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Influências de Paulo freire e Emília ferreiro na educação brasileira

RC: 20327
763
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/influencias

CONTEÚDO

ROCHA, Antônio Carlos [1]

ROCHA, Antônio Carlos. Influências de Paulo freire e Emília ferreiro na educação brasileira. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 09, Vol. 05, pp. 39- 66, Setembro de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

Este artigo é fruto de um esforço do seu autor em entender a influência que Paulo Freire e Emília Ferreiro tiveram na Educação brasileira. A primeira análise busca descrever Freire com seu brilho em pleno período de conflitos internos no país, se destacando na década de 1950, mas perdurando até sua expulsão e exílio. Em função desta sua postura, ele contraiu perseguição, foi preso e expulso do país, se sujeitando a longos anos de exílio. Contudo, o mesmo, deixou rastro de muita sabedoria e contribuição para que houvesse no Brasil uma escola que além de ensinar a ler e escrever, pudesse proporcionar uma “leitura de mundo”. A segunda influência teve seu brilho no Brasil nas últimas décadas com a extraordinária descoberta e entendimento de como funciona o pensamento infantil. A pesquisa desvendou mistérios do mundo infantil, possibilitou ao professor “enxergar” a criança em sua própria ótica de pensamento. Com a Psicogênese da Língua Escrita Ferreiro mostrou como a criança aprende e como o professor pode orientá-la, compreendê-la. Portanto, fica entendido que o artigo quer valorizar os dois princípios que foram e ainda são importantes, mas sobretudo, fomentar o início de uma reflexão intrigante a partir de duas perguntas bastante obvias a seguir: A primeira pergunta visa saber por que Freire foi alvo de tanta perseguição, mesmo sabendo que ele ganhou adeptos pelo mundo e por muitos educadores brasileiros? A segunda pergunta visa refletir por que o país rejeitou Freire, mas adotou Ferreiro que, mesmo não sendo brasileira, teve tamanha influência na educação do país, nas últimas décadas?

Palavras-chave: Educação, Influência, Perseguição.

INTRODUÇÃO

Intrigado com a situação no Brasil, o artigo que você vai ler, busca por em evidência um debate instigante. Primeiro, pelo seu resgate investigativo de um momento histórico que muitos já sabem, mas também provocativo, no sentido de fomentar novas interrogações. Segundo, por comparar dois fenômenos ímpares, mas analisá-los a partir de uma ótica crítica. Os autores em evidência tiveram e ainda têm estrema importância para a educação e todos devemos a eles o respeito. Entretanto, quando se faz uma leitura crítica em relação à rejeição de um e a ascensão do outro, é que se percebe o que está implícito nos fundamentos. Esse é o nosso objetivo maior!

O esforço contido nestes argumentos visa ajudar na mudança do cenário caótico em que a educação vive no país. Não se pode ser ingênuo e não se atentar para os interesses que predominaram no cenário político durante os dois períodos. O primeiro, precedia ao Golpe Militar de 1964, portanto, havia necessidade de criar um entrave para que as novas gerações não pudessem pensar como queria Freire. Neste caso, a sua prisão e o exílio foram marcas reais, explícitas. Mas, você deve estar se perguntando: O que tem haver o projeto de Freire e seu pensar crítico com a Psicogênese da Língua Escrita de Ferreiro? É o que veremos no decorrer do trabalho!

Se o leitor pensar ingenuamente, não perceberá mesmo, esta era a provável intenção do sistema. Saber apropriar de uma bela descoberta como foi a de Ferreiro e “genialmente” ludibriar a educação e os educadores, foi a grande eficácia das últimas décadas. Estimular a educação com novas projeções e propagar uma imagem de mudança revolucionária na educação a partir da Psicologia era a forma encontrada, ao nosso ver, para não despertar críticas. Por esse motivo, entrou em pauta Piaget, Vygotsky e Wallon como referência na psicologia e obviamente concordamos que ambos são importantíssimos, somados a estes, o tema central volta para o projeto de Emília Ferreiro e suas descobertas, que também respeitamos. No entanto, nossa reflexão visa outra perspectiva, o que está implícito e que talvez não tenha sido explicitado ainda.

A reflexão proposta aqui entende que havia a necessidade de mudança na educação brasileira desde a ascensão de Paulo Freire com seu pensamento e os entraves nas suas projeções. Posteriormente, procura desvendar os mistérios ocultos na expansão da educação das últimas décadas, influenciadas pelas descobertas de Emília Ferreiro. É preciso estar esclarecido que apesar de mudanças ocorridas no modelo de sociedade brasileira, ela ainda é controlada por uma elite que não abre mão dos seus privilégios. Mesmo com algumas conquistas, há um poder detentor de privilégios que utilizam as “melhores inteligências” para driblar as conquistas que venha a beneficiar aos menos favorecidos da sociedade.

Enfim, nosso esforço conta com estudos bibliográficos das produções de Freire e seus seguidores, bem como, estudos bibliográficos da teoria de Ferreiro. É importante ressaltar que a luz que nos guiou fortemente, nos impulsionou para entender o que já percebíamos, mas não sabíamos como conduzir uma crítica mais segura, foi a obra de Jessé de Souza (2018) “A Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato”. Sem compreender a real história do Brasil, pelo menos parcialmente, bem como, as suas sutilezas, não se pode entender o Brasil real em sua fraqueza. São mais de cinco séculos em que são impostas ideologias a serviço de quem detém o poder, um descaso com a prudência nas informações responsáveis pelo caos social em vários momentos da história.

FREIRE E SUAS INFLUÊNCIAS

O primeiro esclarecimento que se quer fazer aqui e a introdução já pontuou, é que o nosso trabalho inicial vai se espelhar no pensamento de Freire. Obviamente, por ter sido ele um educador crítico, renomado internacionalmente, mais recente na história, considerando os séculos de Brasil, também pelo seu perfil comparativo indispensável ao paralelo que se busca fazer. Nossas convicções nos dizem que poderíamos ter buscado outra alternativa. O Brasil teve e ainda tem pensadores extremamente importantes para se comparar ao que propomos aqui, optamos pelo referido autor, na certeza de que facilitará nossas análises pela vasta obra produzida por ele, mas também pelo seu potencial crítico em relação ao modelo desumano na sociedade brasileira do seu período.

De origem humilde, mas um poder extraordinário de raciocínio lógico, Freire associou vida prática e teoria em um bem elaborado trabalho que compôs a sua vasta produção. Apesar de amargar diversos desafios, soube apropriar de ambos e transformá-los na sua leitura de mundo. Freire foi, ao nosso ver, uma grande barreira imposta ao sistema excludente brasileiro, desde suas origens. Ele falava da realidade sofrida em que o povo brasileiro passava, viveu a realidade dos desfavorecidas da sociedade no contexto social desde a sua infância na prática, ou pelo menos, nos seus sentimentos, segundo seus relatos. É o que se quer mostrar aqui!

No intuito de exemplificar o que se busca defender aqui, fomos ao site do Instituto Paulo Freire e encontramos dois momentos óbvios, pois eles estão na apresentação do site, no seu acervo. Independente da obviedade da reflexão a que se busca aqui, achamos por bem apresenta-los. No primeiro momento foi possível afirmar a sua grandeza como educador e ainda mostrar o testemunho do seu potencial criador. Não poderia passar despercebida tão óbvia situação, merecedora do nosso destaque.

Portanto, a você que é jovem, está lendo este trabalho e pretende conhecer mais Freire, sugerimos dispor de um tempo maior para conhecer as diversas obras do magnífico autor. Fica esclarecido que neste artigo não vamos dispor de argumentos à altura. Nosso objetivo, no entanto, é fomentar uma reflexão sobre a influência do referido autor, bem como, a influência de Ferreiro nos últimos anos na educação brasileira, situação indispensável ao nosso contexto em proposição. Neste caso, vamos, pois, à primeira informação:

Paulo Freire foi um grande educador nascido na década de 1920, reconhecido internacionalmente e nomeado Patrono da Educação Brasileira pela Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012, de autoria da Deputada Federal Luiza Erundina e sancionada pela Presidente Dilma Rousseff. Ao inserir a Educação Popular na história das ideias pedagógicas, centrou suas análises na relação entre “educação e vida”, reagindo às pedagogias tecnicistas do seu tempo.

É notório que o referido autor foi reverenciado por muitos pensadores brasileiros, valorizado por pessoas influentes no Estado, mas odiado por um sistema repressor, possivelmente, o grande responsável pelo “preço que Freire pagou”, ao amargar anos de exílio, sendo, portanto, mais de duas décadas. Seu potencial, motivo de muitas cautelas da elite no decorrer dos tempos, foi desviando “amigavelmente” para que se encontrasse a oportunidade a que se pretende descrever neste artigo. Parece que havia uma busca intensa de neutralizar o risco de uma nação politizada. Entretanto, a transferência de um potencial crítico, politizador, racional, foi substituído por um potencial observador centrado na Psicologia de Ferreiro, que também é racional, mas ao nosso ver, não politizador como na ótica de Freire. Este jogo, muito bem aceito pela maioria, pensar elitista e pensar progressista, nos parece favorecer mais à elite que ao povo pouco politizado do país, criando, neste caso, um cenário neutralizador.

