crime (OLIVEIRA, 2019).

Outro ponto importante são os tipos de sistemas de investigação, sendo eles: juiz instrutor; promotor investigador e investigação policial. No sistema com juiz instrutor, este é o protagonista e realiza todos os atos, diligências e investigações que achar necessárias à posterior postulação da denúncia pelo MP e à sua decisão (do próprio juiz) pela admissão ou não desta denúncia (LOPES JR., 2005). Este sistema conta com a imparcialidade do juiz, imposta por lei, mesmo que ele seja o sujeito a impulsionar e dirigir todos os atos da investigação (LOPES JR., 2005), no entanto recebe inúmeras críticas, já que aglutina as figuras do acusador e do julgador, indo de encontro com o núcleo do sistema acusatório do processo penal, no qual essas figuras estão separadas (OLIVEIRA, 2019). No modelo promotor investigador, por sua vez, a investigação fica a cargo do MP, sendo a Polícia Judiciária subordinada a ele e, assim, realizando eventuais diligências e investigações que o promotor necessite para formar seu convencimento (OLIVEIRA, 2019).

No sistema da investigação policial, atualmente adotado no Brasil, todos os atos, diligências e investigações propriamente ditas ficam a cargo da Polícia Investigativa, sendo que esta, apesar de não ser subordinada ao Poder Judiciário, precisa obter autorizações dele para a realização de algumas diligências como, por exemplo, as que restrinjam direitos fundamentais (prisões cautelares, buscas domiciliares, intervenções corporais, etc.), além disso, também está obrigada a atender aos pedidos do MP (assim como os do Judiciário) para realizações de diligências e busca de provas (OLIVEIRA, 2019), mesmo que não haja uma subordinação funcional em relação aos promotores (LOPES JR., 2005). O presente modelo também recebe críticas, pois sua forma de realização e desenvolvimento não é suficientemente eficaz para o titular da ação penal, nem para a defesa e nem para o juiz, tendo, então, mais desvantagens do que vantagens (LOPES JR., 2005).

Por fim, é importante salientar, de forma incidental, a existência de tipos específicos da investigação preliminar penal, como por exemplo: investigação defensiva, que consiste no conjunto de diligências e técnicas de apuração da verdade, realizados pelo advogado com o objetivo de reunir provas para embasar as teses defensivas ou, no caso de investigação defensiva realizada pelas vítimas, sendo o objetivo angariar elementos que embasem a persecução penal, podendo essa espécie investigatória, em ambos os casos, colaborar com a investigação policial em curso, a critério do delegado (DIAS, 2018); inquérito policial, tratado posteriormente; termo circunstanciado, que realiza o papel do IP nos delitos de menor potencial ofensivo; e inquérito parlamentar, previsto no artigo 58, §3º, da CRFB [BRASIL, 1988] (sendo estes três tipos considerados legais); verificação preliminar de informação (VPI), que destina-se à averiguação de informações obtidas através de denúncias anônimas sem a instauração de procedimento formal, apenas no intuito de verificar a procedência e a possível existência de indícios de materialidade e/ou autoria e, consequentemente, a instauração do IP (GIACOBBO, 2009); e procedimento investigatório criminal (PIC), realizado pelo MP, possuindo natureza administrativa e inquisitorial e servindo de instrumento de coleta de dados e provas objetivando a possível deflagração da ação penal (HELENO; ALMEIRA, 2019). Sendo estes dois últimos considerados ilegais e inconstitucionais, formal e materialmente.  Em relação à VPI isso se dá, pois, a própria Carta Constitucional veda o anonimato na manifestação do pensamento em seu artigo 5º, inciso IV (BRASIL, 1988) e, com isso, a informação obtida de forma anônima não pode ser levada em conta, por ser considerada ilegal (GIACOBBO, 2009). Já em relação ao PIC, a inconstitucionalidade se deve ao fato de que a Carta Magna (BRASIL, 1988) não prevê expressamente a investigação criminal por parte do MP, somente permitindo sua atuação indireta e, por isso, parte da doutrina sustenta que o procedimento viola os princípios do Devido Processo Legal, da Legalidade e o Estado Democrático de Direito (CARVALHO, I.; CARVALHO J., 2018).

3.2 ESTRUTURA PROCEDIMENTAL DO INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial possui tal denominação a partir da investigação preliminar, de acordo com o CPP de 1941 (BRASIL, 1941), fazendo referência ao órgão que realiza o procedimento, qual seja, a polícia investigativa (LOPES JR., 2005). Apesar de ser realizada, majoritariamente, por esse órgão, o Ministério Público está legalmente autorizado a acompanhar de forma ativa a investigação realizada pela polícia, no entanto, não existe atualmente norma específica que garanta ao MP o direito de assumir a condução do IP (LOPES JR., 2005). Ele tem como finalidade a coleta de informações vinculadas à prática de um delito, não podendo ser direcionado, em observância a presunção de inocência e nele é registrado o conjunto de informações que explicitam os resultados obtidos na investigação, tais informações são apresentadas na forma de laudos e exames realizados por peritos; depoimentos transcritos por escrivães; despachos sobre prisão, escuta telefônica e mandados; dentre outros (VARGAS, 2011).

No concernente ao modelo em questão, este recebe críticas e encontra-se em crise visto que não atende bem a defesa, por ter um viés predominantemente inquisitivo; não atende bem aos juízes, pois o material fornecido pela investigação é de pouca qualidade e pouco confiável; e também não atende bem ao MP, pois os atrasos e demoras na prática dos atos e a falta de sincronia entre o órgão que investiga e o órgão que acusa prejudica a principal atividade do destinatário final, que é a acusação propriamente dita (LOPES JR., 2005).

