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Corpo, Gênero e Educação: Pistas para um debate

RC: 66505
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/corpo-genero

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

BARBOSA, Francisca Maria da Silva [1], ARAÚJO, Iara Maria de [2]

BARBOSA, Francisca Maria da Silva. ARAÚJO, Iara Maria de. Corpo, Gênero e Educação: Pistas para um debate. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 11, Vol. 14, pp. 116-126. Novembro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/corpo-genero, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/corpo-genero

RESUMO

Desde o nascimento, meninas e meninos iniciam uma viagem pela qual seus destinos vão sendo demarcados. A cultura e a  sociedade informam e inscrevem sobre os seus corpos atitudes, gestos, valores e expectativas de acordo com seu sexo. A família e a escola são as primeiras instituições que atuam nesse sentido. Através de mecanismos sutis, elas legitimam as diferenças de gênero de forma natural e imperceptível. Diante dessa observação, inúmeras inquietações surgem: como essas práticas são construídas? Quais os mecanismos utilizados para que elas se perpetuem? É importante pensar sobre esse aspecto, pois só a partir desse reconhecimento pode-se tornar possível uma educação não sexista. A investigação, de cunho bibliográfico, evidenciou a ação da escola e outras instituições que atuam na regulação de corpos, oferecendo elementos para desnaturalizar os estereótipos de gênero. Revisitar um tema tão dinâmico e complexo como gênero, corpo e educação permite refletir e problematizar as questões que envolvem esse entrecruzamento de temas, oferecendo subsídios para despertar uma transformação no olhar e desconstruir estereótipos tão presentes dentro desse campo.

Palavras-chave: Corpo, gênero, educação.

1. INTRODUÇÃO

Quantas inquietudes podem ser provocadas pelo espaço escolar? Quantas vozes conseguem falar e quantas outras são silenciadas? Os corpos foram e continuam sendo, ao longo da história, objeto de atenção de toda ação pedagógica, seja ela escolar ou desenvolvida por outras instituições sociais. Estas veiculam saberes, transmitem valores e, com sutileza, produzem os sujeitos sociais. Diferenciando-se no tempo e espaço, essas instituições informam as noções de corpo, saudável, bonito e considerado adequado para homens e mulheres, meninos e meninas, determinando lugares e posições sociais.

Desde o nascimento, meninas e meninos iniciam uma viagem pela qual seus destinos vão sendo demarcados. A cultura e sociedade informam e inscrevem sobre os seus corpos atitudes, gestos, valores e expectativas de acordo com seu sexo. A família e a escola são as primeiras instituições que atuam nesse sentido. Através de mecanismos sutis, elas legitimam as diferenças de gênero de forma natural e imperceptível. Diante dessa observação, inúmeras inquietações surgem: como essas práticas são construídas? Quais os mecanismos utilizados para que elas se perpetuem?

Louro (2010) vem alertar sobre a inter-relação entre corpo, identidade e processos educativos, sendo, este último, alvo de constantes discussões, uma vez que está constantemente preocupado em vigiar, modelar e construir os corpos de meninos e meninas. Não é difícil perceber que a escola, em todos os seus momentos oficiais (na sala de aula) ou não oficiais (como nos intervalos) é perpassada por diversidades e diferenças nas questões de gênero. É nesse espaço que meninos e meninas são levados a construir suas aprendizagens sociais, como andar, falar, se comportar, se vestir, etc.

O estudo tem como objetivo refletir sobre a construção social do corpo, atentando sobre como as práticas corporais escolares atravessam e constroem diferentemente os corpos de meninos e meninas e os mecanismos e estratégias (intencional ou não intencional) que contribuem para esse processo. Vale lembrar que práticas sexistas e separatistas são muito frequentes no espaço educacional, manifestadas, muitas vezes, nas brincadeiras, no discurso da professora ou do professor, nos livros didáticos, entre outras pedagogias corretoras e generificadas, reforçando diferenças de gênero de forma rígida, estereotipada e hierarquizada.

O estudo foi realizado por meio de uma revisão bibliográfica, destacando-se os trabalhos de Le Breton (2017), Louro (1997), Foucault (2012), Bourdieu (2007), Butler (2010, 2019), Scott (1990), dentre outras e outros. Revisitar um tema tão dinâmico e complexo como gênero, corpo e educação permite refletir e problematizar as questões que envolvem esse entrecruzamento de temas, oferecendo subsídios para despertar uma transformação no olhar e desconstruir estereótipos tão presentes dentro desse campo de estudos. É importante pensar sobre esse aspecto, pois só a partir desse reconhecimento pode-se tornar possível uma educação não sexista.

