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A influência das relações internacionais nos tratados de paz da primeira e segunda guerras mundiais

RC: 114603
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

SOARES, Pedro Henrique Silva [1], STIVAL, Mariane Morato [2]

SOARES, Pedro Henrique Silva. STIVAL, Mariane Morato. A influência das relações internacionais nos tratados de paz da primeira e segunda guerras mundiais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 05, Vol. 05, pp. 77-91. Maio de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/tratados-de-paz

RESUMO

Nos séculos passados, a guerra foi utilizada como alternativa para a tomada de decisões de diversos impérios. Ela era vista como meio necessário para que prevalecesse o interesse da maioria. Ao fim de cada guerra, eram realizados acordos internacionais com o intuito de reestruturar a ordem mundial, bem como promover a efetivação de pactos de não agressão. Nesse contexto, surge o Direito Internacional, para auxiliar na tutela dessas medidas de paz, atuando como um instrumento para a adoção de soluções livres de controvérsias. Assim, nascem os Tratados Internacionais, cujo propósito é a adoção de mecanismos mais favoráveis a não utilização da força, viabilizando um equilíbrio que preserve as Relações Internacionais para uma sociedade consolidada em bases pacíficas. Ante ao exposto, o presente artigo visou responder: as Relações Internacionais influenciaram nos tratados de paz da Primeira e Segunda Guerras Mundiais? Portanto, tem-se como objetivo analisar e compreender a influência que as Relações Internacionais tiveram no fim da Primeira e Segunda Guerras Mundiais e as repercussões para o cenário internacional durante o pós-guerra. Para isso, adotou-se como metodologia a revisão bibliográfica de artigos e livros pertinentes ao tema. Por fim, concluiu-se que a definição de um novo modelo estrutural mundial através das Relações Internacionais e os eventos bélicos, foram responsáveis por construir entre os Estados uma base harmônica estabelecida sobre o princípio da não-agressão, mesmo ante a períodos hostis e dentro de uma estrutura agressora.

Palavras-chave: Tratados Internacionais, Paz mundial, Direito Internacional, Relações internacionais.

1. INTRODUÇÃO

A convivência de diferentes povos e culturas geram confrontos que podem ser considerados naturais. Nesse cenário, a guerra pode-se tornar um fenômeno comum nas relações entre estes Estados, pois ela atua como um mecanismo de proteção dos interesses das muitas hegemonias. Entretanto, verifica-se que, por inúmeras vezes, ela se demonstrou um meio descontrolado que visava somente a consolidação de resultados.

Diante dessa realidade, a paz passa a ser considerada um fenômeno atípico nas Relações Internacionais, porém é necessária para a sobrevivência da sociedade (GONTIJO, 2018).

Ao se analisar os eventos da humanidade, são perceptíveis os resultados, as consequências e os reflexos das guerras na estrutura normativa onde os Estados encontram-se inseridos. Consequentemente, verifica-se que novos valores e princípios passam por reformulação e dão lugar a novos conceitos internacionais no período pós-guerra e que estas realidades foram sendo modificadas por meio de Tratados Internacionais, que definiram regras mútuas de não agressão, adotando meios pacíficos como forma de doutrinar as Relações Internacionais. Esse movimento acontece desde a antiguidade e trata-se de algo contínuo e formador de normativas a serem vivenciadas em todo o mundo (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Esta evolução contribuiu significativamente para o desenvolvimento das Relações Internacionais norteadas para a construção de uma ordem mundial que não utilizasse força como primeira opção na resolução de seus conflitos (PEDRÃO, 2012).

Ante ao exposto, tem-se o entendimento de que os tratados pós-guerras são imprescindíveis para a produção de valores pacíficos e devem ser assegurados pelos Estados dentro das bases jurídicas igualitárias das Relações Internacionais (MAGNOLI, 2004).

Portanto, faz-se necessário a análise de importantes guerras e seus tratados posteriores que reconstruíram as bases jurídicas e políticas da sociedade de Estado, bem como modificaram o comportamento dos atores internacionais após ciclos ininterruptos de violência e mortes nos campos de guerra, uma vez que são inúmeras as normas convencionais disponibilizadas que tratam da convivência entre os Estados, tornando possível a adoção de normativas que proibissem o uso de qualquer forma do uso da força na solução de conflitos.

