REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

Educação em tempo integral: O que é e como aparece na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

RC: 43154
792
5/5 - (1 vote)
DOI: ESTE ARTIGO AINDA NÃO POSSUI DOI
SOLICITAR AGORA!

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANTO, Sandra Aparecida Cruz do Espírito [1], MOURA, Giovana Cristina de [2]

SANTO, Sandra Aparecida Cruz do Espírito. MOURA, Giovana Cristina de. Educação em tempo integral: O que é e como aparece na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 01, Vol. 02, pp. 101-114. Janeiro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-em-tempo-integral

RESUMO

Este estudo propõe a elaboração de um ensaio teórico. Tem como objetivo refletir sobre a literatura relacionada à educação integral. Adota-se, como eixo fundamental, a discussão sobre a educação como perpendicular à proteção social. Nesse contexto, entende-se que a educação em tempo integral (que é oferecida, no Brasil, a partir do Programa Mais Educação – PME, do Ministério da Educação), age como suporte básico para a defesa da Educação como materializadora dos Direitos Humanos. Pondera-se, então, sobre as relações entre a Doutrina de Proteção e a Educação Escolar para conjeturar sobre como a educação e o amparo (social) podem se consubstanciar em uma mesma arte. Encerra lançando que, no caso característico do PME, proteger é o mesmo que ampliar o recinto e o tempo de constância na escola com alusão à equidade social e ao desenvolvimento para a oferta de oportunidades, especificamente no campo da cultura para o apoio às aprendizagens e à formação cidadã.

Palavras-chave: Direitos humanos, educação integral, Doutrina da proteção integral, setores populares.

INTRODUÇÃO

Na gestão de Geraldo Alckimin (2003-2006), em São Paulo, o Secretário de Estado da Educação, daquele momento, Gabriel Benedito Isaac Chalita, com a Resolução SE nº. 89 (SÃO PAULO, 2005), instituiu a ideia da Escola de Tempo Integral em algumas escolas da rede pública estadual de ensino fundamental (FREITAS; GALTER, 2007; ZANARDI, 2016). O referido projeto teve o desígnio de prolongar o período diário de duração diária dos estudantes (de 5 para 9 horas), com intenção de ampliar suas probabilidades de aprendizagem a partir do oferecimento de oficinas curriculares compostas por: Orientação para Estudo e Pesquisa, Atividades de Linguagem e de Matemática, Atividades Artísticas, Esportivas/Motoras e de Participação Social.

Nesta alínea, objetiva-se, com essa reflexão, esclarecer, refletir, analisar e interpretar as possibilidades, os encostes e os desafios ocasionados e que tomam forma a partir da ideia de Escola de Tempo Integral, sobretudo quanto à execução daquilo que funda o inciso I, artigo 2º, da Resolução SE nº. 89 (SÃO PAULO, 2005.): “promover a permanência do educando na escola, assistindo-o integralmente em suas necessidades básicas e educacionais, reforçando o aproveitamento escolar, a autoestima e o sentimento de pertencimento”. Contudo, defende-se, aqui, que tal permanência no espaço escolar precisa ser qualitativa e não quantitativa, ou seja, o aumento dessas horas apenas produzirá resultados eficazes se não houver o esgotamento desses alunos (FREITAS; GALTER, 2007; ZANARDI, 2016).

No andamento dessa discussão, tornou-se imprescindível a contextualização frente ao adjacente problema de investigação: quais os significados dos nomes de educação integral e de educação de tempo integral, na educação nacional, a partir de Anísio Teixeira e como suas sugestões integraram as políticas públicas educativas? Para atingir o alvo principal de sopesar como esses conceitos permanentemente se fazem presentes no adágio educacional do Brasil assim como para se refletir sobre como esses influenciaram a Instituição escolar de tempo integral atual e as políticas públicas, foi imprescindível recorrer aos documentos de Anísio Teixeira e aos seus baldrames. Eles, portanto, sustentarão e darão forma a este estudo.

