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A construção do ser masculino no medievo (séculos XI ao XIII)

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CONTEÚDO

 ARTIGO ORIGINAL 

GERMANN, Miquéias Chaves [1]

GERMANN, Miquéias Chaves. A construção do ser masculino no medievo (séculos XI ao XIII). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 06, Vol. 01, pp. 98-130. Junho de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/historia/construcao-do-ser

RESUMO

O presente trabalho tem como tema a construção do ser masculino no medievo. Sua principal questão é entender quais os mecanismos que a igreja e o estado usavam para vigiar, controlar e punir aqueles que não seguiam as “normas estabelecidas” pela masculinidade hegemônica. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é analisar aspectos relacionados à construção de masculinidade na sociedade medieval, especificamente durante os séculos XI ao XIII para compreender como o ser masculino foi pensado, forjado e visualizado. Para desenvolver o artigo, usou-se como metodologia a análise bibliográfica, verificando-se que para formar o ser masculino, a sociedade medieval exigia que esse tivesse honra, virilidade e poder dominante. Para atingir tal propósito, acabava interferindo nos sentimentos, no corpo e na sexualidade. Consequentemente, eram estabelecidos comportamentos, pensamentos e atitudes que diferenciavam o gênero masculino do feminino. Por meio deste estudo, foi possível concluir-se que a masculinidade é uma constante criação cultural e religiosa dentro da Idade Média Central.

 Palavras-chave: Masculinidade, Sociedade Medieval, Comportamento.

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, trabalhos acadêmicos sobre masculinidades começaram a surgir, afinal, “[…] nem só de mulheres se faz essa história” (VEIGA; PEDRO, 2015, p. 306). Charles Roberto Ross Lopes (2008, p. 6) vai além e comenta que “[…] o próprio interesse pela análise do gênero masculino é bastante prematuro na produção acadêmica, sobretudo se o compararmos com as abordagens que privilegiam a compreensão das feminilidades”.

Sendo assim, buscamos entender, por meio deste estudo, a construção do ser masculino dentro do medievo não com o objetivo de justificar suas ações ou amenizar seus atos, mas com intenção de ajudar a preencher essa lacuna. E de tal modo, compreender e delinear o ideal de masculinidade tecido pela sociedade medieval, pois, de acordo com Christiane Klapisch Zuber (2002, p. 138), é tarefa imposta ao historiador a preocupação com as definições de masculino, como também de feminino, elaboradas por uma dada sociedade e questionar de maneira crítica os suportes intelectuais e teóricos que fundamentam essas representações[2].

Entretanto todos os homens de todos os cronológicos períodos históricos, conforme Hilário Franco Júnior (2004, p. 7, grifo do autor), viam-se na época contemporânea:

De fato, falarmos em Idade Antiga ou Média representa uma rotulação a posteriori, uma satisfação da necessidade de se dar nome aos momentos passados. No caso do que chamamos de Idade Média, foi o século XVI que elaborou tal conceito.

É válido lembrar que, assim como os homens contemporâneos, os medievais também foram indivíduos que se baseavam em costumes/vivência de sua época. Nessa lógica, esse ser masculino da Idade Média, sofreu pressões no sentido de tornar visível sua virilidade, masculinidade e sua honra. Desse modo, grande parte dessas “virtudes” eram impostas ao homem pelo fato de ele carregar um órgão genital “forte” no conceito medieval. Nesse sentido, “[…] o pênis é o único macho que choca dois ovos” (BOURDIEU, 2002, p. 21). Tendo em mente esse contexto, podemos questionar o seguinte: Quais os mecanismos que a igreja e o estado usavam para vigiar, controlar e punir aqueles que não seguiam as normas “estabelecidas” pela masculinidade hegemônica?

O pesquisador Robert Fossier (2018, p. 46) afirma que “[…] como só os homens escrevem, não deixam de valorizar seu papel na sociedade, e isso desde o nascimento”. Em vista disso, a Idade Média é masculina, “[…] pois todos os relatos […] vêm dos homens, convencidos da superioridade do seu sexo. […] No entanto, eu os ouço falar antes de tudo de seu desejo e, consequentemente, das mulheres” (DUBY, 2011, p. 7). E sobre qual modelo de masculinidade ou condutas deveria seguir? Em relação a isso, pouco se escreveu. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é analisar aspectos relacionados à construção de masculinidade na sociedade medieval, especificamente durante os séculos XI ao XIII para compreender como o ser masculino foi pensado, forjado e visualizado. E para tal, a pesquisa é bibliográfica, de caráter qualitativa, sendo que o acervo documental legitimador deste trabalho é um extenso conteúdo bibliográfico.

A masculinidade “[…] é uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero” (CONNELL, 1995, p. 188). Práticas essas que delineiam o homem, trazendo aspectos representativos que o meio social define ao seu sexo biológico por meio do papel relacionado a esse indivíduo, criando uma masculinidade “hegemônica”. Albuquerque Jr (2015, p. 439) complementa ressaltando que “alguns traços foram culturalmente associados à masculinidade, tanto de ordem física, como de ordem psíquica e comportamental”. Esses atributos ligados ao masculino passam muitas vezes despercebidos, como se fossem invisíveis aos olhos de um todo da coletividade. Esse comportamento, conforme Norbert Elias (1993), é uma característica do processo civilizador, criando, na Idade Média, a sociedade dos costumes. “Sociedade fortemente ritualizada, os gestos, os movimentos e as atitudes do corpo estão no centro da vida social. As representações e os hábitos também” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 139).

Percebe-se que, no medievo (XI – XIII), assim como em outros períodos da história, ocorreram tentativas de definir papéis/atitudes/comportamentos para o ser masculino.   Nesse sentido, ninguém nasce homem, mas se faz homem[3] ao longo da existência dentro de cada civilização. Contudo, a construção do masculino vai além de conceitos, dominações, forças e espiritualidades; pensamentos esses populares do Ocidente, pois o homem também é feito de matéria (corpo).

A Igreja Católica, nos séculos XI ao XIII, foi detentora de grande poder que lhe concedia a capacidade de manipulação dos corpos. Nesse período, “[…] a Igreja se preocupa particularmente com a regulamentação da sexualidade (campanha contra homossexuais, a segregação das prostitutas, a sacralização do casamento) e a regulamentação da espiritualidade […]” (RICHARDS, 1993, p. 13). Essas prescrições impostas à civilização medieval e consequentemente ao ser masculino geraram “[…] ao homem, um símbolo de força, virilidade e violência” (MACEDO, 2002, p. 10), que foi sendo monitorada e por vezes penalizadas pelos movimentos religiosos/cristãos.

Nesse espaço de tempo (séculos XI ao XIII), o corpo é uma matéria/produto negado e reprimido, pelo fato de ser considerado como um “lugar de tentações”. Nesse caso, a estrutura corporal passou a ser um instrumento “moldado” e controlado conforme a funcionalidade da sociedade em questão. “[…] O corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o suplicam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no cerimônias, exigem-lhe sinais” (FOUCAULT, 1987, p. 25). O corpo no medievo sempre foi uma metáfora que descrevia a sociedade, os símbolos e conflitos. Jean-Claude Schmitt (2006) complementa que, por conta do privilégio concedido à alma pela ideologia cristã, é notável numerosas metáforas sobre o corpo.

Deste modo, a Igreja Católica (poder espiritual), juntamente com as leis governamentais da época (poder temporal), “civilizaram” os corpos medievais por meio da sexualidade, vigiando essa dentro do casamento, controlando a prostituição e punindo a homossexualidade. Sendo assim, essa atividade de restrição do corpo (vigiando, controlando e punindo) criminalizava indivíduos medievais que não seguissem as normas religiosas estabelecidas, conseguindo de maneira intensa fundir comportamentos no campo moral, como também em relacionamentos interpessoais, na vida familiar e na forma de pensar e vestir do homem medieval.

2 HOMEM OU HOMENS?

Estudar a masculinidade como componente de reflexão na historiografia nacional, segundo Fernando Botton (2007), ainda é considerada uma perspectiva inovadora. Todavia, a ideia da existência de apenas uma masculinidade hegemônica fundamentada na dominação e no poder inquestionável do “superior religioso” traz uma problematização ao conceito de masculinidade e suas implicações sócio-históricas que foi ordenadamente tangenciada conforme fixava-se tal pensamento.