2. O CORPO COMO TERRITÓRIO SOCIAL E CULTURAL

O que está sendo gravado na carne humana é a imagem da sociedade. (Mary Douglas)

A frase de Mary Douglas (1976) é significativa para o diálogo que se pretende estabelecer nesse tópico. A autora fala do simbolismo social no corpo humano, expresso por uma determinada cultura, signo de representações coletivas. No corpo, estão impressos elementos de identidade e alteridade.

Pensar em uma definição única e exata sobre o corpo parece ser uma tarefa impossível, uma vez que, ao longo dos séculos e dentro das diversas sociedades, o corpo vem sendo apresentado e pensado de diferentes formas. O corpo é também, e principalmente, um território simbólico de cada cultura, carregado com suas leis, códigos e representações.

Le Breton (2012) aborda o corpo numa perspectiva sociológica e, de antemão, já afirma que “a existência é corporal”. Todas as ações que envolvem a vida cotidiana são perpassadas pela corporeidade, desde ver, sentir, tocar, saborear o que permite que o ser humano possa atribuir sentido e estabelecer relação com o mundo que o cerca.

Os usos físicos do homem dependem de um conjunto de sistemas simbólicos. Do corpo nascem e se propagam as significações que fundamentam a existência individual e coletiva; ele é o eixo da relação com o mundo, o lugar e o tempo nos quais a existência toma forma através da fisionomia singular de um ator. Através do corpo, o homem apropria-se da substância de sua vida traduzindo-a para os outros, servindo-se dos sistemas simbólicos que compartilha com os membros da comunidade. (LE BRETON, 2017, p. 7).

Falar de corpo é falar de algo construído na (e pela) cultura, mas que algo natural, (pensando biologicamente), ou universal, o corpo é político, histórico, mutável e, portanto, provisório. Pensar o corpo é ir além da sua materialidade, compreendo-o também por meio de reflexos e sensações, das intervenções realizadas, dos acessórios usados, dos gestos. (GOELLNER, 2010).

O contexto social e cultural imprime suas marcas nos corpos, tornando-se um signo que evidencia como a relação com o mundo é construída. Todas as atividades físicas, gestos, cerimônias, ritos de interação e até a relação com a dor e o sofrimento são expressões de lógicas sociais e culturais.

Pela corporeidade, o homem faz do mundo a extensão de sua experiência; transforma-o em tramas familiares e coerentes, disponíveis à ação e permeáveis à compreensão. Emissor ou receptor, o corpo produz sentidos continuamente e assim insere o homem, de forma ativa, no interior de dado espaço social e cultural. (LE BRETON, 2012, p. 8).

Le Breton (2017) destaca que a dimensão cultural do corpo, aparece de forma mais sistemática no campo teórico das ciências sociais, na década de 60, ancorada nas produções de autores como Michel Foucault, N. Elias, P. Bourdieu J. Baudrillard,  o que  possibilitou um novo olhar sobre o corpo e formas de pensa-lo além do aspecto biológico e essencialista, fixo e imutável, oferecendo  elementos  para  problematizá-lo e atentar para os significados que determinadas culturas atribuem a este.

Para Foucault (2012), o corpo é uma realidade biopolítica, com destaque para hierarquias que se estabelecem a partir de sua anatomia. O autor analisa instituições como escolas, fábricas, prisões e o poder disciplinador por meio de determinados dispositivos que são exercidos sobre os corpos. Conhecer, docilizar, fiscalizar e controlar são percebidos como mecanismos de apelação que atuam sobre os corpos e são realizados, muitas vezes, de forma sutil. “Trata-se antes de mais nada, do tipo de poder que exerceu sobre o corpo e o sexo, um poder que, justamente, não tem a forma da lei nem os efeitos da interdição” (FOUCAULT, 2012, p 54).

Ao discutir o conceito de habitus como sistemas de disposições socialmente constituídos, Bourdieu (2007) toma o corpo social e seus usos como uma referência para falar de determinados princípios que agem sobre os esquemas corporais, os movimentos, as técnicas, as práticas. Na perspectiva do autor, isto ocorre de forma sistemática e inconsciente, considerando que as disposições orientam as práticas corporais a partir de elementos materiais e simbólicos.

A força simbólica é uma forma de poder que se exerce sobre os corpos, diretamente, e como que por magia, sem qualquer coação física; mas essa magia só atua com o apoio de predisposições colocadas, como molas propulsoras, na zona mais profunda dos corpos. (BOURDIEU, 2007, p. 50).

