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Psicanálise E Educação: Tensões, Divergências E Convergências

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

LAZARINO, Rogério de Souza [1], MERLETTI, Cristina Keiko Inafuku de [2]

LAZARINO, Rogério de Souza. MERLETTI, Cristina Keiko Inafuku de. Psicanálise E Educação: Tensões, Divergências E Convergências. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 13, pp. 106-115. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/divergencias-e-convergencias

RESUMO

Este artigo intenciona comentar brevemente a relação entre psicanálise e educação através de um recorte de textos pontuais de Freud, bem como de trabalhos de alguns autores contemporâneos. Iremos tratar sobre certas tensões, divergências e convergências entre as duas áreas. Não temos a pretensão nem de cobrir todo o período histórico desde a época do início do século XX até os dias atuais, e nem de nos debruçarmos sobre as inúmeras abordagens possíveis de análise dessa querela. Embora estejamos utilizando o termo educação, a ênfase é a educação formal ou pedagogia e não a educação transmitida à criança em casa, pelos pais ou outros cuidadores.

Palavras-chave: educação e psicanálise, educação, psicanálise, psicologia da educação.

INTRODUÇÃO

Freud, em seu texto: Prefácio à Juventude de Aichhorn (1925), afirma que educar é um dos três impossíveis, juntamente com o governar e com o curar/psicanalisar. Isso aconteceria pelo fato de a psicanálise buscar livrar o sujeito de algumas das suas amarras sociais e poder agir mais de acordo com as suas pulsões. Já o objetivo da educação é justamente fazer com que a criança se encaixe nos padrões civilizados de autorrepressão da sociedade na qual ela vive. Como bem lembrou Millot (1987, p. 150), “o objetivo tradicional da educação, assegurar a dominação das pulsões, culmina com o recalque destas, e com isto as retira do controle consciente”.

Quando o impossível da psicanálise encontra o impossível da educação surge um embate de fôlego que irá durar por muitas décadas e hoje em dia ainda provoca discussões acaloradas de parte a parte.

TENSÕES

Muito embora, Freud não tenha escrito nenhum tratado específico sobre educação (MILLOT, 1987), essas questões acerca da relação entre a psicanálise e a educação estiveram dispersas em algumas passagens da obra do pensador austríaco, ainda que de modo escasso (LAJONQUIÈRE, 2002). Ora, desde os primórdios da teoria psicanalítica houve uma tensão entre psicanálise e educação. Segundo Lajonquière (2002), Freud não foi explícito o suficiente sobre essa relação. É possível que Freud não tenha tratado sobre a imbricação psicanálise/educação de forma sistemática e/ou aprofundada porque fosse absolutamente consciente – sem trocadilho – a respeito dos impasses desse encontro.

Voltolini (2011), também faz menção a essa tensão entre os dois campos na obra freudiana:

Para ilustrar esse paradoxo, vale destacar um contraste interessante: o fato de não haver na obra freudiana nenhum texto que trate exclusivamente de educação; de outro, sua recorrência, como tema, nas reflexões de Freud até suas últimas produções teóricas. (grifos do autor). (VOLTOLINI, 2011, p. 09).

Ainda segundo Voltolini (2011), o papel na discussão de propostas pedagógicas que cabe à psicanálise na atualidade é algo “deslocado e pasteurizado”, já que é feito a partir da psicologia, como se a psicanálise fosse um mero capítulo daquela ciência. Ironicamente, a educação foi o campo com o qual Freud teve mais proximidade ao longo da sua extensa produção. O neurologista vienense queria substituir a “pretensão pedagógica de um ideal educativo por uma discussão sobre as condições de possibilidade de qualquer educação” (VOLTOLINI, 2011, p. 11). Outra razão que fazia Freud questionar a realização de qualquer tipo de educação é o problema da transferência. Nas palavras de Voltolini (2011, p. 11), a psicanálise freudiana procurou denunciar: “a ignorância particular e insuperável (…) de todo adulto em relação à criança e sobre o campo amoroso que se instala entre o educador e o educando”.

A passagem mais representativa da tensão entre psicanálise e educação nos textos freudianos aparece na Conferência XXXIV (1933), intitulada: Explicações, aplicações e orientações:

Vamos tornar claro para nós mesmos qual a tarefa primeira da educação. A criança deve aprender a controlar seus instintos. (…) Por conseguinte, a educação deve inibir, proibir e suprimir, e isto ela procurou fazer em todos os períodos da história. Na análise, porém, temos verificado que precisamente essa supressão dos instintos envolve o risco de doença neurótica. (…) Assim, a educação tem de escolher seu caminho entre o Cila da não-interferência e o Caríbdis da frustração. (grifos do autor). (FREUD, 1933, p. 101).

