ARTIGO ORIGINAL
CARVALHO, Débora da Costa [1], TEIXEIRA, André Frazão [2]
CARVALHO, Débora da Costa. TEIXEIRA, André Frazão. Extrema pobreza, crescimento econômico e desigualdade: uma análise econométrica dos 62 Municípios Amazonenses entre 1991 e 2010. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 10, Ed. 01, Vol. 01, pp. 05-24. Janeiro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/economia/extrema-pobreza, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/economia/extrema-pobreza
RESUMO
Tem-se um grande desafio na extrema pobreza enfrentada no Brasil, principalmente após os problemas econômicos enfrentados nos últimos anos. O estado do Amazonas, por sua vez, possui uma média de extremamente pobres muito superior à nacional, mostrando a maior necessidade de enfrentamento desse fenômeno. Nesse sentido, o presente artigo propõe estudar as relações entre a extrema pobreza, o nível de renda (per capita) e a desigualdade (medida pelo coeficiente de Gini) no estado. Para isso foi realizada uma estimação através do modelo econométrico de dados em painel para os dados dos 62 municípios amazonenses nos anos de 1991, 2000 e 2010, disponíveis na PNUD de 2013. Os resultados mostram que as taxas de extrema pobreza e o índice de Gini vêm diminuindo, enquanto a renda per capita média vem aumentando. Além disso, foi estimado que a elasticidade-desigualdade da extrema pobreza é maior que a elasticidade-renda, significando que políticas que visem reduzir a desigualdade terão maior sucesso em reduzir a miséria do que as políticas que foquem no crescimento econômico.
Palavras-chave: Análise econométrica, Desigualdade, Extrema pobreza.
1. INTRODUÇÃO
A formação econômica brasileira, desde suas origens, se deu em contextos de altos níveis de desigualdade e má distribuição de renda e oportunidades (Furtado, 2007), o que reflete até os dias de hoje em muitas pessoas sofrendo com a miséria. O país mostrou-se, nos últimos anos, interessado em reduzir o problema, através de programas de transferência de renda e outras ações afirmativas, como a política de cotas raciais. Porém, com o advento de problemas econômicos enfrentados pelo país, essas melhorias perdem sua força (Barbosa, 2019; Salata e Ribeiro, 2023).
De acordo com o IBGE (2017), seguindo a linha de pobreza do Banco Mundial em 2016, cerca de um quarto da população, ou 52 milhões de brasileiros, estava abaixo da faixa de pobreza no ano de 2016, no qual a recessão econômica foi mais profunda. Essa linha engloba pessoas que vivem com menos de R$ 18,24 por dia, equivalente a uma renda mensal per capita de R$ 387,07. Ainda de acordo com tais dados, a pobreza se concentra principalmente nas regiões norte (onde 43,1% da população estava abaixo da faixa) e nordeste (onde 43,5% da população vive abaixo da linha de pobreza).
No estado do Amazonas, no ano de 2014, por exemplo, havia cerca de 890 mil jovens amazonenses em situação de extrema pobreza (Abrinq, 2015). Enquanto o percentual brasileiro era de 13,5% de extrema pobreza infantil, no Amazonas era de 23,6%. A situação é semelhante no que diz respeito à extrema pobreza total.
Dito isso, este trabalho propõe-se a analisar como a extrema pobreza no estado do Amazonas se relaciona com o nível de renda e de desigualdade, de acordo com dados de seus 62 municípios. Além de relacionar as variáveis entre si, o estudo busca verificar o seu comportamento ao longo das décadas 1990-2000 e 2000-2010.
Tal análise se justifica pela gravidade que é o problema, além dos níveis críticos de sua ocorrência no estado, como já foi apresentado. Os formuladores de políticas públicas, por exemplo, veem-se cada vez mais na necessidade de se utilizar das melhores estratégias possíveis que venham a erradicar o problema sem ser necessário um custo tão alto que seria o de investir em várias políticas distintas e com resultados pouco satisfatórios. Logo, detectar o problema e seu principal causador é primordial para a correta execução de seu enfrentamento.
