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A Competência concorrente para legislar sobre matéria ambiental: uma análise do posicionamento do STF sobre a competência do Município

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FELDMANN, Paula Mariotti [1], SODRÉ, Marcelo Gomes [2]

FELDMANN, Paula Mariotti. SODRÉ, Marcelo Gomes. A Competência concorrente para legislar sobre matéria ambiental: uma análise do posicionamento do STF sobre a competência do Município. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 10, Ed. 01, Vol. 03, pp. 77-89. Janeiro de 2025. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/competencia-concorrente, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/competencia-concorrente

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da competência concorrente do município para legislar sobre matéria ambiental. Para tanto, será feita uma exposição sobre a divisão de competências trazida pela Constituição Federal de 1988, em especial em relação à competência concorrente entre a União Federal, os Estados e os Municípios para editar normas sobre assuntos ambientais. Posteriormente, serão analisados dois acórdãos proferidas pelo STF no âmbito de julgamento de normas municipais, tendo a primeira proibido a queima da palha de cana-de-açúcar nos limites de um município paulista, a qual foi julgada inconstitucional pelo tribunal, e a segunda o fornecimento de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais, tendo tal proibição sido considerada constitucional pelo STF.

Palavras-chave: Competência dos municípios, Matéria ambiental, Supremo Tribunal Federal.

1. INTRODUÇÃO

O reconhecimento da competência dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local pela Constituição Federal possibilitou a edição de inúmeras normas municipais relacionadas à matéria ambiental.

Considerando que a União Federal e os Estados também têm competência concorrente para legislar sobre matérias atinentes ao meio ambiente, são observados diversos conflitos entre normas editadas pelos municípios e as disposições legais trazidas pela União e pelos Estados.

Nesse contexto, o presente artigo tem o objetivo de analisar as competências trazidas pela Constituição Federal quanto à edição de normas de natureza ambiental e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à competência dos municípios para promulgar leis ambientais por meio do estudo de dois casos emblemáticos, versando o primeiro sobre a proibição da prática da queima de palha de cana-de-açúcar nos limites municipais e o segundo sobre a proibição da utilização de sacolas plásticas descartáveis.

2. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE MEIO AMBIENTE

A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) foi a primeira a reconhecer os municípios como entes federativos autônomos; seu Art. 1º dispõe que a República Federal do Brasil é “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” enquanto o Art. 18 estabelece que a organização político-administrativa desta República “compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos (…)”.

Para Sarlet e Fensterseifer (2023, p. 496), seria correto afirmar que “o marco federativo estabelecido pela CF/1988 demarca os alicerces normativos de um modelo de federalismo cooperativo”. Já nas palavras de Lopes Filho (2019, p. 38):

O federalismo cooperativo se caracteriza por uma atuação conjunta dos entes federados que passam a ter zonas comuns de atuação, não só no plano legislativo, mas também material, de implementação de políticas públicas. Abandona-se o entendimento de atuação de esferas paralelas e autônomas de autoridades para se impor uma atuação conjugada em vários setores, permitindo e fomentando, inclusive, pactos, convênios e acordos em áreas que não sejam expressamente compartilhadas já no plano constitucional. Assim, não só uma possibilidade de competências normativas e materiais com zona de intersecção e comunhão, mas também alianças pactuadas e específicas para soma de esforços, passaram a ser comuns na vida das federações; tudo sob a coordenação geral do ente central, que passou a ter mais ascendência no jogo federativo, sendo uma característica marcante desse modelo, uma necessidade inarredável, conquanto não traduzida em termos jurídicos, mas certamente políticos.

Nesse contexto de um federalismo cooperativo em que os entes federativos têm o dever de cooperação entre si para atingir os objetivos determinados pela Constituição Federal (incluindo o dever de proteção ambiental), a CF/1988 determinou competências legislativas privativas – restritas à União Federal – e competências legislativas concorrentes – as quais competem a mais de um ente federativo.

Conforme o Art. 24 da CF/88, diversos temas atinentes ao meio ambiente são de competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, quais sejam:

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

Para essas matérias de competência legislativa concorrente, o §1º do Art. 24 da CF/88 estabeleceu que a competência da União deve limitar-se ao estabelecimento de normas gerais, de forma a não excluir a competência suplementar dos Estados.