Fabrício Fialho (2006) comenta que foi Gramsci quem primeiramente empregou o adjetivo “hegemônico”, fazendo surgir com esse termo um sério problema teórico, já que tal adjetivo dá a entender uma constante luta entre as masculinidades pela posição de dominância. O autor ainda reflete sobre e se questiona, em sua obra, se essas diversas masculinidades, por meio da contraposição ao modelo masculino predominante, buscavam de certo modo a posição hegemônica ou apenas reconhecimento “[…] como formas também legítimas e possíveis de se experienciar a masculinidade?” (FIALHO, 2006, p. 7).

Para Robert Connell e James Messerschmidt (2013, p. 243, grifo dos autores), “[…] o termo gramsciniano de ‘hegemonia’ foi corrente, […] em tentativas de compreender a estabilização das relações de classe. No contexto da teoria dos sistemas duais, a ideia foi facilmente transferida para o problema paralelo”. Nesse sentido, Matos (2001, p. 47) salienta que “[…] essa universalização impõe dificuldades de se trabalhar com a masculinidade, que varia de contexto para contexto, sendo, portanto, múltipla, apesar das permanências e hegemonias”. Seguindo essa linha de pensamento, Michael S. Kimmel (1998, p. 105) comenta três de suas suposições teóricas:

[…] Pressuponho que masculinidades (1) variam de cultura a cultura, (2) variam em qualquer cultura no transcorrer de um certo período de tempo, (3) variam em qualquer cultura através de um conjunto de outras variáveis, outros lugares potenciais de identidade e (4) variam no decorrer da vida de qualquer homem individual. Em segundo lugar, entendo que as masculinidades são construídas simultaneamente em dois campos inter-relacionados de relações de poder – nas relações de homens com mulheres (desigualdade de gênero) e nas relações dos homens com outros homens (desigualdades baseadas em raça, etnicidade, sexualidade, idade, etc.). Assim, dois dos elementos constitutivos na construção social de masculinidades são o sexismo e a homofobia. Em terceiro lugar, […] a masculinidade como uma construção imersa em relações de poder é frequentemente algo invisível aos homens cuja ordem de gênero é mais privilegiada com relação àqueles que são menos privilegiados por ela e aos quais isto é mais visível.

Tendo em mente a percepção da existência de mais de uma masculinidade, Vanessa Flores dos Santos (2010) conclui que as masculinidades são construções culturais, submetidas a contradições internas e, por esse motivo, é importante refletir acerca dessas como múltiplas. Segundo Bourdieu (2002), as masculinidades baseiam-se na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, afirmada numa divisão sexual (ligada à heterossexualidade).

Ainda assim, vários autores acreditam que essas diversas masculinidades não impedem de ser legitimado pelas relações de poder o reconhecimento de um modelo padrão hegemônico do masculino, caracterizando-se por valores, comportamentos e hábitos. Nessa lógica, Romeu Gomes (2008) especifica a masculinidade hegemônica como um espaço simbólico que serve para constituir a identidade do homem, modelando condutas e emoções a serem adotadas. Assim, a masculinidade concentra-se no âmbito de gênero, representando um conjunto de atributos e funções que se espera que um homem, (mesmo que criando nele paradoxos), se tenha numa determinada cultura.

2.1 UM LUGAR DE PARADOXOS

Muitas vezes, deixamo-nos levar pela fascinante história do corpo feminino sem perceber que pouco se sabe sobre o corpo do indivíduo masculino. Desse modo, a mulher é julgada a única “metáfora” do medievo, no entanto, o homem também foi como tal. Nesse sentido, miraremos para o homem e seu corpo como um lugar de paradoxos. “Esse homem, que o dogma e a prática do cristianismo medieval tendem a transformar em tipo universal, reconhecível seja qual for a sua condição, é um ser complexo” (LE GOFF, 1989, p. 13).

O cientista Robert Connell (1995, p. 190) afirma que:

Nessa narrativa, toda cultura tem uma definição da conduta e dos sentimentos apropriados para os homens. Os rapazes são pressionados a agir e a sentir dessa forma e a se distanciar do comportamento das mulheres, das garotas e da feminilidade, compreendidas como o oposto. […] A maior parte dos rapazes internaliza essa norma social e adota maneiras e interesses masculinos, tendo como custo, freqüentemente, a repressão de seus sentimentos.

Por esse ângulo, induz-se a ideia de masculinidade dominadora, deixando de ver o homem como um ser também dominado por costumes de seu tempo. Dessa forma, seguidamente escolhe-se pesquisar o homem medieval que é proprietário de sua mulher, obtendo total direito de castigá-la. Esse que possui, conforme Bourdieu (2002), o privilégio masculino, que se dirige ao sexo feminino como se fosse uma latrina para satisfazer as suas necessidades. Fossier (2018, p. 76) complementa afirmando que “[…] a mulher; ela é um simples vaso onde será derramado o sêmen”.

Poucos são os autores que escrevem sobre o homem, que carregava comportamentos impostos por um corpo cristão cheio de tensões com o espírito, considerado uma abominável vestimenta da alma, o qual oscila entre a repressão e a exaltação, a humilhação e a veneração, o bem e o mal. Pouco se busca compreender sobre o homem que sofre proibições dentro de uma sociedade predominante cristã, sendo privado de amar sua mulher intensamente, pois, se realizasse tal ato, seria discriminado, acusado de praticar uma diabolização já que, nesse período, a religião cristã transformou o pecado original em pecado sexual.

O historiador Georges Duby (2009, p. 541) relata que o corpo, portanto, é considerado perigoso:

[…] é o lugar das tentações, dele, de suas partes inferiores, surgem naturalmente as pulsões incontroláveis; nele se manifesta o que depende do mal, concretamente, pela corrupção, pela doença, pelas purulentas às quais nenhum corpo escapa; sobre ele se aplicam os castigos purificadores que expulsam o pecado, a falta. Testemunha, o corpo denuncia as particularidades da alma por seus traços específicos, a cor dos cabelos, a tez, mas também, em casos excepcionais, pela maneira pela qual suporta o ordálio, a prova da água ou de ferro em brasa. Pois a alma transparece através do corpo que a contém.

Na Idade Média Central, com a sociedade feudal, tripartida e religiosa, esse ser paradoxo (homem) não se preocupava apenas com “banquetes”, cortejos, jogos e amores proibidos como a literatura “fantasiosa” ocidental nos conta, estimulando assim profundos suspiros romantizados. Esse homem também se preocupava com a “[…] chuva, o lobo, o vinho, o baú, o feto, ou ainda com o fogo, o machado, o vizinho, o sermão, a salvação” (FOSSIER, 2018, p. 9). Pouco se relata sobre a abstinência de carne que esse indivíduo realizava três vezes por semana de acordo com o calendário alimentar da época, em que esse “animal civilizado” se encontrava cotidianamente entre os longos jejuns das Quaresmas e o divertimento dos Carnavais, como também das condutas de comportamentos sociais. “A Idade Média deixou-nos grandes volumes de informações sobre o que era considerado comportamento socialmente aceitável. Neste particular, também, preceitos sobre a conduta às refeições tinham importância muito especial” (ELIAS, 2011, p. 71).

Esse período medieval (XI a XIII) é considerado pelos historiadores Le Goff e Nicolas Truong (2006, p. 36) como a “[…] época da grande renúncia ao corpo”, ou seja, aos prazeres, uma luta contra a tentação. Nesse sentido, “[…] os maridos devem ter afeição por sua mulher: guardando a distância, desconfiando, pois o corpo é tentador como o é a mulher, ele leva os outros ao desejo, leva a desejar os outros” (DUBY, 2009, p. 543-544).

Nesse contexto, o homem tinha seu corpo sexualizado majoritariamente desvalorizado (não mais do que o corpo da mulher desta época) e amplamente reprimido de tal modo que, no século XII, na cama, o homem deveria ser moderadamente ativo, sem arrebatamentos. Ainda nessa essência, a civilização dos costumes, a partir dos séculos XII e XIII, proibiu ao homem o riso, pois ele vem do ventre, uma parte de baixo do corpo, isso é, de uma parte má, considerado uma desonra da boca e consequentemente está ligado ao demônio. Diante disso, Daniela Nunes (2012, p. 45) salienta que:

Para o homem medieval o riso significa uma vitória sobre o medo, não apenas o temor místico e natural, mas igualmente o medo moral, que oprimia e dominava a consciência, o medo que ultrapassava os aspectos sagrados e inseria-se no mundo profano, o medo do poder divino e também humano, dos mandamentos e leis, da morte, do inferno e de tudo o mais que permeava o imaginário da época, libertando o homem não apenas das censuras exteriores, mas também do grande censor interior. O grande porta-voz de todo esse espetáculo era representado nas figuras dos bufões e os bobos, personagens característicos da cultura cômica da Idade Média.

