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Jacques Delors e os Pilares da Educação

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CONTEÚDO

ALMEIDA, Ana Maria Galvão de Barros [1], ALMEIDA JUNIOR, Fernando Frederico de [2]

ALMEIDA, Ana Maria Galvão de Barros; ALMEIDA JUNIOR, Fernando Frederico de. Jacques Delors e os Pilares da Educação. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 03, Vol. 02, pp. 12-25, Março de 2018. ISSN: 2448-0959

RESUMO

O estudo da educação no Brasil exige a análise do mesmo tema em nível global, decorrendo daí a importância da pesquisa envolvendo o Relatório Delors. A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI foi criada em 1993, registrando-se no relatório que, ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. Para a Unesco e, pois, também para o Brasil, os quatro pilares da educação são o “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver juntos” e o “aprender a ser”, pilastras essas que também se encontram presentes na Constituição Federal brasileira e instigam os educadores a estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino de todos os níveis e modalidades.

Palavras-Chave: Educação, Objetivos, Relatório Delors.

1. Introdução

Estudar a educação no Brasil implica obrigatoriamente na verificação do que se defende a esse respeito em nível mundial. É impossível e desaconselhável refletir sobre o destino particular de cada Estado-Nação ignorando o mesmo fenômeno objeto do estudo em escala global.

Nesta linha de pensamento, é imprescindível o estudo do denominado Relatório Delors, impondo-se a análise de suas considerações e conclusões no intuito de levá-las em conta em todos os processos de ensino-aprendizagem.

Este é o escopo deste trabalho, que inicialmente discorre sobre a criação da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI e sua relação com os objetivos gerais da educação, seguindo com a identificação e análise dos quatro pilares da educação segundo o Relatório Delors e do estudo dos objetivos da educação previstos na Constituição Federal do Brasil, tudo sem o escopo de esgotar o assunto, mas sim de apenas e tão somente fomentar o debate acadêmico.

2. A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI e os objetivos gerais da educação

A Conferência Geral da UNESCO, em novembro de 1991, convidou o diretor-geral “a convocar uma comissão internacional encarregada de refletir sobre educar e aprender para o século XXI”.

Federico Mayor pediu a Jacques Delors que presidisse tal comissão, que reuniu quatorze outras personalidades de todas as regiões do mundo, vindas de horizontes culturais e profissionais diversos.

A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI foi criada, oficialmente, no início de 1993. Financiada pela UNESCO, e servida por um secretariado posto à sua disposição por esta mesma organização, a Comissão pôde tirar partido dos preciosos recursos ao dispor da UNESCO e da sua experiência internacional, assim como de um impressionante acervo de informações, sem, contudo, deixar de conduzir os seus trabalhos e elaborar as suas recomendações com independência (DELORS, 1998, p. 268).

Os trabalhos da referida Comissão se encerraram em 1996, consignando-se no relatório que, ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. A Comissão considerou as políticas educativas um processo permanente de enriquecimento dos conhecimentos, do saber-fazer, mas também e talvez em primeiro lugar, como uma via privilegiada de construção da própria pessoa, das relações entre indivíduos, grupos e nações. À educação cabe a missão de fazer com que todos, sem exceção, façam frutificar os seus talentos e potencialidades criativas, o que implica, por parte de cada um, a capacidade de se responsabilizar pela realização do seu projeto pessoal (DELORS, 1998, p. 11-16).

Impõe-se cada vez mais, segundo a Comissão, o conceito de educação ao longo de toda a vida, dadas as vantagens que oferece em matéria de flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço. É a ideia de educação permanente que deve ser repensada e ampliada. É que, além das necessárias adaptações relacionadas com as alterações da vida profissional, ela deve ser encarada como uma construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade de discernir e agir. Deve levar cada um a tomar consciência de si próprio e do meio ambiente que o rodeia, e a desempenhar o papel social que lhe cabe enquanto trabalhador e cidadão. É desejável que a escola transmita ainda mais o gosto e prazer de aprender, a capacidade de ainda mais aprender a aprender, a curiosidade intelectual (DELORS, 1998, p. 18).