Voltolini (2011) traduz essa contenda entre os dois monstros marinhos como um dilema prolongado na história da educação que em Freud (O método psicanalítico, 1913) tinha tomado forma entre duas proposições: “educar para desenvolver talentos pessoais ou para contemplar necessidades sociais?” Segundo o autor, conforme Freud, se o pêndulo for para o lado dos talentos pessoais, a criança torna-se perversa, e se for para o lado das necessidades sociais, a criança neurotiza-se.

Voltolini prossegue em sua argumentação, afirmando que o pai da psicanálise procurou resolver esse dilema, sugerindo que a educação deveria funcionar como uma profilaxia contra ambas as saídas: neurose e perversão. No entanto, o autor declara que Freud não conseguiu sustentar essa indicação da função da educação por muito tempo e que em 1930, no seu texto, O mal-estar na civilização, reconheceu que a tarefa era impossível. Assim, terminam as tentativas de Freud de aplicar a psicanálise à educação, e Voltolini conclui esse movimento:

Esse caráter conflituoso, expressão direta de uma dinâmica pulsional e desejante paradoxal, é, no entanto, aos olhos da psicanálise, inerente à experiência humana, e por isso segue sendo ineludível, marcando cada situação com um tensionamento que exige uma decisão da qual é possível sempre se arrepender. (VOLTOLINI, 2011, p. 40)

Outros psicanalistas, hoje chamados de pós-freudianos, iriam retomar as relações entre psicanálise e educação, porém, em outra chave.

DIVERGÊNCIAS

É curioso que o próprio Voltolini (2011) reinterprete o dito de Freud sobre o impossível da educação: “Entre os fins vaticinados e os meios postos em prática para a sua execução, quaisquer que sejam eles, haveria uma impossibilidade lógica”. (VOLTOLINI, 2011, p. 27).  Destarte, o que o autor pretende dizer é que a educação pensada como um ideal de eu nunca poderá ser alcançada, já que sua própria estrutura possui um caráter castrador. Como foi citado acima, a principal divergência entre a arte do psicanalista e a arte do pedagogo é que a primeira tenta libertar o indivíduo dos seus grilhões sociais, e a segunda busca encaixá-lo em uma fôrma social. Por mais “bem-intencionado” que esteja um educador, os aspectos inconscientes irão levá-lo a agir de modo a perpetuar algo de si mesmo. Neste ponto, Millot concorda com Voltolini: “a tarefa do educador consiste em contribuir para a formação do Ideal-do-eu que tem uma indispensável função reguladora, normativa”. (MILLOT, 1987, p. 132).

Assim, todo educador (a) está fadado (a) a misturar aquilo que faz parte do seu desejo (de tornar-se imortalizado) ao ato de transmissão de conhecimentos para as crianças. E a criança, por sua vez, será constrangida pela força dessas fantasias parentais que tomam conta do educador. A criança, sob o ponto de vista do educador, precisa a todo custo, “endireitar-se”. (VOLTOLINI, 2011).

Aliás, esse autor nos lembra de que se “uma mulher se torna mãe para restituir a falta de algo que a completaria (o falo)”. (VOLTOLINI, 2011, p. 29).  Seguindo Voltolini (2011), há também a contraparte masculina: um homem se torna pai para tentar evitar a finitude, imortalizando-se num filho (para não perder o falo). Cabe aqui, uma breve contextualização sobre a concepção freudiana a respeito do Complexo de Édipo. Em sua obra, A Dissolução do Complexo de Édipo (1924), Freud afirma que as crianças na fase fálica – portanto, aos quatro anos de idade, em média – percebem a diferença anatômica entre um menino e uma menina e cada um tem uma reação própria. A menina ao comparar os seus genitais com a genitália de sua mãe, considera que a mulher adulta ainda possui órgãos sexuais grandes e potentes (fálicos) em contraste com a sua pequena genitália e assim, conclui que já foi castrada em algum momento anterior e por fim, não desenvolve o complexo de castração. O menino, por sua vez, imagina que o órgão de seu pai é imensamente maior do que o seu próprio pênis, e somado ao desejo inconsciente que tem de dormir com a sua própria mãe, desenvolve o medo de castração.