Mas, voltemos ao autor Freire e seu legado, um legado que instigou o movimento pela democratização do acesso ao conhecimento. Sua preocupação era a de produzir conhecimento técnico-científico, mas dentro de padrões éticos. Daí a sua perseguição (pouco entendida por uma parcela da população que não detinha conhecimento letrado), mas muito bem utilizada por intelectuais no período, fortificando assim, muitos dos potenciais criativos no Brasil daquele tempo. É evidente que ainda há discípulos de Freire em exercícios até os dias atuais. Felizmente, apesar de Freire ser expulso do país, ficar no exílio, teve a oportunidade de voltar ao Brasil, já fragilizado, mas pode mostrar um pouco mais do seu potencial criador, se despedido, portanto, no dia 02 de maio de 1997.

Veja informação do seu Instituto:

O legado de Paulo Freire se insere no movimento pela democratização do acesso ao conhecimento, cuja finalidade é promover uma nova ética para o acesso à produção do conhecimento técnico-científico brasileiro, propiciando maior facilidade de localização e visibilidade, em mecanismos de busca e rápida disseminação do conhecimento freiriano. Os conteúdos publicados no Repositório Digital Centro de Referência Paulo Freire são compostos por textos, áudios, vídeos e imagens, pertencentes ao Instituto Paulo Freire, cedidos pelos proprietários, possibilitando acesso e download gratuitos das obras.

OBRA QUE PONTUA AS PRINCIPAIS PRODUÇÕES DE FREIRE

Como nossa preocupação com este artigo não é a de apresentar as reflexões de Freire, fazer críticas, ou defender ideias, mas sim evidenciar aquilo que é pertinente ao comparativo que está sendo feito aqui, queremos nos ater a alguns ensinamentos que são relevantes. Veremos, portanto, contribuições a partir de Paulo Freire. Vida e Obra (2001) e outras opções. Dentre as distintas contribuições, vamos nos ater a algumas reflexões que provocam o sistema opressor com análises críticas que vão além do ensinar o conteúdo em si. Esta obra em referência, foi organizada por Ana Inês Souza. et al. Com a referida produção foi possível sinalizar ao leitor algumas das suas importantes criações, como “Pedagogia do Oprimido” e seu destaque no mundo e no meio acadêmico, bem como, sua função crítica, relevante, que põe em cheque o sistema opressor.

Ao falar de Educação e Atualidade brasileira: a emersão do povo na história, Ana Inês Souza (in. Paulo Freire: Vida e Obra, 2001), mostra como era Freire… “Assim era o mestre Paulo Freire. Um homem sempre aberto a rever seus conceitos e suas práticas. A mostrar-se inteiro, como pessoa, como homem real que era, com suas fraquezas, defeitos e limitações”. Souza (2001, p 54). Ele tinha como sonho, segundo Ana Inês Souza “… ver um Brasil se desenvolvendo com a participação responsável de todo o povo”. Souza (2001, p 56). Por ser aberto ao diálogo e sonhar com um povo consciente, não alienado, Freire pagou um preço muito alto. Obviamente, deixou também um legado que continua mexendo nas estruturas e bases da educação.

Evidentemente, por ser de origem humilde e sentir na “pele” a vida difícil que passa um cidadão pobre neste país, Freire se viu quase na obrigação de tal sacrifício. O interessante, neste caso, é que ele não teve medo de expor seus sentimentos. Vejam que “Paulo Freire sempre se contrapôs a esta cultura política e pedagógica; a esta ideia de educação do bárbaro para “conter” a violência. Educação para domá-los, domesticá-los. Isto não é educação, é adestramento. Arroyo (in. SOUZA. 2001, 270). Ao contrário do que ele sentia, seu pensamento era o de ver uma educação libertadora, capaz de promover o diálogo, o respeito mútuo entre os envolvidos no processo educacional.

O indivíduo para Freire, não pode ser reduzido a mero reflexo de estruturas sócio-econômicas, daí a importância que dá à conscientização. A consciência de classe oprimida passa antes ou concomitantemente pela consciência de homem e mulher oprimido (a). Zonetti (in. SOUZA. 2001, p 214).

Veja que Freire não aceitava a ideia de um indivíduo reduzido a mero reflexo, queria um cidadão altivo, no sentido da autovalorização, mas prudente às suas ações. Não pensava um sujeito egocêntrico, mas sim um cidadão consciente de seus valores humano e social. Queria um sujeito capaz de fazer a leitura de mundo, perceber que há, na concepção da sociedade, tendência a um ser humano que quer escravizar o outro ser humano, seu semelhante e que isso deve ser alvo de contraposição de todo o cidadão consciente e pensante. Este era o referido autor, mesmo em sua “mansidão”, não deixava ser corrompido e jamais admitia a corrupção, segundo os seus próprios escritos.

No âmbito da educação Freire defendia como prioridade a preparação técnica e cientificamente dos cidadãos. Entendia a necessidade da industrialização, a sua importância, mas queria um cidadão consciente do seu senso histórico, de um potencial crítico e uma vida ativa nas suas ações. Não seria interessante formar cidadãos tecnicamente bem preparados, mas incapazes de fazer a tão sonhada leitura de mundo, daí a sua contraposição ao modelo que o antecedeu. O modelo tecnicista. Neste sentido, acaba contrariando a ideia do sistema que visa boa mão-de-obra e uma submissão aos interesses do capital sem questioná-lo. É o que mostra a citação a seguir:

“…Paulo Freire defendia uma educação baseada num duplo plano instrumental, capaz de preparar técnica e cientificamente a população para a industrialização, ao mesmo tempo em que desenvolvesse nela um senso de perspectiva histórica, que a ajudasse a se inserir de maneira crítica e ativa naquele processo. Souza (2001, p 60).

Para o bom leitor, seja ele defensor do sistema elitista, ou não, nos parece que a simplicidade e a honestidade com que Freire desenvolveu seus escritos, é evidente, clara e objetiva, cabendo ao leitor se posicionar favorável, ou não, praticando as suas ações. Subtende que um Brasil de tradição escravocrata por tantos séculos e acesso restrito ao mundo letrado, se viu sujeito, naquele momento a apenas duas opções: a primeira delas voltadas à Freire, a qual defendemos ser mais justa, a de tornar público todos os seus estudos, politizando a sociedade, formando técnica e cientificamente esta mesma sociedade. A segunda opção, de tendência escravocrata e elitista, era a de manter a opressão e tirar do cenário estes ideais.

É interessante observar, neste estudo, que ao mesmo tempo em que o país rejeita os ideais de Freire (poder elitista e não progressista), ele era desprezado pelo seu próprio país (Estado), em contrapartida, o mesmo autor passa a ser venerado por outros países. Vejam: “… Paulo Freire é considerado lá fora (do Brasil), o educador mais importante da segunda metade do século XX. Visita matrizes pedagógicas esquecidas e as repõe no pensamento educativo mais radical. Arroyo (in. SOUZA. 2001, p 272). Veja a contradição a que se chegou tal decisão tomada pelo sistema em vigor no país, naquela ocasião. Foi um evidente retrocesso, uma imposição, especialmente no âmbito educacional. Era a retirada de um ideal promissor para preservar um sistema falido, corrupto, sem perspectiva, nem mesmo para quem o defendia para dar lugar aos interesses da dominação impostos pelos militares.

A educação para Freire era essencial, a oportunidade de despertar as pessoas ao ato em defesa da nação, ato que implica libertação do oprimido, mas também do próprio opressor. “… A educação, dizia ele, é um ato político, e sendo político implica em uma escolha: ou se é a favor dos opressores ou se é a favor dos oprimidos. O ato político também é amoroso, pois implica num gosto numa escolha, num porquê. Freire (in. SOUZA. 2001, p 341). Veja como Freire se preocupava com a ação educativa, ação essa, numa perspectiva libertadora. Evidentemente, ele não agradava a elite, daí o “preço que pagou”!

É inegável que Freire se contrapôs ao sistema vigente na ocasião e com toda a sua mansidão mexeu nas estruturas dominantes. Além de despertar muitos educadores, seu poder reflexivo incomodou a elite ao ponto de cometer a barbárie de o expulsar do país por longos anos. Não é simples entender a profundeza a que se chegou as suas análises. No entanto, ele as expôs em uma simplicidade tão extraordinária que facilitou ao leitor compreendê-las bem. Por mais que tentaram impedi-lo, suas ideias ainda estão vivas nos escritos e nas mentes de muitos estudiosos.