Ao juiz, compete o papel de garantidor dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, atuando de forma ativa a fim de impedir possíveis violações aos direitos deste, sendo tal atuação legitimada constitucionalmente (LOPES JR., 2005). Sua ação deve ser limitada, não podendo o magistrado atuar como investigador; apenas realizando controle formal e de legalidade além de autorizar medidas que restrinjam direitos, ou seja, a intervenção do juiz é contingente e excepcional, não sendo absolutamente necessário nesta fase anterior ao processo (LOPES JR., 2005). Nesta esfera, conclui-se que a justificativa para a existência do juiz de garantias está no fato de que se ele exercer atividades, durante a investigação, que não sejam jurisdicionais, corre o risco de ser contaminado pelas provas que produzirá, prejudicando a imparcialidade que é imprescindível no sistema atual (CAVALCANTI, 2017). A dita imparcialidade insere-se na figura do juiz natural, prevista constitucionalmente, na qual é garantido ao acusado submeter-se a um juiz competente e imparcial, além de estar presente também no princípio do devido processo legal e pode ser expressa em duas vertentes: subjetiva, em que inexiste, no juiz, concepções pré formadas acerca do assunto em questão, estando as normas que regulam este aspecto na legislação infraconstitucional (impedimento e suspeição); e objetiva, na qual adotam-se garantias a fim de repelir eventuais dúvidas quanto a imparcialidade do julgador, sendo este regulado pelas normas de competência (CAVALCANTI, 2017).

Como objeto do IP está o fato descrito na notícia-crime ou adquirido através da investigação de ofício realizada pela polícia. Para sua instauração, é necessária a possibilidade de existência de um fato punível, não havendo a exigência de conhecimento da autoria, já para a proposição da ação penal, é preciso haver a probabilidade de um suspeito ser autor do fato punível, ou seja, exige-se um maior grau de conhecimento; além disso, possui duas limitações a seguir descritas; são elas: limitação qualitativa e limitação temporal (LOPES JR., 2005).

Na limitação qualitativa, há ainda uma divisão em plano horizontal e plano vertical. No primeiro, a limitação está em relação a busca e comprovação da autoria, coautoria ou participação do acusado (ou acusados), ou seja, na demonstração da probabilidade de existência do possível crime (LOPES JR., 2005). Já no segundo, apesar de estar presente também o grau de probabilidade, a limitação encontra seu objetivo nos elementos jurídicos do crime, quais sejam, fato típico, ilícito e culpável (LOPES JR., 2005). É nesse sentido que se encontra um dos problemas provenientes da investigação policial, pois esta acaba por ser estendida até que o delegado possa formar sua convicção sobre ato criminoso, contudo, tal formação de convicção deve ser realizada pelo MP a partir das informações angariadas pela polícia, ou seja, deve restar somente demonstrado o grau de probabilidade antes mencionado e não comprovado de fato o crime (LOPES JR., 2005).

A limitação temporal, por outro lado, se baseia em lei para estipular um limite de tempo para realização e conclusão do IP. De acordo com o artigo 10, caput, do CPP (BRASIL, 1941), a conclusão tem como limite o prazo de 10 dias, caso o suspeito esteja preso e 30 dias, caso esteja solto, mediante fiança ou sem ela. Contudo, tal limitação não é seguida à risca na prática pois, na maioria dos casos, o prazo para conclusão do IP não é respeitado (LOPES JR., 2005), existindo uma dilação desnecessária dos atos praticados. Sendo o titular da ação penal quem dará a última palavra sobre a conclusão ou não do feito, visto que é ele quem decidirá pela propositura da ação ou pelo arquivamento do IP, mesmo que decorridos os prazos previstos na legislação, pode não ser concluída a investigação, que será estendida até que o legitimado ativo efetue um juízo de valor e forme sua convicção (CHOUKR, 1995).

Vale destacar que existe, no Código Penal – CP (BRASIL, 1940), um controle “atípico” no que tange à limitação temporal, versando sobre hipóteses de prescrição retroativa (CHOUKR, 1995). Nestas situações, o controle é realizado ao final da ação, na sentença, na qual será verificada a existência de prescrição – artigo 109 do CP (BRASIL, 1940) – e, com isso, será determinado se a investigação ultrapassou o período em que deveria ocorrer e, como consequência, não pode ser utilizada (CHOUKR, 1995). Verifica-se que não existe, no modelo brasileiro, controle “típico” (CHOUKR, 1995), apesar da previsão do artigo 10 do CPP (BRASIL, 1941), pois o prazo versado na lei não é seguido de forma correta, como mencionado anteriormente.