Para a Comissão, a educação tem como objetivo essencial o desenvolvimento do ser humano na sua dimensão social. A política educativa deve ser suficientemente diversificada e concebida de modo a não se tornar um fator suplementar de exclusão social, sendo que a escola só pode ter êxito nesta tarefa se contribuir para a promoção e integração dos grupos minoritários, mobilizando os próprios interessados no respeito a sua personalidade (DELORS, 1998, passim).

3. O Relatório Delors e os quatro pilares da educação

Jacques Delors e seu grupo relataram que a educação, para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo os pilares do conhecimento.

O primeiro pilar da educação é o aprender a conhecer, que significa adquirir os instrumentos da compreensão. Como o conhecimento é múltiplo e evolui infinitamente, torna-se cada vez mais inútil tentar conhecer tudo. O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado e pode enriquecer-se com qualquer experiência (DELORS, 1998, p. 89-92).

Outra coluna da educação refere-se ao aprender a fazer, para assim poder agir sobre o meio envolvente, objetivando adquirir não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe, com reflexos também no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes (DELORS, 1998, p. 101-102).

Desses dois primeiros pilares da educação deflui-se a importância do currículo escolar, fundamental para o sucesso do processo ensino-aprendizagem. A esse respeito, eis a lição de Moacir Gadotti:

O currículo é um conceito amplo e inclui praticamente tudo o que se faz na escola. Significa caminho, percurso, viagem, processo. Currículo é espaço de conhecimentos e de relações. A escola é essencialmente um conjunto de relações sociais e humanas. Como o currículo faz referência a um certo território, ele é também espaço de conflitos, implica decisões, opções e relações de poder. Discutir o currículo é discutir o projeto educacional, a escola que temos e a escola que queremos. Tudo o que se passa na escola tem a ver com o currículo. (GADOTTI, 2008a, p. 71)

A terceira pilastra consiste no aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências, realizando projetos comuns e preparando-se para gerir conflitos, observando-se o respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz (DELORS, 1998, p. 90 e 102).

É por isso que restou acordado pela comunidade internacional que a educação em direitos humanos pode ser definida como o conjunto de atividades de capacitação e de difusão de informação, orientadas para criar uma cultura universal na esfera dos direitos humanos, mediante a transmissão de conhecimentos, o ensino de técnicas e a formação de atitudes, com a finalidade de:

(a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;
(b) desenvolver plenamente a personalidade humana e o sentido da dignidade do ser humano;
(c) promover a compreensão, a tolerância, a igualdade entre os sexos e a amizade entre todas as nações, os povos indígenas e os grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos;
(d) facilitar a participação efetiva de todas as pessoas em uma sociedade livre e democrática na qual impere o Estado de Direito;
(e) fomentar e manter a paz;
(f) promover um desenvolvimento sustentável centrado nas pessoas e na justiça social. (UNESCO, 2012, p. 14)

Defendendo uma cultura da paz e da sustentabilidade e uma educação voltada para o futuro, explica Moacir Gadotti que é necessário “educar para comunicar-se. Não comunicar para explorar, para tirar proveito do outro, mas para compreendê-lo melhor. Inteligente não é aquele que sabe resolver problemas (inteligência instrumental), mas aquele que tem um projeto de vida solidário. Porque a solidariedade não é hoje apenas um valor. É condição de sobrevivência de todos” (2008b, p. 74-75).[3]

Por fim, o aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes, para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal (DELORS, 1998, p. 90 e 102).