Paulo Freire se contrapõe a esta cultura elitista sobre o povo. Amargou anos no exílio porque ousava acreditar no saber, na cultura e nos valores do povo. Tinha uma visão positiva do povo e isto era e é subversivo, perigoso para a cultura política e para a pedagogia dominantes. Arroyo (in. SOUZA. 2001, p 271).

Enfim, deixamos mais um raciocínio, desta vez em Pedagogia do Oprimido, onde se diz que “A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz”. Freire (2005, p 37). Ciente do embate a que teria e que, obviamente terá, qualquer cidadão que ousar lutar contra o sistema opressor, Freire foi forte, implacável e fomentador desta ideologia. Tanto em Paulo Freire: Vida e Obra, que é uma síntese de várias das suas produções, quanto em qualquer das suas obras, especificamente falando, é possível encontrar uma vasta situação de suporte que demonstram a sua tamanha grandeza.

FERREIRO E SUAS INFLUÊNCIAS

No intuito de exemplificar nossas análises, a partir desse momento, vamos descrever um pouco sobre a autora e colaboradora na educação brasileira das últimas décadas, a referida dra. Emília Ferreiro. Em primeiro lugar, deve estar esclarecido que é nosso dever, como brasileiro, agradecer as contribuições de Ferreiro pelo seu esforço nas pesquisas e descobertas a facilitar na alfabetização das crianças. Em segundo lugar, por fazer parte da demanda brasileira que tanto necessitava e ainda necessita de soluções viáveis. Neste sentido, não se pode ser ingênuo em deixar de reconhecer suas contribuições, mas honesto na defesa da sua relevância.

Os resultados das pesquisas sobre psicogênese da língua escrita de Emília Ferreiro, levaram a uma reviravolta nos processos de alfabetização, leitura e escrita, influenciando distintos programas estaduais de alfabetização e, mais tarde, em âmbito nacional, sobretudo nas décadas de 80 e 90, quando o denominado “construtivismo” foi tido como solução aos altos índices de reprovação. Influenciou os Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares Nacionais, que deram destaque às ideias de Emília Ferreiro. Mello (2015, p 9).

Pois bem, segundo Weisz (2005), atualmente Emília Ferreiro mora no México, amargou uma dura situação que não difere muito de Freire, enfrentando o período ditatorial na Argentina e também o exílio, tendo, portanto, que sair de sua Pátria. Evidentemente, sujeitou a dura trajetória para conquistar tamanha repercussão internacional. Portanto, ela nasceu na Argentina em 1937, foi para o México, estudou em Genebra sob a orientação do genial Jean Piaget, se integra ao Centro de Investigação e Estudos Avançados (Cinvestav) do Instituto Politécnico Nacional do México, além de diversas outras produções, recebeu prêmios distintos e diferentemente de Freire, ainda está viva.

Portanto, reafirmamos, Ferreiro é merecedora de nosso respeito e admiração, mas sujeita, como qualquer outro pesquisador (a), a análises críticas, ou recomendações. E, é o que buscamos fazer com este artigo! Nas conquistas, bem como, nas contradições, todo bom pensador está sujeito ao julgamento de suas ideias. É neste sentido que queremos despertar o leitor para não haver equívocos sobre o que propomos aqui. Não há um comparativo entre aspectos positivos ou negativos dos autores. Há sim, uma busca por mostrar a sutileza com que as mudanças ocorrem e que muitas vezes ludibriam as pessoas, mesmo sendo elas, as mais críticas. Se quer dizer com este artigo que quando há uma aceitação do sistema dominador e elitista, é bom desconfiar!

Mas vamos prosseguir com os registros de Weisz:

Emília Ferreiro nasceu na Argentina, mas vive atualmente no México, onde trabalha no Departamento de Investigação Educativas (DIE) do Centro de Investigação e Estudos Avançados (Cinvestav) do Instituto Politécnico Nacional do México. Fez seu doutorado – sob a orientação de Jean Piaget – na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolinguística genética.

Para Telma Weisz, Emília Ferreiro revolucionou o processo de alfabetização no Brasil, uma alternativa a atender a demanda por décadas e sanar o fracasso escolar. Uma análise que não é vista da mesma ótica por Soligo e Vaz, ambas as análises produzidas na mesma época. Se para Telma Weisz o Brasil ganhou influências, para Soligo e Vaz os efeitos não foram tão eficazes assim, apesar da demonstração de respeito pela pesquisa de Ferreiro. Portanto, neste cenário que parece contraditório, extraímos o que é para nós, um fator esclarecedor e fortalece nossa curiosidade. Vejamos o que diz Weisz:

… as pesquisas de Emília Ferreiro produziram uma verdadeira revolução conceitual na alfabetização, desmontando todas as explicações que havíamos construído ao longo de décadas para justificar o estrondoso fracasso das crianças brasileiras na alfabetização inicial. Weisz (2005, p 6).

Queremos destacar que buscamos informações também em Mello (2015, p 246), no intuito de encontrar novas evidências, sobre a autora Emília Ferreiro e lá encontramos outras novidades que têm relevância ao que estamos discutindo aqui. Percebemos em Mello, que Ferreiro, desde antes de sua ascensão, já tinha uma grande afinidade com o conhecimento na área da Psicologia, fator este que consequentemente deve ter sido aprimorado, ganhando novas dimensões. Além do envolvimento na Psicologia a ajudar na alfabetização, ela (Ferreiro), ultrapassa esse campo do saber, participando, no entanto, no movimento estudantil da Universidade de Buenos Aires. Ela sai, no entanto, da educação, expandindo-se ao âmbito social:

Emília Ferreiro nasceu na Argentina, em 1937, licenciou-se em Psicologia na Universidade de Buenos Aires no ano de 1962 e, segundo a pesquisadora, pertence à “primeira geração de psicólogos argentinos”. Foi também delegada estudantil no Conselho Diretor da Universidade de Buenos Aires, a época em que enfatizava, nessa mesma Universidade, a Psicanálise, com destaque para as contribuições de Sigmund Freud e Melaine Klein…

Por outro lado, Soligo e Vaz (2005, p 80), acredita que: “… a maior contribuição das autoras” …, neste caso, elas falam em Ferreiro e Teberosky “… Foi mostrar que a diferença no desempenho escolar inicial entre as crianças pobres das escolas públicas e de classe média não tinha origem em nenhum tipo de déficit intelectual, linguístico ou cultural”. Isso nos remete uma curiosidade!!! Se assim foi, então por que importar a experiência de Ferreiro para o Brasil? A aceitação, seria uma necessidade, ou uma alternativa ideológica, a inibir um pensar, muito bem percebida pela elite, mas não percebida pelos ideais progressistas da época? Uma forma “mágica” a distanciar Freire com sua tendência em ascensão cada vez maior no Brasil, tendência que os incomodava?

É a partir desta curiosidade que vamos tecendo as reflexões e convidando a você, que agora é leitor do nosso artigo, a conhecer um pouco mais a autora Ferreiro e suas contribuições. Neste caso, retornamos à Tema Weisz e suas contribuições, pois são considerações feitas que indiscutivelmente, tem a sua relevância. Como nosso intuito neste trabalho é o de mostrar o pensar de Freire e Ferreiro e fazer uma análise da apropriação, ou não, de suas obras, reflexão essa, que talvez não tenha sido feita até o presente momento, entendemos que você já esteja refletindo à altura. Caso esteja em dúvida ainda, pense um pouco mais: Por que a tão boa aceitação, a não críticas do sistema elitista brasileiro, sobre o método de Ferreiro, visto que ele aparecia como alternativa a atender o sistema educacional do país?

Entendemos que de um lado havia quem realmente admirava a produção de Ferreiro e tinha como objetivo valorizá-la. Por outro lado, supomos que alguém possa ter percebido que ao aceitar tal inovação, tiraria de foco uma reflexão que preocupava a muitos, neste caso, o modelo politizador de Freire. Fica a grande interrogação: Seria realmente uma preocupação com a educação nos dois seguimentos sociais (elitista/progressista da educação), de forma unânime, ou um desvio de intencionalidade aceito por quem sonhava apagar os ideais freirianos? Nesse caso, sugerimos a você, como leitor, a fazer a sua reflexão, nosso intuito não é o de ser capciosos, mas proporcionar uma criticidade. Mas, vamos a mais alguns esclarecimentos em Tema Weisz.

A psicogênese da língua escrita – uma descrição do processo através do qual a escrita se constitui um objeto de conhecimento para a criança – pôde tornar-se observável porque Emília Ferreiro mudou radicalmente as perguntas que estavam na origem dos estudos sobre aquisição da leitura e da escrita. Weisz, (2005, p 8).