No concernente ao seu desenvolvimento, o início do IP se dá por conta da notitia criminis quando algum indivíduo da sociedade relata o acontecimento de um suposto delito ou por meio de atividade de ofício dos órgãos de segurança pública. O ato formal que dá início ao procedimento é praticado pelo delegado que, por meio de uma portaria, determina a instauração do IP (LOPES JR., 2005). Contudo, tal início carece de informações aprofundadas, assim, não é possível realizar um controle real da existência ou não do delito que será apurado em sede criminal (CHOUKR, 1995). Em relação à forma como este procedimento é iniciado o artigo 5º do CPP (BRASIL, 1941), em seus incisos e alíneas, versa de maneira detalhada sobre a questão. O IP deve ser iniciado de ofício pela autoridade policial, quando o suposto delito ocorrer em território de sua competência e, em razão da matéria, seja seu dever averiguar; pode ser iniciado por requisição do MP ou outro órgão jurisdicional, quando algum destes tem notícia de prática de crime de ação penal pública; pode ser iniciado a requerimento do ofendido, nos casos de ação penal pública incondicionada, apesar de, nesta hipótese, não ser necessária a manifestação do sujeito ofendido para a instauração do IP; comunicação oral ou escrita de delito de ação penal pública, sendo este a própria notícia crime; iniciado por representação do ofendido nos delitos de ação penal pública condicionada, sendo a notícia crime, nesta situação, qualificada, por ser necessária especial qualidade do sujeito que a realiza (vítima); e iniciado a requerimento do ofendido nos delitos de ação penal privada, quando somente o ofendido tem a titularidade da pretensão acusatória (LOPES JR., 2005).

De forma sistemática, na representação encontram-se: sujeito, objeto e os atos em si (LOPES JR., 2005). O sujeito é a própria vítima, seu representante legal ou procurador com poderes especiais, sendo que, no caso de menores de idade, o prazo decadencial de 6 meses para a representação somente começa a fluir quando o representante tomar ciência do delito ou, caso o representante não tenha ciência, quando o menor atinge a maioridade; no tópico objeto estão o fato noticiado e a autorização para o Estado proceder contra o suposto autor [não sendo imprescindível a indicação deste] (LOPES JR., 2005).

Por fim, a representação, assim como o IP, deve respeitar requisitos de ordem formal, quais sejam: lugar, tempo e forma; contudo, houve uma flexibilização do requisito de forma por parte da jurisprudência e, com isso, a simples notícia crime já é suficiente para ser configurado o requisito legal (LOPES JR., 2019). Por outro lado, o requisito de tempo, que versa sobre o prazo para oferecimento da representação, continua rígido, sendo decadencial de 6 meses e não sendo interrompido pela abertura do IP (LOPES JR., 2019).

Após a instauração do procedimento fica a cargo da polícia investigativa a prática de diversos atos dispostos nos artigos 6º e seguintes do CPP (BRASIL, 1941), atos estes que tem como objetivo formar o convencimento do acusador (LOPES JR., 2005). Quando da prática das diligências previstas no artigo 6º, devem ser observadas as regras processuais de apreensão de coisas e as regras constitucionais como inviolabilidade do domicílio e direito ao silêncio do investigado, por exemplo, visto que as ações previstas nos incisos guardam íntima ligação com direitos e garantias constitucionais.

Esgotado o prazo previsto no artigo 10 do CPP [10 dias para indiciado preso e 30 para indiciado solto] (BRASIL, 1941) ou se concluídas as investigações, o IP será encerrado. Através de um relatório, feito pelo delegado, o procedimento é finalizado e nele constam a conclusão das diligências, atos e investigações realizadas juntamente com provas físicas e objetos a serem utilizados durante a ação penal e julgamento; o relatório é encaminhado à distribuição e, já nas mãos do juiz, é remetido ao MP que poderá oferecer a denúncia, requerer o arquivamento, solicitar novas diligências e também realizá-las (LOPES JR., 2005).

Caso o promotor opte por requerer o arquivamento, deverá fazê-lo através de petição fundamentada, incluindo todos os fatos e investigados. Se deixar de incluir algum indiciado ou fato, sem fundamentação para tanto, ocorrerá a omissão que constitui o arquivamento implícito ou tácito e se o juiz também for inerte quanto a estes pontos, o arquivamento restará consolidado (LOPES JR., 2019). Tal teoria, no entanto, além de não possuir previsão legal, ainda não está pacificada, não sendo acolhida pelo STF (LOPES JR., 2019). Frisa-se que o arquivamento até aqui descrito diz respeito ao procedimento vigente atualmente, a despeito da alteração dada ao artigo 28 do CPP, pela Lei 13.964/2019 (BRASIL, 2019). Tal artigo, juntamente com outros, encontra-se suspenso por decisão liminar do Ministro Luiz Fux, na ADI 6305.

Apenas a título elucidativo, será a seguir tratada a sistemática trazida pela nova redação do artigo 28 do CPP (BRASIL, 1941). Nesta, o arquivamento passa a ser determinado pelo órgão do MP e não mais requerido ao juiz, além de haver mudança da expressão “quaisquer peças de informação” para “elementos informativos da mesma natureza”, ou seja, na nova expressão os elementos informativos devem integrar uma investigação para que possam ter a mesma natureza do IP, enquanto na expressão da antiga redação não havia necessidade dessa igualdade (GARCIA, 2020). Após a ordenação, é dever do MP submeter o arquivamento à revisão ministerial para fins de homologação e realizar comunicações direcionadas à vítima (para, no prazo de 30 dias, submeter a matéria à revisão, não sendo, no entanto, requisito indispensável a reapreciação da matéria), ao investigado e à autoridade policial (GARCIA, 2020).

De volta à sistemática vigente, ressalta-se a súmula 524 do STF (BRASIL 1969), segundo a qual na ocorrência do arquivamento, não caberá aditamento ou nova denúncia, a não ser que se tenha conhecimento de novas provas, tornando a matéria em questão de grande relevância (LOPES JR., 2019). Menciona-se ainda que, uma vez iniciado, o IP não pode ser arquivado pela autoridade policial, ou seja, o arquivamento só ocorrerá por decisão do juiz a pedido do MP (LOPES JR., 2019).