Nesse contexto, o presente estudo visa demonstrar a reconstrução do ordenamento jurídico internacional perante o sistema de equilíbrio de poder após a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, evidenciando a onda principiológica para a positivação da proibição ao recurso do uso da força. Sendo assim, tem-se como problemática a seguinte questão: as Relações Internacionais influenciaram nos tratados de paz da Primeira e Segunda Guerras Mundiais?

Para responder essa problemática o objetivo do artigo é analisar e compreender a influência que as Relações Internacionais tiveram no fim da Primeira e Segunda Guerra Mundial e as repercussões para o cenário internacional durante o pós-guerra. Como objetivos específicos tem-se: Descrever os desacertos deixados ao fim da Primeira Guerra Mundial que levaram a eclosão da Segunda Guerra; avaliar o papel dos atores internacionais reguladores da paz e sua importância para a Sociedade Internacional; Analisar a importância do Tratado de Paz no cenário internacional e sua contribuição para o período pós-guerra. Para isso, adotou-se como metodologia a revisão bibliográfica.

Por conseguinte, o presente trabalho abordará os registros destes documentos convencionais com o intuito de demonstrar de que forma ocorre a reconstrução do ordenamento jurídico internacional, com equilíbrio de poder após o término de períodos de guerra, sendo responsáveis pela formação de uma onda principiológica para a afirmação da proibição do uso da força.

2. OS CONFLITOS INTERNACIONAIS E SUA HISTORICIDADE

Entende-se por conflito internacional todo desacordo sobre determinado direito ou fato, podendo apresentar contradição ou oposição às normativas jurídicas ou de interesse entre os Estados. O conceito de conflito internacional foi formulado pela Corte Internacional de Justiça no ano de 1924, evidenciando que não é necessário que o conflito tenha consequências graves, podendo ser retratado nos desacordos manifestados sobre a compreensão de normas internacionais entre os Estados (REZEK, 2008).

Para Clausewitz (1984), a guerra se define como um choque de vontades antagônicas que se armaram para se contraporem, diferenciando cada evento bélico pelos atos de força, qualidade do oponente e o objetivo político que se buscava.

De acordo com Magnoli (2009), o sistema internacional por natureza não é pacífico. Mesmo que os Estados não estejam em constantes lutas, há pontos de tensão isolados que podem levar a instabilidade da paz e segurança.

Nesse contexto, inserido na seara do Direito Internacional referente aos conflitos armados, o chamado “jus in bello” era uma opção lícita conferida para a resolução de conflitos entre Estados. Enquanto o “jus ad bellum”, era o direito de recorrer à guerra quando esta fosse precedida de motivos justos que a justificassem (SALOMÃO, 2012).

Em consonância, Vitoria (2006), afirma que a guerra na Idade Média era uma prática presente no cotidiano das Relações Internacionais e tida como o único meio viável para não prejudicar o interesse de um grupo ou Estado. Essa realidade não desapareceu totalmente em decorrência da imposição da concepção sobre a conduta dos Estados com base na noção de impérios formados por territórios espalhados pelo mundo, sendo a defesa realizada através da guerra (CALAFATE, 2012).

Portanto, verifica-se que até o fim do século XIX, a união dos Estados para realização da guerra nas Relações Internacionais era considerada lícita, sendo justificada pela defesa da soberania. As primeiras limitações ocorreram somente na segunda metade do século XIX e início do século XX (SALOMÃO, 2012).

Nesse período, os Estados entenderam que mesmo havendo esse direito à guerra, ainda assim era necessário que houvesse limitações jurídicas através de convenções internacionais, com o intuito de limitar ações dos combatentes durante os conflitos (HOBSBAWM, 2012).

Nesse cenário, os Regulamentos de Haia de 1907 foram positivados após os acontecimentos envolvendo bombardeios aos portos marítimos da Venezuela pela Itália, Alemanha e Inglaterra em 1902, forçando o país a honrar o pagamento das dívidas contratuais existentes. Frente a isso, celebrou-se, então, a Convenção Drago-Porter, com o intuito de impedir que a cobrança de dívidas ocorresse de forma coercitiva. Em decorrência dessas normativas, o governo dos EUA solicitou que, durante a Conferência de Paz a ser realizada em Haia em 1907, houvesse um conjunto de normas limitadoras dos atos militares dos Estados quando fosse necessário (SALOMÃO, 2012).