Mostra-nos, a autora que “… Emília Ferreiro deslocou o foco de investigação do “como se ensina” para o “como se aprende”. Weisz (2005, p 8). Fantasticamente, o foco educacional mudou e consequentemente, sua utilidade. A postura de Ferreiro se opõe a uma tendência que sempre havia predominado no Brasil, a da imposição, a do “como ensinar” voltada ao saber do professor que “detém conhecimento” em substituição ao “como se aprende”. Uma nova visão, na certeza de que a criança tem conhecimento que deve ser respeitado, o professor, por sua vez, precisa entendê-la e não agir no sentido contrário.

As investigações de Emília Ferreiro e colaboradores demonstraram que, ao contrário do que se pensava, a questão crucial da alfabetização inicial é de natureza conceitual, e não perceptual. Isto é, a mão que escreve e o olho que lê estão sob o comando de um cérebro que pensa sobre a escrita. Escrita essa que existe em seu meio social e com a qual toma contato por atos que envolvem, de alguma forma, sua participação em práticas sociais de leitura e escrita. Weisz (2005, p 9).

Ao fazer tal descoberta, a didática do profissional passa a uma outra dimensão, ele é instigado a entender como a criança aprende e se sujeita a ter uma postura menos agressiva, autoritária. Neste sentido, afirmamos, é inegável as contribuições de Ferreiro. Mas, reiteramos a defesa de que o projeto educacional, principalmente num Brasil onde sempre houve imposição ideológica, não pode centralizar suas análises somente nos processos didáticos. Se quer dizer, no entanto, que este fator é importante, mas a educação deve ir além, ser politizadora (como defendia Freire). O resultado, é o de que não foi possível ao Brasil avançar politicamente nessa direção nos anos influenciados pelas teorias de Ferreiro. Não se viu um sentido politizador em pauta. A própria autora Weisz aponta o caráter político nas contribuições de Ferreiro da seguinte maneira:

Do ponto de vista político, a maior contribuição da dra. Ferreiro foi explicar o papel da rede de atos de leitura e escrita que hoje chamamos ambiente alfabetizador. Foi mostrar, como dissemos acima, que a diferença no desempenho escolar inicial entre as crianças pobres das escolas públicas e as de classe média não tinham origem em nenhum tipo de déficit, fosse ele intelectual, fosse linguístico ou cultural. Nenhuma criança entra na escola regular sem saber nada sobre a escrita, e o processo de alfabetização é longo e trabalhoso para todas, não importa a classe social. Weisz (2005, p 11).

Numa dimensão voltada ao potencial psicológico da criança, não há dúvidas em relação às contribuições de Ferreiro. Ela deu sua demonstração de que “o desempenho escolar entre crianças pobres das escolas públicas e crianças das classes média, não diferem muito do ponto de vista intelectual e linguístico”. Também afirma a situação obvia, trabalhosa, a todo o profissional, independente da classe. Neste caso, subentende que ela sinalizou quebrar um tabu da ordem elitista de que há um grupo predestinado aos processos administrativo e outro com aptidão somente ao trabalho. Esta afirmação nos parece bastante contundente! Ficou esclarecido, segundo a citação acima, que nas duas esferas sociais é possível encontrar ambos os talentos, tanto no sentido administrativo, quanto na técnica de trabalho e isso faz muito sentido! Mas isso não acontece na prática, temos um sistema seletivo que supervaloriza uns e menospreza outros, e o nosso esforço está em esclarecer o por que isso, dificilmente acontece?

Nos parece que a verdade está em um Brasil que despreza a uma maioria das crianças e ao contrário destes, privilegia outros com a finalidade de transformá-los em aptos ao conhecimento, ao domínio. Aos primeiros, são negadas as oportunidades, transformando-os, desde a sua infância em incapazes do saber, seja ele linguístico, intelectual ou cultural, mas aptos ao trabalho, e neste caso, usando à educação. Aos outros são dados, privilégio e o acesso a diversidade de oportunidades, possibilitando-os superarem os primeiros. Vejamos que Soligo e Vaz (2005), traz outras informações que mostram as dificuldades que a escola brasileira vem passando que, neste caso pode servir como uma luz a nos despertar.

No Brasil, a questão da alfabetização está no centro do debate educacional das últimas décadas, entre outras razões porque as aprendizagens a que têm direito nossos alunos estão muito aquém das expectativas, seja dos que militam em favor de uma educação escolar de qualidade, seja dos que financiam a educação. Por mais que sejam questionáveis muitos dos testes nacionais e internacionais que se propõem a avaliar a proficiência em leitura e escrita, o fato é que eles revelam algo que todos já sabemos: a escola brasileira não está conseguindo cumprir sua função histórica de ensinar a população a ler e a escrever. Soligo e Vaz (2005, P 76).

É possível acrescentar dizendo que esta deve ser uma situação preocupante a despertar a todos os envolvidos na educação brasileira e seus desígnios, mas, infelizmente, nos parece que nem sempre é a mesma preocupação nas projeções políticas da sociedade. Uma educação que priorize a criatividade e impere a razão não foi um marco histórico em nosso país. Quando se busca os críticos do projeto de sociedade a que o Brasil se submeteu durante os mais de cinco séculos, é visível que pouco se buscou rumo a esse princípio. O que se tem de concreto é a luta independente de diversos atores que muitas vezes se sentiram isolados nesta imensidão dos mais de 8,5 milhões de km/2 de terra, com uma população atual que já ultrapassou os 200 milhões de habitantes.

Soligo e Vaz (2005, p 76) continua dizendo que “A escola é, portanto, uma instituição poderosa: tanto pode dar à luz o conhecimento e o prazer de aprender como, ao contrário, pode cristalizar a ignorância, obscurecer”. Este é um dos pontos a que se deve estar atento. Talvez seja nesta mesma ótica que Freire (2005, p 63) fala em Pedagogia do Oprimido, dizendo: “Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora …”. Agindo em consonância com uns e desprezando a outros como têm acontecido em muitas práticas, a sociedade fica muito mais propensa ao caos a que se encontra na educação brasileira, apontada pelas autoras.

Pode-se ensinar muita coisa para os alunos ou negar a eles o direito de aprender. Tudo depende de apostar na sua capacidade e nas suas possibilidades, porque para ensinar muito – e bem – é preciso acreditar verdadeiramente que todo aluno é capaz e tem direito ao conhecimento. Soligo e Vaz (2005, p 76).

Fica esclarecido o poder criador, mas também excludente da educação, dependendo da sua intencionalidade. Por esta razão supomos que deve se ter o máximo de atenção ao que estamos propondo neste artigo. Perceber um pouco do que pensou Freire, entender a importância da contribuição de Ferreiro, mas acima de tudo, fazer uma análise crítica em relação aos dois seguimentos, bem como, a aceitação da importância que foi a teoria de Ferreiro nas últimas décadas. Não se quer supervalorizar um autor, nem menosprezar o outro, mas sim, sinalizar a possível e sutil intenção, que se confirmada, seria mais uma maldade em meio a tantas experiências boas para frustrá-las.

No livro, as próprias autoras, Emília Ferreiro e Ana Teberosky, enfatizaram que não apresentaram “nem uma nova metodologia nem uma nova classificação dos transtornos de aprendizagem”, mas sim o que foi possível conhecer sobre as hipóteses das crianças não alfabetizadas em relação à escrita alfabética, o que acabou por provocar uma verdadeira revolução conceitual no que diz respeito aos pressupostos que sustentavam as práticas de alfabetização. Soligo e Vaz (2005, p 78).

Se atentarmos para a real situação que aponta as autoras, veremos que a educação deveria atingir a diversos campos do aprendizado em seu conteúdo curricular, dentre eles: a concepção filosófica, a sociológica, a biológica, mas também priorizar a linguagem e a matemática. No entanto, a pesquisa de Ferreiro, com toda a sua eficiência, não busca esta finalidade em sua amplitude, seu foco é outro, é a psique do aluno, evidentemente, respeitamos sua intenção, mas comparado ao paralelo que estamos fazendo, Freire nos pareceu mais completo, apesar da não especificidade na psicologia, proporcionou o equilíbrio de ordem psiquica. Sendo assim, caberia ao sistema educacional brasileiro fazer a complementação mesclando as análises de Ferreiro com outras análises que viesse a instigar os alunos a pensar e Freire visou isso.

O conhecimento profissional necessário aos professores se apoia em conteúdos de diferentes campos – relacionados à cultura geral, à cultura profissional, à dimensão filosófica, social e política da educação, ao desenvolvimento psicológico de crianças, jovens e adultos, aos conteúdos a ser ensinados. E envolve também – e talvez principalmente – o conhecimento didático. Soligo e Vaz (2005, p 81).

E ainda,

No Brasil, infelizmente, não há tradição de investigação didática, tampouco esse tipo de conhecimento é tomado como prioritário nos cursos de formação de professores. Na verdade, ensina-se (ou pretende-se ensinar) muita coisa aos futuros docentes, mas geralmente não se aborda aquilo que na realidade é mais urgente, ou seja, tudo o que a pessoa contribui para que eles ensinem mais e melhor os alunos. Soligo e Vaz (2005, p 82).

