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A Defensoria Pública Como Órgão Efetivador Do Direito Humano Ao Acesso À Justiça

RC: 23639
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANTOS, João Paulo Marques [1], IRIGON, Marcos Irigon [2]

SANTOS, João Paulo Marques. IRIGON, Marcos Irigon. A Defensoria Pública Como Órgão Efetivador Do Direito Humano Ao Acesso À Justiça. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 12, Vol. 02, pp. 120-130 Dezembro de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

A investigação realizada possibilitou a discussão do princípio do acesso à justiça como direito mínimo à efetivação de todos os demais direitos fundamentais e humanos, tanto no âmbito nacional, quanto no internacional. De um modo geral, o direito de acesso à justiça pode ser garantido de várias formas, tanto na modalidade de garantir o direito à informação ao cidadão, quanto na disponibilização de meios que efetivem o exercício desses direitos. A bem da verdade, privar o cidadão de informação ou não disponibilizar meios para o exercício dos seus direitos é igual a não ter aceso à justiça. Outrossim, apurou-se a existência de três ondas do direito de acesso à justiça, o primeiro materializado pela promoção da assistência jurídica gratuita, o segundo por meio dos direitos difusos e coletivos e o terceiro é a união das duas primeiras ondas. A importância da primeira onda é sobrelevada quando verifica que a Constituição de 1988 adota um sistema em que o Estado institui um Órgão cuja missão é prestar assistência judiciária aos cidadãos que se encontram em situação de vulnerabilidade ou que não possuam renda suficiente para arcar com os gastos de um advogado particular. Interessante que, dada a relevância e abrangência da atuação dessa Instituição, ela é capaz de suprir a ausência, em determinadas localidades, do Poder Judiciário, levando o direito a quem dele precisa ou busca, proporcionando cidadania e o verdadeiro acesso à justiça, ainda que não pelos meios convencionais, via jurisdição. Apesar desse cenário ser o ideal, é fato que a ausência de investimentos no Órgão do Acesso à Justiça é privar a população carente – representada pela maioria no Brasil -, da utilização do direito mais básico do ser humano que é poder provocar a jurisdição para obter uma resposta que ponha fim determinado conflito. É neste cenário em que reside o cerne da abordagem, a qual será melhor tratada abaixo.

Palavras-Chave: Defensoria Pública, Acesso à Justiça, Direitos Humanos.

ASPECTOS PRELIMINARES

O acesso à justiça é um direito de natureza fundamental cuja ausência inviabiliza a defesa de todos os demais direitos elencados no ordenamento jurídico. A sua primeira manifestação na história constitucional do Brasil, foi na Constituição de 1946[3]. Antes deste marco, situações de expressa violação dos direitos do homem eram comuns, não tendo o cidadão a quem reivindicar seus direitos, em especial quando o protagonista dessas violações era o próprio Estado.

Com a promulgação da Constituição de 1988, o direito de acesso à justiça também conhecido como princípio da inafastabilidade da jurisdição – o qual decorre diretamente da legalidade – foi positivado no seu art. 5º, XXV[4].

No âmbito internacional, esse direito está previsto em vários diplomas internacionais, tais como: (i) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, 1), ratificado e incorporado no ordenamento pátrio por meio do Decreto n. 592, de 06 de julho de 1992; (ii) Convenção Americana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica (art. 8º, 1.), ratificado e incorporado pelo Decreto n. 678, d 6 de novembro de 1992; (iii) Convenção Europeia de Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (art. 6º, 1), não ratificado pelo Brasil etc[5].

Embora devidamente expresso em vários diplomas normativos, o Brasil ainda não conseguiu efetivar esse direito na sua plenitude, em especial naqueles locais em que o Estado não se faz presente de forma efetiva, como nas regiões interioranas dos Estados da região norte. No Estado do Amazonas, por exemplo, ainda há muitos municípios em que sequer existe poder judiciário, ministério público ou defensoria pública, ou seja, não há Justiça e nenhum dos Órgãos essenciais à Justiça, o que leva a questionar: Como verificar a efetivação dos direitos humanos nas regiões onde o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública não estão presentes?