Fiorillo (2024, p. 182) explica esse sistema da seguinte forma:

(…) podemos afirmar que à União caberá a fixação de pisos mínimos de proteção ao meio ambiente, enquanto aos Estados e Municípios, atendendo aos seus interesses regionais e locais, a de um “teto” de proteção. Com isso, oportuno frisar que os Estados e Municípios jamais poderão legislar, de modo a oferecer menos proteção ao meio ambiente do que a União, porquanto, como já ressaltado, a esta cumpre, tão só, fixar regras gerais.

Aos Municípios, por sua vez, a Carta Maior determinou a competência para “legislar sobre assuntos de interesse local” e “suplementar a legislação federal e estadual no que couber” (Art. 30, incisos I e II, da Constituição Federal de 1988).

Muito embora os Municípios não tenham sido mencionados no Art. 24 da CF/88 como competentes para legislar sobre as matérias indicadas nos respectivos incisos, a doutrina defende sua competência para legislar sobre matéria ambiental.

Trennepohl (2024, p. 43) destaca que “a doutrina ambiental hoje é unânime em posicionar o meio ambiente no art. 30, I, II, VIII e IX, que trata, respectivamente, do interesse local, da suplementação da legislação federal e estadual no que couber, no adequado ordenamento territorial e na proteção do patrimônio histórico-cultural local”. Para Antunes (2023, p. 51), “seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental”.

Verifica-se, assim, que os três entes federativos têm competência para legislar sobre matéria ambiental, o que, inevitavelmente, pode ensejar conflitos entre normas editadas por entes distintos. A esse respeito, Sarlet e Fensterseifer (2023, p. 519) pontuam que:

O conflito legislativo entre normas provenientes de diferentes entes federativos é inerente ao modelo adotado pela CF/1988 de competências legislativas concorrentes e, sobretudo, de um sistema federativo cooperativo com entes políticos dotados de autonomia. De tal sorte, é fundamental o papel exercido pelo Estado-Juiz para dirimir tais conflitos e assegurar a uniformidade legislativa, bem como reforçar ou manter o padrão normativo protetivo almejado pela norma constitucional expressa no art. 225, notadamente em razão do status de direito fundamental inerente ao regime constitucional de proteção ecológica.

Assim, compete aos tribunais brasileiros a análise de conflitos entre normas editadas por diferentes entes federativos.

Como a CF/88 foi a primeira constituição brasileira a reconhecer os municípios como entes federativos e a instituir um federalismo cooperativo, a tradição jurisprudencial acolhia um sistema centralizador de competência legislativa em âmbito federal, mesmo após a edição da CF/88, inclusive, porque há diversas matérias de competência exclusiva da União que tangenciam matéria ambiental, como a edição de normas sobre águas, energia e mineração. No entanto, cada vez mais vêm sendo admitida a competência dos demais entes federativos, incluindo o município, para a edição de normas relacionadas à proteção do meio ambiente.

Essa evolução gradual da jurisprudência também se reflete no posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem compete o julgamento de litígios envolvendo eventual violação à CF/88, incluindo sua distribuição de competências. Sendo o STF o tribunal competente para apreciar recursos extraordinários interpostos em face de decisões que contrariam dispositivos da CF/88 ou que reconheçam a validade de lei local contestada em face da lei federal (cf. art. 102, III, a e c), o conflito entre normas municipais e normas estaduais ou federais já foi apreciado diversas vezes por esse tribunal. Nesse contexto, passa-se a analisar o posicionamento do STF quanto à competência dos municípios para editar normas de matéria ambiental em dois julgados específicos que demonstram a consolidação do reconhecimento da competência municipal para legislar sobre meio ambiente.

Sendo assim, foi analisada pelo STF a constitucionalidade de normas locais que vedavam nos limites do município, dentre outros temas, (i) a prática da queima de palha de cana-de-açúcar, em 2015; (ii) a produção e comercialização de foie gras, em 2021; (iii) a utilização de fogos de artifício, em 2021; e (iv) sacos e sacolas plásticas, em 2022.

Deste modo, o presente trabalho tem como objeto a análise dos julgados que avaliaram a constitucionalidade da proibição da prática da queima de palha de cana-de-açúcar, em 2015, e da obrigação de substituição de sacos e sacolas plásticas por aqueles de material biodegradável.