A relevância social deste estudo se concentra no fato de que para que as Escolas em Tempo Integral possam ser oferecidas, independentemente da região, é preciso que haja um aumento qualitativo e não quantitativo da jornada escolar diária dos alunos. É preciso, sobretudo, que, nessas horas a mais na escola, os alunos sejam capazes de aperfeiçoar e desenvolver as mais diversas habilidades em todas as áreas do conhecimento, executando, para tanto, desde atividades voltadas aos conhecimentos matemáticos, biológicos, físicos e químicos até as disciplinas filosóficas, culturais, sociais e de linguagem em sua perspectiva ampla (MENEZES, 2012; FREITAS; GALTER, 2007; ZANARDI, 2016). Para isso, a metodologia escolhida propõe uma discussão teórica-descritiva para que a Educação em Tempo Integral seja, efetivamente, compreendida e colocada em prática no país.

1. CONHECENDO A EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL

A origem da prática de iniciativas de educação integral e de escola de tempo integral no país tem o educador Anísio Teixeira como sua basilar referência e estro.  Influenciado pelo aforismo educacional de John  Dewey,  do qual  foi  aluno  na  Universidade  de Columbia,  em  Nova  Iorque,  distribuiu  os  ideais  da  “Escola  Nova”  em contraposição  à  “Escola  Clássica”,  acastelando  uma  educação  que avaliasse o processo educacional a própria vida e não quão preparação para  a sua existência  e  uma  escola  que  se  beirasse  da  realidade  social  dos educandos. Com o objetivo de consolidar a filosofia da Escola Nova, Anísio Teixeira imaginou e construiu o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), em 1952, em Salvador (BA), com a finalidade de instalar um ambiente educacional que revezasse atividades intelectuais e práticas durante o dia todo, composto por “Escolas-Classe” e “Escola-Parque”.

O CECR era composto por quatro “Escolas-classe” destinadas ao “ensino de letras e ciências” e uma “Escola-parque” para atividades sociais, artísticas e esportivas. Todo o complexo tinha a capacidade de atender até 2000 crianças. Os alunos ficavam um turno na Escola-classe e o outro na Escola-parque, num regime de semi-internato (5% dos alunos ficavam em regime de internato). O corpo docente era diferenciado. Segundo EBOLI (1969), professores primários “comuns” para as Escolas-classe e para a Escola-parque, os professores primários eram especializados, em música, dança, teatro, artes industriais, desenho, biblioteca, esportes e recreação. O CECR foi construído num bairro pobre da periferia de Salvador, uma característica constante nos projetos de educação em tempo integral para as camadas populares. Estas por sua vez, de acordo com Paro, enxergam na escola uma “salvação” das suas crianças, entregues aos riscos da criminalidade (FREITAS; GALTER, 2007, p. 129).

Dessa forma, o experimento do CECR, pelo seu pioneirismo, formou-se em um marco e em uma menção para a implantação de ulteriores que se seguiram. Quando foi dirigente do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), em Brasília, na década de 1960, o Anísio Teixeira propôs a edificação de 28 “Escolas-Parque”, porém somente algumas foram realizadas. Para ele, o  conceito de educação integral estava acoplado à ampliação do momento de permanência na  instituição de ensino  e  deveria  apresentar  como  princípio  o  desenvolvimento  integral  da  criança, assim sendo,  era  necessário  partir  com  os  modelos  clássicos  que fundamentavam  as  técnicas  educativas  e, dessa forma,  inventar  uma  escola  que  pudesse abrigar e ensinar seus alunos em tempo integral (TEIXEIRA, 1962).