Tratando especificamente da educação básica, entendeu a Comissão:

Fixar como objetivos o direito à educação e a igualdade de acesso para todos exige a implicação de diferentes categorias de atores a vários níveis. Os poderes públicos não devem, apenas, diligenciar para que a educação básica seja uma realidade, devem também esforçar-se por eliminar os obstáculos à frequência escolar, em particular para as jovens, pondo em prática algumas das seguintes medidas:

– elaborar, com cuidado, o mapa escolar de modo a que, na medida do possível, as crianças e especialmente as jovens não tenham de percorrer distâncias muito grandes;

– criar escolas ou instalações especiais reservadas às jovens, nas culturas em que os pais não as enviam à escola, para que não fiquem em contato com os rapazes;

– recrutar maior número de professoras nos casos em que a maioria dos docentes são homens;

– organizar programas de alimentação escolar;

– adaptar os horários escolares às tarefas que as crianças têm de executar em casa;

– manter programas não-formais com a participação dos pais e de organizações locais,

– melhorar as infraestruturas básicas e, em particular, o acesso à água potável, para evitar às jovens certas tarefas domésticas e dar-lhes tempo livre para a educação. (DELORS, 1998, p. 127)

Importante destacar que é preciso prestar particular atenção à qualidade do ensino, mesmo naqueles países em que todas as crianças estão inscritas no ensino básico, pois a educação nessa fase, além de se constituir numa uma preparação para a vida, ocorre no melhor momento para aprender a aprender (DELORS, 1998, p. 127).

Outro fator de suma importância na educação básica é o tempo passado num ambiente de aprendizagem. “Cada interrupção, cada incidente que reduza o tempo de aprender compromete a qualidade dos resultados: os responsáveis pelas políticas educativas devem preocupar-se, cada vez mais, em fazer com que o ano escolar oficialmente previsto corresponda, na maior parte dos casos, ao ano escolar efetivo” (DELORS, 1998, p. 127-129).

Eis a explicação desse posicionamento:

Como o ensino dá, muitas vezes, grande importância ao sucesso nos exames, cabe às autoridades assegurar que estes controlem adequadamente os conhecimentos e aptidões que se pretende que os alunos adquiram. Por outro lado, é necessário rever, com cuidado, o conteúdo dos programas e os métodos de ensino se se quiser ampliar o campo da educação, de modo que não trate apenas de conhecimentos e do saber-fazer mas englobe também a aptidão para viver juntos e a realização individual. (DELORS, 1998, p. 129)

A Comissão também deixou bastante claro seu entendimento acerca da importância da educação infantil:

Além da iniciação à socialização que os centros e programas de educação pré-escolar facultam, verifica-se que as crianças que se beneficiam deste tipo de educação têm uma disposição mais favorável em relação à escola e correm menos riscos de a abandonar prematuramente do que as que não tiveram essa oportunidade. Uma escolarização iniciada cedo pode contribuir para a igualdade de oportunidades, ajudando a superar as dificuldades iniciais de pobreza, ou de um meio social ou cultural desfavorecido. Pode facilitar, consideravelmente, a integração escolar de crianças vindas de famílias de imigrantes, ou de minorias culturais ou linguísticas. Além disso, a existência de estruturas educativas que acolham as crianças em idade pré-escolar facilita a participação das mulheres na vida social e econômica. (DELORS, 1998, p. 129)

Por outro lado, a Comissão reconheceu e advertiu que a educação infantil está muito pouco desenvolvida na maior parte dos países do mundo e sugeriu que ela seja integrada “em programas de educação comunitária destinados aos pais, em especial nos países em desenvolvimento, onde os estabelecimentos de educação pré-escolar, muito caros, são acessíveis apenas a privilegiados” (DELORS, 1998, p. 129-130).

Aliás, a participação e a responsabilidade da coletividade foram apontadas por Jacques Delors e seu grupo como indispensáveis para o sucesso da escolarização, que é diretamente dependente, em larga medida, do valor que a coletividade atribui à educação.