O Município de Juruá-AM, por exemplo, ficou por 9 (nove) anos sem a presença de um Juiz[6], à espera apenas da Justiça Itinerante que passa pela localidade apenas algumas vezes ao ano, de acordo com o cronograma previamente elaborado e aprovado pelo Pleno do Tribunal.

Com isso resta a seguinte questão, dada a deficiência do Tribunal de Justiça nessas localidades, como efetivar o direito ao acesso à justiça e, consequentemente, todos os direitos fundamentais e humanos? A presença apenas dos Órgãos Essenciais à Justiça seria suficiente para suprir a demanda de efetivação dos direitos humanos? Qual o papel da Defensoria Pública na visão das Cortes Superiores?

A DEFENSORIA PÚBLICA COMO ÓRGÃO EFETIVADOR DO DIREITO HUMANO AO ACESSO À JUSTIÇA

Para responder a tais questionamentos faz-se necessário traçar algumas premissas importantes. A primeira diz respeito a um direito anterior ao acesso à justiça, o qual, segundo Celso Lafer[7] diz respeito ao primeiro direito humano que surgiu na sociedade, o direito a ter direitos. Ele representa a transmutação de uma sociedade desprovida de organização para uma devidamente organizada, exigindo que o ser humano seja julgado por suas ações, opiniões, as quais tenham, porventura, ido de encontro com a legalidade.

Jorge Miranda[8], aliás, chega a aludir que antes do direito ao acesso aos tribunais [direito de acesso à justiça] o cidadão tem direito ao conhecimento ao direito, pois sem este como exerceria o acesso à justiça? A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão já proclamava no seu preâmbulo que “a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos”.

Logo, o primeiro problema a ser resolvido, portanto, é o de informar aos cidadãos de que todo ser humano foi provido com o direito a ter direitos, bem como a forma pela qual poderão ser exercidos, o que, não necessariamente, será efetivado pelo acesso à justiça, tanto é que a Constituição de 1988 é considerada dirigente, pois a partir dos programas que ela considerou relevante serão implementados, independentemente de qualquer provocação. Pelo menos deveria ser assim.

Todavia, a sua não implementação surge para aquele cidadão o direito de efetivá-lo, cuja forma de exigir se dá pelo acesso à justiça, direito este considerado o pilar do Estado de Direito, postulado mínimo para o exercício dos demais direitos, conforme alude Carlos Blanco de Morais[9], in verbis:

(…) Como pilar do Estado de Direito e postulado básico proteção do ser humano, a garantia do acesso à justiça é ponto fulcral para a consolidação de um regime democrático e de justiça social no Continente Americano. Afinal, sem a sua consagração, todos os demais direitos não passarão de mero requinte formal, destituídos de exigibilidade.

À primeira vista, a única forma de efetivação do direito de acesso à justiça dar-se-ia, num Estado de Direito Democrático, através do Poder Judiciário que, segundo Montesquieu (1996), possui a função típica de dizer o direito aos litigantes concretos.

José J. Gomes Canotilho, quando trata desse direito alude que ele não visa “(…) não apenas garantir o acesso aos tribunais mas sim e principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos através de um acto de jurisdictio.”[10], ou seja, esse direito está diametralmente vinculado a um “direito à protecção jurídica através dos tribunais”[11], posicionamento com o qual corrobora a Corte Interamericana de Direitos Humano, quando julgou o caso Hilaire, Constantine y Bejamin y otros vs Trindad y Tabago[12].

No entanto, como efetivar o direito de acesso à justiça e os decorrentes deste, quando sequer existe Poder Judiciário ou Autoridade com força equivalente em determinada localidade?

De fato, o direito de acesso à justiça pressupõe a existência do Poder Judiciário. Na sua ausência, por lógica, concluiria o operador do direito utilizando a teoria da separação dos poderes de Montesquieu que aquele direito fundamental, de acordo com a CF/88, e humano, de acordo com vários Tratados, restaria violado. No entanto esse pensar está equivocado, conforme será demonstrado mais adiante.

E qual a solução que resta àquele que da Justiça necessitar, mas Poder Judiciário inexistir? Mauro Cappelletti e Bryant Garth[13], elaboram três soluções, a saber:

(…) a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente ‘enfoque de acesso à justiça’ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo.