As Convenções de Haia são reconhecidas devido a importância de suas regras que codificaram normas costumeiras já reconhecidas e aceitas. Sendo assim, reconheceu-se, também, o teor costumeiro pelos Estados que não participaram de sua elaboração e assinatura (HOBSBAWM, 2012).

No mesmo contexto, surgiram as Convenções de Genebra em 1949, representando um importante conjunto de leis internacionais e impondo limites aos efeitos e condutas dos combatentes em guerras, visando proteger indivíduos que não estivessem participando dos combates, uma vez que até então havia somente leis que protegiam os soldados (MAGNOLI, 2009).

Para tapar a lacuna referente à proteção da população civil, a IV Convenção foi elaborada para cuidar das consequências das guerras, inclusive durante uma ocupação territorial militar, disciplinando os deveres do Estado considerado Potência Ocupante (HOBSBAWM, 2012).

Esta realidade mundial levou a um estudo sobre as Teorias Clássicas da guerra, pois se constatou que a condução da guerra é influenciada devido às inovações dos exércitos, armamentos, táticas e estratégias (MAGNOLI, 2009).

3. TEORIA E OS TRATADOS DE PAZ

A relação entre os Estados, no contexto internacional, se baseia na instabilidade ocasionada pela convivência e interação de diferentes interesses políticos de núcleos estatais diferenciados entre si. Esta instabilidade, assim como a existência de conflitos entre eles, é natural. A escolha da guerra, portanto, se baseia na observação do grau de desenvolvimento estatal e humano nas Relações Internacionais. Sendo assim, verifica-se que a paz é uma exceção na sociedade internacional (HOBSBAWM, 2012).

De modo a contradizer a historicidade da conduta estatal na utilização da guerra como forma de satisfazer os interesses políticos e militares, surgiu, então, os ideais de não agressão, como por exemplo: o Tratado de Kadesh, que objetivou fomentar a paz entre o Egito e Hititas durante várias décadas, sendo considerado um tratado eficaz que preservou o território e a política do Estado (PEDRÃO, 2012).

A concepção da teoria de paz de Kant (2004), é considerada visionária no contexto das Relações Internacionais onde predominam as teorias do realismo político.

Na contramão do que é pregado pelo realismo, a concepção kantiana visa o alcance da fórmula pacífica, onde tem-se a ideia de uma federação de Nações iniciada pela união dos Estados europeus buscando a manutenção da paz. O objetivo de Kant era conceber uma estrutura que fosse capaz de possibilitar uma união internacional, eliminando as guerras resultantes de jogos políticos. Seu ideal era não aceitar a guerra como meio lícito, mas como fator responsável pela destruição dos esforços humanitários em criar um futuro com mais harmonia. O projeto de paz não poderia, portanto, ser efetivado de modo isolado, onde a união de Estados seria ideal para a criação de um ordenamento jurídico baseado na não violência (KANT, 2004).

Nesse cenário, a “Paz Perpétua” somente seria possível sob o prisma de contratos internacionais que materializassem uma federação de nações. Portanto, a paz tornou-se uma conquista utópica na evolução da sociedade internacional, devido ao contexto natural das instabilidades provocadas pela convivência e defesa de interesses por parte dos Estados. Desta forma, os movimentos pela paz se tornaram necessários para preservar o Estado (SALOMÃO, 2012).

Sendo assim, em consonância ao exposto e ante ao contexto histórico, verifica-se que após o findar do ciclo destruidor de guerras, os acordos firmados definem a nova estrutura da ordem internacional, possibilitando novos princípios norteadores das relações e políticas internacionais dentro da balança de poder, ocorrendo, portanto, a reestruturação da sociedade internacional e resultando em diversos tratados de paz (MAGNOLI, 2009). Ademais, verifica-se que este objetivo começou a se concretizar com o surgimento da Liga das Nações e das Nações Unidas no século XX, a fim de preservar a segurança internacional na união de Estados.