Um fator instigante e também complexo a ser percebido, é que todas as vezes que o país começou a valorizar a ideia de democratizar a escola, trazer para sua responsabilidade a possibilidade de valorização do indivíduo e sua formação, algo que sempre inexistiu desde a colonização, novos entraves surgiram causando o desmonte do Estado brasileiro e a redução de investimento no setor. A expectativa em Ferreiro que parecia uma promissora demanda, novamente está se retraindo, neste sentido, corre o risco de morrer ambas as iniciativas e surgir uma nova metodologia que não atende, nem a um princípio, nem ao outro, portanto, há o risco de um modelo que venha a adestrar a massa trabalhadora. Eis uma das grandes preocupações!

É perceptível que houve aspectos novos e recentes na Política Educacional Brasileira fazendo com que a educação deixasse de lidar somente com os filhos da elite e assumisse a responsabilidade social de educar a todos. Mas, como sempre, novos entraves surgiram, principalmente nos dois últimos anos e podem, sutilmente, direcionar a educação a outros rumos. Recentemente, ao arcar com a maior parcela desta responsabilidade excluída da sociedade e estar ciente de que o nível de formação profissional do professorado é limitado, a Escola Pública se viu na obrigação de lutar por este desafio suprindo o desprezo da educação anterior, além, ainda, de assumir o que o setor privado não assume. Nas projeções de inovações há um outro entrave, segundo Soligo e Vaz (2005), “Tem sido mais ou menos unânime o discurso de que os professores resistem às inovações pedagógicas…”.

Não é razoável sugerir ou exigir dos professores (em palavras ou em atos) que façam tudo de outra forma, mas não assumir o desafio de prepara-os para tal. É esse o que hoje se vê em muitos casos: uma exigência, velada ou explícita, do discurso pedagógico de vanguarda, dos sistemas educacionais e seus gestores, dos formadores e de muita gente bem-intencionada, mas sem que estejam dadas as condições para as mudanças que se deseja. Soligo e Vaz (2005, p 83).

Neste caso, não se pode dizer que há um, ou outro autor culpado, que Ferreiro, ou Freire têm maior ou menor mérito. Se pensa, na verdade, em dizer que ambos têm seu mérito pelo esforço em suas pesquisas e o reconhecimento de que ambos tiveram seu êxito. Mas o que persiste em nosso trabalho é o fato de estar em jogo o interesse, intencional, ou não, do seguimento da sociedade na implantação de tais modelos. É, portanto, a famigerada “sutil ideologia” que caracteriza a nossa suspeita, no entanto, ela é a responsável por monopolizar a demanda no momento e nos parece que está, do ponto de da elite, “bem-sucedida”. Enquanto isso, a população trabalhadora e menos politizada da sociedade, que viu sinais de avanços substanciais, se não reagir, poderá voltar a ser sugada ao extremo.

Conhecer a Psicogênese da língua escrita, por exemplo, não resolve os problemas do que fazer para que os alunos aprendam mais e melhor, porque a pesquisa informa, sim, sobre como aprende a escrita – o que é extremamente relevante –, mas não como se pode ensinar… Soligo e Vaz (2005, p 83).

Neste sentido, se quer dizer que o que se fez até aqui, é pouco, é preciso ir além! Uma educação, ao nosso ver, deveria ir além do pragmático tão buscado nos últimos tempos pela hegemonia global, deveria ultrapassar os muros da escola, ser realmente um projeto de ascensão social com um perfil humanitário. Entender a Psicogênese da Língua Escrita é importante, mas não a solução para resolver os problemas mais abrangentes. Como aponta Solito e Vaz (2005, p 84): “… A formação de profissionais reflexivos se transforma num monte mais ou menos consensual, ainda que de matriz diversos”.

Esse conjunto de argumentações é uma tentativa de demonstrar que, se a Psicogênese da língua escrita revolucionou a concepção de como as crianças aprendem a escrita alfabética – sem dúvida uma contribuição da maior relevância para os educadores –, as práticas pedagógicas de alfabetização só passarão de fato por uma revolução se os professores tiverem acesso também ao conhecimento que já se pôde – e que poderão também eles –construir a partir dos resultados não só das pesquisas de Emília Ferreiro e seus colaboradores, mas de todos os estudos que trouxerem da leitura, da produção textual e da reflexão sobre linguagem. Soligo e Vaz (2005, p 84).

Se considerarmos o que diz Abrucio (2016), fica perceptível que a busca por mudanças era uma veracidade, pois o autor aponta a então recente valorização e expansão dos processos educacionais no Brasil após a Constituição de 1988. Subtende que se a educação já tivesse em um patamar considerável, os avanços impulsionados por Ferreiro, poderia ter ganhado outras dimensões. Mas ao que tudo indica, o país estava dando os primeiros passos rumo à democratização e novamente retrocedeu. É, entretanto, o que se percebe! Somente com o fortalecimento da democracia, a partir da Constituição de 1988 tais transformações começaram a surgir. Era, portanto, o marco inicial da universalização educacional no país desejado por muitos, mas evitada pelos detentores do poder que agora retomam o comando rumo à suas prioridades.

No Brasil, a Educação começou a ganhar mais importância apenas na história recente. Até então, a política educacional, sobretudo a relacionada à universalização da Educação Básica, nunca recebeu a devida prioridade. Foi somente com a Constituição de 1988, marco inicial de um Estado de bem-estar social no país, e com o fortalecimento da democracia, que grandes transformações começaram a ocorrer. A Educação se tornou, finalmente, um direito dos cidadãos brasileiros. Abrucio (2016, p 10).

Também é preciso considerar o que diz o mesmo autor Abrucio sobre a formação docente, ou a prática didática dos professores. Para o autor, a visão internacional mostra uma tripla dimensão na formação pedagógica, dentre elas: O conhecimento de conteúdo, a capacitação e formação da prática de metodologia e por fim, ela deve contar com habilidades e competências do educador, sua didática de ensino. Descreve ainda cinco caminhos que nos parecem pertinentes, e mais adiante continua dizendo que “Feito esse balanço temático, a questão central é que, na literatura brasileira, há poucas pesquisas que fazem avaliação de resultados do processo de formação dos docentes ou da prática didática dos professores. Abrucio (2016, p 31).

Mas vamos voltar a Ferreiro para apontar os avanços da sua teoria, principalmente em São Paulo. O pensamento construtivista destaca como sua base de sustentação na teoria educacional daquele momento. A pesquisadora propõe mudanças e prioriza dois elementos cruciais: “a língua escrita, como objeto do conhecimento e o sujeito cognoscente, aquele que quer conhecer”. Quanto ao professor, caberia conhecer a Psicogênese da língua escrita para ter um entendimento maior sobre a forma de apropriação do saber pelas crianças.

Se considerarmos que as proposições de Emília Ferreiro de que a língua escrita deve ser entendida como um sistema de representação da linguagem, opondo-se à ideia que a língua escrita é considerada como codificação e decodificação da linguagem, então a pesquisadora propõe uma mudança conceitual sobre alfabetização e destaca a não neutralidade desse processo, que considera dois elementos imprescindíveis em sua realização: o objeto de conhecimento (a língua escrita) e o sujeito cognoscente (que quer conhecer). Mello (p 13/14).

Assim sendo,

O pensamento construtivista no Brasil, fortemente ligado à alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita, tem como marco o lançamento do livro Psicogênese da língua escrita (1985), de Emília Ferreiro e Ana Teberoski. A repercussão das ideias construtivistas de Emília Ferreiro foi tão intensa que a Secretaria de Educação de São Paulo, ao propor mudanças curriculares, adota como referencial teórico o construtivismo ao implantar o Ciclo Básico de Alfabetização (CBA). Mello (p 12).

Fica esclarecido que as contribuições de Emília Ferreiro foram tão pertinentes que não ficaram somente em São Paulo na Região Sudeste do país, como aponta os textos de Mello, mas espalharam para outra extremidade e somos testemunhas desta veracidade em Rondônia na Região Norte do país. Além do destaque que Ferreiro ganhou no meio educacional nas diversas Regiões que atuou, suas contribuições, obviamente fomentou a produção de debates, seminários e artigos que sustentam suas teses e nosso trabalho é fruto de reflexão ligadas à sua perspicácia.

As características fundamentais dessa matriz, por sua vez, consistem na constatação de que as crianças possuem capacidades cognitivas (capacidades de desenvolver raciocínios) e lingüísticas (capacidades de desenvolver concepções sobre o sistema de escrita), utilizando-as para entender o mecanismo de funcionamento da língua escrita no processo de aprendizagem da leitura e da escrita… Moreira (p 90).