Bourdieu (2007) chama a atenção ao falar das forças que agem simbolicamente sobre corpos devendo-se considerar  que  determinada visão de  mundo  e as relações de poder que se entrelaçam, são   construções  sociais que envolve as  estruturas cognitivas. Muitas vezes o indivíduo é levado a pensar que age a partir de questões pessoais e não impulsionado por ações externas.

Louro (2016) argumenta que as marcas simbólicas e físicas que os corpos carregam, ficam inscritas na pele e que qualificam, determinam, nomeiam e informam poder.

Ao longo dos tempos os sujeitos vêm sendo indiciados, classificados, ordenados hierarquizados e definidos pela aparência de seus corpos; a partir dos padrões e referências das normas, valores e ideais da cultura. Então os corpos são o que são na cultura. A cor da pele ou dos cabelos; o formato dos olhos, do nariz ou da boca; a presença da vagina ou do pênis; o tamanho das mãos, a redondeza das ancas e dos seios  são sempre significados culturalmente e é que se tornam marcas de raça, de gênero, de etnia até mesmo de classe e de nacionalidade. (LOURO, 2016, p. 77, 78).

Assim, como defende Le Breton (2017, p. 31). “o corpo está no cruzamento de todas as instâncias da cultura, o ponto de atribuição por excelência do campo simbólico”. Dessa forma, cabe questioná-lo e estranhá-lo nas suas marcações sociais e culturais sobre as quais diversas instituições tendem a controlar e impor certos modelos dominantes da estrutura social vigente. É sobre esse aspecto que o texto discorrerá a seguir.

3. CORPO E GÊNERO NOS PROCESSOS EDUCATIVOS

Os processos educativos vivenciados ao longo da vida, nas experiências cotidianas, vão atuando nos modos de agir, se comportar, vestir, se relacionar, desejar, entre outras representações que são aprendidas nas diversas relações estabelecidas entre os sujeitos e através de determinadas instâncias sociais e culturais. Homens e mulheres, meninas e meninos, ao se inserirem no mundo, passam por um longo processo de socialização em diversas instituições sociais e culturais, tais como família, escola, igreja, comunidade, são ensinados a se comportar dentro da sociedade de acordo com os padrões normativos exigidos para cada gênero. Assim, desde as inserções em determinadas profissões, atribuições familiares, às formas como se expressam tais como  andar, dançar e mostrar o corpo passa pelo filtro das expectativas sociais. É importante considerar que o conceito de gênero deve ser pensado de forma plural, não sendo possível enquadra-lo em um único modelo, tendo em vista as múltiplas representações sobre homem e mulher, que vão variar de acordo com cada sociedade e os contextos históricos distintos, além das marcas, étnica, religiosas e de classe. No entanto, apesar dessa multiplicidade a sociedade impõe padrões normativos que deverão ser seguidos. (ARAÚJO E ESMERALDO, 2014).

Mesmo antes de entrar na escola, meninos e meninas são educados diferentemente a partir do seu sexo (órgão sexual). Daí, desde o espaço privado do lar, através da família surgem diferentes tarefas designadas ainda durante a infância que mais tarde tendem a se transformar em desigualdades de gênero.

Mas quais os problemas ocasionados a partir dessa distribuição? Com base nesse pensamento, estaria se solidificando a imagem de homem e mulher. O estereótipo de uma mulher prendada, restrita ao espaço doméstico, que deve se ocupar das tarefas do lar como cozinhar, lavar, limpar, passar e cuidar das crianças, iniciando, assim, um sistema de discriminação e exclusão das mulheres. É a partir de então, como argumenta Scott (1999), que o masculino e o feminino são construídos como categorias opostas e hierarquizadas, na qual a mulher ocupa posição inferior, sendo sempre medida e comparada a partir de um referencial masculino.

Louro (2000) argumenta que esse processo que se inicia na instituição família, continua se consolidando na escola, tem se constituído como produtor das diferenças e distinções. Para a autora a escola por meio de padrões, regulamentos e legislações sempre atuou na vigilância e regulação de corpos de meninas e meninos, separando, ordenando e classificando, exercendo  ação sobre suas identidades sexuais e de gênero,

Como instrumento de educação que é, a escola é repleta de instrumentos de produção/reprodução dos valores e papéis sexistas, muitas vezes esses instrumentos são exercidos de forma muito sutil que acabam sendo naturalizados, como também são naturalizadas as distinções que ocorrem no ambiente escolar.