Para a Comissão, quando a educação é muito apreciada e ativamente procurada, a missão e os objetivos da escola são partilhados e apoiados pela comunidade envolvente. “É por isso que se deve encorajar e sustentar a tendência a dar, nesta área, um papel cada vez mais importante às comunidades de base. É preciso, também, que a coletividade olhe para a educação como algo pertinente em relação às situações da vida real e correspondendo às suas necessidades e aspirações”[4]. Lembra a Comissão que a utilização ou criação de centros comunitários pode ser uma das formas de participação da comunidade, nos quais se podem realizar ações da mais diversificadas, tais como, por exemplo, a educação dos pais e a educação para o desenvolvimento social (cuidados de saúde primários, orientação para o planejamento familiar, educação visando melhorar as capacidades econômicas etc.).[5] Outra maneira de integrar a coletividade na missão de educar, de acordo com a Comissão, é “confiar a membros da comunidade as funções de auxiliares ou de paraprofissionais no seio do sistema escolar”, mas tudo deve sempre ser observado e acompanhado pela responsabilidade e ação vigorosa do Estado, que tem um papel importante a desempenhar, se se pretender que todas as comunidades tenham oportunidades iguais de ver os seus filhos beneficiar-se de uma boa educação (DELORS, 1998, p. 131-133).

Todavia, quanto à atuação do Estado na educação, faz-se importante atentar para as críticas proferidas por Murray Newton Rothbard, notadamente para evitar o que por ele é atacado. Eis suas ponderações:

Devemos ver que, desde que o estado começou a controlar a educação, sua tendência evidente tem sido cada vez mais agir de modo a promover a repressão e o impedimento à educação, ao invés do verdadeiro desenvolvimento do indivíduo. Sua tendência tem sido para a coação, para a igualdade forçada ao nível mais baixo, para o enfraquecimento dos conteúdos e até mesmo o abandono de todo ensino formal, para o inculcamento da obediência ao estado e ao “grupo”, ao invés do desenvolvimento da auto-independência, e para a depreciação dos assuntos intelectuais. E, finalmente, é a sede do estado e seus asseclas pelo poder que explicam o credo da “educação moderna” de “educação integral da criança”, tornando a escola um “pedaço da vida”, onde os indivíduos jogam, se ajustam ao grupo etc. O efeito desta, como de todas as outras medidas, é reprimir qualquer tendência para o desenvolvimento das capacidades racionais e independência individual; é tentar usurpar de várias formas a função “educacional” (para além do ensino formal) do lar e dos amigos, e tentar moldar “toda a criança” nos caminhos desejados. (ROTHBARD, 2013, p. 26-27)

A denominada “escola cidadã” é a que se contrapõe a uma imposição “cega” de procedimentos por parte do Estado. Ângela Antunes e Paulo Roberto Padilha explicam a “escola cidadã” como aquela que “pressupõe a democratização da gestão, o planejamento participativo, a construção de um novo currículo (interdisciplinar, transdisciplinar, intertranscultural),[6] relações sociais, humanas e intersubjetivas novas”. Explicam que “fazer uma gestão democrática significa contar com a participação dos representantes dos diferentes segmentos da comunidade escolar”, compartilhando reflexões e ações, “ter acesso a informações, contar com fóruns de diálogo, com descentralização do poder de decisão em relação ao projeto político-pedagógico das unidades educacionais” (2010, p. 43, 61-62).[7]

Concluem os mesmos autores:

Então, a gestão será democrática, comunitária e compartilhada quando promover espaços de encontro dos representantes dos diferentes segmentos escolares para pensar, refletir, planejar, acompanhar, avaliar, fazer a gestão da escola, numa perspectiva dialógica, por isso de forma participativa, comunitária visando à garantia do direito de aprender de todos os alunos, reinventando a escola, planejando, comprometendo-se com o que foi coletivamente planejado, participando da execução, avaliando as ações realizadas e, assim, num movimento de ação-reflexão-ação compartilhada e democrática, promover a educação de qualidade socioambiental e sociocultural. (ANTUNES; PADILHA, 2010, p. 64)

É possível afirmar, como faz Maria José Favarão, que “no trajeto das conquistas sociais, nas novas formas de organização e no aprofundamento da democracia, a gestão escolar tem refletido as exigências de comportamentos solidários, participativos e coletivos que tendem a desaguar nos eixos de uma educação em direitos humanos” (2011, p. 190). Com efeito, “ao promover o respeito à dignidade humana e a igualdade, bem como a participação na tomada democrática de decisões, a educação em direitos humanos contribui para a prevenção, a longo prazo, de abusos e de conflitos violentos” (UNESCO, 2012, p. 4).