4. A LIGA DAS NAÇÕES E O TRATADO DE VERSALHES NO SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA INTERNACIONAL (1919)

4.1 OS 14 PONTOS DE PAZ DE WILSON

Com o findar da Primeira Guerra Mundial, os Estados considerados vencedores realizaram em Paris uma Conferência de Paz (1919), buscando estabelecer diversas medidas referentes à situação da Alemanha e um plano de paz, que fora idealizado por Woodrow Wilson, Presidente norte-americano (MAGNOLI, 2004).

Inicialmente, o plano de Wilson não apresentava nenhum tipo de revanche contra a Alemanha e seus aliados. No entanto, a França e o Reino Unido defendiam que a punição do governo alemão era necessária devido às perdas em decorrência da guerra (SARFATI, 2005).

Segundo Carr (2001), o plano de Wilson era utópico e tinha como base a crença de que a paz mundial se estabeleceria caso as questões internacionais não fossem resolvidas por diplomatas e políticos vinculados aos Ministérios das Relações Exteriores. Ainda, segundo o autor, as questões relativas à paz deveriam ser designadas a cientistas descompromissados com seus próprios ideais e, que, por isso, estudariam as questões mais profundamente em busca de uma solução mais democrática e não tendenciosa.

Os 14 pontos de Paz de Wilson, em seu 14º item, previam a formação de uma organização internacional atuante na segurança internacional. Sendo assim, sob o princípio da segurança coletiva, nasceu o Pacto da Liga das Nações, onde os Estados membros possuíam o dever de promover o equilíbrio da paz internacional (SARFATI, 2005).

Entretanto, é válido ressaltar que a Liga das Nações não teve o intuito de proibir a guerra, mas sim impedir sua utilização como primeira opção, caso viesse a ocorrer uma ruptura entre os membros que pudesse desencadear uma guerra (PEDRÃO, 2012).

Visando esse fim, foi estabelecido o limite ao recurso à guerra através da moratória, que impunha o recurso à guerra do modo seguinte:

Art. 12. Todos os Estados membros da Sociedade concordam em que, se entre eles surgir uma controvérsia suscetível de produzir uma ruptura, submeterão o caso seja ao processo de arbitragem ou a uma solução judiciária, seja ao exame do Conselho. Concordam, também, em que não deverão, em caso algum, recorrer à guerra, antes da expiração do prazo de três meses após a decisão arbitral ou judiciária, ou o relatório do Conselho (LAWINTER, 2007, s.p.).

4.2 O TRATADO DE VERSALHES

Em 1919, durante a Conferência de Paris, foram realizados inúmeros debates para elaborar o Tratado de Versalhes, que veio a ser composto por: medidas a serem tomadas contra a Alemanha e Turquia; o desenvolvimento de uma segurança coletiva internacional dentro de uma organização universal; e o estabelecimento de um sistema de Mandatos para administrar as províncias do Oriente Médio, antes ocupadas pelos otomanos (MAGNOLI, 2004).

Ele impôs medidas unilaterais e divergentes dos propósitos pacíficos à Alemanha, aplicando diversas sanções que tinham o intuito de atribuir: a culpa pelo desencadear da guerra e a responsabilidade de arcar com as reparações financeiras e perdas territoriais durante o período de guerra (PEDRÃO, 2012).

O traço hegemônico do Direito Internacional pode ser visto no Tratado de Versalhes e durante a elaboração do Sistema de Mandatos, regulado pelo artigo 227 do Pacto da Liga das Nações, pois esta foi baseada no pensamento europeu do início do século XX, estando associado ao voluntarismo que já dominava o ordenamento jurídico internacional. Nele era possível observar o privilégio de relações de Estados considerados mais fortes, após os eventos de Vestfália, enaltecendo a soberania estatal e a proteção exclusiva ao Estado e aos seus interesses (SALOMÃO, 2014).

Uma das intenções do Sistema de Mandatos foi o reconhecimento pelos vencedores de que o governo dos turcos teria sido ruim para seus súditos, que se encontravam nos Bálcãs e Oriente Médio e, em decorrência desse fator, este perderia o controle sobre seus territórios, segundo Margaret MacMillan (2004).

