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Terras Indígenas e Etnoarqueologia em Santa Catarina: Desafios Contemporâneos

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CONTEÚDO

SILVA, Bruno Labrador Rodrigues da [1]

SILVA, Bruno Labrador Rodrigues da. Terras Indígenas e Etnoarqueologia em Santa Catarina: Desafios Contemporâneos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 2, Vol. 15. pp 30-43 Janeiro de 2017 ISSN:2448-0959

RESUMO

Reflexões sobre o papel da arqueologia no mundo contemporâneo vêm proporcionando uma discussão mais centrada sobre ética, neutralidade científica e demandas sociais. A etnoarqueologia toma parte neste processo ao discutir aspectos da história recente, trabalhar a multivocalidade, e não considerar apenas os interesses científicos, mas também aqueles sociais e políticos, como elementos fundamentais para a prática arqueológica. A partir de um levantamento das Terras Indígenas em Santa Catarina, tem-se como objetivo, demonstrar a situação de conflito encontrada em algumas comunidades, e como as questões territoriais podem constituir um campo fértil para o desenvolvimento de pesquisas que incorporem estes elementos e tenham um posicionamento mais consciente sobre seu papel social.

Palavras-chave: Etnoarqueologia, História Indígena, Arqueologia de Santa Catarina.

INTRODUÇÃO – ETNOARQUEOLOGIA E O PAPEL DA ARQUEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

O papel da arqueologia no mundo contemporâneo é um tema que ganhou maior relevância nas últimas décadas. Reflexões sobre ética, neutralidade científica, posicionamento político e demandas sociais estiveram em pauta na agenda. A partir dessas reflexões ocorreu um maior amadurecimento na concepção de que os arqueólogos, bem como outros pesquisadores, são produtos da cultura, da história e também da experiência individual. O arqueólogo deve considerar as diferentes escalas em que suas pesquisas estão inseridas, reconhecer que seus interesses estão vinculados ao seu contexto, que é pessoal, local, e global ao mesmo tempo, e ainda compreender o caráter plurissemântico de seu objeto de estudo (POLITIS, 2015; PYBURN, 2009; HAMILAKIS, 2009).

Para Pyburn (2009) a arqueologia deve sempre estar atrelada à construção de um mundo mais democrático, em que as repercussões e os resultados das pesquisas possam ser vistos e sentidos numa escala comunitária, local. A autora defende a posição de que a arqueologia pode ajudar muitas pessoas, contanto que haja entre os arqueólogos um posicionamento político declarado. Esta posição difere daquela por vezes aclamada por alguns arqueólogos processualistas que adotavam uma proposta mais cientificista para a prática arqueológica, colocando-se como um observador distante e alheio às demandas dos povos que estudavam, uma vez que focavam a objetividade.

Propostas mais democráticas propõem que os objetivos da arqueologia se vinculem à possibilidade de tecer projetos que incorporem interesses científicos, sociais e políticos. A articulação destes interesses proporciona um caráter mais responsável e ético, principalmente perante as populações historicamente silenciadas. Esta articulação representa um importante passo para a construção de uma prática arqueológica mais consciente de seu papel perante a sociedade (COLWELL-CHANTHAPHONH, 2009; SILLIMAN, 2008).

Embora não amplamente reconhecida, a etnoarqueologia possuiu um papel central no desenvolvimento da arqueologia contemporânea. Ela não só proporcionou avanços à compreensão do comportamento humano, mas também à teoria arqueológica. Dentre os temas discutidos pelos etnoarqueólogos pode-se destacar a mitigação do etnocentrismo e a interpretação de processos humanos na longa duração. Ao refletir sobre a etnoarqueologia contemporânea Politis (2015, p. 2) sumariza em quatro pontos suas contribuições: 1 – produção de referências analógicas que possam ser aplicadas à interpretação arqueológica; 2 – desenvolvimento e teste de hipóteses; 3 – construção de teoria arqueológica; 4 – avanço na compreensão das sociedades tradicionais não ocidentais, no presente e no passado.