Afinal, é “natural” que os meninos e meninas se separem na escola, para os trabalhos de grupos e para as filas? É preciso aceitar que “naturalmente” a escolha dos brinquedos seja diferenciada pelo sexo? Como explicar, então, que muitas vezes eles se “misturem” para brincar ou trabalhar? É de esperar que os desempenhos nas diferentes disciplinas revelem as diferenças de interesse e aptidão “características” de cada gênero? Sendo assim, teríamos que avaliar esses alunos e alunas através de critérios diferentes? Como professores de séries iniciais, precisamos aceitar que os meninos são “naturalmente” mais agitados e curiosos que as meninas? (LOURO, 2010, p.63).

Para Scott (1990), o gênero como categoria analítica e metodológica permite pensar as feminilidades e masculinidades no âmbito das relações sociais de forma relacional, o que possibilita explicar a forma como cada cultura impôs características específicas ao masculino e feminino de forma hierarquizada e, portanto, envolvendo relações de poder.

As masculinidades e feminilidades são construídas discursivamente e inscritas nos corpos, orientadas pelos padrões normatizadores de determinada cultura, argumenta Butler (2019). As práticas discursivas é que vão dar sentido à materialidade dos corpos e à performatividade de gênero.

Butler (2019) fala de gênero como um ato carregado de intencionalidade, um gesto performativo que gera significados. Para os gêneros serem inteligíveis devem estabelecer relação de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo. “As pessoas se tornam inteligíveis ao adquirir seu gênero em conformidade com padrões reconhecíveis de inteligibilidade de gênero.” (BUTLER, 2010, p.37).

As redes de poder da sociedade estabelecem códigos e condutas apontando caminhos de expressão da sexualidade. “O sexo é não apenas o que se tem ou uma descrição estática do que se é: será uma das normas pelas quais o ‘sujeito’ pode chegar a ser totalmente viável, o que qualifica um corpo para a vida dentro do domínio da inteligibilidade cultural.” (BUTLER, 2019, p. 17).

Mesmo antes de nascer, quando ocorre a interpelação no momento do ultrassom – é menino! É menina! –, começa a ser demarcado toda uma direção para aquele indivíduo, desencadeando, a partir daí, formas de se comportar e se expressar, enquadradas dentro de modelos  de  masculinidades e feminilidades, e padrões heteronormativos, numa ordem que já está prevista, dando início um processo que o sujeito deverá percorrer durante toda a sua vida, de forma compulsória, ligando sexo, gênero e sexualidade, atendendo às designações de várias instâncias sociais.

É “como se os corpos carregassem uma essência, desde o nascimento: como se corpos sexuados se constituíssem numa espécie de superfície pré existente, anterior à cultura” (LOURO, 2016, p.83).

As normas regulatórias do “sexo” trabalham de uma forma performativa para constituir a materialidade dos corpos e, mais especificamente, para materializar o sexo do corpo, para materializar a diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual. (BUTLER, 2019, p.16).

Os corpos performatizam gênero a partir de estruturas de repetição que contêm nelas mesmas a possibilidade de transgressão. Para a autora, o corpo também é construção, e não um meio passivo à espera das marcas de gênero inscritas pelos significados culturais.

O gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto e atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, a aparência de uma classe natural de ser (BUTLER, 2010, p.59).

É preciso, pois, estranhar todas essas questões. O agrupamento por gêneros, a separação sexista, o discurso e linguagem utilizados pelos profissionais que trabalham no ambiente escolar, os livros didáticos e as representações que esses carregam, e o currículo. Enfim, tudo que parece banal e contribui para transmitir e informar os lugares sociais de gênero. Para Bento (2014) é preciso atentar para as hierarquias e exclusões perpetradas pelas normatizações rígidas de gênero pois pode-se condenar a marginalização pessoas e grupos que não se enquadram nessas idealizações.

Constantemente criam-se fronteiras pelas quais meninos e meninas não podem transpor, e sob essas fronteiras são estabelecidas inúmeras formas de vigilância, comparações e investigações, principalmente pelo fato de o sexo ser compreendido como demarcador do gênero e da sexualidade.

É necessário compreender que, quando se defende a discussão de gênero na escola, não se trata de criar uma disciplina que fale sobre essa temática, até porque o gênero perpassa toda a educação. Mas está se falando de desconstruir e problematizar os estereótipos de gênero.

São ações que podem ser tomadas não apenas pela escola, mas também por outras instituições reguladoras. Não se trata de impor certas atitudes, comportamentos e gostos para as crianças, mas de deixá-las livres para que possam conhecer e escolher naturalmente.