A primeira solução, portanto, é a promoção de serviços jurídicos aos necessitados. Para esse papel, a Constituição Federal instituiu a Defensoria Pública, órgão essencial à justiça e que tem como função a promoção dos direitos humanos e a defesa, em qualquer grau de jurisdição, das pessoas que se encontrem em estado de vulnerabilidade, conforme o art. 134, caput, da CF[14]. Embora seja esse o seu papel, a constante ausência de emparelhamento dessa Instituição, leva à inviabilização do desempenho pleno da sua função institucional[15], o que leva concluir que o acesso à justiça está prejudicado ou, no mínimo, deficiente.

A advocacia privada poderia ser uma solução viável no desempenho desse papel, todavia, a história já demonstrou que numa sociedade de mercado, onde os serviços jurídicos são remunerados, o múnus honorificum é um sistema ineficiente[16].

Outra solução viável que guarda relação com a terceira onda do acesso à justiça de Cappelletti e Garth, é a simplificação dos procedimentos judiciais e a promoção dos métodos extrajudiciais para resolução dos conflitos. Neste passo, Maurílio Casas Maia[17], interpretando essa onda e as vinculando às atuações da Defensoria Pública, chega a afirmar que ela já desempenha ambas, pois informa e facilita o exercício dos mais diversos direitos por aqueles componentes do povo, por outro lado também realiza o papel de conciliadora e mediadora, função esta autorizada pelo art. 4º, II, da Lei Complementar n. 80/1994, cuja composição, segundo o art. 754, do CPC, possui natureza de título executivo extrajudicial.

A Defensoria Pública, portanto, é confundida com o próprio direito ao acesso à justiça, a presença deste órgão embora não supra o Poder Judiciário, já que não é detentora da jurisdição, ela possui meios para buscar a efetivação dos mais variados direitos, dentre eles, os direitos humanos, cuja função institucional é a sua promoção e defesa.

Ainda que inexista em determinadas localidades a figura do Poder Judiciário, não necessariamente estará violado o direito ao acesso à justiça, podendo este ser exercido pela Defensoria e, até mesmo, pelos membros da Advocacia Privada, principalmente com a constante busca da otimização dos processos por meio da automatização do Poder Judiciário, ou seja, há uma substituição dos papéis pelos autos eletrônicos, facilitando o acesso por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.

Neste ponto é possível responder às duas primeiras questões aduzidas anteriormente, isto é, ainda que inexista um Poder Judiciário em algumas Comarcas, é possível que haja direito ao acesso à justiça, desde que presentes a Advocacia Privada e, principalmente, a Defensoria Pública, pois são eles os órgãos responsáveis por facilitar, desburocratizar e efetivar o acesso à justiça por parte daquele que necessita.

Porque “em especial a Defensoria Pública”? Por que, a sua ausência restará evidenciada a mora do Poder Executivo em prover ao seu povo o mínimo necessário para buscar efetivação dos seus direitos humanos e direitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal, analisando a possibilidade de implantação da Defensoria Pública em determinada comarca, concluiu pela sua possibilidade, uma vez que ela representa a efetivação do primeiro direito humano – direito a ter direitos -, o qual não está adstrito ao princípio da reserva do (im)possível, senão observe:

Defensoria Pública. Implantação. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do “direito a ter direitos” como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais. O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Estado. A teoria das “restrições das restrições” (ou da “limitação das limitações”). Controle jurisdicional de legitimidade sobre a omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proibição insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa instituição da República. Thema decidendum que se restringe ao pleito deduzido na inicial, cujo objeto consiste, unicamente, na “criação, implantação e estruturação da Defensoria Pública da Comarca de Apucarana”. [AI 598.212 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 25-3-2014, 2ª T, DJE de 24-4-2014.]

Não obstante, é sua missão institucional velar pela promoção e defesa dos direitos humanos tanto no âmbito nacional, quanto no internacional (LC n. 80/94, art. 4º, II e VI). Logo, diferentemente da Advocacia Privada que está mais vocacionada na busca dos interesses particulares, mediante contrapartida, dada a sua natureza mercadológica, a Defensoria já é remunerada pelo povo para servi-lo.