Para tanto, é utilizada a modelagem proposta por Bourguignon (2003), que avaliou a influência do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a variação na extrema pobreza da população total. São utilizados, para isso, os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil de cada um dos municípios do estado nos anos de 1991, 2000 e 2010. Disso se pode aprender, por exemplo, qual é a elasticidade-renda e a elasticidade-desigualdade da extrema pobreza.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
A ideia seguida neste trabalho é baseada no modelo no qual Bourguignon (2003, 2004) buscou formalizar, mostrando, matematicamente, as relações entre pobreza, crescimento econômico e desigualdade. A ideia do modelo pôde ser levada para uma forma mais intuitiva na figura 1:
Figura 1 – O Triângulo Pobreza-Crescimento-Desigualdade

É importante ressaltar que para o autor a maior dificuldade está não simplesmente em estipular como os níveis de renda e desigualdade afetam a pobreza, mas sim em como as duas variáveis influenciam uma à outra. Pode-se dizer que, por exemplo, caso o crescimento e a desigualdade fossem fortemente relacionados, aplicar políticas em apenas um dos âmbitos (especialmente o de crescimento econômico) seria mais recomendável, por implicar em menor custo, em geral. O maior desafio dos formuladores dessas políticas, então, está em entender inicialmente a relação entre as duas variáveis mencionadas.
Ademais, a importância de trabalhar com a pobreza de forma separada da pobreza infantil se dá na função que representa a segunda. De acordo com a Unicef e o Banco Mundial (2016), as crianças são sempre as mais afetadas pela falta de renda e, se isso acontece, tais indivíduos não têm condições de acumular bom capital financeiro e intelectual para o futuro, o que acaba perpetuando a pobreza.
Anteriormente, o trabalho de Begum, Deng e Gustafsson (2012) realizou estudos na China e em Bangladesh que visavam explicar a extrema pobreza infantil em tais países (e compará-las). Os autores tiveram como resultado que o crescimento econômico pode reduzir a pobreza infantil, mas, de acordo com eles, nem sempre o faz e, para entender as alterações na mesma ao longo do tempo e dos diferentes países, é necessário também considerar mudanças na distribuição de renda infantil assim como da “composição demográfica”. Uma das motivações que os mesmos tiveram foi a de que, segundo eles, a questão de como o crescimento econômico afeta a pobreza ainda está aberta para debate, corroborando com as ideias de Bourguignon.
O presente trabalho se assemelha, a níveis teóricos e metodológicos, ao de Assis (2015) ao estudar os efeitos sobre a pobreza a partir do crescimento da renda e da redução da desigualdade no estado do Ceará. Os resultados mostraram que a pobreza infantil é menos sensível a mudanças nessas variáveis do que a pobreza geral. Dos 184 municípios do Ceará que foram estudados, em apenas 8 obteve-se que a elasticidade-renda média da pobreza (o quanto a pobreza se altera dada uma variação na renda) era maior que a sua elasticidade-desigualdade média (o quanto ela se altera dada uma variação na desigualdade). O estudo constatou também que, em média, políticas de redução da desigualdade teriam maior eficácia em reduzir a extrema pobreza (tanto a total como a infantil) do que políticas visando o crescimento econômico na condução de políticas públicas que tenham esse fim.
Os dados de Assis vão ao encontro da reflexão de Santos (2012) sobre a aplicação de uma política de redução da desigualdade: o Programa Bolsa Família no Brasil. Segundo o mesmo, “os resultados sinalizam que o Programa tem apresentado um efeito positivo sobre os índices de pobreza no Brasil.” O autor reitera, ainda, que as estratégias de redução da desigualdade e de crescimento econômico “não podem ser tomadas como contraditórias e excludentes, mas sim como complementares e essenciais, em função da gravidade do problema”.
Desta forma, faz-se necessário avaliar em que medida tais estratégias estão tendo sucesso na redução da extrema pobreza da população total e infantil dos municípios do estado do Amazonas para compreender a dinâmica entre esses fatores no estado.
3. A EXTREMA POBREZA NOS MUNICÍPIOS DO AMAZONAS
Com base nos dados disponíveis no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, o Amazonas é um dos estados com maiores índices de pobreza do país, ficando atrás apenas de estados como o Maranhão e Piauí. Estão mostrados na Tabela 1 os percentuais de pobreza nos períodos de 1991, 2000 e 2010.