Em vista de tal universo, o fenômeno humano chamado sonho era vigiado e desaconselhado, conectado geralmente a fantasias condenáveis. Nesse sentido, “[…] os homens devem abster-se de beber demais, pois a embriaguez favorece as visões pecaminosas” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 84). Consequentemente, o homem que vivia dentro dessa sociedade cheia de simbolismos, não poderia sentir/sofrer dores, pois estas estavam ligadas somente às mulheres e, em todo caso, se as obtivessem, ele não deveria manifestar seu sofrimento, pois corria o risco de ser rebaixado ao nível da condição feminina e se encontrar desvirilizado. A partir do fim do século XII, essa condição de frieza muda e o dolorismo tornaram-se admissíveis. Todavia, ainda assim, uma “[…] das marcas distintivas da masculinidade é a ausência de choro, ou qualquer manifestação do corpo que demonstre sensibilidade” (BENTO, 2015, p. 113).

O ser masculino, também sofria pressão dentro da sociedade de afirmação enquanto homem, em que usava o seu filho recém-nascido como a própria expressão de sua virilidade. “O privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua contrapartida na tensão e contensão permanentes, levadas às vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância, sua virilidade” (BOURDIEU 2002, p. 64). Nesse sentido, “[…] ser viril é existir como homem para três pessoas: para si mesmo, para seu vizinho ou companheiro de trabalho, e para sua mulher” (FARGE, 2013, p. 514).

Junto a esse impasse, a construção do ser masculino medieval foi pensado e visualizado na Idade Média como uma criatura excepcional, desejada pelo Espírito supremo e por esse motivo não se questionava, segundo Le Goff (1989), as diversidades entre os homens, pois Deus quis assim.

Para a antropologia cristã medieval o que é, então, o homem? É a criatura de Deus. A natureza, a história e o destino do homem conhecem-se, em primeiro lugar, no livro do Gênesis, no início do Velho Testamento. No sexto dia da criação, Deus fez o homem e conferiu-lhe, explicitamente, o poder de dominar a natureza, flora e fauna, que lhe forneceriam o alimento. Por isso, o homem medieval está vocacionado para ser senhor de uma natureza dessacralizada, da terra e dos animais. […] Conforme a época, a cristandade medieval insistia ou na imagem positiva do homem, ser divino, criado por Deus à sua semelhança, associado à sua criação (já que Adão deu nome a todos os animais), chamado a encontrar de novo o paraíso perdido por sua culpa, ou na sua imagem negativa, a do pecador, sempre pronto a sucumbir à tentação, a renegar Deus e, por conseguinte, a perder o paraíso para sempre, a mergulhar na morte eterna. Esta visão pessimista do homem, fraco, vicioso, humilhado perante Deus, está presente em toda a Idade Média (LE GOFF, 1989, p. 11).

Esse poderia ser naturalmente castigado pelos seus pecados cometidos ou pelos pecados de seus genitores, por meio de deficiências como surdez, mudez e cegueiras, assim como também de doenças crônicas. “As imperfeições físicas ou morais trazem os estigmas do descontentamento divino: quando se tem a alma vil, o corpo sofredor e a consciência pesada é porque se pecou, e se é inevitavelmente ‘feio’ ou enfermo, descrito e pintado como tal” (FOSSIER, 2018, p. 15, grifo do autor).

Todavia, acima de tudo, os homens medievais foram vistos como seres comuns, que se vestiam, morriam, alimentavam-se, trabalhavam e procriavam. Homens que desejavam, sonhavam, riam e choravam. Eles eram vistos como realmente eram: seres “comuns” que viviam no seu tempo. Mas, nesse sentido, o homem medieval realmente se comportava como um indivíduo dominador porque gostava? Ou simplesmente o “privilégio” da masculinidade e o empoderamento imposto pela sociedade que, por meio de sua força, pressionava-o a dominar para viver conforme as regras da sociedade costumeira?

2.2 DOMINAÇÃO MASCULINA

A tão falada inferioridade feminina nem sempre esteve presente no cotidiano da sociedade. Os pesquisadores Rodrigues, Nascimento e Nonato (2015) contribuem para essa afirmação, expondo aspectos sobre a mulher na história. Ressaltam que, na sociedade primitiva de simbolismos inexistentes, a mulher foi sinônimo de magnitude. Nessa época, a maternidade era considerada um grande dom da natureza, investindo a elas poder e prestígio, situando-a longe da marca da desigualdade. Assim, homens e mulheres regiam juntos o mundo.

Rodrigues, Nascimento e Nonato (2015) ainda escrevem que com a prática da agricultura, domesticação dos animais e a criação do gado, abriu-se novos horizontes com novas riquezas até então desconhecidas, criando relações sociais inteiramente novas, elevando a importância da força masculina. E com o auge do Cristianismo, a mulher passou a ser educada apenas para o casamento e a sua sexualidade vigiada, pois, perante sua transição entre o pai para o marido, a mulher deveria ser virgem, mesmo servindo “apenas como simples instrumento de reprodução”. Estabeleceu-se assim a diferença entre os sexos, sendo o homem considerado superior à mulher na essência da hierarquia social.

A ordem dos pensamentos e a organização passou a ser regida pelo homem reforçando o poder masculino.

[…] Assim, a subordinação da mulher possui uma raiz espiritual, mas também corporal. “A mulher é fraca”, observa Hildegarde de Bingen no século XII, “ela vê no homem aquilo que pode lhe dar força, assim como a lua recebe sua força do sol. Razão pela qual ela é submetida ao homem e deve sempre estar pronta para servi-lo”. Segunda a segundaria, a mulher não é nem o equilíbrio nem a completude do homem. Em um mundo de ordem e de homens necessariamente hierarquizado, “o homem está em cima, mulher embaixo”, escreve Christiane Klapisch-Zuber (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 52, grifos dos autores).

Dentro desse contexto, o ideal de homem buscado pela cristianização medieval traz consigo um modelo de comportamento definido historicamente, socialmente e culturalmente, conduta essa que restringe ao gênero masculino em geral os sentimentos, vontades e formas de expressar-se ligados às questões do medo, dor, tristeza e até mesmo o da afeição (carinho). Esse modelo reforça a ideia de sexo forte, levando o homem consequentemente para a oposição e dominação do sexo “frágil”. “Ser homem significa ‘não ser como as mulheres’” (BENTO, 2015, p. 95, grifo da autora). O autor Claude Thomasset (2013, p. 159) completa, afirmando que “[…] a oposição entre os gestos do homem e aqueles da mulher é evidente. O gesto do homem é amplo, mobiliza toda a força e se realiza maximamente. […] Em contrapartida, o ato realizado pela mulher é curto, repetitivo, obedece a um ritmo de vai e vem” (ancinhar, limpar, rastelar, tecer etc.).

Nesse andamento, a obra “A dominação Masculina”, do sociólogo Pierre Bourdieu (2002), apresenta a dominação masculina dentro de uma dimensão simbólica. Ou seja, essa dominação por meio dos significados relaciona-se com as estruturas de pensamentos profundos da Idade Média. Pensamentos aqueles que os medievais achavam naturais e que não precisavam ser investigados ou questionados. De certo modo, Bourdieu (2002) estuda sobre essa estrutura acidentada, desmistificando essa ideia, que caminha submersa pela alienação do dominado.

Com esse ponto de vista, não só a Idade Média como também a Contemporaneidade induz à dominação do homem por meio da violência simbólica, aquelas que as pessoas não sentem e nem veem por que nossas categorias de entendimento se inclinam a essa ideologia. A dominação era incentivada ao homem pela representação cultural medieval na qual se inseria.

O pesquisador Alexandre Reis Rosa (2007, p. 40) escreve o que se entende por violência simbólica:

A violência simbólica representa uma forma de violência invisível que se impõe numa relação do tipo subjugação-submissão, cujo reconhecimento e a cumplicidade fazem dela uma violência silenciosa que se manifesta sutilmente nas relações sociais e resulta de uma dominação cuja inscrição é produzida num estado dóxico das coisas, em que a realidade e algumas de suas nuanças são vividas como naturais e evidentes. Por depender da cumplicidade de quem a sofre, sugere-se que o dominado conspira e confere uma traição a si mesmo.