Nas hipóteses de ação penal privada, com a finalização do inquérito, este será também enviado ao juízo competente onde ficará à disposição do ofendido para que decida se exercerá seu direito de oferecer denúncia, do qual não está obrigado (LOPES JR., 2005). Nesse contexto, o MP também poderá avaliar o IP com o objetivo de verificar a existência de algum delito de ação penal pública e, consequentemente, requerer a produção de diligências/atos investigatórios (o que pode ser feito diretamente à autoridade policial) e exercer a acusação [destaca-se: somente se houver delito de ação penal pública] (LOPES JR., 2005).

No contexto da estrutura do IP, inserem-se os tópicos de lugar, tempo e forma. No que tange ao lugar, com base no artigo 4º do CPP (BRASIL, 1941), as atividades da polícia judiciária serão exercidas no território de suas respectivas circunscrições, com isso, os critérios que definem a competência da realização do IP são em razão da matéria ou pelo critério territorial (LOPES JR., 2005). Sendo a polícia investigativa composta pela polícia federal e polícia civil, a competência em razão da matéria divide-se entre estas. À polícia federal incumbe exercer funções e apurar infrações, com previsão no artigo 144, §1º, da CRFB (BRASIL, 1988) e, de forma residual, cabe a polícia civil apurar infrações penais que não estejam na esfera de competência da PF e que não sejam crimes militares (LOPES JR., 2005). A competência territorial, por sua vez, é relativa e os atos podem ser praticados tanto nas dependências policiais quanto em locais distintos, de acordo com as peculiaridades da investigação preliminar (LOPES JR., 2005).

Já quanto ao tempo, este divide-se em dias hábeis para a realização dos atos e duração do ato ou da fase procedimental, sendo que aquele não tem previsão no sistema brasileiro, ou seja, não há limitação de dias e horas para a realização dos atos, existindo somente a determinação de que devem ser realizados, conforme for possível, em dias úteis, de acordo com o artigo 172 do Código de Processo Civil – CPC, utilizado de forma subsidiária [BRASIL, 2015] (LOPES JR., 2005). Contudo, nos casos onde existe limitação dos direitos e garantias fundamentais, essa limitação de tempo está presente.

Por fim, em relação à forma, o IP não é obrigatório para que o MP possa exercer sua acusação, sendo obrigatório, no entanto, para a polícia investigativa e, de acordo com o artigo 9º do CPP (BRASIL, 1941), ele deve ser escrito, tendo todos os seus atos documentados (LOPES JR., 2005). Além disso, deve ser sigiloso, podendo tal sigilo ser decretado também no plano interno, ou seja, o sujeito passivo fica impedido de presenciar certos atos (tal sigilo, porém, não alcança seu defensor, podendo este ter acesso a todos os atos já documentados no inquérito e que já estejam finalizados) (LOPES JR., 2005).

4. APLICAÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E AS FASES DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

4.1 SITUAÇÃO DAS PESSOAS INVESTIGADAS QUANTO AOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NA INVESTIGAÇÃO

Como já apresentado anteriormente, a Constituição brasileira versa sobre inúmeras garantias entendidas como basilares para a estruturação de um devido processo legal (CHOUKR, 1995), no qual os direitos do indivíduo devem ser plenamente observados, caracterizando um Estado democrático. Nesse âmbito, a tendência na democracia é de que o procedimento em questão (investigação) se torne cada vez mais permeável à valores e conquistas processuais que eram somente inseridos na fase jurisdicional, como por exemplo: motivação nas decisões; existência de um juiz específico para tomada de decisões relacionadas a temas jurisdicionais na investigação; questionamento da existência de contraditório; dentre outras (CHOUKR, 1995).

No Brasil, os Direitos Humanos, tidos como básicos da pessoa e nos quais se inserem também as garantias discriminadas até o momento, sofrem certa desvinculação em relação à polícia investigativa em sua tarefa de apuração de delitos, não sendo a polícia considerada garantidora dos ditos direitos e do Estado Democrático de Direito em si. No entanto, a instituição está a serviço da sociedade e é legitimamente vinculada à tutela dos direitos e garantias constitucionais e à ordem jurídica (MENDES, 2010).

Além das garantias tratadas ao longo desta pesquisa, é importante mencionar também as garantias em espécie que permeiam, na prática, a investigação. De forma a encerrar anterior controvérsia jurisprudencial e doutrinária, o texto constitucional de 1988 tratou da identificação criminal, na qual o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei; tratou também dos direitos do preso, versando que este será informado de seus direitos, terá assegurada a assistência familiar e de advogado ou defensor e terá direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório; no que tange à prisão em flagrante, esta deverá ser excepcional além de ser necessária a imediata comunicação à autoridade competente judiciária e à familiares/terceiros da prisão e do local onde o preso se encontra; e, por fim, as buscas domiciliares e interceptações telefônicas passam a ser dependentes de ordem judicial (CHOUKR, 1995).