Tabela 1: População vivendo na extrema pobreza – Amazonas – 1991/2010.

Como se pode perceber, entre os anos de 1991 e 2000 não houveram melhorias nos índices de pobreza (o contrário, inclusive, aconteceu com a pobreza infantil, que aumentou) mas, felizmente, o estado começou a caminhar para uma melhoria na década seguinte, com uma queda relativa de 23,63% (total) e 21% (infantil). Baseando-se em todo o período, houve uma queda relativa de 22,07% (total) e 17,34% (infantil). Evidencia-se, dessa forma, uma queda nos níveis de pobreza, porém, o estado continua apresentando taxas altas, se comparadas à do país em 2010: 6,62% (total) e 11,47% (infantil).
Isso é evidenciado por Santos (2014) ao afirmar que a realidade do Brasil nos últimos anos é diferente da experimentada 20 ou 30 anos atrás, a níveis de crescimento do PIB, expansão do emprego formal, aumento real do salário mínimo, políticas de transferência de renda, controle da inflação, matrículas no ensino superior, dentre outros. A redução da extrema pobreza, dessa forma, estaria diretamente associada a tais ações. Porém, de acordo com Carneiro (2005), o Brasil possui uma capacidade de transformar o crescimento econômico em desenvolvimento social menor que a de outros países latino-americanos que possuem uma estrutura econômica semelhante.
Sobre a distribuição espacial da pobreza, esta é heterogênea, com alguns municípios com índices muito altos e outros com índices menores. A mesma realidade foi observada por Assis et. al. (2016) nos municípios cearenses: em 2010, o município de Granja estava com 43,63% da população total na extrema pobreza, enquanto fortaleza apresentava apenas 3,36%.
Os quadros 2 e 3 mostram essa disparidade no Amazonas: os de maiores taxas de pobreza e os de menores no ano de 2010. Pode-se observar, por exemplo, que nos 10 municípios com maiores taxas de pobreza mais de metade das crianças estava vivendo nessa situação, enquanto que nos municípios de menores, apenas o município de Manaus contava com menos de 10% das crianças (e adultos) em tal condição.
Quadro 2: Municípios com maiores níveis de pobreza – 2010

Quadro 3: Municípios com menores níveis de extrema pobreza – 2010

Para início da discussão sobre os efeitos do nível de renda e do índice de Gini sobre a extrema pobreza, a Figura 1 apresenta os gráficos de dispersão das correlações de Pearson das variáveis, o que sugere a avaliação apenas no escopo linear entre as mesmas.
Figura 1: Correlação de Pearson para a taxa de variação nos períodos 1991/2000 e 2000/2010 dos indicadores: taxa de extrema pobreza infantil e total, índice de Gini e renda domiciliar per capita
É possível, por meio de observação da mesma, notar que há uma correlação negativa entre os níveis de renda e a extrema pobreza, tanto total quanto infantil, ou seja, aumentos na renda causam redução no nível de pobreza. Além disso, pelo contrário, pode-se observar que a extrema pobreza tem uma correlação positiva com o índice de Gini, ou seja, quanto maior o nível de desigualdade, maior o nível de pobreza da localidade. Todas as variáveis foram significativas a 1%, o que indica alto nível de correlação entre as mesmas.
4. METODOLOGIA
4.1. DADOS
Este trabalho tem o objetivo de mostrar os determinantes da Extrema Pobreza Total com base nos dados disponíveis no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil que foi elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), realizada em parceria com a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). A amostra são os 62 municípios amazonenses e os dados se referem aos anos de 1991, 2000 e 2010. As variáveis utilizadas são as seguintes:
– Taxa de extrema pobreza total: percentual dos indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou menor que R$ 70,00 mensais, em reais de agosto de 2010, que seriam as pessoas em situação de miséria.
– Taxa de extrema pobreza infantil: percentual de pessoas com até 14 anos de idade que possuem a renda já referida.
– Renda per capita: resultado da divisão entre a renda total dos indivíduos e a quantidade de indivíduos.
– Índice de Gini: medição do grau desigualdade da distribuição de renda per capita dos indivíduos e seu valor varia entre 0 e 1: quanto mais próximo de 1 for, maior é o nível de desigualdade.