Assim, a superioridade do sexo masculino não se concretizava por meio do mito da “lei natural” dos atributos físicos e mentais superiores em que esse indivíduo era dotado como antes se acreditava. Essa superioridade masculina, decorrente da desigualdade biológica, não passava de uma falácia na história. Nesse caso, as mulheres foram excluídas de lugares públicos em nome do “princípio” uma vez que trabalhos sérios perante a existência humana são considerados honrados e essa honra só era destinada aos homens, porque a sociedade propunha que esses seres masculinos tivessem seus feitos. De acordo com a sociedade medieval, o “verdadeiro” homem “[…] é aquele que se sente obrigado a estar à altura da possibilidade que lhe é oferecida, de fazer crescer sua honra buscando a glória e distinção na esfera pública” (BOURDIEU, 2002, p. 64). Desse modo, a dominação realizava-se com base na construção social dessa época.

Joan Scott (1995, p. 75, grifo da autora) comenta sobre este fenômeno:

Uma maneira de indicar “construções sociais” – a criação inteiramente social de ideias sobre papéis adequados aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre o corpo sexuado.

Nesse caso, os medievais usavam as pinturas e esculturas[4] para destacar e diferenciar o papel do homem perante o da mulher dentro da sociedade, ostentando cada vez mais a dominação masculina de tal modo que se tornou comum dizer que essa é a “civilização da imagem”. Nessa lógica, todas “[…] as imagens, em todo o caso, tem sua razão de ser, exprimem e comunicam sentidos, estão carregadas de valores simbólicos, cumprem funções religiosas, políticas ou ideológicas, prestam-se a usos pedagógicos, litúrgicos e mesmo mágicos” (SCHMITT, 2007, p. 11).

Cenário esse onde as práticas do simbolismo da sociedade religiosa medieval ganharam significados definidos em contextos sociais, incorporados pela mentalidade humana, aceitando a dominação masculina como lógica, como um fenômeno natural. Um exemplo disso é a conduta da mulher sexualmente digna que traz para seu marido um status de homem “honrado”. Ou seja, trata-se do pênis e de sua “[…] capacidade de engendrar, da fecundidade, que remete à boa constituição fisiológica […] bem como anatômica: as partes implicadas são bem formadas e, sobretudo, presentes” (MANDRESSI, 2013, p. 274). Diante disso, a mulher dentro dessa sociedade era vista como um elemento primordial da dignidade masculina.

De certo modo, esse fenômeno dentro do pensamento esquematizado por meio da religião tornou-se lógico inclusive para a própria mulher do medievo. Esse ser subordinado entendia inconscientemente que a dominação do homem era mais um aspecto de controle da honra masculina imposta pela sociedade cristã, delineada por meio das simbologias.

Nesse andamento, Pierre Bourdieu (2002, p. 63) escreve que:

Se as mulheres, submetidas a um trabalho de socialização que tende a diminuí-las, a negá-las, fazem a aprendizagem das virtudes negativas da abnegação, da resignação e do silêncio, os homens também estão prisioneiros e, sem se aperceberem, vítimas, da representação dominante. Tal como as disposições à submissão, as que levam a reivindicar e a exercer a dominação não estão inscritas em uma natureza e tem que ser construídas ao longo de todo um trabalho de socialização, isto é, […], de diferenciação ativa em relação ao sexo oposto.

Não foram tais características (força, inteligência e capacidade) que puseram o indivíduo masculino em condição de superioridade com relação à mulher, mas sim a sociedade de classe. “Tal visão de supremacia masculina, que marcou as sociedades de classe, foi difundida e perpetuada pelo sistema da propriedade privada, pelo Estado, pela Igreja e pelas instituições familiares que servem aos interesses dos homens” (RODRIGUES; NASCIMENTO; NONATO, 2015, p. 80-81). A autora Ana Paula Paes de Paula (2009, p. 4) complementa que:

Esse sistema de dominação, marcado pela violência simbólica e difusor dos interesses das classes hegemônicas, se institucionaliza e se reproduz graças à construção sócio-histórica da desigualdade e da exclusão dos dominados, por meio do trabalho de agentes e instituições específicos, tais como a Família, a Igreja, a Escola e o Estado. […] A Igreja inculca explicitamente uma moral familiarista determinada por valores patriarcais e modela estruturas históricas do inconsciente por meio do simbolismo presente nos textos sagrados, da liturgia, do espaço e do tempo religiosos.

Nesse sentido, a sociedade de ordens/classes abrangeu socialmente muito mais do que somente a dominação do homem perante a mulher, pois nela também existia a dominação do homem sobre homem. O masculino também foi submisso, ou seja, o nobre dominava o camponês, o grande dominava o pequeno, o forte dominava o fraco e, em questão de sexualidade, a homossexualidade era “submissa” e negligenciada pela Igreja Católica, que pregava a heterossexualidade.

Em todo caso, “[…] a vontade de dominação, de exploração ou de opressão baseou-se no medo ‘viril’ de ser excluído do mundo dos ‘homens’ sem fraquezas, dos que são por vezes chamados de ‘duros’ porque são duros para com o próprio sofrimento” (BOURDIEU, 2002, p. 66, grifos do autor) como também com o sofrimento dos outros. Em geral, essa dominação masculina tinha/tem como aspecto principal a virilidade do homem em questão.

2.3 VIRILIDADE E POTÊNCIA

A história da virilidade tem seu início no período Antigo, sofrendo até o século XXI diversas modificações. Nesse sentido, Pierre Bourdieu (2002, p. 67, grifo do autor) complementa afirmando que “[…] a virilidade, […], é uma noção eminentemente relacional, construída diante dos outros homens, para os outros homens e contra a feminilidade, por uma espécie de medo do feminino, e construída, primeiramente, dentro de si mesmo”. Ou seja, “[…] a virilidade pertence ao domínio das construções sociais e das coerções impostas pela sociedade” (KRITZMAN, 2013, p. 217).

Nessa lógica, “[…] a virilidade ampara-se num ideal de vigor, força, potência, coragem, honra e virtude. Inscrita no interior de um regime de práticas. […] A virilidade comporta condutas […] com determinados valores e códigos vigentes em cada momento histórico” (SILVA; LEITE, 2016, p. 208-209). A pesquisadora Arlette Farge (2013, p. 496) afirma que, “[…] mesmo pouco letrados, os homens do povo vivem do nascimento à morte numa sociedade que os forma, inscrevendo neles códigos de conduta que às vezes eles têm a possibilidade de acompanhar, e às vezes recusar”.

Na Idade Média, a virilidade era apresentada por meio do órgão genital do homem com sinônimo de potência sexual, criando um olhar convicto da virilidade perante a masculinidade como um ser ativo. “A sexualidade é praticada como uma evidência, e igualmente como uma vontade de ser igual aos outros machos, e inclusive, às vezes para superá-los” (FARGE, 2013, p. 514) e que, por sua vez, também sofreu diversas exigências que garantiam sua adequação no plano de sua forma. Sendo assim:

[…] Riolan passa assim em revista toda uma série de defeitos de conformação que impedem ou entravam a ‘ação própria’ do membro viril – este não deve ‘ejacular urina, mas antes ejetar o sêmen no útero da matriz; e, quando desprovido desta capacidade, o homem pode ser chamado de impotente’. Para ser aceitável, […] ‘deve medir entre 6 e 8 dedos emparelhados’. Não sendo assim, um membro maior ‘incomodaria e feriria a mulher em ação’. No entanto, este defeito é sanável, já que é possível ‘encurtá-lo por disfarces’, O tamanho excessivo, por outro lado, […] implicaria num longo caminho percorrido pelo esperma, que veria assim sua ‘virtude’ dissipar-se. Inversamente, ‘um membro excessivamente pequeno não estimularia suficientemente a mulher, tornando-se infecundo’ (MANDRESSI, 2013, p. 274-276, grifos do autor).

Desse modo, o escritor Lawrence D. Kritzman (2013) vem comentando que o pênis que “trai” põe a virilidade do homem em dúvida, suprimindo todo o significado simbólico desse órgão. O membro masculino que é suscetível ao “enfraquecimento” pode gerar incertezas na existência do sujeito viril por conta da impotência sexual.

Existem diversas formas que podem ocasionar uma possível impotência. Problemas como de ordem anatômica, cujos adereços específicos são o membro viril, os testículos e os vasos espermáticos. Geralmente tratando-se de dificuldades ocasionais. Existem outras que são permanentes, como o tamanho (excessivo ou insuficiente) do membro. Ora, então o que se entende por homem potente no universo medieval?