3. O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO AO INTERESSE LOCAL DO MUNICÍPIO EM DOIS JULGADOS EMBLEMÁTICOS

3.1. A QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR: INVALIDADE DA NORMA MUNICIPAL

Em 2015, no âmbito do julgamento do RE 586.224/SP com repercussão geral reconhecida, o STF julgou a validade de norma municipal de Paulínia/SP (Lei nº 1.952, de 20 de dezembro de 1995), que proibia a queima de palha de cana-de-açúcar nos limites do município, em alegado conflito com a Lei Estadual nº 11.241/02, que “dispõe sobre a eliminação do uso do fogo como método despalhador e facilitador do corte da cana-de-açúcar” e estabelece um cronograma de eliminação gradual da queima da palha da cana-de-açúcar até o ano de 2031. No âmbito de tal processo, o STF firmou a seguinte tese (Tema 145):

O município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (Art. 24, VI, c/c 30, I e II, da Constituição Federal de 1988).

Nesse julgamento, o STF entendeu pela inconstitucionalidade da norma municipal, ainda que tenha sido reconhecida a competência dos municípios para legislar sobre matéria ambiental e que o município tenha tentado impor norma mais protetiva ao meio ambiental. Para sustentar a invalidade da norma, o Ministro Relator, Luiz Fux, acompanhado pela maioria dos ministros, com exceção da Ministra Rosa Weber, levou em consideração os impactos socioeconômicos decorrentes da proibição da prática de queima de palha de cana-de-açúcar. Nas palavras do Ministro:

(…) Ao julgar a constitucionalidade do diploma legal municipal, em um prisma socioeconômico, faz-se mister sopesar se o impacto positivo da proibição imediata da queima de cana na produtividade é constitucionalmente mais relevante do que o pacto social em que o Estado brasileiro se comprometeu a conferir ao seu povo o pleno emprego para o completo gozo de sua dignidade (Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 586224/SP, julgado em 05 de março de 2015).

Entende-se que a avaliação de constitucionalidade da norma em discussão não foi pautada exclusivamente na avaliação da existência de interesse local do município em proibir a prática da queima de palha de cana-de-açúcar, mas, também, na aplicação da técnica de sopesamento dos princípios constitucionais da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da dignidade da pessoa humana – este último, traduzido no pleno emprego gerado pelas práticas agrícolas em discussão nas normas. A decisão, então, foi fundamentada na análise do caso concreto e dos princípios constitucionais envolvidos para que fosse decidido qual desses princípios deveria prevalecer.

A análise do caso concreto deveria, inclusive, prevalecer face à aplicação da norma mais restritiva. Nesse sentido, Sarlet e Fensterseifer (2023, p. 520) afirmam que:

A discussão a respeito da prevalência ou não da legislação que conferir maior proteção ecológica insere-se nesse cenário. Em primeiro lugar, é importante assinalar a necessidade de racionalização do debate, haja vista que qualquer propensão a uma análise “fundamentalista” da questão, com o intuito de assinalar uma prevalência absoluta à norma ambiental mais protetiva, estará em confronto com o nosso sistema constitucional, tendo em conta especialmente que não há como afirmar a prevalência de determinados direitos (mesmo tratando-se de direitos fundamentais) de forma abstrata, sem a devida contextualização e análise concreta, até porque o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado não é o único direito constitucional que assume a condição de direito fundamental.

No caso em discussão, o Tribunal entendeu pela inconstitucionalidade da norma local em razão da ausência de proporcionalidade da proibição imediata da prática da queima de palha de cana-de-açúcar, especialmente considerando a existência de diploma legal a nível estadual que trouxe cronograma para eliminação gradual da prática, o que consistiria em solução mais adequada para o problema na visão dos Ministros do STF.

Merece destaque o voto da Ministra Rosa Weber, que foi a única a divergir do Relator para que fosse negado provimento ao recurso extraordinário e mantido o acórdão proferido pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reconhecendo a validade da proibição imposta pela lei do município de Paulínia/SP e admitindo a proibição da prática da queima de palha de cana-de-açúcar nos limites do município.

Ainda que a norma municipal tenha sido julgada inconstitucional no âmbito em julgado em questão, a tese fixada nesse julgamento consolidou o reconhecimento pelo STF quanto à competência do município para legislar sobre meio ambiente – desde que em harmonia com as normas dos demais entes federativos. Embora consolidada essa competência dos municípios, ainda são levados ao Tribunal diversos conflitos entre normas de diferentes entes federativos.

Evidencia-se que a tese firmada pelo STF, em 2022, no âmbito do Tema 970 de que “é constitucional – formal e materialmente – lei municipal que obriga à substituição de sacos e sacolas plásticos por sacos e sacolas biodegradáveis”, a qual será analisada.