Tabela 4: Estatística descritiva das variáveis no período:

Como se pode observar na Tabela 4, que apresenta as estatísticas descritivas de cada variável no período, as duas taxas (total e infantil) médias de extrema pobreza se reduziram ao longo dos anos, o que é um fator positivo. O comportamento do índice de Gini foi o único que apresentou uma piora nesse período (crescendo de 0,56 para 0,62), mostrando que, em média, a distribuição de renda nos municípios ficaram mais desiguais. Sua variabilidade, por outro lado, diminuiu – mostrando que as diferenças entre esse índice nos municípios se reduziu.
Um outro fator a se notar é o aumento das diferenças (desvio-padrão) entre os municípios no que tange o nível de renda, especialmente entre 2000 (R$74,41) e 2010 (R$103,18). Isso é negativo, pois indica que o aumento observado no nível de renda per capita nos municípios aconteceu, mas de forma heterogênea, aumentando a desigualdade regional. A mesma desigualdade se observa nas taxas de pobreza: no ano de 2010, por exemplo, havia município com 55,83% de pobres e outro com apenas 3,75%.
4.2. MODELO ECONOMÉTRICO
Como já apresentado, as variáveis do modelo são a renda per capita, o índice de Gini e as taxas de pobreza total e infantil de cada município, sendo que as duas primeiras variáveis explicam as duas últimas. O modelo de regressão utilizado pode ser observado em Wooldridge (2016) e nos demais autores do tema na forma da equação 1:
Em que é uma constante, mostra a variação na variável explicada dada uma variação na explicativa ( ) e u se refere aos fatores que não estão no modelo mas também impactam na variável. Ainda, mostra cada unidade observada e , cada período observado.
Em relação ao tratamento dos dados para a realização da estimação, foi-se utilizado o modelo de Dados em Painel que, de acordo com Wooldrige (2016), trata-se da observação de “uma série temporal para cada registro do corte transversal do conjunto de dados”, sendo que cada série temporal consiste em um ano (1991, 2000 e 2010) e o corte transversal é cada um dos 62 municípios. Logo, havendo a observação de 62 localidades ao longo de 3 anos, o total de observações do modelo foi de 186. Vale lembrar, ainda, que foram utilizadas as taxas de variação (logaritmo) das variáveis no modelo econométrico aplicado.
A regressão de dados em painel pode ser realizada pelo modelo de efeitos fixos ou de efeitos aleatórios. A técnica de efeitos fixos, como argumenta Assis et. al., “remove u antes da estimação, sendo uma aplicação de Mínimos Quadrados Ordinários sobre os dados transformados”. A técnica de efeitos aleatórios, como se pode deduzir, não realiza tal retirada. A segunda será realizada apenas quando não há muita proximidade entre as variáveis e o erro do modelo pois, assim, este último não impactará de forma significante no resultado da estimação.
É interessante a utilização de dados em painel, segundo Assis, pois isso eleva o nível de informações da amostra e a eficiência, reduz o risco de multicolinearidade (correlação entre as próprias variáveis explicativas, o que torna o modelo defeituoso) e permite ajustamentos mais dinâmicos, entre outros benefícios.
O objetivo principal da realização deste modelo econométrico é obter as elasticidades parciais renda-pobreza extrema pobreza (logo, o quanto a última varia dada uma variação na primeira), mostrada na equação (3) e a elasticidade desigualdade-extrema pobreza, na equação (4). Antes de mostrá-las, mostrar-se-á como ficará configurada a equação (2) de regressão para as variáveis do modelo – já considerando a utilização do logaritmo:
Em que mostra a variação logarítmica da taxa de extrema pobreza, é a variação logarítmica da renda per capita e é a variação logarítmica do coeficiente de Gini. e , como dito anteriormente, tratam-se da elasticidade-renda e da elasticidade-desigualdade da extrema pobreza. Por fim, espera-se que seja negativa pois, ceteris paribus, um aumento na renda causa redução na quantidade de pessoas vivendo em situação de miséria; e que seja positiva, pois um aumento no coeficiente de Gini, ceteris paribus, deve causar aumento na extrema pobreza.