A fim de que um homem seja declarado potente, dizem [as parteiras], é necessário que seu membro possa enrijecer, entrar, molhar, e, para tanto, urge que ele tenha todas as suas partes bem proporcionadas, sem que ali falte coisa alguma. Faz-se necessário ainda molhar de tal forma que o sêmen seja injetado em linha reta; é por isso que aqueles que não tem a verga aberta no meio, mas mais para um lado ou para cima, são incapazes de engendrar, bem como aqueles que tem o ligamento muito curto. Mas este jato em linha reta não é suficiente, já que, além disso, deve ser de um só golpe galhardamente com impetuosidade, e com uma ejaculação forte […] (GUILLEMEAU apud MANDRESSI, 2013, p. 279).

Com a forte pressão que a sociedade cristã impunha aos homens medievais, percebemos nesse sentido que a igreja também se apropriava da sexualidade, tirando essa “liberdade” desses homens em geral. Nesse período, a vida sexual ideal passou a ser a inexistência do mesmo. Em vista disso, conforme a psicóloga social Bruna Suruagy do Amaral Dantas (2010, p. 701), na Idade Média, “[…] a virgindade foi promovida pelo clero católico ao status de santidade máxima, estado que todo cristão deveria almejar”. E para a concretização desse “estado” (virgindade), a culpa passou a ser instalada no imaginário popular, como também o medo do inferno[5]. Sendo assim, “[…] o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições” (FOUCAULT, 1987, p. 14).

2.4 SEXO APENAS PARA PROCRIAR

O sexo pode ser considerado um dos temas mais presentes em vários momentos da história. Desde as pinturas rupestres até as expressões artísticas mais modernas da contemporaneidade, o homem registra as maneiras e as formas que pratica sua sexualidade. Na atualidade, quando pensamos em questões envolvendo o sexo, não ocorre à maioria das pessoas que a prática do ato sexual pode ser aceita em algumas épocas, como também pode ser contida e negada em outros períodos. Desse modo,

[…] a maneira como as civilizações entendiam e lidavam com comportamentos, valores e normas ligados ao sexo nunca foram iguais e, tampouco, constantes. Cada cultura e momento histórico viam e viviam sua sexualidade diferentemente (RIBEIRO, 2005, p. 1).

Assim, conforme Franco Junior (2004), a Idade Média também formulou seus códigos sexuais dentro de alguns dos valores que a Igreja Católica medieval pregava em relação ao sexo, podendo ser ressaltados: a virgindade, a castidade e o matrimônio.

A virgindade tornou-se um grande valor, seguindo os modelos de Cristo e sua mãe. Vinha depois a castidade: quem já havia pecado podia em parte compensar essa falta abstendo-se de sexo pelo restante da vida. Os relatos hagiográficos de toda a Idade Média, sobretudo de suas duas primeiras fases, abundam em exemplos de santas que morreram para defender sua virgindade e de santos e santas que ao se converter ao cristianismo abandonaram a vida conjugal. No entanto, esse desprendimento não podia ser adotado pela maioria das pessoas. Era mesmo perigoso que gente sem o suficiente autocontrole tentasse levar uma vida de abstinência sexual. […] A vida sexual era possível para o cristão médio, desde que ocorresse nos quadros de uma relação definida e supervisionada pela Igreja, o matrimônio (FRANCO JÚNIOR, 2004, p. 127).

Nesse caso, o pesquisador Paulo Rennes Marçal Ribeiro (2005) comenta que três santos (São Paulo, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino) fundamentaram a doutrina da Instituição Católica e outras imposições, que determinaram que o sexo só poderia acontecer dentro do casamento e com o único objetivo de procriação. Qualificaram, ainda, pecados contra o corpo como: prostituição, homossexualidade e autoerotismo.

Nesse sentido:

Cristo havia concebido o casamento como o estado normal das pessoas e declarou-o indissolúvel, exceto em casos de adultério. São Paulo enfatizou que o casamento era uma segunda alternativa inferior aceitável. “É melhor casar do que abrasar”, disse. O casamento tornou-se assim o meio cristão básico de regulamentar o desejo sexual, combatendo a fornicação e perpetuando a espécie (RICHARDS, 1993, p. 34).

Ainda assim, “[…] é quase impossível sair puro do abraço conjugal” (FLANDRIN, 1985, p. 136). Em foco nessa perspectiva, o mundo ocidental com a sacralização do matrimônio, que até o século XI era uma instituição laica e privada, assegurou a consolidação do poder político da Igreja, que sem demora determinou suas normas morais. Essas regras religiosas tinham por objetivo controlar e vigiar a vida privada entre um homem e sua mulher, passando a ser mais recatada e interferida/influenciada pela Igreja Católica.

Dessa forma, a Instituição Católica impôs aos “[…] leigos a ‘cópula justa’ – a saber, o casamento. A dominação ideológica e teórica da Igreja se manifestará, na prática, por meio de manuais destinados aos confessores, os penitenciais, em que são repertoriados os pecados da carne” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 43, grifo dos autores). Pecados que foram associados aos castigos e às penitências que lhe correspondessem.

O manual do bispo Burchard de Worms, intitulado, como outros, “Decreto”, e escrito no Início do século XI, teve grande repercussão a respeito do “abuso de casamento”:

Uniste-te por trás, como os cães, a tua esposa ou a qualquer outra? Se o fizeste, farás penitência de dez dias a pão e água. Uniste-te a tua esposa durante as regras? Se o fizeste, farás penitência de dez dias a pão e água. Se a tua mulher entrou na igreja depois do parto antes de purificar-se do seu sangue, fará penitência de tantos dias quantos os que deveria guardar antes de entrar na igreja. E tu, se te uniste a ela nesses dias, farás penitência durante vinte dias. Uniste-te a tua esposa depois de a criança se ter remexido dentro do útero? ou pelo menos quarenta dias antes do parto? Se o fizeste, farás penitência de dez dias a pão e água. Uniste-te a tua esposa no dia do senhor? Terás de fazer penitência de quatro dias a pão e água. Manchaste-te com sua esposa no dia do senhor? Terás de fazer penitência de quarenta dias a pão e água ou de dar vinte solos de esmola. Se foi quando estava embriagado, farás penitência de vinte dias a pão e água (LE GOFF, 1994, p. 164).

Esse controle sexual matrimonial também condenava a felação, sodomia, adultério, fornicação e os chamados “amores bárbaros”. A masturbação juntamente era considerada um pecado, “[…] pois trata-se, no homem pelo menos, de um desperdício do sêmen fornecido por Deus para a perpetuação de seu povo” (FOSSIER, 2018, p. 79). Assim, conforme Jeffrey Richards (1993, p. 40), a pena aplicada é de “[…] dez dias a pão e água […] para a masturbação masculina com a mão. Pelo uso de um pedaço perfurado de madeira, recebia-se doze dias”. Sendo assim, para a mulher que “[…] beber o esperma do marido, ‘a fim de que ele te ame mais graças a teus procedimentos diabólicos’, […], será passível de sete anos de penitência” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 44, grifo dos autores). Além da condenação desses “pecados” medievais, a igreja aconselhava a abstinência de sexo durante Natal, Páscoa, Pentecostes e em outros períodos em que se praticava o jejum.

Nesse caso, constata-se que “[…] a posição adotada pelos parceiros, a Igreja só tolera a mais ‘natural’: mulher deitada de costas e o homem deitado sobre ela; pois avalia ser esta a única que permite uma concepção sem excessos de prazer” (FOSSIER, 2018, 77-78, grifo do autor). Religiosamente, de acordo com o escritor Jeffrey Richards (1993), essa acomodação era denominada de “posição do missionário” e era a mais apropriada dentro do matrimônio porque, segundo São Paulo, a mulher deveria sujeitar-se ao marido.

Todas as outras variações eram punidas. A relação anal incorria numa penitência de sete anos. Havia uma penitência de três anos para o coito dorsal, com a mulher por cima; isto era considerado como contrário a natureza, a qual determinava que o homem deveria ocupar a posição dominante. O sexo oral também recebia três anos, […]. O sexo anal e oral também eram provavelmente considerados como contraceptivos, embora isto não seja especificamente mencionado. Os penitenciais incentivavam os casais a praticarem sexo somente a noite e mesmo assim parcialmente vestidos. Fica claro que o sexo era visto como algo essencialmente vergonhoso (RICHARDS, 1993, p. 40).