4.3 O SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA INTERNACIONAL

A Liga das Nações foi a primeira organização internacional inserida num contexto mundial de voluntarismo internacional e com o sistema de alianças militares (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Com a vitória dos aliados, houve o incentivo de institucionalizar a nova configuração de poder na figura da Liga, mesmo havendo imposição da paz pelos vencedores e a garantia dessa situação pelo sistema de paz coletiva, especialmente como um meio promover o monitoramento e combate dos ideais da Revolução Bolchevique de 1917 (MAGNOLI, 2004).

Nesse contexto, os artigos 10, 11 e 16 da Liga da Paz trazem o conceito de segurança coletiva, de acordo com o texto:

Cada Estado membro se compromete a respeitar e preservar a integridade territorial de todos os Estados membros […] Qualquer ato ou ameaça de guerra contra um membro da Liga ou não, ela deverá agir de forma sábia para proteger a paz das nações […] Se qualquer Estado membro recorrer à guerra, será considerado ato de guerra contra todos os membros que se comprometeram a retaliar este ato por sanções e usar de forças militares para proteger os membros da liga (SALOMÃO, 2012, p.54).

Entretanto, verifica-se que com a criação deste sistema há uma ruptura na balança de poder das potências da época. Não havia relação de Versalhes com a eficiência do Congresso de Viena em 1815, quando houve a intenção de reestruturar a Europa, em bases menos revanchistas, pois o colonialismo mundial foi aumentado com Versalhes, e como exemplo disto, podemos citar o Sistema de Mandatos. Por fim, ressalta-se que a finalidade de Versalhes era punir no aspecto econômico, territorial e militar (KISSINGER, 1994).

Ante ao exposto, entende-se que a fragilidade da segurança coletiva da Liga da Paz era resultado da falta de mecanismos hábeis que obrigassem os Estados membros violadores a obedecerem às regras do Pacto da Liga. Os mecanismos de sanção frágeis foram remediados imediatamente quando criada as Nações Unidas (PEDRÃO, 2012).

5. O ACORDO BRIAND-KELLOG SOBRE A RENÚNCIA À GUERRA (1928)

Posteriormente à Primeira Guerra, era necessário, novamente, pensar na adoção de medidas jurídicas eficazes com o intuito de coibir o desencadear de guerras nas Relações Internacionais.

Nesse contexto, ao idealizar, em 1928, o Tratado bilateral de Renúncia à Guerra entre EUA e França, também conhecido como Pacto de Paris ou Pacto Briand-Kellogg, Aristide Briand e o Chanceler francês Frank Kellogg, tiveram a intenção de formalizar a interdição ao recuso à guerra, posteriormente ampliado pela Carta da ONU restringindo toda forma de agressão internacional (SARFATI, 2005).

O Pacto de Paris tratava-se de um tratado aberto ilimitado, que tinha o objetivo de impedir a utilização arbitrária do jus ad bellum pelos Estados na primeira metade do século XX posterior às consequências da Primeira Guerra. A adesão ao Pacto contou com diversos Estados, incluindo Japão e Alemanha. Essa regra é descrita no artigo 1º do Pacto de Paris, que dispõe:

Art. 1º. As Altas Partes contratantes declaram solenemente, em nome dos respectivos povos, que condenam o recurso à guerra para a solução das controvérsias internacionais, e à ela renunciam como instrumento de política nacional nas suas mútuas relações (BRASIL, 1934).

O objetivo do tratado foi proceder à renúncia à guerra através da política internacional, com o intuito de que não fossem rompidas as relações pacíficas entre os Estados. Ao levar em consideração a predominância do voluntarismo na época, percebe-se que esse foi um desafio utópico. No entanto, não foi impeditivo de que essa normativa levasse à intenção das partes do Pacto, estimulando outros Estados a aderirem a ele, tornando a renúncia à guerra um novo valor frente à sociedade internacional (SARFATI, 2005).

Conforme Vauthier (2008), a falha do Pacto de Paris pode estar relacionada a ausência de previsão de mecanismos de sanção e a privação dos benefícios do referido tratado aos Estados violadores. Outra lacuna observada foi a não proibição à guerra, mas a sua condenação como meio de solucionar controvérsias e instrumento de política internacional.