Segundo o estudo de Gonçalves (2006), o conceito mais tradicional empregado para definir o que é, de fato, a educação integral, considera que o sujeito aprendiz deve ser compreendido de forma multidimensional, e, dessa forma, não se deve focar, apenas, na dimensão cognitiva do aluno, o que implica em entender que esse indivíduo é um sujeito corpóreo, e, então, é um ser que precisa de afeto bem como está inserido em um contexto que o emerge em relações diversas e complexas, o que faz com que se deva entender esse aluno de forma biológica, psicológica e social ao mesmo tempo ao propor tarefas diversas para que ele se aperfeiçoe nas horas a mais que irá permanecer na escola. É apenas dessa forma que a educação integral fará sentido e será eficiente (MENEZES, 2012; GONÇALVES, 2006; ZANARDI, 2016).

Acrescentamos, ainda, que o sujeito multidimensional é um sujeito desejante, o que significa considerar que, além da satisfação de suas necessidades básicas, ele tem demandas simbólicas, busca satisfação nas suas diversas formulações de realização, tanto nas atividades de criação quanto na obtenção de prazer nas mais variadas formas. A aprendizagem acontece desde o nascimento e continua ao longo de toda a vida. Ocorre em diferentes contextos: na família inicial, com os pais; com os pares, na nova família, na escola; em espaços formais e informais (GONÇALVES, 2016, p. 131).

Nesse sentido, esse estudo compromete-se em defender que a educação escolar precisa ser repensada, e, dessa forma, consideramos que as crianças e os alunos precisam ser entendidos de forma completa, o que implica em entender as suas singularidades ao propor tarefas diversas durante toda a jornada escolar. Para isso, é imprescindível que se leve em conta todas vivências e experiências dos alunos (MENEZES, 2012; GONÇALVES, 2006; FREITAS; GALTER, 2007; ZANARDI, 2016). Assim sendo, “o aprender pressupõe a superação de enigmas, algo que desafia o já sabido e que instiga o desejo de superar” (GONÇALVES, 2006, p. 131). Destarte, a apropriação e a ampliação do conhecimento apenas poderão ser colocadas em prática a partir de uma relação entre o local e o global, ou seja, na relação do sujeito com o mundo ao seu entorno.

A concepção integral aparece aqui mais vinculada, a uma questão de formação abrangente de todos os aspectos humanos, e não se referindo especificamente a tempo integral. Porém, seria impossível essa formação nos moldes da escola que foi universalizada no século XX, que chegou a ter até 3 horas diárias de estudo4. Uma formação integral implica em o aluno permanecer mais tempo envolvido com a sua educação, ainda que não seja o tempo todo na escola, pois existem outros espaços em que a sua formação pode ser completada (ginásios, espaços culturais, locais de lazer, etc.) (FREITAS; GALTER, 2007, p. 126).

Nesse contexto, é válido ressaltar que a copiosa contribuição de Anísio Teixeira para a  fundação  de políticas  de  acréscimo  da  permanência  dos  alunos  na  escola  foi bastante expressiva, conforme assevera Cavaliere (2010):  a  forma como o autor concebeu a educação integral e a escola de tempo integral  é  fonte  imprescindível  para  uma  abordagem  do tema  que  se  mantenha orientada  pelo sentido  de  democratização da realidade educacional brasileira (ZANARDI, 2016; GONÇALVES, 2006; COSTA; SILVA, 2019).  Silva (2018), em questão de doutoramento a respeito do tema, confirma a afirmação de Cavaliere (2010) ao afirmar que:

Após realização de pesquisas, tanto em sua obra, quanto em livros e textos que foram escritos sobre  ele  e,  por  fim,  em  trabalhos acadêmicos  sobre  educação  integral,  em  todos  encontramos subsídios  que  nos  permitem  concluir  que  Anísio  Teixeira  é  o  maior idealizador  e,  portanto,  a  maior  referência  na  luta  por  uma educação pública de qualidade, igualitária, laica, de dia inteiro, que vise  a  formação plena  de  nossas crianças  e  jovens  (SILVA, 2018,  p. 74).