Novamente, a resolução do conflito edipiano é diversa para a menina e para o menino. A menina liga simbolicamente o desejo por seu falo perdido, ao desejo de tornar-se mãe. Enquanto o menino, tendo o acesso a sua mãe interditado, volta-se para o desenvolvimento do superego e direciona a sua libido para outra mulher, obtendo dessa forma, futuramente, um filho e ao mesmo tempo, mantendo a sua potência fálica.

Outro conceito psicanalítico que atravessa o ofício do educador é a questão do narcisismo: “atitude resultante da transposição, para o eu do sujeito, dos investimentos libidinais antes feitos nos objetos do mundo externo”. (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 532). Ora, o educador não é capaz de separar os seus próprios conteúdos narcísicos daquilo que seria a promoção dos talentos pessoais da criança que está ali na sua frente. Essas necessidades narcísicas, nas palavras de Voltolini: “podem levar a uma intolerância quanto ao fato de que as crianças sejam elas mesmas e sigam o próprio caminho”. (grifos do autor). (VOLTOLINI, 2011, p. 30). Dessa forma, o educador se apresenta para a criança como um modelo – ainda que por processos inconscientes, não perceba o que está, de fato, exigindo da criança. De “opressor, o educador passa a ser um modelo a ser seguido”. (VOLTOLINI, 2011, p.30).

Conforme sabemos, o pilar fundamental da psicanálise estrutura-se nos processos inconscientes que são as causas de tudo aquilo que fazemos. A motivação do educador em educar também apresenta razões que são inconscientes. Naturalmente, ocorre o mesmo fenômeno da motivação inconsciente – para o aprendizado – no caso do aluno. Por mais que um educador esteja preparado em termos de didática, metodologia e em conhecimentos específicos do conteúdo a ser transmitido de uma dada disciplina, o que ele ensina não é idêntico ao que o aluno aprende/apreende. Existe uma lacuna entre a intenção docente e a aprendizagem discente. Esse gap entre as duas pontas do processo é causado pela transferência, definida por Voltolini (2011, p. 33), do seguinte modo: “esse processo inconsciente que faz com que uma dada pessoa funcione, para nós, mais de acordo com uma suposição que temos dela do que a partir de seus atos ou inclinações reais” (grifo do autor). Desse modo, o autor utiliza-se das ideias freudianas para revelar que “ela [a aprendizagem] não se dá atrelada ao ensino, através do par ensino-aprendizagem, conforme todo discurso pedagógico tende a formular”. (grifo do autor). (VOLTOLINI, 2011, p. 33). Portanto, a mestria que o educador supõe possuir sobre a matéria ministrada e sobre o processo de aprendizagem ganha ares de fantasia.

Seja por meio do inconsciente, e até mesmo de forma consciente, somente aprendemos algo quando estamos minimamente envolvidos por esse conteúdo. Voltolini cita como Freud formula essa ideia, a partir de outro autor:

“O que herdaste de teus pais, adquire-o para que possas possuir”, diz Freud em Totem e tabu, citando Goethe, para marcar que qualquer coisa que recebo do outro exige minha participação, meu consentimento, para que seja ativada em mim. (grifos do autor). (VOLTOLINI, 2011, pp. 34-35).

A passagem acima traz em si a marca dessa mútua influência entre autores, já que Voltolini cita Freud que cita Gothe. Assim que se dá o processo de transmissão de conhecimentos de uma geração para outra, ou seja, através do que cada aprendiz identifica de mais “poderoso” no discurso do outro. O pesquisador diferencia o ensinar – “en-signar, pôr em signos” – do transmitir. Para Voltolini (2011, pp. 35-36), o primeiro “exige uma intencionalidade consciente e deliberada na direção de passar uma certa significação”, já o transmitir “indica, feito um vírus que passamos adiante à nossa revelia, ausência de intenção consciente e, consequentemente, de qualquer possibilidade de mestria”.

Outra vertente dessa impossibilidade de mestria (por parte do professor e por extensão, atingindo o processo educativo como um todo) é a questão da linguagem. Voltolini (2011), reporta sobre a dupla emissão do ato de fala: “o que queremos emitir e o que emitimos à revelia da nossa vontade”. Essa segunda parte influi de modo substancial em toda comunicação é crucial para o ato educativo, portanto, diz o autor: “Em suma, qualquer intenção de mestria é impossível simplesmente porque falamos, e em nossa fala estamos referidos sempre a uma outra cena que nos condicionou e condiciona, e que fala através de nós”. (grifos do autor). (VOLTOLINI, 20111, p. 36).

É possível que essa visão peculiar da psicanálise para a linguagem seja o que permite desmontar o discurso pedagógico que ao traçar a dicotomia adulto/criança procura se concentrar no que há de adulto na criança, na medida em que pensa a criança como um futuro adulto, isto é, como alguém bem-integrado nos valores civilizatórios de uma dada sociedade e, portanto, com a espontaneidade advinda dos impulsos libidinais, devidamente refreada. A psicanálise, por sua vez, prefere olhar para a criança que há (ainda) no adulto. Freud, no texto: O interesse científico da psicanálise (1913), afirma que “a criança é pai do homem”. (FREUD, 1913, p.190).  O autor diz que se por um lado há uma continuidade entre a vida mental da criança e do adulto – o que pode ser comprovado pelo trabalho clínico da psicanálise – há, por outro lado, diversas lacunas entre esses dois períodos, já que muito do que é vivido pelo sujeito acaba sendo empurrado para o inconsciente. Freud defende, então, que a psicanálise é uma forma primorosa de preenchimento dessas lacunas e, destarte, tudo o que há na criança pode ser recuperado no adulto, justificando o ditado popular de que a criança é o pai do homem.

Talvez a maior polêmica de todos os tempos entre o psicanalisar e o educar tenha se dado entre Melanie Klein e Anna Freud. A disputa entre elas aconteceu no âmbito da teoria e girou em torno da questão de quando o Complexo de Édipo pode ser considerado acabado na criança e de como esse término impacta ou não no processo de transferência entre a criança e o psicanalista. Muito embora, ambas estivessem falando sobre o processo terapêutico e não sobre a educação em si, por meio da transferência, por um lado, a psicanálise assemelha-se à educação, e por outro lado, a própria Anna Freud, percebia a sua atuação com as crianças enquanto um movimento pedagógico: “apontando o inacabamento do processo constitutivo que caracteriza a criança”. (VOLTOLINI, 2011, p. 63). Já Melanie Klein (apud VOLTOLINI, 2011) procurava indicar que a criança poderia ser psicanalisada “sem que haja confusão com o processo educativo que a insere numa cena com os pais”.

Em torno dessa polêmica entre as duas psicanalistas, Millot (1987) também tece os seus comentários, primeiramente sobre a posição de Anna Freud:

Em lugar de uma pedagogia analítica, o que Anna Freud sustenta é uma análise pedagógica. Porém, ao seguir suas próprias considerações, termina-se duvidando da possibilidade de semelhante aliança e perguntando o que subsiste de analítico nos princípios que ela propõe. (MILLOT, 1987, p. 136).

Posteriormente, a psicanalista francesa afirma que Melanie Klein fez uso exatamente desses “pontos fracos” citados acima para tentar marcar a sua posição teórica e diferenciar-se daquele ponto de vista da filha de Freud. Millot resume o projeto de Klein da seguinte maneira:

A única verdadeira reforma preconizada por Melanie Klein em matéria de educação consiste na introdução da cura analítica em um ou outro momento do desenvolvimento da criança, de preferência antes da escolarização: “Uma análise realizada precocemente faria desaparecer as inibições mais ou menos importantes que existem em todas as crianças; o trabalho escolar deveria começar em seguida, a partir dessa base. Quando não tenha mais que malgastar suas forças em uma luta vã contra os complexos das crianças, a escola poderá, consagrando-se ao desenvolvimento destas, realizar uma obra fecunda”. A psicanálise da criança, assim teria a função de preparar o terreno para a educação – não poderia substituí-la, e nem mesmo modificar seus princípios. (grifo do autor). (MILLOT, 1987, p. 141).

Apesar de todas as divergências entre psicanálise e educação, em um ponto há unanimidade: tanto a psicanálise faz uso de pressupostos pedagógicos na sua técnica, quanto a pedagogia pode se beneficiar em muito se utilizar os conhecimentos psicanalíticos no ato educativo. Nesse sentido, há uma discreta convergência entre ambas as ciências que também podem ser chamadas de técnicas ou de artes. São essas ligeiras convergências que iremos abordar na próxima secção do artigo.

CONVERGÊNCIAS

Apoiando-se nas ideias freudianas, a psicanalista francesa diz que há pelo menos um fim em comum entre o processo educacional e o processo analítico: “o de assegurar, à criança e ao paciente, o domínio do princípio do prazer pelo princípio da realidade” (MILLOT, 1987, p. 127). A autora defende que existe também um meio de ação em comum entre os dois princípios: “o poder de sugestão conferido pelo amor que a criança, ou o paciente, dirige ao educador (ou analista)”. Assim, através da sugestão o psicanalista e o educador tentam fazer que o paciente e o estudante, respectivamente, abandonem o princípio do prazer e cheguem ao princípio da realidade.

Millot dá prosseguimento a sua linha de raciocínio e afirma que é por meio da transferência que ocorre o rearranjo do ideal do eu no sujeito, isto é, a princípio, o psicanalista serve de ideal do eu para o paciente, na medida em que ocorre um processo crescente de identificação por parte do paciente. Com o manejo dessa transferência pelo psicanalista, o paciente vai aos poucos reforçando o seu próprio ideal do eu e consequentemente, fortalecendo o próprio eu. Em relação à educação, aconteceria o mesmo processo transferencial, agora entre aluno e educador. Segundo Millot (1987): “A tarefa do educador consiste em contribuir para a formação do Ideal-do-eu, que tem uma indispensável função reguladora, normativa”.

Curiosamente, a convergência supracitada entre psicanálise e educação cessa quando olhamos para a abordagem de cada uma das áreas concernente a como lidar com o ideal do eu e sua relação com o Complexo de Édipo. Freud, conforme comenta Millot (1987), uma educação bem sucedida pressupõe a resolução do Complexo de Édipo, ou seja, a superação da dependência do sujeito em relação às figuras parentais. Somente com essa superação é que o sujeito pode ser mais livre para viver mais de acordo com as suas pulsões, essa seria a principal finalidade do psicanalista no empreendimento terapêutico: atacar a imagem do ideal do eu que o sujeito possui e, assim, combater o seu narcisismo. Já para a educação, o narcisismo, ou em outras palavras, a capacidade do sujeito de se identificar com o ideal do eu, deve ser mantida para que ele possa continuar com a ilusão de que é o senhor da sua própria vida, quando na verdade está agindo inconscientemente e de acordo com uma visão distorcida de si mesmo. É justamente esse apego ao seu narcisismo que mantém o sujeito preso ao Complexo de Édipo e ao discurso do mestre (educador neste caso) em sentido estrito, e em sentido amplo, essa “prisão” perpetua esse sujeito na condição de assujeitamento perante os valores civilizatórios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar as relações entre a psicanálise e a educação é uma tarefa a um só tempo complexa e necessária. Não foi à toa que o próprio Freud hesitou bastante em escrever algo definitivo sobre o assunto e acabou optando por não fazê-lo. Contudo, atualmente, com a galopante utilização de conhecimentos da área psi na educação e nos processos pedagógicos, a psicanálise certamente tem muito a contribuir nessa seara que é também a do imbricamento dos discursos e contradiscursos. Não é função da psicanálise dizer como a educação deve ser concebida ou conduzida, porém, no tocante a como se estabelece o encontro entre o educador e o aluno, é algo a respeito do que a psicanálise tem inúmeras contribuições a fazer.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. O interesse científico da psicanálise. In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 13. Publicado originalmente em 1913.

______ Prefácio à Juventude de Aichhorn. In: _______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 19. Publicado originalmente em 1925.

______ Novas Conferências Introdutórias de Psicanálise – Conferência XXXIV explicações, aplicações e orientações. In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 12. Publicado originalmente em 1933.

______ A dissolução do Complexo de Édipo. In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 19. Publicado originalmente em 1934.

LAJONQUIÉRE, L. de. (2002). Sigmund Freud, a educação e as crianças. Estilos Da Clinica7(12), 112-129.

MILLOT, C. Freud antipedagogo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1987.

ROUDINESCO e PLON. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

VOLTOLINI, R. Educação e Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2011.

[1] Mestrando em Psicologia da Educação pela Universidade Ibirapuera, especialista em Linguística pela Unyleya e em Psicopedagogia pelo Centro Universitário Brás Cubas. Psicólogo pela Universidade Paulista, bacharel em Língua Inglesa e Portuguesa pela Universidade de São Paulo e licenciado em Língua Inglesa pela Universidade de São Paulo.

[2] Orientadora. Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano IPUSP.

Enviado: Fevereiro, 2021.

Aprovado: Março, 2021.

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Rogério de Souza Lazarino

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