5. RESULTADOS E ESTIMAÇÕES
Nesta seção estão expostos os resultados das estimativas realizadas com base na equação (2). De início, realizou-se uma regressão simples em busca do nível de correlação (pelo modelo de Pearson) entre as variáveis já citadas e a extrema pobreza total, cujos resultados são mostrados na tabela 5:
Quadro 3: Matriz de correlação entre as variáveis do modelo

Pode-se observar, pelo Quadro 3, que a correlação entre a extrema pobreza e a renda é negativa (cerca de -0,83), porém alta. Pode-se dizer, em uma análise inicial, que elas se explicam em cerca 83%. O índice de Gini, por sua vez, é positivo (cerca de 0,35) e sugere que esta variável explica em cerca de 35%, corroborando com o que já foi dito sobre a relação entre essas variáveis.
Tal correlação está sugerindo, então, que a renda explicaria mais a extrema pobreza que a desigualdade. Porém, como já dito, trata-se de um teste superficial. Para melhoria da análise, finalmente, o quadro 4 mostra os resultados das estimações pelo modelo de dados em painel, usando a técnica de efeitos fixos e também a de efeitos aleatórios, por motivos de propor um nível maior de informação sobre os resultados encontrados.
Antes ainda, deve-se observar que na última linha do quadro está o resultado do teste de Hausman que, caso valor p esteja abaixo de 5%, indica que a melhor técnica a ser utilizada é a de efeitos fixos. Caso esse valor esteja entre 5% e 10%, fica a critério do pesquisador definir o melhor modelo; caso esteja acima de 10%, indica que o modelo mais adequado é o de efeitos fixos.
Quadro 4 – Resultados das estimações por Efeitos Fixos e Aleatórios para a Extrema Pobreza Total

Pode-se iniciar a análise observando todos os coeficientes, em ambos os modelos, foram significantes ao nível de 1%, o que pode ser observado em P>t =0 e P>z = 0; e apresentam os sinais de acordo com o esperado.
O resultado do teste de Hausman, que obteve p valor de 0,1011, mostra que a técnica de efeitos aleatórios é a mais adequada para a realização do modelo. A princípio, pode-se achar contraditória essa informação com os R², já que o R² é maior no modelo de efeito fixo (onde a extrema pobreza seria explicada em 95% pelas variáveis independentes) que no modelo de efeitos aleatórios (onde as variáveis explicam em 87% a extrema pobreza). Porém, a explicação lógica é a de que o modelo de efeitos fixos é relativamente mais distante da realidade, já que torna nulas as variações no termo de erro.
Se não foi necessário deixar fixo o termo de erro nesse modelo, então se pode afirmar que os efeitos individuais (erros) de cada município não estavam correlacionados às variáveis. Tal informação pode ser melhor compreendida com a figura 1, que mostra a diferença entre os termos de erro e o valor das observações:
Figura 1: Diferença entre os termos de erro e o valor das observações para o modelo

Pode-se observar, então, que há grande diferença entre as variáveis e a média de erro. Pode-se perceber, ainda, que a cidade de Manaus é a cujos valores chegam mais próximos da média de erros, logo, trata-se de um outlier (o que foi notório ao longo do trabalho, se observadas as diferenças entre essa cidade e as demais.
A estatística Durbin-Watson foi de 2,90, o que significa que o modelo está livre de apresentar o problema de autocorrelação entre as variáveis. Em relação à heterocedasticidade, foram realizados os testes de White e de Bresuch-Pagan/Cook-Weisberg e o modelo não apresentou resultados significativos, o que nos permite aceitar a hipótese nula de ausência de heterocedasticidade.
Então, a partir do modelo e efeitos aleatórios e do quadro 1, pôde-se observar as elasticidades desigualdade e renda da extrema pobreza. A equação, afinal, toma a seguinte forma:
Baseando-se na equação (5), podemos perceber que a elasticidade-desigualdade (1,44) da extrema pobreza é maior que a elasticidade-renda (0,89). Pode-se interpretar da seguinte forma: dado o aumento de 1% no índice de Gini, o percentual de extrema pobreza aumenta em 1,44%. Dado o aumento de 1% na renda, a extrema pobreza cai em cerca de 0,89%. Ambos os resultados são elevados e significativos, então, para realizar variações na extrema pobreza. Vale lembrar que os resultados corroboram com os encontrados por Bourguignon e por Assis.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo quantificar e analisar a evolução da extrema pobreza do estado do Amazonas pelos pontos de vista temporal (ao longo dos anos) e espacial, considerando os aspectos relativos aos 62 municípios amazonenses. Isso foi realizado relacionando tal variável ao nível de renda e de desigualdade e estas, juntamente com a primeira, foram calculadas pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) em parceria com a Fundação João Pinheiro (JFP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para os anos de 1990, 1991 e 2000.