Essas convicções mostram-se para os medievais como belos conceitos de vida, mas escondem algo por trás. “Não eram somente valores, mas sim ferramentas aos quais foram utilizadas de maneira violenta para não só limitar a sexualidade e suas expressões diversas como também para adestrar e castrar os casais em seus momentos íntimos” (LEAL; CABRAL, 2010, p. 575). Isso ocorreu de tal modo que um dos ditos populares da época dizia que o “[…] casamento era uma armadilha, o fim da liberdade e o início da responsabilidade. ‘Nenhum homem se casa sem se arrepender disso’” (RICHARDS, 1993, p.45). Nesse sentido, “[…] os esposos não estavam sós no leito conjugal: a sombra do confessor presidia aos seus amores” (FLANDRIN, 1985, p. 148).

A Instituição Católica também criou prescrições aos adultérios, que envolviam membros familiares em sua concepção. Ou seja, o homem que possuir “[…] duas irmãs, […] não terá mais nenhuma das duas; e os adúlteros jamais serão unidos em casamento (Concílio de Orleans). Da mesma forma, em relação a sua própria mulher, ele não poderá mais desincumbir-se de seu dever conjugal […]” (DUBY, 2002, p. 20-21).

Tudo que era relacionado ao sexo passou a ser pecado[6]. Até mesmo pensar no assunto era proibido:

[…] tudo deve ser dito. Uma dupla evolução tende a fazer, da carne, a origem de todos os pecados e a deslocar o momento do ato em si para a inquietação do desejo, tão difícil de perceber e formular, pois que é um mal que atinge todo homem e sob as mais secretas formas: […] examinai, ainda, todos os vossos pensamentos, todas as vossas palavras e todas as vossas ações. Examinai, mesmo, até os vossos sonhos para saber se, acordados, não lhes teríeis dado o vosso consentimento… Enfim, não creiais que nessa matéria tão melindrosa e tão perigosa, exista qualquer coisa de pequeno e de leve’ (FOUCAULT, 1987, p. 23, grifos do autor).

A partir desse aparato, no século XII, desenvolveu-se o amor romântico no ocidente, denominado como “Amor Cortês”. Segundo Duby (2011), o quadro desse “amor delicado” iniciava-se com um “jovem” que assediava uma dama, ou seja, uma mulher casada e inacessível com a intenção de tomá-la. Essa mulher inconquistável vivia cercada, protegida e ao mesmo tempo assombrada por uma sociedade baseada em linhagens, que, consequentemente, considerava o adultério da esposa uma perturbação familiar e que era constantemente ameaçada.

O historiador José D’Assunção Barros (2008, p. 5) escreve que “[…] no centro de tudo, um ‘Amador’ que se entrega de corpo e alma a uma paixão incontrolável e ao dedicado serviço amoroso da mulher amada. E ela: uma ‘Dama’ que, aos olhos do amante apaixonado, é a mais bela e perfeita de todas as mulheres”. Nesse sentido, o amor cortês “[…] teve existência profana e, por isso, autônoma; tratou-se de um amor humano que propunha uma ascese, no sentido de levar o amante a debruçar-se de tal forma sobre si mesmo a ponto de reconstituir sua virtuose” (PEREIRA; JARDIM, 2015, p. 37-38).

Mas ainda assim fica a questão: Esses amantes dormiam juntos?

Ela permanece em aberto. Pois as relações entre o corpo e o amor não caminhavam juntas na Idade Média. De um lado, os romances corteses exaltam o amor, de outro a Igreja o parte ao meio ou o limita ao quadro estrito do casamento que se regulariza a partir do século XI. Mas a literatura provavelmente embeleza a realidade (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 96).

O romance de Tristão e Isolda apresenta muito bem esse aspecto. Nesse caso, conforme o escritor Richards (1993), esse amor era platônico/infeliz sem a concepção do sexo, considerado um jogo de ostentação para o homem. Jogo esse diferente dos duelos travados entre guerreiros bem-nascidos, que arriscam a vida nos torneios. A disputa amorosa opõe dois parceiros desiguais, um dos quais, pelas leis naturais da sexualidade, está destinado a cair.

Entretanto, esse não é o único amor medieval existente sem a realização sexual.

O século XII foi notável por sua discussão ampla do amor sob muitos aspectos diferentes. Havia o amor por Deus, o qual em alguns casos se tornava apaixonado e quase erótico; o amor entre homens, de tipo emocional, mas não sexual, baseado em afeição e respeito mútuos; […]. Nenhuma destas versões incluía a realização sexual (RICHARDS, 1993, p. 37).

Contudo, o amor cortês, como também os abusos sexuais, aparecem no medievo por causa de “[…] um dos efeitos mais deploráveis do ‘modelo matrimonial’ é o deixar sem atividade sexual lícita um importante parte do contingente de homens que não atingiram a idade normal de se casar, que exige ter um ‘estado’: entre vinte e cinco e trinta anos” (FOSSIER, 2018, p. 81). Sendo assim, a virgindade e castidade para o homem não era desejada, pois ele queria transparecer sua masculinidade/virilidade. Em contrapartida, o adultério e os desvios sexuais são repreensíveis e o estupro considerado pecado. O que fazer?

2.5 A “BOA CASA” COMO REGULADORA SOCIAL

Retrocedendo alguns séculos, na Idade Média Central, vemos que o contexto da prostituição feminina não era exorbitantemente diferente da atualidade, quando o advento do cristianismo, na Idade Média, passou a “desconhecer” a homossexualidade e, consequentemente, a prostituição masculina também. Entretanto, esse serviço continuou a ser atribuído, mesmo que considerado uma violação ao corpo, para o gênero feminino.

Portanto, em oposto do que se pensa hoje, a prostituição feminina, no período Central da Idade Média, de certa forma foi “regularizada” pela Instituição Católica como reguladora social, pois, com o surgimento e a aprovação do sistema matrimonial e intromissão da Igreja Católica perante o sexo considerando-o um pecado necessário apenas para a procriação, como vimos anteriormente, deixou parte da população masculina sem poder praticar o ato sexual. Surgiram, nesse contexto, os estupros coletivos, atingindo frequentemente as mulheres sem defesa, como moças, viúvas e mendigas. Também os abortos que eliminavam tais frutos dessas uniões brutais, além da desonra e a vergonha que a vítima passaria perante essa sociedade religiosa. Sendo assim, o estupro quase sempre ficava escondido e o estuprador sem seu castigo. Para “exterminar” com essa sequência de atos abusivos, só havia um caminho e, ao que parece, só para os homens: o amor físico vigiado e pago (FOSSIER, 2018).

Nesse sentido, a prostituição passou a ser vista como um mecanismo de controle social, um meio de permitir que os rapazes afirmassem sua masculinidade e tivessem sua realização sexual enquanto evitava-se que se aproximassem de mulheres respeitáveis, como ainda desencorajaram o jovem da prática da homossexualidade.

Consequentemente, com a prostituição, no meio social de certa forma “liberada”, podemos dizer que toda rigorosidade perante o sexo no período medieval central consolidou-se apenas com maior destaque aos casais, pois segundo Georges Duby (2011, p. 17, grifo do autor):

O campo da sexualidade masculina, nos limites da sexualidade lícita, não se restringe absolutamente ao quadro conjugal. A moral aceita, aquela que todos fingem respeitar, obriga evidentemente o marido a satisfazer-se apenas com sua esposa, mas não o força nem um pouco a evitar outras mulheres antes do casamento, durante o que é chamado no século XII de “juventude”, nem depois, na viuvez. Numerosos indícios atestam o vasto e ostensivo desenvolvimento do concubinato, dos amores ancilares e da prostituição, assim como a exaltação, no sistema de valores, das proezas da virilidade.

Baseado nesse cenário, “[…] quase não existia uma cidade que não tivesse sua ‘boa casa’, como era às vezes conhecido o bordel” (RICHARDS, 1993, p. 121). Sobre a prostituição, “[…] a Igreja medieval viu nela a única concessão admissível à tirania do sexo. É claro que a condena, mas vigia rigorosamente seu funcionamento” (FOSSIER, 2018, p. 82). Nesse sentido, as autoridades eclesiásticas, de acordo com o poder legislativo municipal, responsabilizavam-se pelas “moças comuns” e procuravam situá-las em comunidades piedosas ou a serviço de um padre quando elas, mais velhas, não pudessem exercer sua atividade.

Mas como surgiu a prostituição, quem eram as prostitutas e para que serviam?