Com o objetivo de retomar certos aspectos dos postulados mencionados no capítulo anterior, tem-se que os institutos do contraditório e ampla defesa na fase investigatória, à luz do Estado Democrático de Direito, apesar de não serem plenos como na fase judicial, existem e podem ser exercidos, ainda que de forma mitigada e imperfeita (XAVIER, 2019), ou seja, a visão de que inexiste contraditório e ampla defesa no IP é ultrapassada. Além disso, destaca-se que o IP não é unidirecional, não sendo destinado somente a prover indícios para a acusação, já que também é destinado à defesa, servindo como verdadeira garantia ao investigado uma vez que em um sistema acusatório sua finalidade é buscar a verdade dos fatos a fim de evitar processos penais imprudentes que atinjam os direitos fundamentais das pessoas (XAVIER, 2019). Neste âmbito, enfatiza-se então que o IP pode ser considerado ferramenta de proteção de direitos fundamentais e de produção de elementos informativos e probatórios, levado a cabo pela polícia investigativa, devendo se ater ao prazo razoável de duração e com incidência mitigada dos princípios do contraditório e ampla defesa, além de possuir a missão preservadora, com o resguardo da liberdade do investigado e evitando-se custos desnecessários ao Estado (CASTRO, 2015).

Ainda neste contexto, tem-se que, além de figurarem como garantias do indivíduo, os atos praticados no procedimento tratam-se também de incidentes investigatórios. A elevação dessas medidas como incidentes se deve ao fato de que mesmo que ocorra certo sacrifício dos direitos individuais durante a atividade persecutória, alguns destes direitos devem ter uma proteção maior (constitucionalmente falando), a fim de diminuir o possível constrangimento sofrido pelo seu detentor (CHOUKR, 1995). Com isso, surge a jurisdicionalização destes incidentes que acabam por exigir mandados judiciais para serem executados, como já mencionado em momento anterior. A prisão em flagrante, por exemplo, ganhou novas garantias com o intuito de se repudiar as práticas ditatoriais de um antigo Estado autoritário (no qual havia desaparecimento de presos e confinamento em locais desconhecidos, com a prática de tortura), determinando a identificação do agente estatal que efetuar a prisão, delegando-lhe responsabilidades e possibilitando a persecução penal por eventuais crimes de responsabilidade (CHOUKR, 1995).

O sigilo do IP, previsto no artigo 20 do CPP (BRASIL, 1941), também sofreu mudanças que favoreceram o investigado, no sentido de que no Estado democrático vigente não há espaço para tal “investigação secreta”, devendo o indivíduo ser alertado sobre o procedimento em andamento, em virtude do sistema acusatório e do quadro garantidor constitucional (CHOUKR, 1995). Ainda, o sigilo mencionado no artigo deve estar vinculado ao indevido vazamento de informações e ao risco de exposição das pessoas envolvidas e não estar relacionado à supressão de garantias individuais do investigado (OLIVEIRA, 2009). O artigo 5º, inciso LX, da CRFB (BRASIL, 1988), apesar de tratar de processos em sentido estrito, pode servir como base para a dita mudança, possibilitando a publicidade como regra e o sigilo somente em situações excepcionais, com adicional observância ao princípio constitucional da intimidade (CHOUKR, 1995).

Apesar de ambas serem valores constitucionais, existe certo confronto entre a informação e a intimidade na investigação. Isso se deve à realidade de que a mídia age de forma a invadir o direito à intimidade do investigado, por ela tratado como “indiciado”, em nome da informação, no entanto, esse desejo de expor a “informação” mostra-se um verdadeiro desrespeito à figura humana, visto que a imprensa faz um pré-julgamento que gera uma indevida influência na atividade persecutória tendo, como uma de suas consequências, o aumento da desconfiança na Justiça criminal quando o indivíduo não é condenado (CHOUKR, 1995).

Destaca-se que não se pode referir-se aos sujeitos na investigação preliminar como partes, pois não se trata de um processo penal em sentido estrito; não existe uma pretensão nem a resistência existente no processo, somente a atividade preparatória de uma pretensão acusatória; não há o exercício de jurisdição em sentido estrito; no sistema de instrução preliminar judicial a atuação do juiz é investigatória, nos demais modelos a posição do juiz é assegurar a observância de certas garantias, sendo sua atuação contingente; não existe sentença; vige um sistema, em sua maior parte, inquisitivo, com predominância de forma não pública e escrita; e, por fim, o valor probatório dos atos é limitado (LOPES JR., 2005).

No que tange à situação jurídica dos investigados, a designação destes durante a instrução preliminar e durante o processo em sentido estrito possui certa importância, visto que reflete sua situação jurídico-processual e, consequentemente, o grau de diminuição do status libertatis (LOPES JR., 2005). Existem, no processo penal brasileiro, três principais momentos que atribuem ao indivíduo diferentes cargas e direitos denominando-o indiciado, quando já formalmente submetido ao inquérito policial; acusado ou réu (denunciado ou querelado), vigorando no polo passivo do processo penal, sendo assim considerado a partir da admissão da ação penal; e condenado, situação na qual já existe condenação transitada em julgado (LOPES JR., 2005). Além destas denominações há também a figura do suspeito, sujeito no qual recai uma imputação extrajudicial e que ainda não foi formalmente indiciado, estando a suspeita baseada somente em um juízo de possibilidade e não de probabilidade, como no indiciamento (LOPES JR., 2005). Como exemplos de suspeito estão o sujeito passivo da notícia-crime; a pessoa perseguida, com exemplificação no artigo 290 do CPP (BRASIL, 1941); pessoa em situação de flagrância, mas ainda sem lavratura de auto, dentre outras (LOPES JR., 2005).

Convém trazer à tona os princípios basilares dos atos administrativos, levando-se em conta ser o IP um procedimento administrativo pré-processual, que servem como base para implementação do direito de defesa na fase policial, constantes no artigo 37 da CRFB (BRASIL, 1988): legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (OLIVEIRA, 2009).