Com o fim da Primeira Guerra, houve uma onda armamentista que acabou prejudicando a renúncia à guerra por parte dos Estados que tinham interesse em proteger seu território contra novos conflitos, levando o Pacto de Paris a ser ineficaz e resultando na Segunda Guerra Mundial (HERZ; HOFFMANN, 2004).

No entanto, o principal avanço deste tratado foi a criação de um costume e princípio internacional de não utilização da guerra e, até mesmo, da interdição de recursos destinados a ela nas Relações Internacionais, levando a ampliação de seu conceito pela Carta da ONU no artigo 2º, §4º, onde ficou determinada a interdição completa da utilização da força. Posteriormente, houve a adoção destes princípios por organizações internacionais (MAGNOLI, 2004).

6. A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E A INTERDIÇÃO AO USO DA FORÇA (1945)

No início de 1943, antes do fim da Segunda Guerra, já eram realizadas articulações entre as potências da época, com o intuito de elaborar um plano de ação para reestruturar o mundo no pós-guerra. Nessa ocasião, Stalin se associou a Roosevelt e Churchill, em Teerã, para discutir temas referentes à formação de uma nova organização universal que fosse capaz de fazer com que os Estados membros cumprissem suas determinações. Além disso, propôs-se a formação de um conselho composto por potências, pois entendeu-se que este seria ideal para que o objetivo de manter a paz fosse alcançado. Após isso, em 1945, em Yalta, na Crimeia, ocorreu um novo encontro onde ficou determinada a divisão da Alemanha, a concessão da parte da Polônia para a União Soviética e criação da Organização das Nações Unidas (ONU) (MAGNOLI, 2004).

Ademais, verifica-se que a existência da ONU é fruto de instrumentos convencionais anteriores, como: a Conferência de Paris de 1919, o Tratado de Versalhes em 1920 e o Pacto da Liga das Nações em 1922. Além disso, a natureza pacífica em que foi criada a ONU, tem relação direta com o idealismo wilsoniano, bem como com a paz perpétua idealizada por Kant (CARR, 2001).

Segundo Norman Davies (2006), nesse contexto já havia as rivalidades entre EUA e União Soviética, evidenciando pontos de ruptura entre os dois países na medida em que se era demonstrado o interesse em comum na Europa e no mundo.

Esse contexto histórico é, então, tido como pano de fundo para a Carta de São Francisco, que foi embasada na interdição a qualquer forma de agressão, estabelecendo que as controvérsias seriam resolvidas por meio pacífico, conforme descrito pela Conferência de Paz de Haia em 1899 e incluído no artigo 2º, §3º da referida Carta (FERNANDES, 2006).

Sendo assim, houve a priorização de um valor que já havia sido estabelecido anteriormente, associado ao reconhecimento vestfaliano da igualdade entre os Estados. A resolução pacífica acordou a inserção dessa alternativa nas Relações Internacionais do novo sistema de segurança pós-guerra, agora com o objetivismo do Direito Internacional ao qual o pacta sunt servanda sustentaria a base de efetividade dos acordos internacionais e do próprio Direito Internacional (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Com isso, houve a tentativa de reparar as lacunas do Pacto da Sociedade das Nações, que não previa a defesa de métodos pacíficos para resolução de controvérsias, fazendo a inserção de recurso à guerra como escolha aos Estados após o período moratório de três meses (HERZ; HOFFMANN, 2004).

Tendo em vista a instabilidade constante nas Relações Internacionais, mesmo nos períodos de paz, torna-se necessária a manutenção de meios pacíficos com o intuito de que as rivalidades políticas entre os Estados, especialmente quando o direito à autodeterminação dos povos, não sejam manifestadas através da guerra.

Associada à regra de resolução pacífica, a proibição da utilização da força tem sua efetividade objetivista no artigo 2, §4º da Carta das Nações Unidas, dentro da nova estrutura do Direito Internacional moderno, permitindo, por exceção, a utilização da força para os casos de necessidade de legítima defesa individual ou de terceiros, presente no artigo 51 (DINSTEIN, 2004).