A prostituição foi essencialmente um produto das cidades, e, à medida que as cidades cresceram e se expandiram a partir do século XI e XII, a prostituição passou a ser cada vez mais vista como um fenômeno social que precisava de regulamentação. […] A definição fundamental de uma prostituta, segundo a Igreja, era a que foi cunhada por são Jerônimo no começo do século V: ‘Uma meretriz é aquela que se encontra disponível para atender os desejos de muitos homens’. […] Agostinho escreveu: ‘Se as prostitutas forem expulsas da sociedade, tudo estará desorganizado em função dos desejos’. Um glossarista de Agostinho do século XIII acrescentou a seguinte observação expressiva: ‘A prostituta na sociedade é como o esgoto no palácio. Se retirar o esgoto, o palácio inteiro será contaminado. […] a prostituição evitava males maiores, tais como a sodomia e o assassinato (RICHARDS, 1993, p. 123, grifos do autor).

Nesse caso, o historiador José Rivair Macedo (2002) afirma que a prostituição sempre foi considerada um mal necessário, sendo que:

A prostituição era também uma solução para a violência juvenil desordenada. Ao menos na França, sua existência atenuava a turbulência característica desse grupo. […] o recurso aos ‘casarões noturnos’ diminuiu a quantidade de estupros, arruaças e ataques contra mulheres casadas cometidos por agremiações juvenis de artesãos. Resolvia também o problema da homossexualidade masculina […] (MACEDO, 2002, p. 62, grifo do autor).

O escritor Jeffrey Richards (1993, p. 122) comenta que “[…] a necessidade dos serviços fornecidos pelos bordéis para os jovens do sexo masculino foi reconhecida explicitamente pelo rei Carlos VII da França, quando ele autorizou a presença de um bordel em Castelnaudary, em 1445”. O rei agiu assim por causa da existência de tantos jovens não-casados na cidade. A prostituição servia ainda de remédios às fraquezas dos clérigos que, diante da restrição ao casamento, imposto pela Instituição Católica desde o século XII, supriam seus desejos carnais satisfazendo-se sexualmente com os serviços fornecidos pelas mulheres alegres ou mesmo vivendo com as concubinas.

Assim, a prostituição estava presente na cultura medieval, praticada dentro das diversas casas noturnas, casas de banhos e tabernas. As autoridades agiram para controlá-la no início do século XIII, mas sistematicamente a prostituta era vista como um aspecto necessário da sociedade, ainda que “repulsiva”, mas tolerada por temor de algo “pior”.

2.6 UM ATO PROFANO: ELE DORME COM ELE? 

Ao longo da Idade Média, a homossexualidade, com a cristianização cada vez mais fortificada, passou a ser vista como um distúrbio considerado pecado contra a natureza, colocada no mesmo patamar que a masturbação e as bestialidades. Surgiram no medievo várias questões sobre. Como assim homem que não procura ser somente ativo? Homem que se deita com outro e não com uma mulher, mesmo existindo vários prostíbulos? Por que ele não demonstra interesse pela sua masculinidade? Pois “[…] ser penetrado sexualmente não pode ser senão coisa de afeminado, de um homem que abdicou sua virilidade” (THUILLIER, 2013, p. 83). Com certeza, ele só poderia estar “endemoniado”.

O subcapítulo aqui proposto está destinado a mirar no enfoque da repressão religiosa perante a homossexualidade, usada como mecanismo para edificar o ser masculino heterossexual/ativo, viril, dominante, corajoso e religioso. Dentro desse enquadramento, a Igreja medieval, com a iniciação do encadeamento de ideias religiosas sobre pecados[7], denominou que o sexo que não preza a procriação, apenas o prazer sexual/carnal, era considerado profano. Fator (procriação) que uma relação sexual homoafetiva não poderia exercer. Isso é, essa prática só poderia existir dentro do casamento heterossexual. Em seguida, a homossexualidade passou a ser um comportamento pecaminoso, abominável e ilícito pela crença.

Foi nesse contexto que surgiu o discurso de Pedro que enfatiza esse “vício” como um terrível e hediondo pecado:

Na verdade, este vício nunca deve ser comparado a qualquer outro, pois ultrapassa a sordidez de todos os vícios. Sem dúvida, este vício é a morte dos corpos, a destruição das almas. Ele polui a carne; ele extingue a luz da mente. Expulsa o Espírito Santo do templo do coração humano; introduz o Diabo, que incita à luxúria. Ele induz ao erro; ele remove completamente a verdade da mente que foi ludibriado […]. Ele abre o inferno, fecha a porta do paraíso […]. Este vício tenta derrubar as paredes da casa celestial e trabalha na restauração das muralhas reconstruídas de Sodoma. Pois este é o vício que viola a sobriedade, mata a modéstia, sufoca a castidade e estripa a irreparável virgindade com a adaga do contágio impuro. Ele conspurca tudo, desonrando tudo com sua nódoa, poluindo tudo. E quanto a si próprio, não permite nada puro, nada limpo, nada além da imundície (PAULO apud RICHARDS, 1993, p. 143).

Esse discurso ainda hoje mexe com os pensamentos religiosos contemporâneos. Afinal, quem quer ir para o inferno, não é mesmo? Sendo assim, compreendemos que o imaginário da civilização da Idade Média era também influenciado pela religião.

Nesse sentido:

[…] o horror da sociedade medieval ao homossexualismo talvez não fosse apenas resultado da intransigência da moral cristã, que via no sexo unicamente finalidades procriativas, mas decorresse, a níveis psicológicos mais profundos e coletivos, do maior afastamento que aquela prática sexual acarretaria em relação ao ideal da androginia (FRANCO JÚNIOR, 1992, p. 84).

O universo medieval também estabeleceu em códigos o que era considerado normal e anormal nas relações sexuais dos homens, utilizando-se da crença. Eventualmente, a Europa ritualizada “[…] tinha seu conjunto de valores essenciais articulados pela religião. A um só Deus deveria corresponder uma única fé, uma única Igreja, enfim um único comportamento” (FRANCO JÚNIOR, 1992, p. 16). Nesse contexto, verificamos a criação no período central do medievo de reformas e condutas gerais perante a moral e espiritualização do indivíduo medieval.

Essa nova moral também foi utilizada para proibir os contratos de relações de “companheirismo” entre os padres, assim como a prática da homossexualidade entre monges. Consequentemente, “[…] os séculos XII e XIII testemunharam uma série de desenvolvimentos cruciais da Igreja que conduziram à introdução de regras morais mais restritivas. […] a Igreja, a coroa e as comunidades […] tomaram medidas para lidar com o […] problema […]” (RICHARDS, 1993, p. 142).

Nesse sentido, a propagação da pregação religiosa contra a homossexualidade passou a fazer parte do cotidiano do período central da Idade Média, pois o ser homossexual não obtinha uma “classe” que o definisse. Assim sendo:

Na classificação bíblica dos animais, dos atos e condutas puras e impuras, impera irredutível maniqueísmo: a indistinção das categorias representa mais do que uma aberração, é uma abominação detestável, um horror. Por exemplo, ‘um homem dormir com outro homem como se fosse uma mulher’ é abominável, pois contradiz a ordem natural prevista pelo Criador, ao dividir os seres vivos em machos e fêmeas (MOTT, 2001, p. 45, grifo do autor).

Junto a isso, na Idade Média, acreditava-se que os sodomitas deveriam ser afastados da sociedade. Percebemos, nesse período, a criação de uma visão em relação ao homem que praticava a homossexualidade contrária à da meretriz medieval.

A prostituição feminina era considerada um “esgoto” que livrava a sociedade da “sujeira”, sendo um pecado “necessário”. A homossexualidade era vista numa divergente situação. Ela era considerada o lixo que precisava ser afastada do cotidiano para não infectar a sociedade por meio da prisão ou pela morte, pois, no conceito medieval, a sodomia destruía o homem, suas energias e sua fibra moral:

Pode existir um jovem rapaz de raros talentos, alguém de grande inteligência, feito para realizar maravilhas, mas uma vez corrompido pela sodomia, ele se transforma numa criatura do Diabo. Ele rejeita todas as coisas naturalmente boas, todos os pensamentos de Deus, do Estado, de sua família, rejeita seus negócios, sua honra, sua própria alma […] ele só pensa em assuntos malignos (BERNARDINO apud RICHARDS, 1993, p. 150).

Percebemos que, “[…] no período inicial da Idade Média, a punição era a penitência; no período posterior, a fogueira. Mas nunca foi questão de permitir aos

homossexuais prosseguir em sua atividade sem punição. Eles eram obrigados a desistir dela ou arriscar a danação” (RICHARDS, 1993, p. 152). Talvez esse tenha sido o único contexto dentro do período medieval que colocara uma parcela de homens abaixo das mulheres. Essa inferioridade masculina que o homossexual representava internalizou com maior força a ideia medieval de que o homem deveria ser viril, másculo, corajoso, honrado e heterossexual.