Nosso propósito não foi o de citar autores que defendem, ou defenderam a teoria de Ferreiro, mas procuramos deixar a última citação acima, pois ela é mais uma caraterística do que estamos constatando. O artigo que você está lendo respeita o pensamento da autora, mas seu objetivo principal é trabalhar uma visão racional, uma crítica ao sistema monopolizador elitista e suas artimanhas. É também um fomento que impulsiona a pensar em que o país e a educação perderam ao se distanciar de Freire. Quanto a citação apresentada, é possível explicar que lembramos a leitura feita no artigo de Moreira, onde ele traz como título “O processo de alfabetização e as contribuições de Emília Ferreiro” fortificando sua tese. Se fôssemos explorar os artigos em referência a autora, elencaríamos uma vasta lista em sua defesa, mas não é este o nosso propósito.

JESSÉ E UMA LUZ NO FUNDO DO TÚNEL

A partir desse momento vamos nos ater ao que nos moveu para chegarmos a esta produção, dentre elas, as leituras feitas, tanto em referência a Freire, quanto as leituras feitas em referência a Ferreiro e as descobertas talentosas de ambos. Uma outra, no entanto, foi a que nos despertou para tal produção, neste caso, a leitura da obra de Jessé Souza em “A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato (2017) ”, essa foi a mola propulsora das análises nesta obra. Passou a haver, neste caso, uma preocupação com a forma silenciosa, ou despolitizada, com que a sociedade brasileira se comporta frente aos desajustes sociais recentes, mas também, aos entraves que as estatísticas têm mostrado na pouca evolução educacional no país.

No primeiro caso, é preocupante saber que o Estado brasileiro está sendo golpeado, sofrendo um desmonte de uma iniciativa democrática em expansão social nos últimos tempos, influenciadas por vários intelectuais, dentre eles, o próprio Freire, mas, felizmente, denunciado por novas gerações de intelectuais e um deles é o próprio Jessé Souza. É preocupante, também, perceber a neutralidade com que comporta a sociedade, como se tivesse aceitando tal comportamento, apesar de entendermos que não é verdade, a sociedade está sentindo o desmonte do Estado brasileiro, mas não encontrou meios para reagir. Espera-se que esta seja a verdadeira razão e poderá ser sanada em breve com projeções críticas, humanitárias e também libertadoras! É possível ver que essa mesma passividade não ocorre na sociedade ao cobrarem dos professores, profissionais estes, que na maioria das vezes, estão dando o máximo de si, pela aprendizagem dos seus filhos.

Enquanto no primeiro caso exige um pensar político, racional, mais voltado à temas filosóficos, ou sociológicos, no segundo caso, nos remete ao entendimento da grande dificuldade enfrentada pela educação no âmbito didático, ou temas afins para suprir tanta oscilação nos projetos educacionais. É a tentativa de sanar o déficit que se encontra neste campo do saber desde à Colonização. Se por um lado, do ponto de vista político, há um silêncio que nos preocupa, atribuído por muitos à despolitização da maioria no meio social. Do outro, há um sinal de percepção crítica e o descontentamento social bem transparente, mas evidentemente, uma não compreensão dos entraves impostos pelo sistema hierárquico do país, uma tentativa desesperada da população por soluções que o professor não é capaz de solucionar sozinho.

Na realidade, o que parece interessar à maioria dos cidadãos, é a possibilidade de uma vida desprovida de preocupações, centrada no trabalho e lazer. Neste caso, ele não faz uma leitura da real necessidade atual e por este motivo não consegue despertar para os problemas que o país está enfrentando. Do ponto de vista do trabalhador leigo, uma vez que ele trabalha, paga os impostos, entende ele, que deve haver o ressarcimento automático por parte do Estado em função da sua contribuição, realidade que o país parece não dispor no momento, mas cobra do professor soluções emblemáticas deste jogo. A lógica real deveria ser esta mesma, mas com um olhar politizado, responsabilizando as partes, porém não é o que está acontecendo na prática! Se de um lado há uma elite que controlou a sociedade da escravidão à Lava Jato, como aponta Jessé Souza, do outro deveria haver uma politização dos trabalhadores para superar esta imposição e criar uma sociedade mais humana. Daí o poder da educação mostrado por Freire que está se distanciando da memória do educador!

A situação reflexiva que estamos propondo aqui pode ser sutil e complexa, mas enfatizamos, merece sua análise. Para entender o Brasil atual foi necessário ler Gilberto Freyre em Sobrados e Mucambos, obra mencionada por Jessé Souza em seu livro A Elite do Atraso, ler a Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato, de Jessé Souza e fazer um bom esforço para entender a conjuntura do país. Darcy Ribeiro também é um outro referencial que abre a mente do leitor para a real situação do Brasil (em O Povo brasileiro – 1995). Assim como Jessé utiliza Gilberto Freire, Sergio Buarque e Raimundo Faoro como ponto chave para explicar o contexto brasileiro. A análise proposta neste artigo visa fazer uma análise da produção de Freire e Ferreiro e instigar reflexões acerca da sutil intencionalidade apontada. E, é claro, fomentado pelas produções críticas de Jessé Souza.

Se antes a corrupção como herança maldita era o principal, temos agora que pensar a nossa desigualdade e suas mazelas como a resultante de um processo histórico que impossibilitou aprendizados sociais e políticos decisivos, sem qualquer relação com a sociologia do vira-lata. Souza (2018, p 26).

Jessé Souza vai além de a Elite do Atraso: da escravidão à Lava-Jato em Subciddania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro, como aponta a citação acima ele mostra o tamanho da responsabilidade do país em “pensar a nossa desigualdade e suas mazelas”. Cabe à educação brasileira uma grande responsabilidade, mas também aos cidadãos em despertar e entender que a cobrança deve ser bem mais ampla do que exigir do professor e da escola soluções para os entraves sociais. O problema de um aluno, é uma responsabilidade da escola, mas também da família e principalmente do projeto de sociedade em vigor, ou em expansão. A família tem a obrigação de fazer a base educacional, à escola, cabe projetar o aluno às exigências sociais no âmbito do trabalho, das relações sociais e humanitárias.

Ao Estado cabe o dever e a responsabilidade de ver o cidadão como símbolo maior e trabalhar projetos que venha a valorizar, humanamente, quem sustenta o próprio Estado a partir da sua força de trabalho. Deve ainda, dar condições estruturais, financeira e formação que dê sustentação ao professor no sentido de proporcionar uma mentalidade ao cidadão (aluno), compreender, valorizar e defender sua Pátria de forma consciente de seus valores e dos valores do Estado. Quando este mesmo estado mostra uma conduta distinta deste princípio, ambos sofrem as consequências. Neste caso, Estado, professor e aluno passam a serem vítimas do próprio desmando estatal que deveria proteger a ambos, inclusive a ele próprio. Estamos, portanto, vivendo este caos no Brasil, segundo a ótica do autor de artigo.

Tirar do cenário uma genialidade como Freire, somente com outro gênio como Emília Ferreiro. Das diversas tentativas forçadas, usando à imposição, não foi possível para a elite ludibriar muitos educadores sobre os ideais do referido autor Freire. Neste caso, supomos que pode ter havido um plano sutil da elite em aceitar o modelo, inclusive, apoiado pelos defensores da democratização da educação, mas com uma finalidade da apropriação deste sonho em sua ingenuidade. Enquanto os lutadores por tais projeções buscavam a expansão na educação escolar via a democratização, os primeiros (elite), viram em Ferreiro um modelo, que ao mesmo tempo, agradava aos ideais democráticas e ao meio educacional sem comprometer a estrutura hierárquica elitista existente, tirando, aos poucos, do imaginário do professorado, as críticas freireanas.

Se, ao analisar os primeiros (elite) fica evidente esta obviedade, que é bastante possível, uma elite que sempre dominou e ditou os rumos do país, como mostra Jessé Souza, pois ela continuou livre para cometer novas arbitrariedades sem despertar o povo despolitizado a que tanto Freire quis despertar. Se considerarmos arbitrárias as ações apontadas por Jessé Souza em seu livro mencionado, parece que não há muitas dúvidas. Entretanto, chamamos a atenção para o olhar no segundo ponto de vista (intelectuais em defesa da democratização e de soluções para a educação). Vê-se, nesse sentido, que não houve um pensamento com uma malícia à altura, mas sim o desejo de uma educação cada ver melhor, portanto, usam os recursos da psicologia de Ferreiro sem se atentar pela distorção à Freire ao longo dos temos.

. Apesar de importante e indispensável à metodologia desenvolvida a partir dos ideais de Ferreiro, intencionalmente, ou não, foi em função da atenção à Psicogênese da Língua Escrita de Ferreiro que Freire foi sendo “esquecido” no imaginário do professorado. Portanto, se busca afirmar, a partir das leituras de Sobrados e Mucambos em Gilberto Freyre, bem como, em A Elite do Atraso e Subcidadania brasileira de Jessé Souza, que o Brasil é um país de interesses em jogo. Possivelmente, o mesmo ocorre com outros países pelo mundo afora, mas enfatizamos que não nos cabe fazer esta análise neste trabalho. O que nos instiga a persistir nas análises a que estamos propondo aqui, é o fato de saber que as controvérsias existiram e ainda existem no Brasil. Controvérsias estas, tão bem apontadas pelos autores como esta próxima reflexão em Jessé Souza:

Assim, para criticar o Brasil de hoje e compreender o que está em jogo na política e na manipulação da política como forma de dominação econômica e simbólica, é necessário reconstruir uma totalidade alternativa que desconstrua o culturalismo racista conservador e reconstrua a sociedade brasileira em um sentido novo e crítico. Souza (2017, p 37)

Para haver este entendimento, voltemos nossa reflexão ao cenário recente, cenário este, que muitas vezes entristece o país, pois, segundo Abrucio (2016) em “Formação de professores no Brasil: diagnóstico, agenda de políticas e estratégias para a mudança”, o Brasil vinha conquistando espaço e várias reformas aconteceram nas últimas décadas. Estes ajustes se deram a partir da pós-Constituinte, mas ganharam força nas últimas décadas. Foram avanços consideráveis que não havia acontecido desde a Colonização. Depois de o país amargar um período autoritário com a Ditadura Militar, muito se buscou para que houvesse mudanças substanciais e em Freire, mesmo no Pós-Ditadura, foi possível encontrar muitos argumentos contundentes. Ele soube criticar o sistema autoritário, estimulou o país a se direcionar rumo à democratização.

Nas décadas pós-Constituição, houve várias reformas e propostas de aperfeiçoamento da Educação. No campo da formação docente, o caminho inicial foi, no mínimo, ambíguo. No governo Itamar Franco (1992-1995), o ministro da Educação, Murilo Hingel, apoiou a criação de Institutos Superiores de Formação de Professores, que teriam um papel específico, diferente do modelo voltado à pesquisa e às especialidades, predominante nas universidades. Abrucio (2016, p 13).

Uma conquista chave para que a educação pudesse avançar, aponta Abrucio, foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB – Lei n° 9.394/96) e as legislações posteriores que somaram forças, ampliaram, portanto, esta proposta. O que não acontecera em vários séculos, passou a se tornar uma realidade. O Brasil passou a oferecer oportunidades ao professorado e deu um “pontapé” na busca por cursos de Pedagogia e Licenciatura. Apesar de predominar um Ensino Superior muito mais centrado no privado, que o público, aos poucos o país foi se ajustando rumo ao ensino público nas últimas décadas. A citação abaixo menciona a LDB como fortalecimento ao que estamos afirmando.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, bem como legislações posteriores, fortaleceram, por sua vez, o papel dos cursos de pedagogia e das licenciaturas, apostando na suposição de que o aumento do grau de escolaridade traria automaticamente mais qualidade ao corpo docente da Educação Básica. Abrucio (2016, p 13).

Neste caso,

O aumento do número de docentes com formação superior e/ou continuada é, em si, uma boa notícia. Primeiro porque, até 1988, boa parte do professorado não tinha nível superior. Em 1991, 20% dos professores não eram graduados, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em 2006, o número de formados chegou a 60% e, em 2013, a 75%. Abrucio (2016, p 15).

Pensando em fomentar reflexões no meio acadêmico, um pensar que visa pôr em evidência a aceitação, ou a intencionalidade do modelo de educação (Educação Infantil e Séries Iniciais) adotado no Brasil nos últimos trinta anos. Nosso objetivo é trazer para o centro das nossas análises uma reflexão, mas também críticas ao descuido com as inovações, como o apontado no caso, coma a aceitação do modelo de Ferreiro sem a percepção de que não poderia haver um esquecimento do pensamento de Freire. A grande curiosidade que nos detém a este trabalho, mencionada várias veze, está na persistência em pôr em evidência de que houve sim, uma sutil intencionalidade da elite tendo em vista que eles sempre intervêm nas ações do Estado quando elas não os favorecem.

A vontade de inovar no meio acadêmico era extremamente grande nas últimas décadas, havia, neste caso, diversas tentativas de estimular a formação pedagógica para que essa pudesse fazer um trabalho diferenciado nas escolas. Assim se iniciou tal experiência, Ferreiro estava em destaque com a Psicogênese da Língua Escrita, era portanto, algo promissor. De um lado a extraordinária descoberta, do outro o jogo de interesses, a oportunidade de sutilmente se distanciar de Freire. A um bom tempo, obviamente, o sistema queria apagar a imagem do referido pensador Freire no meio acadêmico, mas ele sempre estava nos debates. Ao implantar o método de Ferreiro, encontra-se um primeiro passo para tirar de cena o genial pensador brasileiro, adotando um substituto, estrangeiro. É sabido que Freire priorizou a educação de jovens e adultos, mas seu olhar crítico e politizador permanecia no meio Acadêmico, por outro lado, Ferreiro buscou outra dimensão, a alfabetização das crianças.

Nascia aí o método sutil para minimizar o modelo de educação crítica tão bem pensado por Freire, motivo de incômodo para a elite. De um lado, era importante desvendar os mistérios na mente das crianças pelo professorado com a alfabetização nos moldes de Ferreiro e ela contribuiu muito. Mas sem se dar conta, nascia a transferência do pensar crítico de Freire por um olhar da psicologia de Ferreiro centrado no aprendizado e não na leitura de mundo que ele (Freire) defendera. Estas foram as inovações no processo de alfabetização recente e nos parece que esta foi também a percepção da elite, em contrapartida, a não percepção dos educadores e intelectuais na educação brasileira.

O que não se percebeu, segundo nossa ótica, nem a academia com seu processo de formação, nem o professorado na sua prática, pois ambos prestam serviço à sociedade, é que necessitaria esta reflexão. Insistimos, nos parece, portanto, que a boa aceitação pelo sistema, possuía sim, uma dupla intenção: a de valorizar uma importante descoberta feita por Ferreiro, mas ao mesmo tempo, servir como uma alternativa a tirar de foco o potencial politizador que Freire possuía. Nascia no momento, um modelo que propunha a atender às inovações tão desejada pela educação, mas também uma alternativa ao sistema, aos detentores do poder elitista que queria a todo o custo neutralizar as críticas tão bem elaboradas e aceitas pela ótica de Freire. Precisou, no entanto, de um longo período e muita cautela do sistema para que o referido autor fosse, discretamente afastado, menos lembrado, nos processos educacionais do país.

O artigo quer sugerir a partir das análises presentes, uma potencial “malícia” racional, muito sutil, que as vezes passa despercebida aos olhos de um leigo. Tudo indica que mesmo passando décadas, a educação brasileira progressista não se atentou para tamanha discrepância. Do ponto de vista da elite, não nos parece que a passível aceitação do modelo educacional, inspirado na metodologia de Ferreiro, foi algo fantástico que a eles muito interessou. Não nos parece que eles acharam o método empregado adequado em si, mas sim, uma real oportunidade de neutralizar o potencial criador de Freire com um olhar politizador. Veja que seria muito arriscado se o professorado encontrasse um método criativo que proporcionasse a criticidade das crianças numa ótica de Freire. A elite não suportaria!

Para o sistema controlador neoliberal capitalista não há nada melhor que ter o monopólio do sistema, se necessário, até com a imposição da força. Quando se observa o contexto político brasileiro, parece que eles (a elite) sempre controlaram e interferiram no sistema e principalmente, nos processos educacionais. Notoriamente qualquer visão crítica os preocupa, não deve haver, na ótica elitista, uma expansão num viés crítico, na sociedade, algo em um caráter politizador, pois isto os incomoda. Normalmente, o sistema não se expõe ao rico e isso não é nenhuma novidade para quem tem um mínimo de curiosidade.

Ao ler o livro de Mário Grynszpan, Ciências políticas e trajetórias sociais: uma sociologia histórica da teoria das elites (1999), foi passível perceber o que realmente pensa um poder elitista. O referido autor, mostra em sua obra os pioneiros, Pareto e Mosca, tendo-os, como maior referência na sistematização do pensamento das elites eixando bastante claro que, na prática, o pensar já existia. Entretanto, é em Pareto e Mosca e seus escritos que o tema passou a ser estudado e contextualizado por outros pensadores. Os referidos italianos possibilitaram, então, incluir nos debates posteriores a tão polêmica teoria da elite. Um terceiro nome é apresentado por Grynszpan, como mostra a citação abaixo.