O interesse da etnoarqueologia por questões éticas aprofundou a discussão sobre a representação e a moralidade de se estudar o “outro”. A proposta colonialista de se estudar determinados povos com o único propósito de construir analogias foi duramente criticada. Sabe-se que o uso de analogias etnográficas diretas geraram resultados simplistas e generalizantes, os quais contribuíram para a justificação da dominação colonial (COLWELL-CHANTHAPHONH, 2009; SILVA, 2012; SILVA, 2009). Influenciada pelo movimento desenvolvido a partir da década de 1980, a crítica colonial na arqueologia gerou uma revisão histórica da disciplina. O debate ocorrido desde então provocou uma reconsideração no modo de se interpretar o passado. Recorreu-se a uma ética não-colonialista, evidenciando-se assimetrias nas relações de poder e assumindo-se a necessidade de incorporação de epistemologias nativas na construção do conhecimento (SILVA 2012). Ademais, grande interesse passou a ser dado ao contexto atual das comunidades estudadas, abordando-se aspectos de sua história recente, seus problemas políticos, territoriais e a sua participação em programas de desenvolvimento econômico (LANE, 2006; RUIBAL, 2009; HAMILAKIS, 2009).

Com o objetivo de descolonizar a prática arqueológica foram desenvolvidos projetos colaborativos que pudessem integrar as diferentes partes interessadas nas pesquisas arqueológicas. Um objetivo no escopo destes projetos é tornar as comunidades mais influentes no processo de tomada de decisões e na interpretação do registro arqueológico. É proposta a construção de parcerias, baseadas no diálogo e na tentativa de se buscar uma maior simetria. Esta abordagem tornou-se conhecida como arqueologia indígena ou colaborativa (LIGHTFOOT, 2012). Silva (2011 p. 6) sintetiza que estas parcerias “são realizadas com, para e/ou pelos povos indígenas, sendo que o foco da pesquisa está direcionado para a produção de conhecimento para e pelos indígenas e não apenas sobre estes povos”.

O impacto destas parcerias vai além dos limites tradicionais da arqueologia e reavalia os objetivos de pesquisa, a elaboração de agendas e os métodos de aquisição de dados. As incorporações de múltiplas linhas de evidências, como a tradição oral, os dados históricos e linguísticos, e as valorizações de distintas perspectivas epistemológicas, acabam contribuindo para uma prática arqueológica mais inclusiva e multivocal, que incorpora diferentes visões sobre o passado e sobre o usufruto do patrimônio arqueológico (LIGHTFOOT, 2012; COLWELL-CHANTHAPHONH, 2009).

Segundo Silva (2012, p.30) projetos relacionados a arqueologias indígenas podem ser divididos em cinco grandes campos:

1) pesquisas arqueológicas e etnoarqueológicas que visam a construção de uma história indígena de longa duração (p.ex. Wüst, 1991; Eremites de Oliveira, 1996, 2002; Heckenberger, 1996; Neves, 1998; Rodrigues, 2007); 2) pesquisas etnoarqueológicas que tem como foco o entendimento da relação entre comportamento humano e cultura material (p.ex. Rodrigues, 2007; Silva, 2000, 2008, 2009a, 2009b, 2010, 2012; Silva e Stuchi, 2010); 3) pesquisas relacionadas à  demarcação, manutenção ou reivindicação de territórios tradicionais por parte dos coletivos indígenas (p.ex. Eremites de Oliveira, 2005, 2010; Eremites de Oliveira e Pereira, 2009); 4) pesquisas relacionadas a empreendimentos que demandam trabalhos de arqueologia preventiva e etnoarqueologia (p.ex. Funari e Robrahn-González, 2007; Moi, 2003); 5) pesquisas de arqueologia pública (p.ex. Funari, Oliveira e Tamanini, 2005; Robrahn-González, 2005) .

As pesquisas de Fabiola Andréa Silva em terras indígenas da região central do Brasil ilustram este cenário. A arqueóloga coordenou dois projetos [2] em colaboração com os povos da Aldeia Lalima, com os Kayabi (Terra Indígena TI Kaiabi), e com os Asurini (TI. Kuatinemu). Para os três povos a questão territorial é no mínimo delicada. Os Kayabi lutam contra invasões de posseiros, garimpeiros, fazendeiros, comerciantes e empresas, além de terem de lidar com as demandas desenvolvimentistas que almejam a construção de hidrelétricas no rio Teles Pires. Na Aldeia Lalima, há disputas pela ampliação do território, por uma maior sustentabilidade, e pelo fechamento de fazendas ilegais instaladas eu suas terras.

Conforme Silva (2012) a identificação de vestígios arqueológicos na TI Kaiabi, e na aldeia Aldeia Lalima serviu aos seus moradores como um argumento legítimo para suas reivindicações de manutenção, ampliação e recuperação de terras. Na TI Kuatinemu, os Asurini também deram suas próprias interpretações sobre os materiais arqueológicos encontrados em seu território. Para eles os achados eram testemunhos da presença de seus ancestrais e dos personagens míticos que compõem a sua cosmologia.