De acordo com o princípio da legalidade, inerente ao Estado de Direito, o poder público só pode praticar atos que estejam autorizados em lei; o princípio da impessoalidade, por sua vez, estabelece um dever de imparcialidade na defesa do interesse público, proibindo perseguições e favoritismos (MAZZA, 2018), ou seja, os atos da polícia investigativa devem ser formalizados de modo a tratar todos os investigados ou indiciados de maneira isonômica; com base no princípio da moralidade, é obrigatório que todo investigado/indiciado seja tratado com o máximo de respeito possível além de ser necessário que o trabalho realizado pelas autoridades policiais seja correto e ético; já no princípio da publicidade encontra-se o dever de divulgação oficial dos atos praticados, a fim de produzirem seus efeitos jurídicos, todavia, no que tange à investigação, essa publicidade não é tão amplamente utilizada como na área do direito administrativo, visto que alguns atos requerem certo sigilo, no interesse maior da própria sociedade; por fim, o princípio da eficiência, como o próprio nome aduz, refere-se a rapidez, produtividade e rendimento funcional, podendo ser entendido como referência à razoável duração do processo ou da investigação (OLIVEIRA, 2009).

4.1.1 INDICIAMENTO

O início da situação de indiciado não é tratado de forma precisa pelo CPP (BRASIL, 1941), sendo que o seu final ocorre com o arquivamento do IP ou com a admissão da ação penal. Contudo, a partir da doutrina, é possível identificar duas circunstâncias nas quais se produz o status de indiciado. Na primeira situação, quando existe uma prisão pré-cautelar, ou seja, prisão em flagrante, a nota de culpa é entregue ao preso em até 24h, contendo em seu texto o motivo da prisão e a identificação do condutor e das testemunhas, sendo este documento responsável por, além de atuar como instrumento informador para a defesa, prover formalmente ao preso o conhecimento dos motivos justificantes da medida aplicada e, com isso, restando caracterizado o indiciamento (LOPES JR., 2005). Já na prisão cautelar, seja ela prisão preventiva ou temporária, por estas dependerem de ordem escrita e fundamentada do juiz e por uma cópia desta ordem (mandado) ser entregue ao indivíduo alvo, possibilitando seu conhecimento da imputação e dos motivos justificantes da medida, o mandado acaba por ser o instrumento que origina e constitui o indiciamento, formalmente (LOPES JR., 2005). Menciona-se, de forma incidental, que essas prisões cautelares podem ser adotadas no curso do IP e após o indiciamento, nesse caso a cópia do mandado não origina o indiciamento, apenas atuando como comunicador dos motivos da prisão e servindo como instrumento de defesa (LOPES JR., 2005).

Na segunda situação, quando não ocorre prévia prisão cautelar, permanecendo o indivíduo em liberdade, o tema do indiciamento é ainda mais obscuro. A título elucidativo, menciona-se que é de grande importância que o indivíduo seja informado antes da realização do interrogatório policial que já é considerado suspeito e não está prestando depoimento como mera testemunha ou informante, além disso, faz-se necessária a presença de seu defensor neste momento (LOPES JR., 2005). A princípio, o sujeito pode ser interrogado apenas como suspeito a fim de que a autoridade policial possa decidir ou não pelo indiciamento, todavia, há casos em que o interrogado já comparece com status de indiciado e, nessas situações, as garantias constitucionais (técnica e autodefesa) e advertência prévia do ato devem ser ainda mais observadas (LOPES JR., 2005). Teoricamente, então, o status de indiciado inicia-se com o interrogatório policial, mesmo que não haja um ato formal e particular de indiciamento (LOPES JR., 2005) como ocorre com o mandado nas prisões anteriormente citadas.

A investigação preliminar inquisitiva, neste sentido, poderia ter seus rigores amenizados caso possuísse uma fase intermediária contraditória e oral determinada pelo CPP (BRASIL, 1941), objetivando a existência de um juízo de pré-admissibilidade da acusação, evitando processos infundados e contribuindo para a eficácia da defesa, além de também poder ser estabelecido pelo Código o dever de comunicação imediata ao indivíduo da existência de uma imputação contra ele, a fim de que possa exercer seu direito de defesa em sua plenitude (LOPES JR., 2005).

A partir da concretização da situação de indiciado, o indivíduo assume a carga, no que tange à situação jurídica, de estar mais submisso aos atos realizados no IP tendo, apesar disso, alguns direitos garantidos no procedimento em questão (LOPES JR., 2005). Caso esteja preso, dois dos principais direitos são o de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante, previsto no artigo 5º, inciso III, e o de que seja respeitada a sua integridade física e moral, no artigo 5º, inciso XLIX, ambos presentes na Carta Magna (BRASIL, 1988). Além destes, estão incluídos os já tratados nos capítulos anteriores, quais sejam, comunicação imediata à família ou pessoa indicada, do local onde se encontra preso; assistência de advogado ou defensor; informação ao preso sobre seus direitos; e identificação dos responsáveis pela prisão e pelo interrogatório policial. Esses direitos são os garantidores de um grau mínimo de contraditório e direito de defesa para o sujeito (LOPES JR., 2005).

Neste ponto, é importante mencionar incidentalmente a principal diferença entre indiciamento e identificação criminal, pois não se confundem. O primeiro instituto serve como individualizador do suspeito e é concretizado pelo delegado de polícia, em ato não necessariamente motivado e que não sofre controle do titular da ação penal nem do juiz, além de não possuir uma função propriamente dita dentro da investigação (CHOUKR, 1995). Caso o tema indiciamento fosse reestruturado, teria como função a regulação do prazo para conclusão do IP e para a propositura da ação penal, sendo estes os únicos justificadores de sua existência (CHOUKR, 1995). O segundo instituto, por sua vez, já limitado pelo texto constitucional, por ser considerado um constrangimento ilegal, também é um ato que não vem necessariamente acompanhado de motivação e inclui o indivíduo nos cadastros da polícia civil e da justiça criminal (CHOUKR, 1995).