O fato de este livro centrar-se em Mosca e Pareto torna necessários uma referência e um esclarecimento a respeito da exclusão de um terceiro pensador, também localizado por alguns nas origens da genealogia da teoria das elites. Trata-se do alemão Robert Michels que, em seu livro Sociologia dos partidos políticos, deu a seguinte formulação àquela que ficou conhecida como a lei de ferro da oligarquia: Grynszpan (1999, p 30).

Como complemento aparece esta outra citação:

Mais do que a simples precedência cronológica, contudo, há um claro reconhecimento de que Mosca e Pareto foram os principais pólos iniciais do debate sobre as elites, estando mais ainda referidos um ao outro. Tanto é assim que dificilmente se encontra algum autor que, voltando-se para as idéias de um daqueles pensadores, não se reporte de modo obrigatório às do outro. Grynszpan (1999, p 34).

Se voltarmos nossas reflexões em Jessé, fica entendido o que ele disse em – A Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato. Para Jessé “O exército do poder social real tem de ser legitimado. Ninguém obedece sem razão. No mundo moderno, quem cria a legitimação do poder social que será a chave de acesso a todos os privilégios são os intelectuais”. Souza (2017, p 11). Neste caso, neutralizar a educação com um método instigante, criativo e racional, mas não politizador é tudo que queria o sistema. Nada melhor que estar atentos à educação, bem como, em seus processos educacionais.

Havia no ar, um cenário de estremo risco à elite! É preciso lembrar que no momento de ascensão das ideias de Freire, ele foi silenciado, preso e expulso do país, entretanto, mesmo depois de uma certa fragilidade ele retornou e independentemente disso, suas ideias permaneciam vivas e foram para os Centros Acadêmicos, divergindo, ou assumindo postura que não agradava à elite. Por mais que ele sofresse o exílio, suas ideias continuavam influenciando o meio acadêmico. Sua genialidade dificultava ao sistema elitista, a apagá-lo da memória de muitos. Era necessário encontrar um atrativo a suprir essa demanda de forma mais sutil. Neste caso, a “genial ideia” (do ponto de vista do autor deste artigo) de adotar o método de Ferreiro na educação infantil e amortecer os ideais de Freire, evitando assim, que o professorado introduzisse ideais progressistas, democráticas ou humanistas defendidas por freire em seus diálogos nas salas de aula.

Ao tratar do pacto antipopular da elite com a classe média, Jessé traz uma outra advertência que nos parece ser útil, uma reflexão a propiciar o entendimento da realidade a que todos estamos acometidos. Na verdade, aponta o autor, há duas instâncias em jogo: a primeira delas e a “ralé dos novos escravos”, já a segunda, ele a chamou de “a elite da rapina”. Mas, também é preciso acrescentar uma outra situação a se observar: a classe média que também não passou despercebidas aos olhos de Jessé Souza. Esta é usada a partir do sonho de alguns privilégios que possui, no desejo de superar a ralé, um sonho de uma melhor oportunidade dentro do jogo de interesses, especificamente, para amenizar o embate entre os dois opostos. Vejam:

As duas classes polares da sociedade brasileira que descendem diretamente da escravidão, que são a ralé de novos escravos e a elite da rapina, são adaptadas ao novo contexto competitivo, mas produzem padrões que, substancialmente, são continuação do passado. Souza (2017, p 109).

É nesta ótica que se deve observar o que estamos falando aqui, pois quando se tem uma aceitação da elite, obviamente, há um jogo tramado em função de seus interesses. Elite e Ralé, na ótica de Souza, nada mais é que “O Senhor e o Escravo do período Colonial”. A educação deveria estar atenta à sua função politizadora, caso contrário, ela corre o risco de virar massa de manobra de um sistema carrasco e opressor chamado de: “a elite da rapina”, por Jessé Souza. Com o olhar neste cenário, a partir de agora você, leitor, está sendo convidado a ampliar o debate em torno da sutil situação em que viveu a educação das últimas décadas a ampliar esta reflexão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizamos nosso trabalho na certeza de que estamos propondo uma reflexão contundente para instigar professores, mas também leigos, a pensar sobre os efeitos da educação nas últimas décadas. Procuramos usar uma linguagem simples, mas um pensamento que influencie o meio acadêmico a se despertar para os rumos a que a educação deve buscar, se é um caminho antidemocrático, de uma elite que controla e sempre controlou a sociedade, ou um caminho alternativo, que tenha como princípio básico o ser humano. Se por um lado falamos nas críticas de Freire que tanto incomodava o sistema, por outro, falamos do modelo instigante de Ferreiro que ocupa o professor na observação minuciosa do comportamento do seu aluno, no que tange ao entendimento de como a criança aprende. Um é criador de ideologia e criticidade, portanto, politizador. Já o outro, observador, entrado na psique, mas sujeito a ser adaptado em um modelo neutralizador de ideologias.

No entanto, é preciso dizer que buscamos demonstrar a importância dos dois autores pela genialidade das descobertas de ambos, mas ao mesmo tempo, sinalizar a sutil intencionalidade a que atribuímos ao sistema elitista, bem como, a displicência do seguimento da sociedade em busca da democratização. Fazendo sentido, ou não, a verdade é que a educação brasileira não teve avanços substanciais que garantisse às exigências da UNESCO, ela somente atendeu a uma parcial expectativa das buscas. Suas conquistas, fruto de muita luta da própria sociedade e alguns intelectuais para que houvesse uma ascensão social, deu ares de neutralização. É necessário reafirmar que o Brasil expulsou um dos maiores colaboradores na educação, de renome Nacional e Internacional como Freire e ao mesmo tempo tentou se safar adotando os ideais de Ferreiro (com todo o seu mérito, também rejeitada em seu país), não obtendo, portanto, as exigências da UNESCO.

Enfim, o artigo começou falando em Freire e suas influências, sinalizou algumas de suas produções com base em Paulo Freire: Vida e Obra”, para, enfim chegar em Ferreiro. Ele não nasceu com a finalidade de criticar os colaboradores em sua prática pedagógica, simplesmente quis instigar reflexão, um pensar, talvez, um despertar na educação sobre a sutil aceitação de um modelo implantado sem muita imposição do sistema controlador elitista. É uma tentativa curiosa de analisar a educação das últimas décadas que mesmo adotando um método inovador de Emília Ferreiro não obteve maiores êxitos do ponto de vista crítico, politizador. Ao que nos parece a educação foi neutralizada, perdendo, neste sentido, a capacidade crítica e politizadora de Freire. Esta é a mola propulsora da nossa reflexão, inspirada na leitura e reflexão do pensar de Jessé Souza. Espera-se que este trabalho sirva como uma experiência provocativa ao “jogo de xadrez” que o Brasil vem enfrentado desde a queda da Ditadura Militar. Um desafio em construção na educação brasileira!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRUCIO, Fernando Luiz. Formação de professores no Brasil: diagnóstico, agenda de políticas e estratégias para a mudança. São Paulo: Moderna, 2016.

Disponível em < http://www.paulofreire.org/o-acervo-paulo-freire > Acesso em 07/05/18.

GRYNSZPAN, Mário. Ciência política e trajetórias sociais: uma sociologia histórica da teoria das elites. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. 225p.

MELLO, COM. Emília Ferreiro (1935-) e a psicogênese da língua escrita. In: MORATTI, MRL., et al., orgs. Sujeitos da História e do Ensino de leitura e escrita no Brasil [online]. São Paulo : Editor UNESP, 20015, pp. 245-275. ISBN 978-85-68334-36-2. Available from SciELO Books < http://boocks.scielo.org >.

MOREIRA, Geraldo Eustáquio. O processo de alfabetização e as contribuições de Emília Ferreiro.

SOLITO, Rosaura e VAZ, Débora. O desafio da prática pedagógica. Viver mente e cérebro. Emília Ferreiro: a construção do conhecimento. Coleção Memória da pedagogia. Rio de Janeiro: Ediouro. São Paulo: segmento-Duetto. N 5, p. 76-84, 2005.

SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: Da escravidão à Lava-Jato. Rio de Janeiro: Leya,2017.

_______, Jessé. Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Leya, 2018.

WEISZ, Telma. A revolução de Emília Ferreiro. Viver mente e cérebro. Emília Ferreiro: a construção do conhecimento. Coleção Memória da pedagogia. Rio de Janeiro: Ediouro. São Paulo: Segmento-Duetto. n .5, p 6-13, 2005

 

[1] Especialização em Ciências da Educação (Faculdade de Pinheiro – ES em 2016). Especialização em Filosofia da Educação (Faculdade de Pinheiro – ES em 2016). Especialização em Didática e Metodologia do Ensino Superior (Faculdade de Informática de Ouro Preto – UNIOURO – RO em 2009). Licenciatura Plena em Pedagogia (Universidade Federal de Rondônia – UNIR – RO em 2008). Técnico em Agropecuária (Escola Família Agrícola Pe. Ezequiel Ramin (Cacoal – RO em 2003).

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Antônio Carlos da Rocha

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