CONTEXTO ARQUEOLÓGICO DA REGIÃO SUL DO BRASIL

Os primeiros indícios de ocupação humana da região sul do Brasil estão datados de pelo menos 12.000 AP, relacionados a grupos de caçadores-coletores que habitavam o planalto. No litoral, populações de pescadores e coletores se distribuíam por estuários, canais, mangues e baías, construindo sambaquis num período que se estende de 7.000 até 1.000 AP (NOELLI, 1999-2000; SCHMITZ, 2013; DEBLASIS, 2007).

Uma ocupação mais recente é atribuída a grupos ancestrais da família linguística Macro-Jê que migraram da região central do Brasil e se estabeleceram no sul a partir de 2.000 AP (SCHMITZ et. al. 1999, 2009, 2010; ARAÚJO 2001; NOELLI 1999-2000). Nos séculos posteriores a ocupação dos Jês meridionais se expandiu por praticamente todo o planalto sul e por regiões do litoral. Estes grupos eram portadores da cultura material relacionada às tradições arqueológicas Taquara/Itararé. Estudos arqueológicos, etno-históricos e linguísticos destes povos demonstram uma continuidade histórica com os Kaingang e Xokleng (BEBER, 2004; URBAN, 1992; WIESEMANN, 1978; ARAÚJO, 2001; NOELLI, 1999-2000; CORTELETTI, 2012).

A última ocupação pré-colonial da região Sul é atribuída aos grupos indígenas Guarani. Ela é bem estabelecida nas bacias do Paranapanema, do Paraná, do Uruguai e do Jacuí ao redor de 2.000-1500 AP. Como agricultores, os vestígios arqueológicos de suas ocupações remetem a artefatos utilizados para o cultivo, a caça e outras utilidades domésticas. Entre eles se destaca a cerâmica, abundante e variada em acabamento, tamanho e uso (SCHMITZ, 2013). Dentre as populações indígenas do Sul os estudos sobre os Guarani são os mais aprofundados, seja em termos arqueológicos, etnográficos, históricos ou linguísticos. Sua distribuição no período de contato com os europeus abrangia amplas áreas do vale do rio Uruguai e a planície costeira atlântica. (NOELLI, 1999-2000; NOELLI, 1993; BROCHADO, 1984).

No momento de contato com os europeus, os Jê meridionais e os Guarani haviam assimilado ou reduzido drasticamente outros grupos existentes. No início do período colonial, os Guarani sentiram maior impacto das frentes europeias. A escravidão, epidemias e o aldeamento em missões jesuíticas reduziu consideravelmente seu território, restando poucas comunidades isoladas em alguns locais do interior. O contato europeu com os Jê meridionais foi menos intenso no início do período, sendo mais frequente a partir da segunda metade do século XVII, ou mesmo até o princípio do século XX, quando os povos Kaingang e Xokleng tornaram-se a maior oposição ao avanço colonial (NOELLI, 1999-2000; SCHMITZ, 2013). Este período foi marcado por uma redução da densidade populacional que deixou áreas manejadas abandonadas, porém, com recursos disponíveis. Lidando com a desarticulação social promovida por este contexto, grupos resistentes aumentaram sua mobilidade e estabeleceram constantes jogos de alianças com não-índios. A alta mobilidade causou a falsa impressão de nomadismo “quando, de fato, os grupos derrotados nas guerras de resistência fugiam para áreas que já conheciam graças às redes de intercâmbio e aos laços de parentesco ou aliança” (NOELLI 1999-2000 p. 246).

TERRAS INDÍGENAS EM SANTA CATARINA

A trajetória de luta das populações indígenas continuou durante todo período histórico e ainda é presente no cenário atual. Frente à ocupação de suas terras tradicionais e a resistência para manter suas tradições os indígenas reagem à situação de conflito em diversos locais da região.

As TIs do sul do Brasil são caracterizadas pela pequena extensão territorial e pela alta densidade demográfica, fatores que fazem com que a qualidade de vida dessas populações seja seriamente prejudicada. O IBGE em seu último censo realizado em 2010 divulgou que a população indígena de Santa Catarina somava 16.041 pessoas, sendo 10.369 em TIs e 5.672 em zonas urbanas. Entre os habitantes de TIs os Kaingang são maioria, com uma população de 6.543 pessoas, os Xokleng somam 2.169 e os Guarani 1.657.

Em Santa Catarina há 28 TIs habitadas por povos Guarani, Kaingang e Xokleng (Figura 1- Anexo 1). Segundo a Funai, das 28 TIs, quatro encontram-se em fase de estudos, dez estão declaradas, uma encaminhada como reserva indígena e treze encontram-se regularizadas (Tabela 1). Destas, 20 são habitadas por Guaranis dos subgrupos Ñandeva e Mbya, seja exclusivamente, ou em coabitação com os Kaingang e Xokleng; sete são exclusivamente Kaingang; e uma exclusivamente Xokleng (FUNAI).