Essas disposições, formam a base para o novo sistema internacional, onde as regras normativas de interdição à guerra e outras formas de uso discricionário da força, são um novo traço de um imperativo internacional.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 O Direito Internacional, assim como toda a evolução da sociedade internacional, se viu na necessidade de elaborar novos dispositivos que fossem hábeis a construir uma nova estrutura internacional através da criação de princípios de interdição à guerra e outros tipos de agressão.

Por muito tempo, a guerra foi utilizada como meio de resguardar interesses dos Estados, no entanto perdeu o controle na tentativa de se criar um ambiente para a consolidação de seus resultados. Nesse contexto, inúmeros Tratados Internacionais modificaram a realidade com o intuito de definir regras mútuas de não agressão e utilizando meios pacíficos com o objetivo de estabelecer diretrizes nas Relações Internacionais.

O intuito deste trabalho foi evidenciar a influência das Relações Internacionais nos tratados de paz da Primeira e Segunda Guerra Mundiais, sendo possível constatar que mesmo com a guerra inserida no contexto da sociedade internacional, os tratados de paz e as normas convencionais elaboram diretrizes para uma convivência harmônica entre os Estados, tornando possível a proibição do uso da guerra e das formas de força para conseguirem os objetivos desejados.

Sendo assim, retomando a questão norteadora deste estudo, que visou responder, se as Relações Internacionais influenciaram nos tratados de paz da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, concluiu-se que a definição de um novo modelo estrutural mundial através das Relações Internacionais e os eventos bélicos dos últimos 500 anos, foram responsáveis por construir entre os Estados uma base harmônica estabelecida sobre o princípio da não-agressão, mesmo quando em tempos hostis e dentro de uma estrutura agressora.

As bases jurídicas resultantes das normas convencionais dos períodos posteriores às guerras possibilitam a edificação de meios favoráveis à construção de uma segurança coletiva firmada num espaço jurídico baseado no diálogo e no propício da existência de uma estabilidade na convivência harmônica de diversos Estados, fazendo do sonho utópico da paz uma realidade cada vez mais próxima dentro da dogmática internacional, levando em consideração dos resultados sofridos nas duas Guerras Mundiais do Século XX.

REFERÊNCIAS

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CALAFATE, Pedro. Da origem popular do poder ao direito de resistência. Doutrinas políticas no Portugal do século XVII. Lisboa: Esfera do Caos, 2012.

CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise 1919-1939. Uma introdução ao estudo das Relações Internacionais. Trad. Luiz Alberto Figueiredo Machado. Brasília. Editora da Universidade de Brasília. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2ª ed., 2001.

CLAUSEWITZ, Carl Von. On war. Princeton: Princeton University Press, 1984.

DAVIES, Norman. Europe at War 1939-1945: No Simple Victory. London: Pan Books, 2006.

DINSTEIN, Yoram. Guerra, Agressão e Legítima Defesa. Trad. Mauro Raposo de Mello. São Paulo: Manole, 2004.

FERNANDES, Jean Marcel. A promoção da paz pelo direito internacional humanitário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006.

GONTIJO, Pedro Augusto Costa. Os tratados internacionais comuns e a proteção da confiança. 2018. 347 fls. Dissertação (Programa de pós-graduação em Direito) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais.

HERZ, Mônica Herz; HOFFMANN, Andrea. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. In: RANGER, Terence (Orgs.). A invenção das tradições. Tradução Celina Cardim Cavalcante. 7. reimp. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morais. Lisboa: Edições 70, 2004.

KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon & Schuster, 1994.

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MAGNOLI, Demétrio. Relações Internacionais: teoria e história. – São Paulo: Saraiva, 2004.

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REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008.

PEDRÃO, Fernando Cardoso. A Política das Relações Internacionais. Curitiba: Appris, 2012.

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SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

VAUTHIER, Paulo Emílio. Carta de São Francisco, artigo 2º. Comentário à Carta das Nações Unidas/Organizador: Leonardo Nemer Caldeira Brant. Belo Horizonte: CEDIN, 2008.

VITORIA, Francisco de. Os índios e o direito da guerra. Unijui, 2006.

[1] Graduando do curso de Relações Internacionais. ORCID: 0000-0002-4271-0284.

[2] Orientadora. ORCID: 0000-0001-8710-6630.

Enviado: Maio, 2022.

Aprovado: Maio, 2022.

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Pedro Henrique Silva Soares

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