3.2 A VALIDADE DA PROIBIÇÃO DE SACOLAS PLÁSTICAS

A norma do município de Marília/SP, cuja constitucionalidade foi objeto de discussão pelo STF no âmbito do Tema 970 (Recurso Extraordinário nº 732686/SP), proibiu:

(…) a utilização de saco plástico de lixo e de sacola plástica para acondicionamento, empacotamento, armazenamento ou transporte de resíduos ou produtos comercializados ou fornecidos, ainda que gratuitamente, em estabelecimentos privados e órgãos ou entidades do Poder Público situados ou em funcionamento, ainda que temporário (…) (Art. 2º da Lei Municipal nº 7.281, de 22 de julho de 2011, de Marília/SP.)

A relatoria, assim como do Tema 145 comentado anteriormente, foi do Ministro Luiz Fux, que, inclusive, mencionou a tese fixada no Tema 145 para reforçar o reconhecimento da competência municipal para dispor sobre matéria ambiental, “em regulamentação suplementar ao regramento de direito ambiental, em harmonia com as diretrizes federais e/ou estaduais” (Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 586224/SP, Relator: Luiz Fux, julgado em 05 de março de 2015).

A proibição de sacolas plásticas já havia sido enfrentada pelo Tribunal em outras oportunidades e, em razão de sua recorrência, a matéria foi analisada em sede de repercussão geral, no âmbito da qual foi firmada a seguinte tese de constitucionalidade formal e material de lei municipal que obrigue a substituição de sacos e sacolas plásticas por aqueles biodegradáveis.

A discussão novamente se pautou na competência municipal para editar normas de natureza ambiental mais protetivas, assim como no âmbito do julgamento do Tema 145. No entanto, no caso em discussão, o Tribunal entendeu pela possibilidade de que os municípios proíbam a utilização de sacolas plásticas em seus limites (diferentemente do Tema 145, em que se entendeu pela impossibilidade de proibição da queima de palha de cana-de-açúcar nos limites municipais).

Para o Relator, a norma editada pelo município de Marília/SP é válida ante a inexistência de regulamentação federal e estadual e por estar alinhada às normas gerais da União correlatas, considerando os objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010). Ainda, segundo o Ministro Luiz Fux, a competência municipal restaria configurada no caso em discussão pelas seguintes circunstâncias:

(…) fática, com a urgência da regulamentação; jurídica, de alinhamento da política local às normas gerais da União correlativas, para não suscitar conflito normativo direto – esse é o caso sub examine, pois, a redução do consumo de plástico é responsiva à Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal 12.305/2010) –; e interpretativa, ante o enquadramento em torno do conceito de “interesse local predominante” (Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 586224/SP, Relator: Luiz Fux, julgado em 05 de março de 2015)

No caso em discussão, o interesse local estaria configurado em razão da atribuição dada aos municípios pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, Art. 10, quanto à “gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios”.

Vale ressaltar que os votos proferidos pelos Ministros no âmbito do julgado em discussão também analisaram eventuais conflitos com outros princípios constitucionais – como o da livre iniciativa – e os impactos econômicos decorrentes da lei, tendo o Relator concluído que a restrição imposta pelo município de Marília/SP à livre iniciativa é necessária, adequada e proporcional. A decisão unânime do STF também levou em consideração o cenário global de poluição plástica e normas internacionais, tendo concluído pela urgência de adoção de medidas para enfrentar esse cenário.

Verifica-se, assim, que, também nesse caso, foi aplicada a técnica de sopesamento, com a análise dos princípios envolvidos e o contexto do caso concreto para se chegar a uma decisão quanto à validade da norma municipal.

3.3 COMPARAÇÃO ENTRE OS TEMAS 145 E 970

Embora em um primeiro momento os Temas 145 e 970 do STF pareçam incompatíveis entre si, destaca-se que o Tema 145 foi citado por diversas vezes nos votos dos Ministros do STF, especialmente para prestigiar a competência constitucional dos municípios para editar normas sobre meio ambiente.

A principal diferença entre os fatos discutidos nesses dois precedentes que levaram a decisões distintas consiste, principalmente, na inexistência de norma a nível federal ou estadual tratando da proibição ou da redução do uso de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais e, portanto, de contrariedade entre a norma municipal e normas dos demais entes federativos. Isso porque o entendimento do Tribunal é o de que as normas municipais devem ser harmônicas com as normas dos demais entes federativos.