O litoral, o extremo oeste e o norte do estado são as regiões com maior concentração de aldeias Guarani. Em três aldeias os Guarani partilham terras com comunidades Kaingang (Aldeia Limeira na TI Xapecó) e Xokleng (Aldeias Toldo e Bugio na TI Ibirama Laklãno). Uma comunidade Guarani (Araçai) localiza-se entre os municípios de Saudades e Cunha Porã, no extremo oeste. As demais aldeias localizam-se na faixa litorânea, desde os municípios de Imaruí ao sul, à Garuva, ao norte. Destas TIs, cinco são Reservas adquiridas para os Guarani. Entre as terras tradicionalmente ocupadas pelos Guarani apenas uma está regularizada, a TI M’biguaçu. As demais aguardam providências. (FUNAI; BRIGHENTI, 2012). Algumas comunidades enfrentam situação de conflito com pessoas que se dizem proprietárias e não admitem a presença indígena, enquanto outras vivem de ‘favor’ em terras ‘alheias’.

Tabela 1 – Terras Indígenas em Santa Catarina, base de dados da FUNAI. Fonte: Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

Dentre as comunidades que apresentam situação de conflito, a TI Morro dos Cavalos é a que possui contexto mais complexo.  Trata-se de uma área tradicionalmente ocupada pelos Guarani, localizada às margens da BR-101 no município de Palhoça. A disputa envolve ONGs, a Funai, os Guarani, a ABA [3], o DNIT [4], empresários, organizações de bairros do entorno e a imprensa catarinense. Apesar da demarcação de 1.988 hectares ter sido realizada em 2010, o terreno ainda não foi homologado. Em recente dossiê, intitulado Terra Contestada, a mídia divulgou documentos, relatórios e laudos técnicos que apontam irregularidades no processo de demarcação e contestam a ocupação tradicional Guarani (DIÁRIO CATARINENSE, 2015). A versão apresentada não oferece voz aos atuais habitantes do Morro dos Cavalos e desconsidera os estudos históricos e antropológicos que discutem as redes de sociabilidade e parentesco, os movimentos migratórios circulares, e as concepções mitológicas e fronteiriças dos Guarani. (BRIGHENTI, 2012; NOELLI, 1999-2000; NOELLI, 1993)Questões relacionadas à mobilidade também são usadas para descaracterizar a ocupação tradicional na TI Araçai, enquanto no norte do Estado as TIs Tarumã, Morro Alto, Piraí e Pindoty, enfrentam resistência da Aspi [5] para serem regularizadas.

As comunidades Kaingang estão distribuídas em cinco TIs e uma reserva. As TIs Toldo Chimbangue, Palmas, Pinhal e Xapecó estão regularizadas, a Aldeia Kondá, os Toldos Imbu e Pinhal, e a uma área adjacente a TI Xapecó (Pinhalzinho-Canhadão) apresentam pendências, seja por conta de demarcação, homologação ou desintrusão (Funai). O caso mais delicado é vivenciado pela comunidade localizada no município de Fraiburgo, que sequer possui terras identificadas (BRIGHENTI, 2012). Todos estes territórios vêm sendo historicamente contestados por segmentos da sociedade não indígena, sendo que boa parte das TIs foi parcialmente espoliada por madeireiras ou teve terras ilegalmente vendidas a pequenos agricultores. Lino (2013) ressalta que em sua maioria, as TIs do oeste catarinense são impróprias para a produção agrícola, estão muito desmatadas e seus rios estão poluídos, ou seja, as dificuldades para a sobrevivência a partir dos recursos próprios é desafiadora.

Os Xokleng em Santa Catarina habitam duas TIs: a Ibirama Laklãno, localizada entre os municípios de José Boiteux, Vitor Meireles, Dr. Pedrinho e Itaiópolis; e a TI Rio dos Pardos, localizada no município de Porto União. Ambas estão regularizadas, mas há demandas para o aumento das terras na TI Ibirama Laklãno em processo.