4. A Constituição Federal do Brasil

No âmbito nacional, ou seja, alterando o eixo de análise para as normas fixadas na legislação brasileira, salienta-se que a Constituição Federal de 1988 faz referência aos objetivos do país e da educação como um todo, conforme se denota do disposto nos artigos 3° e 205, respectivamente.

O artigo 3° prescreve que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988).

Salta aos olhos que os objetivos da República Federativa do Brasil, dispostos no artigo 3° da Constituição Federal, estão ligados à ideia de justiça social.

Afirma João Baptista Herkenhoff, com propriedade, que a justiça social é a realização do valor “justiça” no âmbito das relações sociais. É a justiça no seu sentido macro, em oposição às explicitações da justiça no plano das relações interindividuais. Alerta que “as reflexões dos filósofos clássicos devem ser adequadas à realidade contemporânea e à realidade de cada situação específica para terem valia”. No caso do Brasil, pondera a necessidade de se ter presente “a realidade de país de Terceiro Mundo, com uma economia dependente”. Explica, assim, que justiça social no Brasil “é vencer a fome, as brutais desigualdades, é impedir que a infância seja destruída antes mesmo que a vida alvoreça, é reconhecer às multidões oprimidas o direito de partilhar os dons e as grandezas da Criação”. Continua Herkenhoff dizendo que “não há Justiça Social onde a sociedade, como um todo, não proporciona a satisfação dos direitos das pessoas em particular e sobretudo das pessoas mais credoras de proteção como a criança, o velho, o doente. Não há Justiça Social se a sociedade global não dá condições de existência às microssociedades como a família e os diversos pequenos grupos sociais”. Conclui, enfim, que a justiça social poderá criar um clima social gerador de comportamentos positivos e construtivos, poderá contribuir para criar uma maior coesão social, certamente aumentará a solidariedade e reduzirá os atritos e conflitos (2001, p. 107-108 e 113).[8]

Estes objetivos do Estado, estabelecidos pela Lei Maior brasileira, se constituem também em metas a serem alcançadas pela educação, inclusive pelas instituições que a oferecem. Destarte, uma instituição de ensino no Brasil, ao contribuir para a educação e a formação de seus alunos, está certamente contribuindo para uma sociedade mais livre, justa e solidária, está ajudando no desenvolvimento do país, está contribuindo para a erradicação da pobreza e da marginalização, está diminuindo as desigualdades sociais e, ainda, está promovendo o bem estar de todos.

Já o artigo 205 da Carta Magna atesta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Constata-se, assim, que são objetivos da educação nacional contribuir para o pleno desenvolvimento da pessoa, prepará-la para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho. Vê-se que cidadania, desenvolvimento e trabalho são fatores primordiais que devem ser lembrados e almejados pela educação no Brasil.

Em outras palavras, a educação nacional, segundo a Constituição Federal de 1988, deve buscar incutir na pessoa: a) o aprender a conhecer (desenvolvimento humano), pois cada vez é mais inútil tentar conhecer tudo e o processo de aprendizagem jamais se acaba; b) o aprender a viver juntos (exercício da cidadania), para participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências; e c) o aprender a fazer (qualificação para o trabalho), para assim poder agir sobre o meio envolvente, objetivando adquirir não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. A soma destes três pilares da educação, nas palavras do Relatório Delors, implica no aprender a ser, para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal.