Dentre seus direitos caso encontre-se em liberdade, estão: o artigo 14 do CPP (BRASIL, 1941), que versa sobre a possibilidade de o indiciado requerer diligências à autoridade policial, podendo ser atendido ou não; e o artigo 5º, inciso LV, da CRFB (BRASIL, 1988), no qual aos acusados em geral é garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa (LOPES JR., 2005). Frisa-se que apesar deste último artigo mencionado tratar de processo administrativo e não mencionar especificamente o termo “indiciado”, compreende também procedimentos administrativos (inquérito policial) e o indiciamento (por ser uma imputação em sentido amplo), conferindo o contraditório e a ampla defesa no IP, mesmo que com alcance mais limitado do que na fase processual e, com isso, demonstrando sua faceta garantista (LOPES JR., 2005).

4.1.2 A MÍDIA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Apesar de a Carta Política (BRASIL, 1988) prever a “presunção” de inocência, no dia-a-dia da atividade policial está presente a “presunção de culpabilidade”, ou seja, o indiciado já chega no processo com uma “placa de culpa” (OLIVEIRA, 2009). Além disso, utiliza-se a investigação como meio de controle social; restringe-se a atuação da defesa (de certa forma), em especial, a pública; muitas vezes há maus tratos durante as prisões cautelares; e o modo como os investigados são conduzidos nas viaturas, fóruns criminais e delegacias (OLIVEIRA, 2009) acaba por contribuir para a dita “presunção de culpabilidade”.

Mesmo que sua repercussão “endo-processual” não seja tão significativa, a repercussão do indiciamento à nível social é de grande magnitude, podendo tal afirmação ser constatada a partir de notícias, reportagens e comentários veiculados na mídia em geral (CHOUKR, 1995) que, como já mencionado em momento prévio, realizam um pré-julgamento com mais reflexos na comunidade do que uma condenação propriamente dita. Isso acontece, pois, a sociedade brasileira possui mais confiança e se identifica mais com a atividade policial do que com o trabalho do judiciário, estando este último em nível praticamente inacessível para grande parte da população e, com isso, restando à polícia o papel de realizadora da justiça criminal [no imaginário popular] (CHOUKR, 1995). Assim, caso o indivíduo “pré-julgado” não seja eventualmente denunciado ou, caso o seja, não seja processado e condenado, a visão da sociedade será a de que restou impune o sujeito que a princípio era considerado suspeito, diminuindo ainda mais a confiança depositada na justiça criminal por parte da população (CHOUKR, 1995).

Atualmente, pode-se perceber que o principal objetivo da mídia é a venda de notícia e não somente o provimento de informação imparcial aos leitores/telespectadores. Através do sensacionalismo e do seu poder de manipulação social e formação de opinião, ela consegue influenciar os consumidores de notícias de modo que estes não conseguem discernir o real do inventado. Esse aspecto é aplicado principalmente nos meios televisivos, nos quais a informação é repassada de forma mais dramática, com utilização de efeitos de montagem e visuais, inclusive se valendo de informações de IP ainda não finalizados e de fatos sem comprovação ou sem investigação concluídas (CAMPOS, 2012).

Esse jornalismo é o tipo que se insere no contexto da vida do indiciado, pois cria uma nova notícia a partir do exagero dos fatos reais, estereotipando o indivíduo como culpado sem uma condenação e ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana. Os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, presentes no artigo 5º, inciso X, da CRFB (BRASIL, 1988) também são violados com essa atuação dos veículos de comunicação, a partir de investigações jornalísticas e publicações equivocadas e exageradas.

Indo de encontro com os pontos contrários à atuação midiática e com o direito à privacidade, destaca-se o direito à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão, nos quais se baseia a atuação da imprensa. Tais direitos fundamentais objetivam garantir a ordem democrática vigente e são considerados tão importantes quanto os já mencionados, mesmo que as reportagens possuam teores críticos e com opiniões negativas. A mitigação destas garantias se situa quando as matérias publicadas extrapolam o limite da informação real e começam a criar notícias falsas que podem, de alguma maneira, prejudicar injustamente a vida do sujeito e o andamento das investigações.

De forma ainda mais grave, somando-se às músicas, danças, efeitos especiais, foto montagem, etc., estão as situações nas quais essas notícias exageradas são embasadas por agentes públicos, como policiais e delegados, como forma de destacar seu trabalho (OLIVEIRA, 2009). Cumpre mencionar, por fim, a partir dessa problemática, duas teorias apresentadas pela doutrina e jurisprudência relativas à restrição da liberdade de imprensa: de acordo com a primeira, esse direito pode ser restringido no caso concreto, com fundamento na ponderação; já de acordo com a segunda teoria, inicialmente, a liberdade de imprensa não pode sofrer restrição, não inviabilizando, contudo, o posterior direito de resposta e reparação pelos danos ocasionados (OLIVEIRA, 2009). Conclui-se, a partir dos detalhes apresentados, que a primeira teoria é a mais acertada no contexto da investigação criminal à luz das garantias e direitos constitucionais, visto que previne a estigmatização precoce do sujeito e, caso este venha a ser denunciado e absolvido, impede que sua imagem perante a sociedade fique manchada indefinidamente, em observância também ao princípio da presunção de inocência (OLIVEIRA, 2009).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho pretendeu entender a necessidade de garantias constitucionais na investigação preliminar, a fim de verificar as consequências da aplicação e da mitigação dessas garantias na investigação, a partir da metodologia analítica teórica. Ao retomar os objetivos gerais e específicos apresentados na introdução, constata-se que foram plenamente atingidos já que foi tratado detalhadamente o sistema de investigação preliminar através da visão garantista constitucional. Além disso, as conceituações e análises previstas como objetivos específicos foram abordadas satisfatoriamente.