Nesse contexto, ainda que não exista norma a nível federal ou estadual tratando da substituição das sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais, o STF verificou a compatibilidade da norma municipal com as normas dos objetivos da Lei Federal nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos – que, inclusive, teve seu regramento utilizado para justificar a configuração de interesse local do município, na medida em que tal norma atribui aos municípios a gestão dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se que a doutrina e a jurisprudência têm o entendimento de que os municípios são competentes para editar normas que versem sobre o meio ambiente, de forma concorrente com a União, os Estados e o Distrito Federal, desde que haja interesse local ou que tais normas suplementem as normas federais, estaduais ou distritais. Esse contexto de competência concorrente para legislar inevitavelmente enseja conflitos normativos, cabendo ao STF analisar a constitucionalidade das normas em conflito e qual delas deve prevalecer.

Com a edição da tese do Tema 145, o STF consolidou o entendimento de que o Município é competente para legislar sobre matéria ambiental, desde que as normas municipais estejam em harmonia com as normas federais e estaduais, sendo tal Tema mencionado em inúmeros precedentes do Tribunal que discutem a constitucionalidade de normas locais.

Posteriormente, o Tribunal firmou a tese de que os municípios podem editar normas que proíbem a utilização de sacolas plásticas em seus territórios, considerando o interesse local dos municípios decorrentes de sua atribuição de gerir os resíduos gerados em seus territórios e o cenário de poluição plástica atual.

O que ambas as decisões têm em comum, apesar de desfechos distintos, é que foram pautadas em uma análise do caso concreto pelo STF, com a aplicação da técnica do sopesamento dos princípios em discussão. Assim, embora não haja mais discussões doutrinárias ou jurisprudenciais quanto à possibilidade de edição de normas ambientais pelos municípios, a validade de tais normas dependerá da (i) existência de normas federais e estaduais sobre o mesmo assunto e a compatibilidade das disposições locais com estas normas; e (ii) dos princípios constitucionais envolvidos no conflito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 23ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2023.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 01 dez. 2024.

BRASIL. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Lei nº 11.241, de 19 de setembro de 2002. Dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2002/lei-11241-19.09.2002.html>. Acesso em: 01 dez. 2024.

BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm> Acesso em: 17 out. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 586224/SP. Recurso extraordinário em ação direta de inconstitucionalidade estadual. Limites da competência municipal. Lei municipal que proíbe a queima de palha de cana-de-açúcar e o uso do fogo em atividades agrícolas […]. Relator: Min. Luiz Fux, 05 de março de 2015. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8399039>. Acesso em:  25 out. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 732686/SP. Recurso extraordinário. Constitucional. Ambiental. Princípios constitucionais da ordem econômica. Lei municipal. Obrigação de substituição de sacos e sacolas plásticas por sacos e sacolas de material ecológico […]. Relator: Min. Luiz Fux, 19 de outubro de 2022. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14027799>. Acesso em:  25 out. 2024.

CÂMARA MUNICIPAL DE MARÍLIA. Estado de São Paulo. Lei nº 7.281, de 22 de julho de 2022. Dispõe sobre a substituição do uso de sacos plásticos de lixo e de sacolas plásticas por sacos de lixo ecológicos e sacolas ecológicas e dá outras providências. Disponível em: < https://dmarilia.com.br/wp-content/uploads/2023/01/Lei_Ordinaria-7281-2011-original.pdf>. Acesso em: 20 out. 2024.

CÂMARA MUNICIPAL DE PAULÍNIA. Estado de São Paulo. Lei nº 1.952, de 20 de dezembro de 1995. Dispõe sobre a proibição de queimadas no município de Paulínia nas formas que especifica e dá outras providências. Disponível em < http://siave.camarapaulinia.sp.gov.br/arquivo?Id=37464>. Acesso em:  20 out. 2024.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9788553623495. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553623495/>. Acesso em: 15 set. 2024.

LOPES FILHO, Juraci Mourão. Competências Federativas: na Constituição e nos Precedentes do STF. Salvador: Juspodivm, 2019.

SARLET, Ingo Wolfgang.; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Ambiental. 4ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2023.

TRENNEPOHL, Terence. Manual de Direito Ambiental. 11ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2024.

[1] Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). ORCID: 0009-0005-8322-0424.

[2] Livre-docente em Direito Difusos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Professor da Graduação de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). ORCID: 0000-0002-7932-0554.

Material recebido: 11 de janeiro de 2025.

Material aprovado pelos pares: 20 de janeiro de 2025.

Material editado aprovado pelos autores: 30 de janeiro de 2025.

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Paula Mariotti Feldmann

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