Considerações Finais

Para a UNESCO e, pois, também para o Brasil, os quatro pilares da educação são o “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver juntos” e o “aprender a ser”.

As colocações da UNESCO consistem certamente numa provocação a todos os educadores interessados em estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino de todos os níveis e modalidades. Do mesmo modo, suas reflexões se contrapõem indiretamente aos que defendem que a educação escolar se destina exclusivamente à formação de pessoal para o mercado de trabalho e se esquecem que ela influi expressivamente na vida dos indivíduos e nos destinos da sociedade.

Aos estabelecimentos de ensino, à família, ao Estado e à sociedade, todos responsáveis pela educação, não cabe apenas a missão de formar pessoas aptas para o trabalho qualificado, incumbindo-lhes também e principalmente a tarefa de servir de fonte de desenvolvimento individual, permitindo e facilitando o acesso ao saber desinteressado, nas mais diversas áreas do conhecimento e da cultura humana. Mais que isso, compete a todos os envolvidos lutar contra a desigualdade social e contribuir para a erradicação da pobreza e da exclusão, sendo de rigor proporcionar a inclusão dos grupos social e economicamente marginalizados.

Referências

ANTUNES, Ângela; PADILHA, Paulo Roberto. Educação Cidadã, Educação Integral: fundamentos e práticas. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2010.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 05/10/1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 04/09/2017.

CAMBA, Salete Valesan. ONGs e escolas públicas: uma relação em construção. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009.

DELORS, Jacques (coord.). Educação: um tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Tradução de José Carlos Eufrázio. São Paulo: Cortez Editora. Brasília: Unesco, 1998.

FABRE, Juliana Zacarias Fabre. Ações Afirmativas e Estado Democrático de Direito: consequência ou resistência? Dissertação de Mestrado. Ribeirão Preto: UNAERP, 2005.

FAVARÃO, Maria José. Gestão escolar e educação em direitos humanos. In: PINI, Francisca Rodrigues de Oliveira; MORAES, Célio Vanderlei (orgs.). Educação, participação política e direitos humanos. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2011, p. 189-196.

GADOTTI, Moacir. Convocados, uma vez mais: ruptura, continuidade e desafios do PDE. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008a.

________. Educar para a sustentabilidade: uma contribuição à década da educação para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008b.

GALVÃO, Andréa; LEAL, Telma Ferraz. Há lugar ainda para métodos de alfabetização? Conversa com professores(as). In: MORAIS, Artur Gomes; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de; LEAL, Telma Ferraz (orgs.). Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 11-28.

HERKENHOFF, João Baptista. Para onde vai o Direito? Reflexões sobre o papel do Direito e do jurista. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

MARTINS, Eliana Bolorino Canteiro. Educação e serviço social: elo para a construção da cidadania. São Paulo: Unesp, 2012.

PADILHA, Paulo Roberto. Educar em todos os cantos: reflexões e canções por uma educação intertranscultural. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2007.

ROTHBARD, Murray Newton. Educação: livre e obrigatória. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013.

SILVA, Alexandro Fernando et all. Formação de educadores sociais: Projeto JovemPaz: Construção intercultural da paz e da sustentabilidade. São Paulo: Cortez, 2004.

UNESCO. Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos: Plano de Ação. Brasília: UNESCO, 2012.

[1] Especialização em Psicopedagogia pelas Faculdades Integradas de Jaú. Especialização em Didática para a Modernidade pela Universidade de Franca. Coordenadora do Centro de Educação Infantil da Fundação Educacional Dr. Raul Baub – Jahu. Pedagoga e Psicopedagoga

[2] Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina (Itália). Pós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal). Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto. Professor