A partir da observação do Estado Democrático de Direito existente no Brasil verificou-se um ponto valioso que diz respeito à Carta Magna (BRASIL, 1988): a secularização e laicidade que, embora não previstas expressamente, devem servir de lente através da qual a Lei Maior (BRASIL, 1988) deve ser examinada. A partir desse exame, constatou-se que os princípios garantistas não se limitam ao processo penal em sentido estrito, devendo ser utilizados em outras esferas do direito. Apesar de, ao ser mencionado o termo “investigação preliminar”, o viés penal vir à tona, ele não se limita a isso, podendo, como demonstrado, ser aplicado também nos âmbitos do direito administrativo e civil. A natureza jurídica do instituto tratado ainda encontra certa discordância entre os estudiosos, contudo, a partir dos pontos abordados aqui, concluiu-se que a corrente que versa sobre a investigação preliminar ser procedimento administrativo pré-processual é a mais acertada, conclusão esta que segue aplicada ao longo da pesquisa.

Especificamente em relação ao inquérito policial, verifica-se que este possui inúmeros defeitos, em especial, o de ser predominantemente inquisitivo (contrariando o sistema acusatório adotado pela Lei Maior [BRASIL, 1988]); o de não haver sincronia entre os órgãos afetos pelo procedimento; e a possibilidade de a investigação não ser concluída nos prazos previsto em lei.  No entanto, a fim de minimizar as desvantagens de sua aplicação, poderiam ser observadas de forma plena as garantias do sujeito investigado e os deveres dos agentes públicos, tanto policiais e membros do Ministério Público, quanto do juiz. No que tange à instauração e desenvolvimento do procedimento, constata-se que possui grande detalhamento nos dispositivos legais, restando certo de que caso tais artigos sejam seguidos em sua totalidade o procedimento manterá uma observância mínima das garantias do investigado. O tópico do arquivamento, por sua vez, encontra-se sem conclusões formadas, em vista da atual existência de uma alteração do seu dispositivo legal que, no entanto, encontra-se suspenso. Com isso, até a decisão final a respeito do teor do artigo 28 do CPP (BRASIL, 1941), sua análise fica restrita à sistemática vigente.

Conforme exposto, o indivíduo sujeito à investigação possui inúmeras garantias e direitos assegurados pela Constituição brasileira, ou seja, apesar de possuir um viés inquisitivo, o procedimento em questão é permeado por axiomas constitucionais garantistas podendo, inclusive, o interesse público ser mitigado em face dos direitos individuais (em alguns casos). Neste âmbito destaca-se a jurisdicionalização dos incidentes investigatórios, que se conclui ser um ponto positivo e de suma importância para uma maior observância às garantias do sujeito investigado, em virtude da exigência de mandados judiciais para a prática de certos atos. Além dos referentes aos processos em si, os princípios atinentes aos atos administrativos também são valiosos em razão de o procedimento aqui estudado ser administrativo pré-processual, portanto, conclui-se serem de semelhante valia para a pesquisa.

A designação do indivíduo durante as fases da instrução preliminar e do processo penal mostra-se relevante, visto que é uma das maneiras de identificar em que momento processual se encontra e as cargas e direitos que lhe são conferidos nestes momentos. No entanto, o instituto do indiciamento não aparenta ser de grande relevância para o processo penal em sentido amplo, em virtude de suas consequências práticas serem quase nulas. Porém, levando-se em conta a realidade de sua existência no modelo atual, poderia ser mais bem utilizado caso houvesse mudanças nos dispositivos legais que permitissem um melhor exercício de defesa por parte do indiciado. Nesse sentido, a figura do indiciado encontra-se envolta em certa controvérsia, pois resulta em um embate entre os direitos constitucionais de liberdade de expressão e de imprensa e o direito de intimidade, honra, vida privada e imagem. No entanto, a conclusão alcançada até aqui foi a de que, na hierarquização destes valores constitucionais, deve-se analisar o caso concreto para que a mídia se atente ao seu dever de expor a notícia de forma imparcial e verdadeira, a fim de que não se prejudique injustamente a vida de uma pessoa e, com isso, viole-se o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por todo o exposto, não restam dúvidas de que as garantias e direitos elencados na Constituição da República (BRASIL, 1988) devem ser plenamente observados em todo o contexto do sistema processual penal. A partir dos pontos detalhados até o momento, conclui-se que mesmo que alguns dispositivos processuais penais possam ser considerados contrários ao texto constitucional, colidindo com garantias, e ainda hoje sejam aplicados à investigação preliminar, no caso concreto verifica-se a gradual mudança deste cenário, com a preferência à aplicação dos valores constitucionais em detrimento das determinações do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).

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[1] Bacharel em Direito. Graduação. ORCID: 0000-0002-5043-8655.

[2] Orientador. ORCID: 0000-0001-9341-9035.

Enviado: Outubro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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Flávia Esteves de Souza Netto

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