Interessante que essa serventia vai além do âmbito dos necessitados, podendo, inclusive, auxiliar no deslinde das diversas demandas, não na condição de representante da parte, mas na condição de interveniente, ou seja, como custos vulnerabilis. Nessas hipóteses, a Defensoria Pública “(…) na categoria de interveniente processual ou de legitimado extraordinário –, ao tutelar direitos humanos de indivíduos ou seguimentos sociais vulneráveis, o Estado Defensor não deve subordinar a promoção dos direitos humanos (art. 134, CRFB) ao critério meramente econômico”[18].

Interessante que o papel da Defensoria na defesa dos direitos humanos e de garantir efetividade do direito humano ao acesso à justiça, foi reconhecido pela Organização dos Estados Americanos – OEA, a qual chegou a expedir quatro resoluções – AG/RES 2656 (XLI-O/11), AG/RES 2714 (XLII-O/12), AG/RES 2801 (XLIII-O/13) e AG/RES 2821 (XLIV-O/14) -, onde, em suma, reconhece a sua autonomia e a necessidade do seu fortalecimento como órgão oficial garantidor do acesso à justiça, in verbis:

Las resoluciones anteriormente señaladas coinciden en la importancia de:

1. Afirmar que el acceso a la justicia, en tanto derecho humano fundamental es, a la vez, el medio que permite restablecer el ejercicio de aquellos derechos que hubiesen sido desconocidos o vulnerados;

2. Apoyar el trabajo que vienen desarrollando los Defensores Públicos Oficiales de los Estados del Hemisferio, el cual constituye un aspecto esencial para el fortalecimiento del acceso a la justicia y la consolidación de la democracia;

3. Afirmar la importancia fundamental que tiene el servicio de asistencia letrada gratuita para la promoción y protección del derecho de acceso a la justicia de todas las personas, en particular de aquellas que se encuentran en una situación especial de vulnerabilidad.

4. Recomendar a los Estados Miembros que ya cuentan con el servicio de asistencia letrada gratuita que adopten acciones tendientes a que los Defensores Públicos Oficiales gocen de independencia y autonomía funcional.

5. Alentar a los Estados que aún no cuenten con la institución de la defensa pública, que consideren la posibilidad de crearla en el marco de sus ordenamientos jurídicos.

Aliás, é com base no próprio ativismo defensorial na defesa de suas funções institucionais e dos direitos humanos que alçou mais um degrau, desta vez no âmbito internacional, com a instituição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, do Defensor Público Interamericano, cujo fundamento é encontrado no art. 23 do Regulamento desta Comissão.

A importância da defensoria para o desempenho do acesso à justiça – substancial e formal -, é sem precedentes, mormente em países em que grande parte da população é composta por uma classe desprovida do mínimo necessário para própria subsistência. Essa relevância é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, o qual aduz ser inadmissível o tratamento inconsequente deste órgão – leia-se, não aparelhamento -, por parte do Poder Público, bem como a ausência de condições mínimas de sua manutenção repercute diretamente no primeiro direito humano aludido no início deste trabalho, o direito a ter direitos. Nas palavras do Guardião da Constituição:

A Defensoria Pública, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por essa razão que a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo inconsequente pelo poder público, pois a proteção jurisdicional de milhões de pessoas – carentes e desassistidas –, que sofrem inaceitável processo de exclusão jurídica e social, depende da adequada organização e da efetiva institucionalização desse órgão do Estado. De nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apóiam – além de desrespeitados pelo poder público ou transgredidos por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (…), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República. Direito a ter direitos: uma prerrogativa básica, que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades. Direito essencial que assiste a qualquer pessoa, especialmente àquelas que nada têm e de que tudo necessitam. Prerrogativa fundamental que põe em evidência. Cuidando-se de pessoas necessitadas (…). A significativa importância jurídico-institucional e político-social da Defensoria Pública. [ADI 2.903, rel. min. Celso de Mello, j. 1º-12-2005, P, DJE de 19-9-2008.]

Dito isso, não restam dúvidas de que a Defensoria Pública desempenha um papel fundamental na sociedade, realiza a defesa em todos os graus de jurisdição dos vulneráveis, promove a defesa dos direitos humanos no âmbito nacional e também internacional, tem uma função paradoxal de ser contramajoritária representando a maioria do povo brasileiro, efetiva o primeiro direito humano – o direito a ter direitos -, bem como o seu sucessor, o direito ao acesso à justiça. Apesar desse papel, ainda é comum verificar comarcas desprovidas de Defensores, desprovidas do Poder Judiciário, o que representa uma afronta a Constituição e coloca em “xeque” a própria dignidade da pessoa humana, já que o mínimo, aquele povo não tem. E, nesse aspecto, precisa a Defensoria Pública ser valorizada e, de fato, aparelhada com os recursos necessários para que ela possa desenvolver a sua função institucional que é levar o acesso a quem precisa ou a quem não o tem, isso é democracia, isso é dignidade da pessoa humana e isso é acesso à justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação realizada possibilitou a discussão do princípio do acesso à justiça como direito mínimo à efetivação de todos os demais direitos fundamentais e humanos, tanto no âmbito nacional, quanto no internacional.

De um modo geral, o direito de acesso à justiça pode ser garantido de várias formas, tanto na modalidade de garantir o direito à informação ao cidadão, quanto na disponibilização de meios que efetivem o exercício desses direitos. A bem da verdade, privar o cidadão de informação ou não disponibilizar meios para o exercício dos seus direitos é igual a não ter aceso à justiça.

Outrossim, apurou-se a existência de três ondas do direito de acesso à justiça, o primeiro materializado pela promoção da assistência jurídica gratuita, o segundo por meio dos direitos difusos e coletivos e o terceiro é a união das duas primeiras ondas.

A importância da primeira onda é sobrelevada quando verifica que a Constituição de 1988 adota um sistema em que o Estado institui um Órgão cuja missão é prestar assistência judiciária aos cidadãos que se encontram em situação de vulnerabilidade ou que não possuam renda suficiente para arcar com os gastos de um advogado particular. Além disso, ela é uma das Instituições responsáveis pela promoção e defesa dos direitos humanos.

Interessante que, dada a relevância e abrangência da atuação dessa Instituição, ela é capaz de suprir a ausência, em determinadas localidades, do Poder Judiciário, levando o direito a quem dele precisa ou busca, proporcionando cidadania e o verdadeiro acesso à justiça, ainda que não pelos meios convencionais, via jurisdição.

Apesar desse cenário ser o ideal, é fato que a ausência de investimentos no Órgão do Acesso à Justiça é privar a população carente – representada pela maioria no Brasil -, da utilização do direito mais básico do ser humano que é poder provocar a jurisdição para obter uma resposta que ponha fim determinado conflito.

Privar a Defensoria do mínimo necessário para consecução da sua missão institucional, é penalizar indiretamente o cidadão que não terá meios de efetivar os seus direitos fundamentais e humanos. É afirmar que o seu direito a ter direitos não passa de mera falácia.

Assim, garantir o bom funcionamento da Defensoria Pública além de ser um dos objetivos reconhecidos pela Organização dos Estados Americanos, é municiar seus cidadãos com os poderes necessários para fazer valer seus direitos em qualquer âmbito de proteção, nacional ou internacional, podendo ser oposto contra qualquer pessoa, natural ou jurídica, pública ou privada. É prover de cidadania àquele que clama por Justiça.

REFERÊNCIAS

BLANCO, Carolina Souza Torres. O direito de acesso à justiça nas jurisprudências Interamericana e brasileira, uma análise comparativa. Revista Faculdade Direito UFMG, n. 61, p. 85-125, jul. – dez., Belo Horizonte, 2012.

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CASAS MAIA, Maurilio. A Intervenção de Terceiro da Defensoria Pública nas Ações Possessórias Multitudinárias do NCPC: Colisão de interesses (Art. 4º-A, V, LC n. 80/1994) e Posições processuais dinâmicas. In: Didier Jr., Fredie; Macêdo, Lucas Buril de; Peixoto, Ravi; Freire, Alexandre. (Org.). Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada – V.1 – Parte Geral. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, v. I, p. 1253-1292.

CASAS MAIA, Maurilio. A Segunda Onda de acesso à Justiça e os necessitados constitucionais: por uma visão democrática da Defensoria Pública. In: COSTA-CORRÊA, André L.; SEIXAS, Bernardo Silva de; SOUZA, Roberta Kelly Silva; SILVIO, Solange Almeida Holanda. (Org.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui-SP: Boreal, 2015.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendat. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2017.

MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional: Teoria da Constituição em tempo de crise do estado social. T. II. v. 2. Coimbra: Coimbra, 2014.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. Trad. Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

OLIVEIRA, Cláudio Ladeira de; MACOKA, Erika. A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a promoção do acesso à justiça. Scientia Iuris, v. 13, p. 229-253, nov., Londrina, 2009.

  1. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 629.
  2. Ibidem.
  3. Ibidem, p. 630.
  4. Informação que foi noticiada no Portal Amazonas Atual. In.: http://amazonasatual.com.br/juiz-defende-que-agregacao-de-comarcas-vai-levar-juizes-que-estao-sem-assistencia-ha-dez-anos/. Acesso em: 15 set. 2018.
  5. A reconstrução dos direitos humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendat. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 153-154.
  6. Direitos fundamentais. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2017, p. 389-390.
  7. Curso de direito constitucional: Teoria da Constituição em tempo de crise do estado social. T. II. v. 2. Coimbra: Coimbra, 2014, p. 103.
  8. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 433.
  9. Ibidem, p. 492.
  10. BLANCO, Carolina Souza Torres. O direito de acesso à justiça nas jurisprudências Interamericana e brasileira, uma análise comparativa. Revista Faculdade Direito UFMG, n. 61, p. 85-125, jul. – dez., Belo Horizonte, 2012, p. 113.
  11. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 31.
  12. CASAS MAIA, Maurílio. A Intervenção de Terceiro da Defensoria Pública nas Ações Possessórias Multitudinárias do NCPC: Colisão de interesses (Art. 4º-A, V, LC n. 80/1994) e Posições processuais dinâmicas. In: Didier Jr., Fredie; Macêdo, Lucas Buril de; Peixoto, Ravi; Freire, Alexandre. (Org.). Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada – V.1 – Parte Geral. 2ª ed. V. I, p. 1253-1292. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1256.
  13. No Estado do Amapá, por exemplo, somente em 2014, por meio da Lei Complementar Estadual n.º 86, de 25 de junho de 2014, aproximadamente 25 (vinte e cinco) anos após a promulgação da Constituição Federal, é que foi instituída a sua Defensoria Pública.
  14. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988., p. 32.
  15. A Intervenção de Terceiro da Defensoria Pública nas Ações Possessórias Multitudinárias do NCPC: Colisão de interesses (Art. 4º-A, V, LC n. 80/1994) e Posições processuais dinâmicas. In: Didier Jr., Fredie; Macêdo, Lucas Buril de; Peixoto, Ravi; Freire, Alexandre. (Org.). Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada – V.1 – Parte Geral. 2ª ed. V. I, p. 1253-1292. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1258.
  16. CASAS MAIA, Maurilio. A Segunda Onda de acesso à Justiça e os necessitados constitucionais: por uma visão democrática da Defensoria Pública. In: COSTA-CORRÊA, André L.; SEIXAS, Bernardo Silva de; SOUZA, Roberta Kelly Silva; SILVIO, Solange Almeida Holanda. (Org.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui-SP: Boreal, 2015, p. 196.

[1] Mestrando pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. Bacharel em Direito pela Faculdade Martha Falcão. Professor da Escola Superior Batista do Amazonas. Assessor Jurídico do 1º Núcleo Especializado em Atendimento de Interesses Coletivos da Defensoria Pública do Estado do Amazonas.

[2] Mestrando pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande-FURG. Professor Universitário. Pós-graduado em Direito Público e Privado. Tabelião de Notas e Registrador Civil das Pessoas Naturais de São Paulo.

Enviado: Novembro, 2018

Aprovado: Dezembro, 2018

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Marcos Irigon de Irigon

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