Diante dessa experiência, com alento nos pressupostos de Anísio Teixeira, diversas políticas de educação integral e escola em tempo integral constituíram implementação em dessemelhantes contextos e ocasiões históricas no Brasil. Algumas ações representam marcos positivos nas políticas de educação integral assim como a criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), arquitetados por Darcy Ribeiro durante as gestões de Leonel Brizola, em meados dos anos 80. A implantação deste experimento estava regularizada na perspectiva de educação integral  em  dois  pressentidos.

Deve-se educar o discente em todas as suas grandezas e ampliar o período de permanência na instituição para 8 horas habituais. Faria (1991) explica a intensidade e a importância desta tarefa:  (…) os CIEPs tinham desígnios mais abrangentes do que outros das escolas tradicionais de 1º grau.  Além das tarefas específicas próprias a este grau de estudo, os CIEPs teriam papéis mais amplos, como centro comunitário de educação, de cultura e de lazer (MENEZES, 2012).

O texto constitucional determina ainda que o Estado deve garantir a todos “o pleno exercício dos seus direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional” (art. 215), bem como valorização da diversidade étnica e regional. Sob essa perspectiva, a análise da conjunção do ordenamento constitucional até aqui referido possibilita o entendimento de que a Educação Integral constitui-se direito de todos – e de cada um, haja vista a diversidade ser considerada característica primordial e valorativa dos tecidos social e cultural de países (MENEZES, 2012, p. 139).

Atenderiam, pelo meio do programa  de Educação  Juvenil, no turno noturno,  os  jovens  entre  14  e  20  anos  que  não  ganharam escolaridade de  1º  grau na idade  adequada; atenderiam a  equipes  de alunos  de  7  a  14  anos  moradores  nos  CIEPs  (Projeto  Alunos-Residentes) afim  de  completar  a  ausência  de  progenitores  ou  responsáveis e instituiriam  centros  de  cultura  e  lazer  acessíveis  também  à  comunidade em que permanecessem inseridos (MENEZES, 2012; LECLERC; MOLL, 2012). Em 1990, na administração Collor, foram nomeados os Centros Integrados de Atendimento à Criança (CIACs), renomeados por Itamar Franco como Centro de Atenção Integral à Criança (CAICs), posteriormente ao impeachment de Collor.  O objetivo era expandir o tempo de constância dos estudantes no espaço escolar, oferecendo, para tanto, uma instrução em tempo escolar integral.

Não se trata apenas de um simples aumento do que já é ofertado, e sim de um aumento quantitativo e qualitativo. Quantitativo porque considera um número maior de horas, em que os espaços e as atividades propiciadas têm intencionalmente caráter educativo. E qualitativo porque essas horas, não apenas as suplementares, mas todo o período escolar, são uma oportunidade em que os conteúdos propostos podem ser ressignificados, revestidos de caráter exploratório, vivencial e protagonizados por todos os envolvidos na relação de ensino-aprendizagem (GONÇALVES, 2006, p. 132).

Já que a implementação dependia de firma de convênio entre municipalidades e governo federal, o plano, de acordo com Gadotti (2009), “ (…) foi criticado por muitos educadores que o consideraram apenas um  projeto  “promocional”  e  não  pedagógico,  acreditando  que  a distribuição dessas cinco mil novas unidades escolares, pelos Estados e municípios, obedeceria apenas a interesses políticos”. De acordo com Hayashi e Kerbauy (2016):  todas essas experiências nos conduzem até os dias de hoje, com o Projeto Mais Educação, que teve início durante o governo Lula (2003-2010) e persiste durante os mandatos de Dilma Rousseff (2011-2017). O Programa Mais Educação foi constituído em 2007, por meio da Portaria Interministerial nº 17/2007 (BRASIL, 2007), para excitar a jornada integral nas escolas.