3. CONCLUSÃO

Apresentamos neste momento a conclusão da pesquisa, cujo objetivo foi analisar aspectos relacionados à construção da masculinidade na sociedade medieval, especificamente durante os séculos XI ao XIII para compreender como o ser masculino foi pensado, forjado e visualizado.

Nesse sentido, procuramos retratar, em linhas gerais, a História do ser masculino da Europa medieval por meio da sua representação, buscando examinar o contexto em que o homem (como indivíduo social) estava inserido, analisando as imposições e mecanismos utilizados culturalmente pela sociedade da Idade Média Central, para idealizar o seu ideal de masculinidade. Ou seja, contemplamos, neste estudo, apenas três séculos da História do gênero masculino na Europa Ocidental. História que vai muito além desse “pedaço” de tempo (XI – XIII).

O que desejamos afirmar é que não se pode imaginar que tudo foi estudado em relação ao homem e muito menos aos outros diversos temas que a criatividade pode propor neste trabalho. Para formular esta pesquisa, utilizamos o viés da História Cultural e, como sabemos, o historiador pode fazer uso de diferentes teorias que miram em diferentes ângulos da História. Nesta pesquisa, o foco foi no meio social e cultural, ficando em aberto vários contextos que podem ser estudados com novas pesquisas e conjecturas.

É importante enfatizar que não se pode pensar/acreditar numa Idade Média imóvel, um simples período acabado/finalizado, pois muitas das atividades, costumes, crenças e conhecimentos que surgiram na Europa entre os séculos XI ao XIII permanecem na atualidade. Um exemplo disso é o machismo, conduta tão conhecida e reprovada por muitos contemporâneos, e que obteve suas raízes no medievo.

É possível aprofundar questões sociais e culturais com o desenvolvimento deste trabalho, uma vez que observamos a ascensão da Igreja Católica que, no período Central do medievo, obteve grande poder, criando na sociedade feudal o sistema dualista – Deus e Diabo, bem e mal, santidade e pecado, religiosidade e danação. A masculinidade também embarcou nessa organização cultural distinta, em que a Instituição Católica pregava uma única (masculinidade) que foi “aderida” pela sociedade do medievo inconscientemente/culturalmente por conta de ela estar inserida em uma época com forte influência religiosa.

Como visto, o ser masculino também sofria com as regras religiosas e precisava conter-se em relação a sua esposa para não ser castigado por seus pecados. Ele precisava ser um homem dominador, pois isso lhe garantia o respeito social que todo homem deveria almejar. A imagem era muito importante para situá-lo como “verdadeiro” homem dentro da sociedade cristã, distanciando-o da inferioridade. O ser masculino também era obrigado a transparecer sua virilidade, impondo-se a diversos rituais de afirmação.

Respondendo à questão norteadora deste estudo, observamos que, na tentativa de concretizar seu objetivo a igreja e o estado, usavam mecanismos para vigiar, controlar e punir aqueles que não seguiam as normas estabelecidas (homens sem a “masculinidade religiosa”). Diante disso, vamos ter a sacralização do casamento como única forma aprovada pela Igreja Católica de permitir o ato sexual, considerado pecado nessa era cristã, uma vez que poderia ser praticado apenas para a procriação. Em contrapartida, notamos a realização da prática da prostituição feminina como método para controlar a parcela de homens solteiros, auxiliando na reprovação da homossexualidade com o objetivo de elevar a heterossexualidade. Sendo assim, “Deus, por meio do livro sagrado”, estabeleceu e idealizou um homem fiel, honrado, provedor, obediente aos mandamentos religiosos, dominador, viril, trabalhador e heterossexual, conforme era para ser os padrões de sua primeira criação (Adão).

Com este estudo concluímos também que não somente na Idade Média, mas desde os tempos mais remotos até a atualidade, o historiador pode observar as mais diversas masculinidades, “imaginadas”, almejadas e vivenciadas pelas civilizações/povos por meio das suas culturas, que impõem aos homens atitudes/pensamentos, modificando as estruturas mentais, moldando o ideal de masculinidade.

Nesse contexto medieval, notamos que a própria sociedade dualista não conseguia andar sempre no lado “do bem”. Assim como o sexo era vigiado por um lado, de outro ele era “liberado. O homem estava inserido em constantes conflitos pessoais, pois ele tinha que ser dominador, mas também se submetia à dominação religiosa. Tinha que desenvolver rituais para transparecer virilidade, para não ser visto como um ser desvirilizado. Proibido de pensar em adultério, mas não podia se envolver prazerosamente com sua esposa.

Portanto, o ser masculino no medievo foi o resultado de uma constante construção cultural, social e histórica em que a sociedade em questão (século XI a XII) era dominada pela Igreja Católica, pois a maioria da população era analfabeta e isso facilitou a manipulação do poder papal sobre a comunidade cristã. Foi por intermédio da Igreja que as manifestações mais íntimas da vida dos homens foram pensadas, forjadas, controladas e punidas. Sendo assim, com este trabalho reforçamos a ideia de que não há nada de “essencial, natural e permanente” no que se refere à masculinidade, sendo essas construções históricas/sociais/culturais específicas de cada sociedade.

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APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Quando se almeja trabalhar a Idade Média, necessita-se entender as suas “representações”, já que elas são instrumentos fundamentais para o pesquisador perceber o período e assim poder, por meio delas, analisar a fundo o conteúdo proposto de estudo. Representação social é um conceito problematizado e discutido pelo francês Chartier (1991). Conforme esse teórico, a representação faz tornar visível algo que se encontra ausente, entretanto, o que está representado não é objeto, pessoa ou evento em si, mas remete a uma presença, existindo uma diferença entre o que é representado e a representação.

3. A filósofa e escritora francesa Simone de Beauvoir (1988, p. 9) afirma que “[…] ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Então, é possível afirmar que ninguém nasce homem, mas torna-se homem.

4. Conforme a historiadora da arte Nadeije Laneyrie-Dagen (2013), por meio das obras europeias, mede-se o valor do indivíduo pela aparência e percebe-se a superioridade do homem sobre a mulher. Os homens geralmente aparecem nas pinturas alimentando-se desregradamente rodeados de carne. No entanto, a mulher era pintada com deformações na articulação bucal e olhares vagos, sempre carregando a ideia de que Deus a formou da costela do homem e para o homem. Na Idade Média, os instrumentos de corda simbolizavam o espírito do homem, enquanto o canto está associado à mulher. Em retratos de casais, a mulher sempre era pintada atrás do marido (LANEYRIE-DAGEN, 2013).

5. Jacques Le Goff escreveu no Dicionário Temático do Ocidente Medieval (2002, p. 30) que a “peça essencial do sistema não foi o Paraíso, mas o Inferno”. Pois, conforme esse historiador, para incitar os fiéis a buscarem por salvação, a Instituição Católica apresentou-lhes mais o medo do Inferno do que o desejo do Paraíso. Assim, criou-se um cristianismo com base no medo. Nesse contexto, os indivíduos medievais passaram a temer mais o inferno do que a própria morte.

6. “[…] O pecado é a distorção ou o mau encaminhamento deste desejo radical. Em lugar de orientar-se para Deus, o coração volta-se para os bens criados […] No pecado, o homem separa-se de Deus, trata-se de uma “deserção” ou de um abandono de Deus, enquanto que o homem sofre a loucura de converter-se a si mesmo em Deus […] O começo de todo pecado radica no egoísmo. Pecar é parodiar Deus ao pretender ser para si mesmo sua própria norma ou regra. […] Pecar é recusar permanecer na sua condição de criatura” (AGOSTINHO apud VIDAL, 1983, p. 571).

7. No Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Carla Casagrande e Silvana Vecchio (2006) comentam que toda a vida e visão do homem medieval perante o mundo gira em torno da presença do pecado. Seu tempo é pontuado pelo pecado: antes e depois da Queda, antes e depois da vinda de Cristo, antes e depois do Juizo Final. O pecado também dá origem a uma série de práticas e rituais (batismo, confissão, jejum, punição corporal, oração e peregrinação). Ainda o pecado domina toda a rede de relações do homem medieval.

[1] Graduado em História. ORCID: 0000-0002-5393-3424.

Enviado: Setembro, 2021.

Aprovado: Junho, 2022.

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