Os professores são peças fundamentais para que isso ocorra, e mesmo com os impedimentos atuais para se debater sobre essas questões, existem estratégias que podem ser utilizadas nesse sentido. Como alerta Adichie (2017), deve-se atentar para a inculcação de papeis de gênero, de forma rígida e não flexível, podendo gerar comportamentos sexistas e discriminatórios. Não se deve impor para uma criança, ou qualquer outro sujeito, fazer ou deixar de fazer algo, pelo simples motivo de achar que aquilo não condiz com seu gênero. Menino não pode usar roupa cor de rosa! Menina não pode brincar  de carrinho!  Questionar a linguagem é essencial, pois não existe nada neutro. Questionar frases como “já pode casar”, “tá na idade de namorar!”, “homem não chora!”, “além de bonita, é inteligente!”. E, principalmente, ensinar-lhes sobre a diferença. Tornar as diferenças algo comum, sem deixar que se transformem em desigualdades. Esses são importantes passos a serem dados para se construir uma educação não sexista.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Homens e mulheres não nascem prontos, eles são ensinados a ser e a estar no mundo. Pensar dessa forma é importante para a problematização desse tema, pois, se homens e mulheres assim o são, é porque foram educados para tal. É, também, por meio da educação que se pode desconstruir certas características e construir novas conceituações acerca de equidade de gênero (SEFFNER, 2008; MEYER, 2008; MINELLA, 2006). No entanto, sabe-se que a escola sozinha não resolve estas questões, considerando que essas pedagogias de construção/regulação também estão presentes fora da escola, nas propagandas de televisão, nos discursos das famílias ou religião.

Cabe à escola se tornar um ambiente onde meninos e meninas experienciem e discutam esse tema, não de forma hierárquica e discriminatória, como se tem notado atualmente, mas sim num contexto de equidade de gênero e que esse princípio se torne uma meta e um ideal a ser cumprido. O intento, ao problematizar esse tema no espaço educativo é apontar caminhos para a construção de uma escola não sexista e não discriminatória, que forme sujeitos que saibam lidar com as diferenças, sem transformá-las em desigualdades sociais (ARAÚJO E ESMERALDO, 2014).

Revisitar um tema tão dinâmico e complexo como gênero, corpo e educação permite refletir e problematizar as questões que envolvem esse entrecruzamento, oferecendo elementos   para despertar uma transformação no olhar e desconstruir estereótipos tão presentes dentro desse campo.

5. REFERÊNCIAS

ADICHIE. Chimamanda Ngozi. Para educar crianças feministas: um manifesto. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

ARAÚJO. Iara Maria de. ESMERALDO. J. D. Educação de meninas e meninos: Pensando conceitos, repensando práticas. In NUNES, C. et al. (org.) Dialogando com os saberes da docência: pesquisas, teorias e práticas. Recife: Liceu, 2014.

BENTO. Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. 2º edição. Natal: EDUFRN, 2014.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

BUTLER, Judith. Corpos que importam: sobre os limites discursivos do “Sexo”. São Paulo: nº1 edições, 2019.

DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo, SP: Perspectiva, 1976.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2012.

GOELLNER, Silvana V. A produção cultural do corpo. In. LOURO, G. L. Corpo gênero e sexualidade: um debate contemporâneo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

LE BRETON, David.  A sociologia do corpo. 6º edição. Petrópolis, RJ: Vozes. 2012.

LOURO, Guacira Lopes. Currículo, Gênero e Sexualidade. Porto, Porto: editora, LDA., 2000.

LOURO, Guacira Lopes. Nas redes do conceito de gênero. In: LOPES, M.J., MEYER, D.E. e WALDOW, V.R. Gênero e Saúde. Porto Alegre: Artes Medicas, 1996.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. In: Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) – maio/ago, 2008.

MEYER,Dagmar Estermann. Gênero, sexualidade e currículo: Gênero e sexualidade na educação escolar. In: TV ESCOLA. Salto para o futuro: Educação para a igualdade de gênero. Ano XVIII – Boletim 26 – Novembro de 2008.  ISSN: 1982-0283.

MINELLA, Luzinete Simões. Papéis sexuais e hierarquias de gênero na História Social sobre infância no Brasil. Cadernos Pagu (26), janeiro-junho de 2006: pp.289-327.

MAUSS, Marcel. As Técnicas corporais. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo, Cosac& Naify, 2003.

SEFFNER, Fernando. Gênero, sexualidade, violência e poder: Homens = sexo, violência e poder: dá para mudar esta equação? In: TV ESCOLA. Salto para o futuro: Educação para a igualdade de gênero. Ano XVIII – Boletim 26 – Novembro de 2008.  ISSN: 1982-0283.

[1] Mestrado em Educação Profissional, Graduação em Pedagogia.

[2] Orientadora. Doutora em Sociologia.

Enviado: Outubro, 2020.

Aprovado: Novembro, 2020.

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