Para Moll e Leclerc (2013) a iniciativa é um: “(…) marco setorial de referência, como amálgama de forças que configuram o campo emergente de educação integral em tempo integral.  […]”.  Ligado a isto, a legislação educacional igualmente avançou no ensaio de estimular políticas de ensino integral (COSTA; SILVA, 2019). Dentre outras, pode-se avultar a Lei  de  Diretrizes  e  Bases  da  Educação  Nacional  (Lei  Federal 9394/1996)  que  normatizou  o  oferecimento  progressivo  de  tempo  escolar alargada  no  ensino  fundamental  no  artigo  34  e  o  Plano  Nacional  de Educação (2014/2024), confirmado por meio da Lei nº 13.005, em 25 de junho de  2014, que  colocou  o aumento  do  tempo de  estabilidade na  escola como uma  das  20  fundamentais  metas para  a educação  no Brasil, prevendo  a oferta  de  educação  em  tempo  integral  para  no  mínimo  50%  das  instituições públicas de ensino e  o  atendimento de  ao menos  25%  dos alunos  de  educação básica.

2. A BNCC E A EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL

Um dos principais objetivos propostos e promovidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é a ampliação qualitativa da jornada escolar dos alunos (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010; GONÇALVES, 2006). Nesse sentido, a BNCC e pesquisas que se propõem a discutir a implementação da Educação Escolar no país partem em defesa de que a ampliação da jornada escolar apenas fará sentido se houver, na mesma medida, a ampliação de oportunidades para que os alunos estejam em contato, ao longo dessas horas, com as atividades das mais diversas áreas do conhecimento. É preciso, ainda, que esses alunos sejam expostos a situações adequadas para que explorem as suas habilidades. É um processo fundamental para que a Educação em Tempo Integral seja qualitativa e não, apenas, quantitativa (GONÇALVES, 2006; ZANARDI, 2016).

Em âmbito nacional, a temática da escolarização em tempo integral é retomada a partir da década de 1990, quando o termo “integral” começa a se fazer mais presente na legislação educacional brasileira, como é o caso do princípio de “proteção integral” defendido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. O Estatuto considera a educação um direito fundamental da criança e do adolescente e afirma que a garantia da proteção integral, associada às metas de educar e cuidar, como a principal finalidade da educação, tem em vista a construção da cidadania (BRASIL, 1990). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – segue essa orientação e articula os fins da educação à ampliação progressiva da jornada escolar, com ênfase na formação integral dos estudantes (BRASIL, 1996) (BITTENCOURT, 2019, pp. 1761-1762).

A BNCC defende, ainda, que a parte comum do currículo (aquelas disciplinas que são ensinadas em horário regular) deve caminhar de forma interligada, ou seja, integrada com a parte diversificada do currículo (aquelas atividades e disciplinas que não fazem parte do currículo comum). É preciso, também, desmistificar o estigma de que as duas partes que formam o currículo caminham de forma diferente. Em muitas das vezes há uma hierarquia entre essas duas partes, sendo, a parte diversificada, compreendida, por muitos professores e pela própria direção, como atividades complementares. É preciso que alunos e professores entendam que essas atividades são obrigatórias, visto que a BNCC defende a integração entre a parte comum e a diversificada. Não deve haver hierarquia entre elas (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010).

A partir do momento em que haver a integração entre ambas as partes, os alunos conseguirão aprimorar e aperfeiçoar as suas habilidades, e, dessa forma, o aprendizado será mais significativo e eficiente, e, finalmente, a Educação em Tempo Integral será bem aceita por uma quantidade maior de pessoas (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010). Assim sendo, por meio de um currículo único, ou seja, que integra a parte comum e a diversificada bem como a partir de uma jornada escolar diária de sete horas, atividades mais atrativas, dinâmicas, versáteis e inovadoras devem ser apresentadas aos alunos para que eles aprendam, de forma menos mecânica, os conteúdos das mais diversas disciplinas. Com o aumento qualitativo dessa jornada escolar diária, os alunos não se sentirão tão exaustos e estarão mais receptivos a este tipo de escola.