[3] Alexandro Fernando Silva et all ressaltam a função docente nessa construção: “Pensando no papel dos educadores sociais, é importante lembrar que educar na perspectiva de construir a cultura da paz e da sustentabilidade requer participação. Não é uma atividade meramente teórica, mas composta também de vivências, que visam a motivar comportamentos ativos, mobilizar valores e pontos de vista, estimular a transformação da realidade. Trata-se de exercitar um olhar acurado sobre a nossa realidade, procurando perceber como nossa coletividade lê o mundo, para que estas diferentes leituras/expectativas/desejos possam ser acolhidos no projeto de sustentabilidade e paz que queremos implementar.” (SILVA, 2004, p. 52)

[4] Tratando da utilização de situações da vida real no processo de alfabetização, Andréa Galvão e Telma Ferraz Leal lecionam: “Com efeito, a alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre o funcionamento do sistema alfabético de escrita. Para aprender a ler e a escrever, o aluno precisa participar de situações que o desafiem, que coloquem a necessidade da reflexão sobre a língua, que o leve enfim a transformar informações em conhecimento próprio. É utilizando-se de textos reais, tais como listas, poemas, bilhetes, receitas, contos, piadas, entre outros gêneros, que os alunos podem aprender muito sobre a escrita.” (GALVÃO; LEAL, 2005, p. 14-15)

[5] Nesse ponto o papel das organizações não-governamentais (ONGS) pode ser fundamental. Assim defende Salete Valesan Camba: “As ONGs atuam na educação e ocupam espaços no sistema escolar num processo crescente de participação direta nas escolas públicas. Sua importância está situada na possível interferência em busca da “qualidade” da educação, nos resultados obtidos pelas escolas e na “oferta” de educação de “qualidade” para todos, uma vez que essas organizações criam suas próprias escolas ou fazem opção por entrar no sistema público de estados e municípios. Apesar de não governamentais, há ONGs que atuam em áreas sociais consideradas de responsabilidade do Estado, trabalhando com a promoção de grupos sociais excluídos. Entidades específicas estão surgindo em nome da resolução dos problemas sociais mais urgentes, como a falta de moradia, menor abandonado, questões ecológicas, trabalhador rural, saúde, educação, questões étnicas e de gênero, etc. Consolida-se, assim, a crença de que as ONGs têm que fazer uma opção pela sociedade civil, ocupando um espaço de autonomia e questionamento permanente do Estado.” (CAMBA, 2009, p. 53)

[6] A intertransculturalidade, na visão de Paulo Roberto Padilha, “supõe, de início, uma educação que trabalha com as diferenças e com as semelhanças culturais, visando a todo tipo de inclusão e às aproximações, às interações e interconexões de experiências educacionais que acontecem na escola e na cidade. A Educação Intertranscultural, segundo teorizo, dá ênfase à diversidade cultural no currículo de qualquer instituição educacional, e essa diversidade carrega em si mesma diferentes diferenças e múltiplas semelhanças.” (PADILHA, 2007, p. 218)

[7] Interessante e oportuna a opinião de Eliana Bolorino Canteiro Martins, para quem a gestão democrática de uma escola depende da participação efetiva de profissionais de outras áreas: “O desenvolvimento de ações no sentido de efetivar a democratização da escola pública, tanto no sentido de sua gestão, na ampliação do acesso às classes populares, como na participação mais efetiva da família e da comunidade na escola, suscita demandas que necessitam do conhecimento e da habilidade de outros profissionais, dentre eles o assistente social.” (2012, p. 100)

[8] Lembra Juliana Zacarias Fabre Tebaldi que “são diversos os grupos sociais excluídos no Brasil, costumeiramente denominados de minorias. Todavia, o termo ‘minorias’ não deve ser levado na acepção literal da palavra, ou seja, como relativo a quantidades, até mesmo porque, em um país como o Brasil, todos sabemos que as pessoas excluídas socialmente representam a maioria”. Afirma, ainda, que “as pessoas socialmente excluídas são aquelas que têm seus direitos básicos desrespeitados e não possuem as mesmas oportunidades que os cidadãos ‘incluídos’ no sistema” (2005, p. 65).

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Fernando Frederico de Almeida Junior

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