A modelagem utilizada no modelo foi proposta por Bourguignon (2013), quando buscava analisar a relação triangular pobreza-crescimento-desigualdade, que também foi utilizada no trabalho de Assis (2016) ao procurar estabelecer esta relação na realidade do estado do Ceará baseando-se em dados dos seus 184 municípios.
Os resultados obtidos sugerem que a extrema pobreza é muito sensível em relação ao nível de desigualdade dos municípios. Assim, por exemplo, dado um aumento no nível de renda, quanto maior for a desigualdade, menor é a intensidade em que esse aumento da renda transforma-se em uma redução na extrema pobreza. Outra informação importante foi obtida: a elasticidade-desigualdade dos municípios é maior que a elasticidade-renda, logo, é mais fácil retirar pessoas da extrema pobreza reduzindo a desigualdade do que aumentando a renda (como se viu nos resultados da estimação, praticar uma variação de 1% nelas reduz a extrema pobreza em 1,44% e 0,89%, respectivamente).
Esses efeitos se aproximaram mais na cidade de Manaus, e a explicação para isso é o início deste parágrafo associado às informações já dadas sobre a peculiaridade deste município. Como se viu, quanto maior o nível de desigualdade, menor o efeito da renda sobre a extrema pobreza. Como a cidade de Manaus apresentava um índice de desigualdade relativamente baixo, então a eficácia de uma variação na renda acaba sendo um pouco maior, chegando perto da eficácia de uma variação na desigualdade.
Dentro desse contexto, é possível afirmar que, caso no estado do Amazonas haja um maior (ou total) foco na realização de políticas públicas que visem o crescimento econômico, levarão ainda muitos anos para que o problema da miséria ao menos chegue à média nacional, quanto mais seja erradicado. Torna-se, com base nos resultados, visível a extrema importância de se utilizar estratégias que visem a geração de renda com foco nos mais pobres, uma vez que é uma situação na qual é extremamente prejudicial se estar por mais de um pequeno período.
Vale lembrar, ainda, que políticas que visem a redução na desigualdade não se tratam apenas de uma transferência simples de renda, como é a realizada no programa Bolsa Família. Como argumenta Assis et. al. (2012), também são de grande valia programas de microcrédito, melhorias no sistema educacional e de saúde pública e outros instrumentos que são fundamentais para a alteração dessa variável, apesar de que seus efeitos nunca ocorrem no curto prazo. Santos (2014), Lavinas & Varsano (1999) e Barros et. al (2000) corroboram com essa ideia, fazendo críticas a um modelo que consiste em apenas transferência imediata e emergencial de renda.
Fazendo-se menção aos indicadores observados na seção sobre os dados da pobreza nos municípios, podem-se destacar um fator positivo e outros dois negativos. Positivamente, percebeu-se que está havendo redução nas taxas de extrema pobreza (total e infantil) da região. Porém, negativamente, notou-se que a extrema pobreza infantil reduziu-se em menor magnitude que a total, indicando que há maior dificuldade em melhorar as condições de vida das pessoas nessa faixa etária – como foi observado antes, as crianças são muito suscetíveis e não podem viver sob estas condições.
Duas observações realizadas no decorrer da pesquisa são plausíveis de serem sugeridas para um estudo futuro. Primeiro, deve-se lembrar da limitação deste trabalho, já que não verifica totalmente a fundo a relação entre a renda e a desigualdade, antes de se relacionarem à extrema pobreza, como foi feito no trabalho de Assis et. al.(2016). Tal análise é enriquecida e seria se grande melhoria à análise dos municípios amazonenses. Contudo, vale lembrar que, ainda que menos profunda que as análises citadas, esta análise obteve as mesmas conclusões e elasticidades que as observadas pelos mesmos.