Defende-se que os currículos voltados a Educação em Tempo Integral não se tratam, apenas, de um processo de aumento de conteúdos e disciplinas que já são ofertados no horário regular. Agindo dessa forma os alunos estarão cada vez menos receptivos e dispostos a aprender, sobretudo em razão do esgotamento físico e mental (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010). É nesse sentido que se enfatiza, neste trabalho, a necessidade de haver um aumento qualitativo da jornada escolar diária desses alunos. Contudo, não basta, apenas, esse aumento qualitativo. Sem instrumentos adequados, ou, ainda, sem a especialização dos professores para lidar com essa modalidade de educação, novamente, essas horas a mais na escola podem não obter resultados satisfatórios no processo de ensino-aprendizagem.

Com os instrumentos necessários, com espaços apropriados, com o entendimento dessas horas a mais na escola como regulares e não complementares e com a especialização dos professores a Educação em Tempo Integral poderá ser mais eficiente em todo o país. Entretanto, deve-se frisar que ela apenas atingirá resultados positivos se atividades diversas, sejam elas da parte comum ou da diversificada, forem dispostas ao longo dessas sete horas diárias. Nesse sentido, os alunos, ao longo dessa jornada, precisam ser expostos a situações e espaços diversos para que esses favoreçam o processo de ensino-aprendizagem. Assim, o principal desafio é fazer com que esses alunos, a partir dessas horas a mais na escola, sejam providos de senso crítico e de um caráter exploratório para que as suas vivências sejam ressignificadas. As atividades devem potencializar essas novas experiências.

É preciso, portanto, que as propostas de aprendizagem voltadas à construção do conhecimento ao longo dessas sete horas diárias na escola sejam capazes de promover o desenvolvimento de múltiplos conhecimentos e saberes das mais diversas dimensões da vida humana (social, cultural, física, química, comunicativa, linguística, matemática, etc) (MENEZES, 2012). Esse desenvolvimento deve tomar forma a partir de atividades promovidas tanto pela parte comum (disciplinas ofertadas em horário regular) quanto pela diversificada (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010). É papel da escola elaborar e executar ações pedagógicas para que essas atividades possam ser colocadas em prática pelos docentes. Assim, deve-se considerar as mais diversas características desses alunos, visto que experienciam situações distintas em sua infância, pré-adolescência, adolescência e juventude.

No que tange ao direito à educação, a Constituição Federal de 1988, além de apresentá-lo como o primeiro direito social (art. 6º), explicita que, na condição de “direito de todos e dever do Estado e da família”, visa o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205), conduzindo à compreensão de que esse direito está associado a uma Educação Integral (MENEZES, 2012, p. 139).

É preciso aludir, ainda, que além das especificidades relacionadas ao contexto no qual a escola se encontra situada é preciso considerar, também, os processos que envolvem o desenvolvimento humano, visto que esses são centrais para que os currículos sejam projetados, e, principalmente, colocados em prática (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010; MENEZES, 2012). Dessa forma, é responsabilidade do MEC a garantia das condições necessárias para que o aprendizado de conhecimentos múltiplos na modalidade da Educação em Tempo Integral seja possível sem se recair, novamente, no entendimento de que essas horas a mais, na escola, são suplementares e não regulares. É preciso considerar as etapas da escolarização e não o que será aprendido a cada ano. Esse processo pode ser favorecido por meio do estabelecimento de um pacto federativo entre estados e municípios para que esses coloquem em prática essa modalidade de educação nas mais diversas regiões.

O principal objetivo da Educação em Tempo Integral compreende a necessidade de transformar esses alunos em cidadãos responsáveis e sensíveis a si, aos outros e ao mundo que o circunda (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010). É fundamental que conhecimentos múltiplos sejam apresentados a esses alunos para que este tipo de educação cumpra o seu objetivo mais primário bem como para que o processo de ensino-aprendizagem seja mais atrativo e dinâmico. É preciso entender, ainda, que o processo de aprender e ensinar, a cada dia, precisa ser reconstruído, visto que cada aluno é único. Ambas as dimensões (ensino e aprendizagem) precisam caminhar de forma simultânea para que os alunos sejam capazes de aperfeiçoar as mais diversas esferas que o constroem enquanto ser humano.