Habitantes da TI Ibirama Laklãno atualmente desenvolvem projeto colaborativo com a arqueóloga Juliana Salles Machado. De acordo com artigo publicado em 2013, Machado relata que alguns Xokleng que realizavam o curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica na Universidade Federal de Santa Catarina, tiveram como parte de sua atividade curricular aulas de arqueologia. A disciplina chamou especial atenção dos Xokleng por debater questões relativas à identificação da cultura material, pela possibilidade de discutir o passado Xokleng na academia e pelo desenvolvimento de uma pesquisa arqueológica sobre seu passado neste território. Um projeto foi elaborado a partir das abordagens da arqueologia colaborativa, com intenção de envolver o coletivo Xokleng na construção dos temas de pesquisa, na aplicação prática (cronograma, métodos e técnicas) e na interpretação dos dados arqueológicos. Conforme argumenta a autora, os indígenas têm buscado parcerias a fim de validar seu conhecimento tradicional perante termos científicos. Isto se deve, em grande parte, à dificuldade que estes grupos enfrentam na manutenção de seu território tradicional (MACHADO, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O levantamento das TIs de Santa Catarina proporcionou uma reflexão sobre sua distribuição geográfica. Como exposto no contexto arqueológico, todas as regiões do Estado foram ocupadas por povos indígenas no passado. Contudo, percebe-se que nem todas as regiões atualmente possuem TIs. A região na qual desenvolvo pesquisa, no planalto sul de Santa Catarina, é uma destas. Apesar de existirem dados arqueológicos que evidenciam claramente uma ocupação pré-colonial pelos povos Jê meridionais, a continuidade histórica destes povos no transcorrer do período colonial não foi suficientemente explorada para que possamos, neste momento, compreender a ausência de comunidades indígenas na região. Poderia se supor que migrações, doenças e ataques dos brancos, com consequentes perdas territoriais, seriam motivos para a configuração atual, mas tal interpretação seria demasiadamente leviana. Os dados históricos que remetem a esta região geralmente relatam a ocupação europeia relacionada a fazendas de criação de gado e muares nas pastagens naturais, o caminho das tropas entre o Rio Grande do Sul e São Paulo e a ataques indígenas ocasionais. O conhecimento sobre o Brasil meridional muitas vezes fica restrito a poucas áreas, como o sertão de Guarapuava, litoral catarinense, interior de São Paulo, norte do Rio Grande do Sul e outras microrregiões, mas isto não quer dizer que áreas vazias de informação fossem efetivamente desabitadas.

Ademais, procurei expor as dificuldades relacionadas a questões territoriais que as populações indígenas enfrentam em Santa Catarina e como as abordagens desenvolvidas no seio da etnoarqueologia podem contribuir com suas reinvindicações de manutenção, ampliação e recuperação de terras. Esta proposta pode ser muito mais promissora quando incorporada a múltiplas linhas de evidências e valorizadas as distintas perspectivas epistemológicas. Neste sentido, a construção de parcerias mais simétricas e baseadas no diálogo, como proposto pelas arqueologias indígenas, permitem uma maior flexibilidade na pesquisa arqueológica, expondo a diversidade de ideias sobre o passado e produzindo um discurso que não necessariamente é homogêneo, mas certamente menos etnocêntrico e mais ético.

É importante ressaltar que trabalhos inicialmente relacionados a demandas territoriais podem construir relações entre arqueólogos e indígenas que sirvam de base para pesquisas mais profundas sobre a história cultural de cada povo, além de fomentar o diálogo sobre conhecimento tradicional, a atualização de mitos e a revitalização da memória, promovendo a consolidação de identidades sociais e étnicas.

Acredita-se que o engajamento em questões territoriais constitui um campo fértil para o desenvolvimento de pesquisas, um campo que vai além do caráter científico, pois se compromete com interesses sociais e políticos que permitem a construção de conhecimento para os povos indígenas. A articulação destes interesses propicia um caráter mais responsável perante populações historicamente silenciadas, cria novos tipos de relações entre pesquisadores e comunidades locais, e promove práticas arqueológicas mais inclusivas e conscientes de seu papel social.

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

Figura 1 – Terras Indígenas em Santa Catarina. Elaborado por Bruno Labrador a partir de dados da FUNAI.

2. Arqueologia, Etnoarqueologia e História Indígena. Um Estudo sobre a Trajetória de Ocupação Indígena em Territórios do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: a T.I. Kaiabi e a Aldeia Lalima; e Território e História dos Asurini do Xingu. Um estudo bibliográfio, documental, arqueológico e etnoarqueológico sobre a trajetória histórica dos Asurini do Xingu (século XIX aos dias atuais).

3. ABA – Associação Brasileira de Antropologia.

4. DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.

5. Associação dos Proprietários de Terras Pretendidas para Demarcação Indígena do Norte de Santa Catarina.

[1] Mestrando em Arqueologia no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.

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Bruno Labrador Rodrigues da Silva

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