A segunda sugestão é a de analisar a taxa de extrema pobreza também em relação à distância entre o município e a cidade de Manaus, que é a mais desenvolvida do estado e, como há várias teorias de aspectos regionais, pode-se sugerir que quanto mais distante o município for da cidade referida, maiores podem ser seus índices de pobreza e desigualdade e menor a sua renda. Isso também pode enriquecer a análise, por poder indicar a falta de políticas públicas no fator logístico.
Por fim, há de se ressaltar a importância dessas informações para os agentes de políticas públicas estaduais, caso objetivem combater a miséria total e a infantil. Políticas responsáveis de transferência direta de renda, de acolhimento infantil, acesso à educação e uma melhor garantia das condições mínimas de vida de um indivíduo podem transformar a vida de muitas pessoas, muito mais do que simplesmente objetivar o crescimento econômico.
REFERÊNCIAS
ASSIS, D. N. C.; MEDEIROS, C. N.; NOGUEIRA, C. A. G. Extrema pobreza infantil, desigualdade e crescimento nos municípios cearenses. XVI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos – XVI ENABER, 2016.
BARBOSA, Rogério Jerônimo. Estagnação Desigual: Desemprego, desalento, informalidade e a distribuição de renda do trabalho no período recente (2012-2019)”. Boletim Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise, nº 67, 2019.
BARROS, Ricardo Paes; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA, Rosane. A estabilidade inaceitável: pobreza e desigualdade no Brasil. Diretoria de Estudos Sociais do IPEA e Departamento de Economia da UFF. Rio de Janeiro, 2001.
BEGUM, S. S.; DENG, Q.; GUSTAFSSON, B. Economic growth and child poverty reduction in Bangladesh and China. Journal of Asian Economics, v. 23, p. 73-85, 2012.
BOURGUIGNON, F. The growth elasticity of poverty reduction: explaining heterogeneity across countries and time periods. In: EICHER, T.; TURNOVSKY, S. (eds.) Inequality and growth, theory and policy implications. Cambridge: The MIT Press, 2003.
BOURGUIGNON, F. The poverty-growth-inequality triangle. Washington, DC: The World Bank, 2004.
BRADBURY, B.; JENKINS, S. P.; MICKLEWRIGHT, J. Beyond the snapshot: a dynamic view of child poverty. In: BRADBURY, B.; JENKINS, S. P.; MICKLEWRIGHT, J. (eds.) The Dynamics of Child Poverty in Industrialised Countries. Cambridge University Press, 2001.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 34ª ed.
GUJARATI, Damodar N.; PORTER, Dawn C. Econometria Básica. Amgh Editora, 2011.
IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais. 2017. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9221-sintese-de-indicadores-sociais.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 19/10/2018.
LAVINAS, L., VARSANO, R. Programa de garantia de renda mínima e ação coordenada no combate à pobreza. Rio de Janeiro: IPEA, 1997 (Texto para discussão, 34).
SALATA, André; RIBEIRO, Marcelo Gomes. Pandemia, desigualdade e pobreza nas regiões metropolitanas brasileiras. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 38, n. 111, 2023.
SANTOS, Luciano Balbino. Assistir ou emancipar: discutindo a pobreza no Brasil. Saarbrucken: Novas Edições Acadêmicas, 2014.
SANTOS, L. B.; MIRANDA, R. B.; MOREIRA, T. B. S. A pobreza no Brasil e as estratégias de superação. Revista de Economia e Agronegócio, vol 10, nº 3, set/dez, pp. 359-395, 2012.
WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. São Paulo: Cengage Learning, 2016.
NOTA
Nosso relatório identificou a presença de inteligência artificial para correção gramatical e ortográfica. No entanto, o autor informou que não a utilizou. Os autores se responsabilizam pelo material.
[1] Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos. ORCID: 0009-0007-3075-6908. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9069023535748915.
[2] Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos (Universidade Estadual de Campinas). ORCID: 0000-0002-7942-3633. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9410136771427091.
Material recebido: 23 de dezembro de 2024.
Material aprovado pelos pares: 31 de dezembro de 2024.
Material editado aprovado pelos autores: 09 de janeiro de 2025.