Para que tal objetivo possa ser cumprido é preciso que haja uma seleção de conhecimentos múltiplos a serem ensinados pelos professores (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010). Tal seleção, por sua vez, deve ser feita a partir da reflexão sobre múltiplos pontos de vista e características de cada turma. Assim sendo, deve-se caminhar em busca de um currículo que não seja fragmentado, ou seja, deve-se desprender da ideia de que as horas nas quais esses alunos permanecem a mais na escola são complementares e não regulares. É o primeiro caminho para se evitar a fragmentação do currículo. Ao se chegar a esse objetivo, as habilidades dos alunos serão potencializadas, pelos docentes, de forma mais dinâmica, flexível, versátil e atrativa. Saberes advindos de comunidades próximas a escola também devem ser bem-vindos.

A escola, em sua configuração, deve permitir que outras pessoas aos arredores possam contribuir neste processo de construção do conhecimento. Não se trata de escolher voluntários para trabalhar nas escolas para a viabilização dessas horas a mais. Objetiva-se, com este intercâmbio entre diferentes agentes, potencializar o uso do espaço escolar, considerando, para tanto, as experiências e contribuições daqueles que estão próximos a essa escola. Nesse sentido, entende-se, nesse estudo, que a proposta da Educação Integral deve viabilizar as políticas públicas educacionais gerais que promovem, sobretudo, o desenvolvimento das múltiplas dimensões do conhecimento de forma qualitativa (SILVA, 2018; RODRIGUES, 2016; TRAVERSINI, 2010; MENEZES, 2012; COSTA; SILVA, 2019). É nessa perspectiva que este estudo buscou contribuir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre os diversos assuntos que a educação invoca, a reflexão a propósito da educação integral e de tempo integral faz-se imperativa diante das transformações estruturais que calham na sociedade. Rever a escola e abonar que o conhecimento assim como o saber sistematizado signifique a justificação da sua existência incide pela discussão do que deriva a ser educação integral e, por conseguinte qual a função da escola de tempo integral ao longo da história. De maneira geral, podemos afirmar que a educação integral denota uma ação educativa que envolve volumes variados e abarcantes da formação dos sujeitos. Os vínculos entre instrução escolar, índole, cultura e valores sociais, instauração de cidadania e concepção para o trabalho, constituíram, em determinadas ocasiões insatisfatórias e induziram ao desenvolvimento de sugestões de educação integral

No Programa Mais Educação vislumbra-se a chance de os estudantes poderem gozar um tempo máximo na escola, onde, acoplando os movimentos culturais, os conhecimentos artísticos, os entretenimentos, e a educação científica poderão alcançar a construção de uma técnica cidadã mais equitativa, mais satisfeita e aparelhada para a aquisição de ciências onde poderá alargar suas potencialidades (LECLERC; MOLL, 2012). A Instituição Educacional oferecendo estas probabilidades aos alunos de maneira correta permanecerá mais apta a impetrar uma educação de melhor categoria para formar sujeitos críticos, com probabilidades em suas vidas podendo atingir ao tão sonhado apogeu. Para tanto, é preciso, principalmente, fazer com que essas diárias a mais do aluno na escola sejam prazerosas ao invés de cansativas.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, F. et al. Manifestos dos pioneiros da educação. Recife: Massangana, 2010.

BITTENCOURT, J. Educação integral no contexto da BNCC. Revista e-Curriculum, v. 17, n. 4, p. 1759-1780, 2019.

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 20 mai 2019.

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 29 mai 2019.

BRASIL. Programa mais educação: passo a passo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/passoapasso_maiseducacao.pdf. Acesso em: 25 mai 2019.

CAVALIERE, A. M. Ampliação da jornada escolar nas regiões nordeste e sudeste: sobre modelos e realidades. Disponível em: http://periodicos.ufrn.br/index.php/educacaoemquestao/article/view/4060. Acesso em: 21 jun 2019.

CAVALIERE.  INEP. Rio de Janeiro, 2010.

CERTEAU, M. de. L’ invention du quotidien. Paris: Gallimard, 1990.

CHALITA, G. B. I. Resolução SE nº 89. São Paulo, 2005.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 12ª edição. São Paulo: Ática, 2002.

CUNHA, A. G da. Op. cit., p. 320.

______. Decreto n. 7.083, de 27 de janeiro de 2010. Dispõe sobre o Programa Mais Educação. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2010/decreto/d7083.htm. Acesso em 06 mai 2019.

FERNANDES, F. O; FERREIRA, J. H. Educação em tempo Integral: Novos Desafios para a educação no Brasil. Disponível em: http://www.funedi.edu.br/revista/files/numero3/n3%201semestre2012/7educacaoemtempointegral.pdf. Acesso em: 14 mai 2019.

FERREIRA, A. B. de. H. Op. cit., p. 433.

FREITAS, C. R. de; GALTER, M. I. Reflexões sobre a educação em tempo integral no decorrer do século XX. Educere & Educare, v. 2, n. 3, p. 123-138, 2007.

GADOTTI, M. Educação integral no Brasil: inovações em processo. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009.

GONÇALVES, A. S. Reflexões sobre educação integral e escola de tempo integral. Cadernos Cenpec, n. 2, p. 129-135, 2006.

HAYASHI, M. I.; KERBAUY, M. T. M. A Educação Integral na produção acadêmica de teses e dissertações (2010-2015). Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v.11, n. 2, p. 836-855, 2016.

HEIDEGGER, M. Op. cit., 97-99. Apud NORBERG-SCHULZ, C. Op. cit., p. 10.

LECLERC, G. de. F. E; MOLL, J. Programa Mais Educação: avanços e desafios para uma estratégia indutora da Educação Integral e em tempo integral. Educar em Revista, n. 45, p. 91-110, 2012.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

_____. Manual operacional de educação integral. Exercício 2014. Brasília, DF. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.phoption=com_content&id=16690&Itemid=1113. Acesso em: 24 mai 2019.

MENEZES, J. S. S. Educação em tempo integral: direito e financiamento. Educar em Revista, n. 45, p. 137-152, 2012.

MOLL, J.; LECLERC, J. Diversidade e tempo integral: a garantia dos direitos sociais. Revista Retratos da Escola, v.7, n.13, p. 291-304, jul./dez. 2013.

RODRIGUES, V. A. da. C. A Base Nacional Comum Curricular em questão. Dissertação de Mestrado em Educação – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2016.

SILVA, M. C. G. A educação integral na escola de tempo integral: as condições históricas, os pressupostos filosóficos e a construção social da política de Educação Integral como direito no Brasil. Tese de Doutorado em Educação – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018.

TRAVERSINI, C. S. O desafio de articular a Educação Integral e Integrada com a Base Nacional Comum Curricular (BNC) – parecer sobre o texto preliminar da consulta pública.  2010.  Disponível em:  http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/relatoriosanaliticos/Clarice_Salete_Traversini.pdf. Acesso em 02 set 2019.

ZANARDI, T. A. da. C. Educação integral, tempo integral e Paulo Freire: os desafios da articulação conhecimento-tempo-território. Revista e-Curriculum, v. 14, n. 1, p. 82-107, 2016.

[1] Mestranda em Ciências da Educação.

[2] Orientadora. Mestranda em Letras pela Unesp.

Enviado: Agosto, 2019.

Aprovado: Janeiro, 2020.

5/5 - (1 vote)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POXA QUE TRISTE!😥

Este Artigo ainda não possui registro DOI, sem ele não podemos calcular as Citações!

SOLICITAR REGISTRO
Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita