REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

A ineficácia da aplicabilidade da lei de execução penal: a responsabilidade do estado na ressocialização dos apenados

RC: 139258
530
5/5 - (11 votes)
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/execucao-penal

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FARIA, Camilla da Silva Santos de [1]

FARIA, Camilla da Silva Santos de.  A ineficácia da aplicabilidade da lei de execução penal: a responsabilidade do estado na ressocialização dos apenados. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 01, Vol. 03, pp. 111-128. Janeiro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/execucao-penal, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/execucao-penal

RESUMO

O presente trabalho trata sobre a ineficácia da aplicabilidade da Lei de Execução Penal e, com a vertente dos direitos constitucionais dos apenados, demonstra a responsabilidade do Estado na ressocialização deles. Com isso, aborda-se: a finalidade da pena, as garantias constitucionais do apenado e a responsabilidade do Estado; demonstrando que estes se tratam de responsabilidade civil objetiva, por não buscarem culpa ou dolo. Delineia-se, ainda, que o Estado não promove a educação e o trabalho, restando claro que o ócio faz parte das penitenciárias brasileiras, por isso torna-se dificultosa a ressocialização. Com isso, relatou-se, como uma solução plausível, a associação para proteção e assistência aos condenados, vislumbrando que há formas de buscar a reintegração do preso ao convívio social. Contudo, para que isto ocorra, é necessário que haja investimento do Poder Público.

Palavras-chave: Ressocialização, Lei de Execução Penal, Estado.

1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem por objetivo demonstrar a responsabilidade do Estado na ressocialização do condenado, com fundamento nos dispositivos constitucionais, observando que a ressocialização é fruto de garantias provenientes da constituição, que tem o dever de incluir todos os condenados e, como consequência, alcançar, também, toda a coletividade, pois, a partir do momento em que o Estado tutelar para a garantia dos apenados, fornecendo-lhes condições mínimas de dignidade para serem reintegrados ao convívio social, haverá maior segurança à sociedade.

A importância deste trabalho é visualizar que o Estado é responsável por sua desídia com os sentenciados, relatando que isso acarreta danos imensuráveis para eles e para todos os cidadãos, sendo dever do Poder Público repará-los. É de interesse dos autores pensar em maneiras de fazer a pena, a partir de um direcionamento mais reintegrador da execução penal, buscando, a partir de estudos sociais e psicológicos que promovem a ação coletiva e a responsabilização institucional pelo processo, habilitar o egresso para atuar novamente em sociedade e exercer, de forma plena, a sua cidadania.

Pretende-se, ainda, a partir desta pesquisa e de estudos posteriores, destacar meios de promover uma ressocialização que gere despesas inferiores às que o Estado possui atualmente, otimizando esses recursos para que possam ampliar, de forma mais eficiente, o reingresso do apenado à sociedade.

Para tanto, a metodologia utilizada para a produção deste artigo foi a revisão bibliográfica, partindo de artigos acadêmicos e livros doutrinários como fontes da pesquisa, buscando um alinhamento com o pensamento acadêmico e com a jurisprudência, evitando interpretações e leituras atravessadas, a fim de minimizar os riscos de incorrer em erro. A escolha bibliográfica foi feita com a finalidade de apontar os conceitos que servirão de base para este estudo, tendo como referência o sistema jurídico brasileiro e o processo de execução penal, bem como a responsabilidade do Estado e da sociedade no apenamento e na ressocialização de indivíduos.

Haverá, ainda, a descrição do trabalho das Associações para Proteção e Assistência dos Condenados (APACs), para demonstrar a sua atuação na ressocialização de presos e apresentar dados que reforçam o argumento deste artigo.

Portanto, nas seções a seguir verifica-se, primeiramente, o conceito e as finalidades da pena, para demonstrar a vertente utilizada no nosso sistema penal, que é a predominância da função preventiva e retributiva, deixando a desejar no aspecto da função ressocializadora.

Na seção seguinte, aborda-se os princípios constitucionais na aplicação das penas, a fim de delinear os limites do Estado e seus deveres com o condenado, evidenciando os princípios da dignidade da pessoa humana, sendo essa a base para o estado democrático de direito, assim como os princípios da humanização e da proporcionalidade da pena, que são os fundamentos básicos para que não se ultrapassem os limites no momento de penalizar o indivíduo, independentemente do crime cometido.

Na terceira seção, observa-se a responsabilidade do Estado, que, a princípio, deixa de prover os meios de capacitar a ressocialização ao deixar de cumprir a Lei de execução penal, que prevê ao preso a possibilidade de trabalho e de estudo; posteriormente, demonstra-se os tipos de responsabilidade civil do Estado.

Ao final, aborda-se o trabalho desenvolvido pelas Associações para Proteção e Assistência dos Condenados (APACs), como exemplo de aplicação efetiva para realizar a ressocialização. Destaca-se como é seu funcionamento, como são geridos seus custos e quais os seus benefícios.

2. CONCEITO E FINALIDADE DA PENA

2.1 CONCEITO      

A pena é empregada como instrumento legal de repressão a uma norma social violada. O Código Penal visa tutelar bens jurídicos essenciais para a sociedade através do poder pertencente ao Estado com o jus puniend, sendo certo que o objetivo do Direito Penal é regular as relações sociais nos seus atributos imprescindíveis. Sendo assim, entende-se que pena é uma:

Sanção penal de caráter aflitivo, imposto pelo Estado, em execução de uma sentença ao culpado pela prática de uma infração penal consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade (CAPEZ, 2005, p. 357).

E, de acordo com Ramirez e Malarée (1982, p. 114) citado por Bitencourt (2018, p. 194):

Pena e Estado são conceitos intimamente relacionados entre si. O desenvolvimento do Estado está intimamente ligado ao da pena. Para uma melhor compreensão da sanção penal, deve-se analisá-la levando-se em consideração o modelo socioeconômico e a forma de Estado em que se desenvolve esse sistema sancionador.

Diante disso, destaca-se que o Estado utiliza o Direito Penal para facilitar e normatizar o convívio em sociedade, sendo assim, emprega a pena como meio de proteção de possíveis danos a determinados bens jurídicos. De acordo com a evolução do Estado, o Direito, também, evolui, ao passo que essa evolução se fundamenta no contexto social, político e cultural de um momento da história. Desse mesmo modo, a teoria das penas sofreu alterações por força do contexto político, social, cultural e histórico em que se desenvolveu.

Sendo assim, o desenvolvimento no Brasil gerou conquistas legislativas importantes e de grande valor, como: a criação da Lei de Execução Penal (lei 7.210/1984) (BRASIL, 1984) e das garantias constitucionais dos Direitos Fundamentais (CRFB/88) (BRASIL, 1980), porém, apesar de tais conquistas, vê-se que nem todas as finalidades e garantias penais possuem uma real funcionalidade.

2.2 FINALIDADES DA PENA

O ordenamento jurídico penal brasileiro possui três teorias que visam explicar as finalidades da pena, a saber: a teoria absoluta ou da retribuição; a teoria da prevenção ou relativa; e a teoria mista ou conciliatória. Sendo assim, as finalidades da pena tratam-se da própria consequência prática da condenação. Diante disso, vejamos a análise de cada aspecto que fundamenta a pena.

O Aspecto Preventivo se divide em: geral e especial. O geral busca a intimidação da coletividade. Nesse aspecto, pretende-se o desencorajamento da realização de crimes, pois a norma penal ensejará em sanção, causando aos cidadãos desconforto ao cometimento de infrações, ou seja, como foi explicitado ao público que quem transgredir será punido, afasta-se a coragem dos demais delinquirem. Ainda nesse tema, Hassemer (1993, p. 34-35) citado por Greco (2010, p. 467-468), alude que:

―a intimidação como forma de prevenção atenta contra a dignidade humana, na medida em que ela converte uma pessoa em instrumento de intimidação de outras e, além do mais, os efeitos esperados são altamente duvidosos, porque sua verificação real escora-se necessariamente em categorias empíricas bastante imprecisas, tais como (…) o inequívoco conhecimento por parte de todos os cidadãos das penas cominadas e das condenações (pois do contrário o Direito Penal não atingiria o alvo que ele propõe), e a motivação dos cidadãos obedientes à lei a assim se comportarem precisamente em decorrência da cominação e aplicação de penas (pois do contrário o Direito Penal como instrumento de prevenção seria supérfluo).

A prevenção especial encontra-se na aplicação da pena de prisão ao sujeito infrator, pois, afastado da sociedade, não causará danos a ela; logo, enquanto preso, em tese, não pode delinquir, supostamente prevenindo a sociedade da reincidência. Mas, como dito acima, em tese, pois na prática, apesar de encarcerados, eles ainda cometem crimes, havendo inúmeros casos de infrações sendo realizadas de dentro dos presídios.

O Aspecto Retributivo possui o fim de castigar de forma proporcional o condenado ao mal causado, tendo que estar alinhado com os limites impostos pela carta magna, pois é vedado ao autor do crime serem imputadas as penas cruéis, como: pena de morte e pena de banimento, conforme art. 5º, XLVII (BRASIL, 1988); porém, na prática, a reclusão, nos moldes atuais, já se demonstra cruel por si só. Trata-se sobre esse tópico no capítulo apropriado.

No Aspecto Reparatório, a finalidade é a de ressarcir a vítima, ou seus familiares, pelo dano causado pelo transgressor, pois é obrigação do réu reparar o dano, de acordo com artigo 91, I, do Código Penal (BRASIL, 1940).

E, por fim, o Aspecto da Ressocialização, que busca aplicar a pena gerando uma reabilitação do condenado, para que ele reingresse à sociedade, este devendo ter a possibilidade de trabalhar e estudar. Sendo assim, com maestria preleciona Raúl Cervini (1995, p. 46), conforme citado por Greco (2010, p. 468):

A prisão, como sanção penal da imposição generalizada, não é uma instituição antiga, e as razões históricas para manter uma pessoa reclusa foram, a princípio, o desejo de que mediante a privação da liberdade retribuísse à sociedade o mal causado por conduta inadequada; mais tarde, obrigá-la a frear seus impulsos antissociais e mais recentemente o propósito teórico de reabilitá-la. Atualmente, nenhum especialista entende que as instituições de custódia estejam desenvolvendo atividades de reabilitação e correção que a sociedade lhes atribui. O fenômeno da prisionização ou aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário que condiciona futuras carreiras criminais (fenômeno de contágio), os efeitos da estigmatização, a transferência da pena e outras características próprias de toda instituição total inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz e as próprias cifras de reincidência são por si só eloquentes. Ademais, a carência de meios, instalações e pessoal capacitado agravam esse terrível panorama.

Cabe ressaltar que a finalidade da pena não pode ser tão somente com objetivo de retribuição e prevenção ao mal causado, deve-se buscar incansavelmente o caráter restaurador, isto é, materializar o que há na Lei de Execução Penal em seu art. 10: “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (BRASIL, 1984), sob pena dos cidadãos permanecerem arcando com o prejuízo da reincidência.

3. PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DAS PENAS

Em todo ramo do Direito, assim como no Direito Penal e Processual Penal, existem princípios autônomos, porém, além destes, os princípios constitucionais devem ser inevitavelmente observados, tendo em vista a sua soberania sobre as demais normas. Diante disso, relata-se a visão de Moraes (2000, p. 46-47), devidamente citado por Bitencourt (2018, p. 66):

Todos esses princípios são garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988. Eles estão localizados já no preâmbulo da nossa Carta Magna, onde encontramos a proclamação de princípios como a liberdade, igualdade e justiça, que inspiram todo o nosso sistema normativo, como fonte interpretativa e de integração das normas constitucionais, orientador das diretrizes políticas, filosóficas e, inclusive, ideológicas da Constituição, que, como consequência, também são orientativas para a interpretação das normas infraconstitucionais em matéria penal.

Torna-se obrigatório agir em detrimento do poder normativo constitucional para que se conquiste um ideal de justiça, impondo limites ao Estado para que seja evitado o abuso de poder e que se resguarde o Estado democrático de direito. Diante disso, relata-se a seguir a análise de um importante princípios para a sociedade brasileira.

3.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA HUMANIZAÇÃO DA PENA

Tal princípio rege um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). É um fundamento, pois constitui um valor supremo, isto é, trata-se da base de um país democrático, uma vez que sua natureza está agregada aos pilares de uma sociedade e, além disso, possui respaldo em tratado internacional, ou seja, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica (1969), disposto em seu art. 5º, 2, em que se pode ler que “ninguém será submetido a torturas, nem penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).

No mesmo sentido, a Lei de Execução Penal destaca, em seu art. 40: “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e presos provisórios” (BRASIL, 1984).

Entretanto, há uma distância entre a lei e a sua concretude, que pode ser observada, principalmente, nas penitenciárias que abrigam uma quantidade de presos maior que a sua capacidade, sem o devido tratamento de saúde, sem tratamento dentário, sem instalações sanitárias, dentre outros requisitos básicos para se viver com dignidade. Essa falta de atitude do Estado, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, corrobora com o não cumprimento do disposto no art. 3º da Lei de Execução Penal: “ao condenado e ao internado são assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (BRASIL, 1984). Ademais, no art. 88 do mesmo diploma legal consagra-se que: “O condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório”, e continua em seu parágrafo único e alíneas: “São requisitos básicos da unidade celular: a) Salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, adequado à existência humana; b) área mínima de 6m²” (BRASIL, 1984).

Diante do exposto, citamos uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que respalda o entendimento da dignidade do ser humano, devidamente citado pelos autores Estefam e Gonçalves (2017, p. 157-158):

 concessão de liberdade provisória excepcionalmente motivada pela constatação de que as condições do cárcere violam o princípio da dignidade humana:

―(…) 1. A República Federativa do Brasil tem como fundamento constitucional a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). 2. A custódia cautelar implica necessariamente o cerceamento do direito à liberdade, entretanto o custodiado em nenhum momento perde a sua condição humana (art. 312 do CPP). 3. Impõe-se ao magistrado verificar, caso a caso, se o sistema prisional detém meios adequados para tratar preso em condições precárias de saúde, caso contrário, admite-se de forma excepcional — a concessão da liberdade provisória, em atenção ao princípio da dignidade humana, inclusive porque, nos termos da Constituição Federal, ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).

      1. Relevante a manifestação do juízo de primeiro grau — ao deferir a liberdade provisória —, pois manteve contato direto, a um só tempo, com a situação concreta do acusado, com os fatos a ele imputados e com o ambiente social onde estes ocorreram (…)‖ (Resp. 1.253.921/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, julgado em 09.10.2012, DJe 21.05.2013).

Nesse sentido, a pena possui um histórico que demonstra ser pior do que os próprios crimes cometidos, aplicando sanções que são extremamente violentas. Porém, os delitos cometidos com violência, muitas das vezes, foram cometidos por impulso, já as penas, são sempre violências premeditadas, organizadas com diversos aparatos materiais, realizadas por muitos contra apenas um.

Contudo, ressalta-se que, Foucault (1987), em sua obra “Vigiar e Punir”, faz um estudo detalhado sobre o surgimento das prisões e as formas de penalização do sujeito por meio de castigos para uma coação e controle do indivíduo. Assim, por meio desta obra é possível compreender a historização do sistema prisional como um instrumento de controle social que corrobora com os interesses da classe dominante, pois

a disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo (FOUCAULT, 1987, p. 119).

O autor supracitado retrata a era do suplício e das penas corporais, demonstrando que o Estado se baseava no espetáculo do horror, e, com o passar do tempo, no século das luzes, isto é, nos séculos XVIII e XIX, com as duras críticas, essas penas foram dando lugar às penas privativas de liberdade, formando-se a ideia de torná-las menos vingativas, retirando as formas que antes eram aplicadas. Com o tempo, foi sendo formalizado, através de lei, a não aplicação de violência em formato de pena.

Segundo Foucault (1987), vivemos em uma sociedade punitiva e disciplinar. Compreendendo que a disciplina é um tipo de poder, a sociedade torna-se um espaço para se exercê-lo por meio de dominação do Estado e das classes dominantes com instrumentos que atuam na disciplina dos corpos, como: a escolarização, por exemplo. Desse modo, as prisões tornam-se a última instância para exercer esse controle, isto é, a constante vigilância das ações do indivíduo, através da aplicação, tanto das normas, quanto das leis, tornando efetivo o controle social.

Sobre o sistema prisional, Foucault (2007), discorre que as prisões passaram a ser um mecanismo para disciplinar a sociedade, a partir dessas relações de poder, pela subordinação do indivíduo ao Estado e, consequentemente, à burguesia. Isso se instaura, assim, por meio da submissão, vigilância e punição desses corpos. Apesar disso, ao analisarmos a obra, é notório que o autor aponta que o sistema penal é fadado à falência, visto que a criminalidade aumenta e a reincidência é alta.

(…) prisão, essa pequena invenção desacreditada desde o nascimento. Se ela tivesse sido apenas um instrumento para eliminar ou esmagar a serviço de um aparelho estatal, teria sido mais fácil modificar suas formas evidentes demais ou encontrar para ela um substituto mais aceitável. Mas enterrada como está no meio de dispositivos e de estratégias de poder, ela pode opor a quem quisesse transformá-la uma grande força de inércia. Um fato é característico: quando se pretende modificar o regime de encarceramento, as dificuldades não vêm só da instituição judiciária; o que resiste não é a prisão-sanção penal, mas a prisão com todas as suas determinações, ligações e efeitos extrajudiciários; é a prisão como recurso de recuperação na rede geral das disciplinas e das vigilâncias; a prisão, tal como funciona num regime panóptico. O que não quer dizer que não possa ser modificada ou dispensável definitivamente para um tipo de sociedade como a nossa. (FOUCAULT, 1987, p. 332)

Diante disso, na atualidade, se preceitua, na Constituição Federal, em seu inciso XLIX, art. 5º, que deve ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, assim como no inciso XLVII, do mesmo artigo, o qual dispõe que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, sendo assim, esses dispositivos se coadunam com o princípio da dignidade da pessoa humana, art 1º, III, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), surgindo, portanto, o entendimento da importância da humanização e proporcionalidade da pena. Sobre este tema, Greco (2010, p. 79) afirma que:

Acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e quantidade da pena. É este valor sobre qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames, e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. Um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes.

E, em consonância com os aspectos trazidos pelo autor, tais quais o valor da pessoa humana e a extinção de penas de morte, infames, perpétuas ou corporais, como sendo parte importante de humanização das próprias relações sociais, políticas e jurídicas, o autor, ainda, expõe, quando fala sobre a importância de se humanizar a pena, que: “O princípio da humanidade caracteriza-se por defender que ―o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados” (BITENCOURT, 2018, p. 47).

Sendo assim, o que se encontra no dicionário sobre a palavra “humanizar” é: “1. atribuir caráter humano, conceder ou possuir condição humana, (…) 2. Tornar-se benéfico; fazer com que seja tolerável; humanizar-se, (…) 3. Tornar-se civilizado; atribuir sociabilidade a; civilizar-se: humanizar uma pessoa incivil” (DICIO, s.d.).

Portanto, o que se espera é a efetivação da Lei de Execução Penal e que a ela limite-se a sua concretude juntamente com a observância dos princípios constitucionais fundamentais, mantendo-se longe do uso da vingança privada.

4. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA RESSOCIALIZAÇÃO

Nesta seção, pretende-se trazer a luz um breve entendimento sobre a responsabilidade do Estado na ressocialização do condenado. Destaca-se, ainda, a importância de deixar nítido que o Estado, sendo detentor do poder coercitivo, deve ser também detentor da responsabilidade das consequências que se derivam desse poder, isto é, se ele é capaz de arcar com a força de punir, deve arcar também com os danos que tais punições possam vir a causar.

Nesse sentido, analisa-se o princípio do direito administrativo da legalidade, que pressupõe que o Agente Público deve agir de acordo com o que lei lhe impõe, diferentemente da seara privada, onde os administrados podem fazer tudo o que a lei não proíbe. Portanto, o Poder executivo, quando não age em conformidade com a lei, fere o princípio da legalidade, isto é, a inobservância da Lei de Execução Penal deveria ser, de alguma forma, ressarcida, haja vista que causa dano a toda coletividade.

Portanto, de acordo com Di Pietro (2017, p. 673), entende-se dizer que: “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.

4.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

No que tange sobre a responsabilidade civil subjetiva, ela possui, como principal característica, a de ter que demonstrar a culpa de quem causou o dano, ou seja, como disposto nos artigos 186 do Código Civil, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).

Cabe, ainda, destacar que a responsabilidade civil se funda também na comprovação de culpa, de ato ilícito, nexo de causalidade e dano.

Ainda nesse sentido, deve-se entender que, havendo culpa, há a chance de restar afastada a responsabilidade, porém não podemos falar nesse afastamento de responsabilidade se ficar caracterizado o dolo, isto é, ocorrendo dolo haverá responsabilidade civil.

4.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

A responsabilidade civil objetiva se constitui em três elementos básicos, isto é: a conduta do Estado, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano, sendo assim, não necessita da comprovação de dolo ou culpa. Portanto, não é possível buscar a existência do elemento culpa daquele que causa o dano.

Nesse aspecto, como observa Stoco (2011, p. 1321):

O confinamento de pessoa condenada pelo Estado-Juiz por parte do Poder executivo pressupõe a entrega dessa pessoa à guarda a vigilância da administração carcerária. Desse modo, qualquer lesão que esses presos sofram por ação dos agentes públicos, por ação ou omissão, falta ou falha do serviço, nem se há de indagar da culpa do servidor ou culpa anônima do serviço. A responsabilidade nasce tão só da existência de um dano e da existência de nexo causal entre o fato e o resultado. Isto porque o preso fica sob o poder, proteção e vigilância do Estado. Quando o preso não tem escolha quanto ao local em que deve ficar, nem opção quanto aos próprios meios de sua proteção. (…) Diante disso, submetido que está às imposições do regime prisional, por qualquer dano que sofra, seja de ordem material, física ou moral, o Estado responde independentemente da indagação de culpa.

Na Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), nada vem expresso a respeito do dolo, ou da responsabilidade estatal, porém sabe-se que, como os presos encontram-se sob tutela do Estado, a ele se incumbe o dever de resguardar a integridade deles e, com isso, entende-se que não há o que se falar em responsabilidade subjetiva, pois aqui o que se consagra é a responsabilidade objetiva, isto é, não devemos buscar dolo ou culpa do Estado.

4.3 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA EDUCAÇÃO E NO TRABALHO

A Constituição Federal de 1988, no artigo 6º, dispõe que a Educação e o trabalho fazem parte dos direitos sociais e, além disso, no mesmo diploma legal, em seu artigo 205, determina que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Nesse mesmo sentido, a Lei de Execução Penal, no artigo 17, aduz que: “A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”; no artigo 18 do mesmo diploma legal, dispõe-se que: “O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa”; e, por fim, o artigo 18-A: “O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização” (BRASIL, 1984).

No que diz respeito ao direito ao trabalho do sentenciado, que, como já mencionado, é um dos direitos sociais expressos na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), encontramos, ainda, fundamento na Lei de Execução Penal, no artigo 28: “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”; assim como no artigo 31 do mesmo diploma legal: “O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”.

Para corroborar com a temática abordada, demonstra-se, de acordo com os dados obtidos pelo Departamento Penitenciário Nacional – Depen, colhidos pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen em 2017, o grau de escolaridade dos que cumprem pena privativa de liberdade:

No que concerne ao grau de escolaridade das pessoas privadas de liberdade no Brasil, é possível afirmar que 51,3% destas possuem o Ensino Fundamental Incompleto, seguido de 14,9% com Ensino Médio Incompleto e 13,1% com Ensino Fundamental Completo. O percentual de presos que possuem Ensino Superior Completo é de 0,5%. Ao analisarmos os dados de escolaridade da população brasileira, obtidos a partir da PNAD Contínua 2017, percebemos que não há uma representação no sistema prisional dos mesmos graus de escolaridade observados na sociedade brasileira. No sistema penitenciário, mais da metade das pessoas custodiadas possuem baixa escolaridade, ao passo que entre a população brasileira percebe-se maior dispersão entre todos os níveis educacionais (SILVA, 2019).

Cabe mencionar, baseado no mesmo censo, isto é, Infopen de 2017, porém sendo demonstrado pela Depen, as porcentagens de presos que ocupam alguma atividade laborativa:

Neste ponto do relatório serão apresentados os principais dados sobre os recursos humanos disponíveis em todas as unidades prisionais do Brasil. Para isso serão considerados os profissionais efetivos, comissionados, terceirizados e temporários. De acordo com informações disponibilizadas pelos responsáveis nas unidades prisionais que participaram do levantamento do Infopen, na data de 30/06/2017, havia 108.403 profissionais em atividade no sistema prisional de todo o Brasil, conforme apresentado no quadro a seguir frequência dos trabalhadores do sistema prisional segundo o vínculo empregatício. A partir dos dados observados, é possível inferir que, em todo o Brasil, 69,6% dos servidores do sistema prisional são efetivos, 19,5% são temporários e 9% são terceirizados (SILVA, 2019).

Sendo assim, verifica-se, com os dados do censo, que há um número ínfimo de estudantes e empregados no âmbito prisional. Isto, mais uma vez, torna latente o não cumprimento legal da Lei de Execução Penal.

A educação e o trabalho dos sentenciados devem ser inseridos no dia a dia prisional, para garantir a diminuição de pena, impulsionando a progressão de regime, bem como o fato de tornar o estudo e trabalho obrigatórios, para fazer com que o internado seja instruído e preparado para a vida fora do presídio, a fim de que a reincidência deixe de fazer parte do cotidiano, pois, talvez, este seja o único meio de pôr em prática a ressocialização da pena.

Portanto, o Estado sendo omisso no cumprimento legal, se torna responsável por reparar os danos causados pela falta de investimentos na restauração do indivíduo encarcerado. O Poder Público precisa abandonar o discurso fajuto da reserva do possível, ao passo que o Estado não cumpre seu papel e ainda se locupleta com o sofrimento alheio, pois os presídios se tornam fonte de corrupção e lucro para alguns membros do Poder Público.

5. A RESSOCIALIZAÇÃO E ASSOCIAÇÃO PARA PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS (APACs) 

5.1 FUNCIONAMENTO

APAC é uma Associação para Proteção e Assistência aos Condenados, primeiramente iniciada como uma pastoral cristã, com o intuito de evangelizar os presidiários, sob liderança do advogado Mario Ottoboni, sendo, posteriormente, constituída, em 1974, como entidade civil de direito privado com personalidade jurídica própria, com o objetivo principal na recuperação do condenado, auxiliando o Poder Executivo e o Judiciário, na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade. Atualmente, atua em 43 cidades de quatro estados distintos, segundo a Fraternidade Brasileira aos Condenados – FBAC (s.d.).

De acordo com a matéria sobre essas associações publicada no Conselho Nacional de Justiça, entende-se que:

(…) lá, o condenado encontra uma rotina de trabalho e educação, diferente do ócio obrigatório vivido atrás das grades dos presídios comuns. Um quadro fixo de funcionários e grupos de voluntários asseguram um rol de atividades variadas com o objetivo de preparar o preso para voltar ao convívio em sociedade, desde terapia a religião. Para aumentar as chances de sucesso no retorno à sociedade, as visitas de familiares facilitam o contato entre presos e visitantes – mães, companheiras e filhos de presos, sobretudo – sem expor a segurança da casa (MONTENEGRO, 2017).

O quadro de funcionários das APACs é menor, haja vista que há o recebimento de menor quantidade de internos. Segundo o gerente de segurança, Silas Porfírio, 16 funcionários respondem pela operação da unidade, que possui 125 presidiários cumprindo pena de regime fechado e semiaberto. Dentro da instituição, existe uma rotina de atividades, como: atividades de lazer, cultos ecumênicos, terapia, oficinas profissionalizantes, aulas, entre outras atividades (MONTENEGRO, 2017).

Segundo a FBAC (s.d.), a APAC conta com uma rotina diária que inicia às 6 da manhã e termina às 10 da noite. Durante o dia todos trabalham, estudam e se profissionalizam, evitando a todo custo a ociosidade. Com uma disciplina rígida, a APAC conta com um conselho formado por recuperandos que contribui decisivamente para a ordem, o respeito e o seguimento das normas e regras.

5.2 CUSTOS

Um dos argumentos plausíveis para se adotar esse método ressocializador em todo o Brasil é o custo, segundo a FBAC, filiada à APAC, dado que, atualmente, nas cerca de 39 unidades das APACs Mineiras, cumprem pena em média 3 mil condenados. Diante disso, ainda de acordo com a FBAC, o gasto mensal é de 3 milhões ao mês, porém, se ainda estivessem em uma prisão comum do Estado, dariam o gasto de 12 milhões por mês, ou seja, a diferença se estima em 9 milhões de reais mensais (MONTENEGRO, 2017).

A obra para construção de uma APAC chega ao valor de R$ 15 mil, contudo, para a construção de uma prisão comum se gasta R$ 45 mil, segundo Cleber Costa, da APAC de Macau/RN (MONTENEGRO, 2017).

Em relação aos contratos de serviços e produtos, há uma redução considerável de valores, de acordo consideração da Juíza Branca Bernardi, que é responsável por uma das APACs no Paraná, em Barracão:

Normalmente esses contratos do sistema comum são para fornecimento de alimentação ou para a construção de unidades prisionais. Para reformar a delegacia e transformá-la em APAC, gastamos R$ 70 mil. Fizemos uma licitação dentro da cidade, como fazemos para comprar frutas, verduras, etc. Não se trata de nenhum contrato milionário (MONTENEGRO, 2017).

No que diz respeito, ainda, à diminuição dos gastos, tal fato também gera como consequência o afastamento da corrupção, tendo em vista que os custos são bem menores, pois no sistema carcerário a corrupção ocorre, até mesmo, nas pequenas distribuições de materiais aos presos, isto é, comida, vestimenta e utensílios básicos para a vivência deles no presídio (MONTENEGRO, 2017).

5.3 BENEFÍCIOS

Como vimos anteriormente, o custo é reduzido e há a aplicação da função ressocializadora da pena, isso significa um ganho para toda a sociedade, pois reduz as chances de reincidência e, ainda, dignifica a pessoa do condenado. Além disso, fica reduzido o custo suportado pelo Erário.

Portanto, torna-se mais barato ressocializar o condenado com a sistemática da APAC do que simplesmente prendê-lo no sistema penitenciário comum, que é mais caro e não ressocializa o indivíduo.

6. CONCLUSÃO

O objetivo primordial dessa pesquisa é de conduzir a percepção de que não haverá redução do cometimento de crimes enquanto o Poder Público não assumir e cumprir com eficiência os seus deveres como guardião dos interesses sociais, isto é, gerar condições básicas para a formação do ser humano e amparar os que, por ausência de sua assistência, se inclinaram para a criminalidade.

O sistema carcerário brasileiro se ambientaliza em condições que sustentam o ócio e o ódio dos encarcerados, o primeiro por não produzirem nem um tipo de atividade laboral ou intelectual, e o segundo por serem tratados com desumanidade, sendo-lhes negado o direito à uma devida reintegração social, isto é, a ressocialização.

O Estado deve responder por omissão, pois deixa de garantir os direitos fundamentais e, com isso, inobserva o princípio da dignidade da pessoa humana.

Na Constituição Federal, em seu artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, aduz que o Estado deve responder objetivamente pelos danos que causar, bastando possuir o nexo de causalidade entre o dano e a lesão para que se constitua o dever de indenizar (BRASIL, 1988).

E o Poder Judiciário possui competência para julgar o caso concreto, sendo certo que deve responsabilizar o Estado objetivamente pela omissão cometida na ressocialização e no não provimento dos meios básicos de subsistência de ser humano digno. Em consonância, traz-se, como exemplo, uma das decisões judiciais apreciadas:

morte de detento no interior da unidade prisional – dever de zelar pela integridade física e moral do detento preso sob custódia. Dano moral configurado – 013868912.2006.8.19.0001 – APELAÇÃO – 1ª Ementa Des(a). RICARDO RODRIGUES CARDOZO – Julgamento: 27/10/2015 – DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL.  “Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento” (BRASIL, 2017).

 Convém esclarecer que entende-se que, por mais distante que seja da realidade, deve haver capacitação dos condenados para a realização de estudo e trabalho, sendo certo que este é o único meio de promover a melhor forma de ressocialização, e que a efetividade desta deve se iniciar pelo cumprimento da Constituição Federal, da Lei de Execução Penal, dos tratados internacionais, enfim, de todas as normas que disciplinam explicitamente ou implicitamente a responsabilidade do Estado na ressocialização do condenado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 31 jan. 2023.

BRASIL. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Presidência da República, 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 31 jan. 2023.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Presidência da República, 1984. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 31 jan. 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Presidência da República, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 31 jan. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 580.252 Mato Grosso Do Sul. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão Geral. Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6º. 2. Violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários. Indenização. Cabimento. Relator: MIN. Alexandre de Moraes. Julgado em: 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13578623. Acesso em: 31 jan. 2023.

BITENCOURT, Cesar. Tratado de direito penal. Parte geral. 24ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2018.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Comissão Interamericana De Direitos Humanos, 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 31 jan. 2023.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª ed. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS – DICIO. Humanizar. Dicio, Dicionário Online de Português, s.d. Disponível em: https://www.dicio.com.br/humanizar/. Acessado em: 19 set. 2019.

ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal esquematizado. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 24ª ed. São Paulo: Edições Graal, 2007.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.

FRATERNIDADE BRASILEIRA AOS CONDENADOS – FBAC. O que é APAC? Fraternidade Brasileira aos Condenados, s.d. Disponível em: https://fbac.org.br/o-que-e-a-apac/. Acesso em: 31 já. 2023.

GRECO, Rogério. Curso Direito Penal. Parte geral. 12ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

MONTENEGRO, Manuel Carlos. Ressocializar presos é mais barato que mantê-los em presídios. Conselho Nacional de Justiça, abril de 2017. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/apac-onde-ressocializar-preso-custa-menos-que-nos-presidios/. Acesso em: 15 set. 2022.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SILVA, Marcos Vinícius Moura (org.). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho de 2017. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, Departamento Penitenciário Nacional, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios-e-manuais/relatorios/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017.pdf . Acesso em: 19 out. 2022.

[1] Pós-graduada em Psicologia Jurídica pela Universidade Única de Ipatinga, Pós-graduada em Direito Processual Civil na Universidade Cândido Mendes, Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira.  ORCID: 0000-0003-4095-9235.

Enviado: Novembro, 2022.

Aprovado: Janeiro, 2023.

5/5 - (11 votes)
Camilla da Silva Santos de Faria

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita