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Uma Teoria da Justiça de John Rawls: Crítica e Defesa Feminista

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CONTEÚDO

GOMES, Agusta Antônia [1]

GOMES, Agusta Antônia. Uma Teoria da Justiça de John Rawls: Crítica e Defesa Feminista. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 05. Ano 02, Vol. 01. pp 57-145, Julho de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo abordar algumas críticas à teoria da justiça de John Rawls. Nele será apresentada a Teoria da Justiça de Rawls e os dois princípios de justiça. Será analisado o respeito aos direitos fundamentais, especialmente o direito à liberdade e à igualdade, o princípio de igual oportunidade e o princípio da diferença.  Após a análise dos fundamentos da teoria de Rawls, apresentaremos algumas considerações de Susan Okin e Martha Nussbaum sobre o liberalismo político. As considerações serão relativas a separação entre esfera pública e privada, além da inclusão ou não da família na estrutura básica da sociedade. A partir de críticas e considerações das autoras citadas, serão utilizados os princípios da justiça para falar sobre os direitos das mulheres. No caso das mulheres, considera-se que Rawls defende que a estrutura institucional da sociedade deve garantir as bases sociais para o auto-respeito, para que os indivíduos se valorizem e se reconheçam como dignos. Nesse sentido, serão analisados os princípios da liberdade, da igual oportunidade e da diferença, a fim de avaliar se eles conseguem responder às demandas feministas de autonomia e do auto-respeito.

Palavras-chave: Rawls, Justiça, Feminismo, Auto-Respeito, Autonomia.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta alguns elementos da crítica feminista à teoria da justiça de John Rawls, bem como uma tentativa de defesa dessa teoria do ponto de vista feminista. Analisarei centralmente as críticas de Susan Moller Okin (1946-2004) e Martha Nussbaum (1947–).

Susan Moller Okin foi uma pensadora feminista que abordou criticamente o liberalismo político, e cuja teoria destaca-se como uma das contribuições feministas de maior impacto nos debates contemporâneos sobre justiça. Martha Nussbaum, por sua vez, debruçou-se sobre a teoria de John Rawls, mostrando suas vantagens e desvantagens para o movimento de mulheres e para a pretensão feminista de igualdade e libertação.

O primeiro capítulo trata da Justiça como equidade, entendida como uma teoria contratual, que obtém seus princípios a partir de um contrato hipotético realizado na posição original. Serão analisados principalmente os princípios da justiça como base para o auto -respeito.

O segundo capítulo apresenta alguns elementos da crítica feitas por Susan Okin a John Rawls, apresentando as posições centrais de Okin sobre o silêncio deste sobre a justiça na família. Em sua crítica, publicada no Livro Justice, Gender and the Family, de (1989), Okin aborda questões relativas a divisão sexual do trabalho doméstico, que, por sua vez estimulam o descaso existente com o direito à liberdade de participação das mulheres em outras esferas da vida. Okin (2008) propõem que se considere a separação entre a esfera pública e a privada como um dispositivo na reprodução de dominação na esfera social.

No terceiro capítulo, analisaremos a possibilidade dos princípios de John Rawls darem conta de algumas reivindicações feministas. Utilizaremos textos de Martha Nussbaum para que, entendidos numa perspectiva de gênero, possam ser capazes de buscar liberdade e igualdade de gênero como elementos que respeitam as diferenças e constroem a equidade de gênero. Utilizaremos como exemplo o caso das mulheres no Timor Leste. Para tanto, apresentaremos argumentos a respeito de gênero, em relação à dominação de poder do Estado e às desigualdades de direitos, entre eles, o direito de propriedade. As mulheres dos países em desenvolvimento não recebem a mesma consideração se comparadas aos homens, sendo urgente a implementação de uma formação educacional que ajude as mulheres a se desenvolverem intelectual e profissionalmente, para que deixem de serem vistas através da ótica de uma história colonialista, patriarcal, racista e sem interação social.

No Terceiro Mundo, as mulheres tornam-se grupos marginalizados, que não estão na estimativa como sujeitos que têm direitos a defender e oportunidades iguais a dos homens. Embora existam leis constitucionais que garantam e defendam os direitos de cada cidadão, na prática alguns países ainda apresentam altos índices de violência contra as mulheres. No Timor-Leste, formado por uma cultura patriarcal, alguns homens não oferecem às mulheres condições favoráveis, como, por exemplo, permitir que elas estudem a fim de construírem uma posição social igualitária, pois consideram que suas esposas devem ficar cuidando da casa e dos filhos. Por isso, as feministas, através de posições pessoais e políticas, debatem de que forma o movimento feminista precisa rediscutir a questão da separação das esferas pública e privada.

2. JUSTIÇA COMO EQUIDADE

Poucas obras de filosofia política da contemporaneidade têm recebido tanta atenção como a Teoria da justiça de John Rawls, a qual apresenta o conceito de justiça como equidade. A obra Uma Teoria da Justiça de Rawls, publicada em 1971, abre espaço para revitalizações dos estudos da filosofia política no século XX.

Conforme John Ralws explicita no início de Uma Teoria da Justiça, o objetivo de sua teoria é “apresentar uma concepção de justiça que se generaliza e eleva a um nível mais alto de abstração a conhecida teoria do contrato social conforme encontrada em Locke, Rousseau e também Kant” (RAWLS, 2008, p.13). A noção de contrato social em sua teoria possui significado diferente da sua utilização pelos filósofos do contratualismo político do século XVII.

Devemos ter presente que o Rawls é um neo-contratualista, assim, não se deve pensar a justiça social como um contrato original que tem por finalidade inaugurar determinada sociedade ou estabelecer uma forma específica de governo. Pelo contrário, a ideia norteadora de sua teoria é a de que os princípios de justiça para uma estrutura básica da sociedade devem constituir objeto de acordo. São esses os princípios que pessoas livres e racionais, interessadas em promover seus próprios interesses, aceitariam em uma situação inicial de igualdade como definidores das condições fundamentais da sua associação (RAWLS, 2008, p. 14).

Esses princípios devem reger todos os acordos subsequentes, especificando o tipo de cooperação social que se podem realizar e as formas de governo que podem ser instituídas (RAWLS, 2008, p.14). John Rawls define justiça como equidade da seguinte maneira:

Na justiça como equidade, a situação original de igualdade corresponde ao estado de natureza da teoria tradicional do contrato social. Essa situação original não é naturalmente tida como situação histórica real, muito menos como situação primitiva da cultura. É entendida como situação puramente hipotética. (RAWLS, 2008, p.14)

Para obter os princípios de justiça, presume-se que os participantes do experimento se situem por detrás de um véu de ignorância. Assim, eles desconhecem as consequências que as diversas alternativas podem ter sobre a situação de cada um e são obrigados a avaliar os princípios apenas com base em ponderações gerais. Os contratantes, na posição original, desconhecem o lugar que ocuparão na sociedade regrada pelos princípios de justiça escolhidos.

Ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua classe ou seu status social, e classe, nem status social; e ninguém conhece a própria sorte na distribuição de recurso ou dotes e de recurso e capacidade naturais, sua inteligência, e força, de gênero. Ninguém conhece também a própria concepção de bem, as particularidades de seu projeto racional de vida, nem mesmo as características especiais de sua psicologia especial. (RAWLS, 2008, p.15)

Os princípios de justiça são escolhidos por trás de um véu de ignorância, diante do qual todos estão em situação semelhante e ninguém pode propor princípios que favoreçam sua própria situação.  Rawls defende que as escolhas racionais e morais tornariam os princípios da justiça mais justos. Por isso, na formulação de tal concepção, Rawls aplica uma certa tolerância em relação à noção pública da justiça, que deve ser política, e não metafísica. A partir de um contrato hipotético na posição original, Rawls obtém seus dois princípios da justiça como resultantes de um acordo. São eles:

Primeiro princípio: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdade para todos.

Segundo princípio: as desigualdades econômicas e sociais devem ser dispostas de modo a que tanto: (a) se estabelecem para o máximo benefício possível dos menos favorecidos e que seja compatível com as restrições do princípio de poupança, justa; (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições da igualdade equitativa de oportunidade. (RAWLS, 2008, p.376)

Desse modo, partindo da posição original onde as partes se encontram sob um véu ignorância, chega-se ao objetivo de Rawls: demonstrar que os princípios de justiça defendidos por ele são os únicos que podem nos levar a um sistema de liberdade e igualdade na estrutura, posições e cargos de uma sociedade.

2.1 SOCIEDADE BEM ORDENADA

Na elaboração de sua teoria de justiça, Rawls enfatiza ser a justiça a virtude primeira das instituições sociais, assim como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem o bem-estar de toda a sociedade pode desconsiderar.

Por isso, a justiça nega que a perda de liberdade de alguns se justifique por um bem maior desfrutado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a poucos sejam contrabalançados pelo número maior de vantagens de que desfrutam muitos. Portanto, numa sociedade justa, as liberdades de cidadania igual são consideradas irrevogáveis; os direitos garantidos pela justiça não estão sujeitos à negociação política nem de interesses sociais (RAWLS,2008,p.4)

Essas proposições expressam enfaticamente que a perda da liberdade de alguns não pode ser trocada, nem pelo bem-estar de toda sociedade. O sistema de cooperação social, ainda que baseado em conflitos, deve ser marcado pelo benefício mútuo.

Um sistema de cooperação criado para promover o bem dos que dele participam. Embora a sociedade seja um empreendimento cooperativo que visa ao benefício mútuo, está marcada por um conflito, bem como uma identidade, de interesses. Há identidades de interesses porque a cooperação social torna possível uma vida melhor para todos do que qualquer um teria se dependesse apenas dos próprios esforços. Há conflito de interesses porque ninguém é indiferente no que se refere a como são distribuídos os benefícios maiores, produzidos por sua colaboração, pois, para atingir seus fins, cada um prefere uma parcela maior a uma parcela menor desses benefícios. (RAWLS,2008,p.5)

Há necessidade de um conjunto de princípios para escolher entre os diversos modos de organização das agências sociais que definam essa divisão de vantagens, selando um acordo acerca das parcelas distributivas apropriadas. Esses princípios são os princípios da justiça social que atribuem direitos e deveres às instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e dos encargos da cooperação social.

Rawls caracterizou a sociedade bem-ordenada como sendo aquela que é moldada para promover o bem de seus membros e regulada de forma efetiva por uma concepção pública de justiça. Assim é uma sociedade na qual todos aceitam e sabem que os outros aceitam o mesmo princípio de justiça, e as instituições sociais básicas atendem, e se sabem que atendem, a esses princípios (RAWLS, 2008, p. 560). A justiça como equidade está estruturada para estar de acordo com essa ideia da sociedade. As pessoas presentes na posição original devem supor que os princípios escolhidos são públicos e, assim, devem avaliar essas concepções da justiça, tendo em vista suas prováveis consequências quando adotadas como padrão universalmente reconhecido para todos.

Digamos que uma sociedade bem-ordenada não é apenas aquela que foi planejada para promover o bem de seus membros, mas, sobretudo, aquela que é, de fato, regulada por uma concepção pública da justiça. Isto quer dizer que se estabelecem vínculos de uma convivência cívica. Além disso, há outros problemas sociais fundamentais, especialmente, os da coordenação, da eficiência e estabilidade.

Rawls (2008) afirma que para atingir uma sociedade bem ordenada, não somente quando foi planejada para promover o bem de seus membros, mas também quando é realmente regulada por uma concepção pública da justiça, é necessário que:

(1.) Todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios da justiça. (2). As instituições sociais fundamentais geralmente atendem, em geral, se sabe que atendem a esses princípios. Nesse caso embora seus membros possam fazer exigências mútuas excessivas, eles não obstante reconhecem uma perspectiva comum da qual suas reivindicações podem ser julgadas. Se as inclinações dos seres humanos para o interesse próprio tornam necessário a vigilância mútua, seu senso público de justiça lhes permite uma associação segura. (RAWLS,2008,p.5)

Esta condição citada acima depende do ensinamento de Rawls sobre como imaginar uma concepção pública da justiça como algo que constitua a carta fundamental de uma associação humana bem-ordenada. É claro que as sociedades existentes raramente são bem-ordenadas. Neste sentido, o que é justo e injusto está sempre em discussão.

Mourão enfatiza que:

Com relação à primeira característica da sociedade bem-ordenada, cabe ressaltar que para a justiça como equidade não é necessário que as partes comunguem uma mesma concepção de bem, mas tão somente que aceitem publicamente uma mesma concepção política de justiça para regular a estrutura básica da sociedade. (MOURÃO, 2010, p.8).

Quem defende concepções distintas de justiça concorda que as instituições são justas quando não fazem distinções arbitrarias entre pessoas na atribuição dos direitos e dos deveres fundamentais, e quando as leis definem um equilíbrio apropriado entre as reivindicações das vantagens da vida social que sejam conflitantes entre si.

Os homens concordam com essa descrição de instituições justas, contato que as ideias de distinção arbitrárias e de equilíbrio apropriadas, que estão contidas no conceito de justiça, estejam abertas para que cada membro ou cada indivíduo vá interpretar segundo os princípios da justiça social que aceita.  (RAWLS, 2008, p.6)

Essa diferença entre o conceito e as concepções de justiça não resolve nenhuma questão importante. Simplesmente se deve procurar uma solução para ajudar e identificar qual é o papel dos princípios da justiça social. Uma sociedade bem-ordenada também é regida por sua concepção pública de justiça. Esse fato implica dizer que as pessoas têm um desejo forte de agir conforme o que exigem os princípios da justiça. Presume-se que uma sociedade justa resiste ao mesmo tempo em que sua instituição é justa conforme definida pelos princípios da justiça. Esses arranjos institucionais impulsionam as pessoas a adquirirem um correspondente senso de justiça, o que preserva a sociedade. Rawls deixa claro que a estabilidade é uma característica desejável das concepções morais, e deve ser definida, também, com relação à justiça da estrutura básica e à conduta moral dos indivíduos.

De outra forma:

O estabelecimento da concepção de justiça não implica que as instituições e práticas da sociedade bem justa não se alterem, presume-se que tal sociedade conterá grande diversidade e adotara ordenações diferentes de tempo em tempos. Neste contexto, a estabilidade significa que as instituições se modificam, ainda permanecem justas ou aproximadamente justas, pois são feitos ajustes em sua razão de novas circunstâncias sociais. Ou desvios inevitáveis da justiça são efetivamente corrigidos ou mantidos dentro dos limites toleráveis pelas forças internas do sistema. Essa força supõe que o senso de justiça comum a todos os membros da comunidade tenha um papel fundamental no sentido morais são necessariamente para garantir a estabilidade da estrutura básica no tocante a justiça. (RAWLS, 2008, p.565)

Na ausência de certo grau de concordância a respeito do que seja justo e injusto está claro que é mais difícil para os indivíduos coordenarem seus planos de maneira eficiente, a fim de garantirem que acordos mutuamente benéficos sejam mantidos. A desconfiança e o ressentimento corroem os vínculos da civilidade, e a suspeita e a hostilidade tentam as pessoas a agir de maneira que evitariam em outras circunstâncias. Assim embora o papel característico das concepções de justiça seja especificar os direitos e os deveres fundamentais, e definir as parcelas distributivas apropriadas, o modo como determinada concepção o faz fatalmente influi nos problemas das eficiências da coordenação e da estabilidade.  (RAWLS, 2008, p.7).

2.2 ESTRUTURA BÁSICA COMO OBJETO DA JUSTIÇA

Rawls afirma que o objeto primeiro de sua Teoria da Justiça é a estrutura básica da sociedade. Com a ideia fundamental da estrutura básica de uma sociedade bem-ordenada, apresentar-se-á a justiça como equidade no modo como foi indicado nas palavras do autor.

O objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam quando a lei define um equilíbrio apropriado às reivindicações das vantagens da vida social de correntes da cooperação social. Por instituições mais importantes pode-se vislumbrar a constituição política e os principais acordos econômicos e sociais. (RAWLS, 2008, p.8)

Essa estrutura básica da sociedade possibilita entender melhor o modo de distribuição dos direitos e dos deveres, bem como das vantagens da cooperação social. Rawls considera que as instituições mais importantes da estrutura básica são a constituição política e os principais acordos econômico-sociais. São essas instituições que apontam a concepção política e a ordem econômico-social. É assim que a proteção jurídica da liberdade de pensamento e da liberdade de consciências, os mercados competitivos, a propriedade privada dos meios da produção e a família monogâmica podem ser citados como exemplos de instituições sociais importantes (RAWLS, 2008, p.8).

O objeto primeiro dos princípios da justiça social é a estrutura básica da sociedade, a organização das principais instituições sociais em um esquema único de cooperação. Esse princípio da justiça deve reger atribuição de direitos e os deveres dentro dessa instituição e definir a distribuição apropriada dos benefícios e dos encargos da cooperação social.

Por instituições, entendo um sistema público de normas que definem cargos e funções com seus direitos e deveres, poderes e imunidade etc. Essas normas especificam que certas formas de ação são permissíveis e outras proibidas e quando ocorrem transgressões. Como exemplos de instituições ou, de forma mais geral, de práticas sociais, ou sistema de propriedade, podemos considerar as instituições de duas maneiras;

(…) Em Primeiro lugar, como um objeto abstrato, ou seja, como uma forma possível de uma conduta expressa por um sistema de normas. Segundo, como a efetivação dos atos especificados por essas leis no pensamento e na conduta de certa pessoa em determinado momento e lugar. (RAWLS, 2008, p.66)

Há uma ambiguidade, portanto, quanto ao que é justo ou injusto: as instituições tal como são realizadas ou as instituições tal como um objeto abstrato que precisa melhorar que é a instituição realizada e administrada com eficácia e imparcialidade que é justa ou injusta. A instituição, enquanto um objeto abstrato, é justo ou injusto no sentido de que qualquer efetivação dela seria justa ou injusta.

Assim, as instituições são definidas por determinado sistema de normas ou por uma família de tais sistemas, para permitir variações (RAWLS, 2008, p. 66). A família é assim comparada às igrejas e às universidades e sindicatos, pois estão submetidas a exigências que provém indiretamente das instituições, no fundo justas, dentro das quais associações e grupos existem e que restringem a conduta de seus membros.

Assim, e conforme exposto por exemplo:

Embora as igrejas possam excomungar hereges, não podem queimá-los, tal exigência tem objetivo garantir a liberdade de consciência.  As universidades não podem cometer certas formas de descriminação. Essa exigência objetiva ajudar a estabelecer a igualdade equitativa de oportunidade. Os pais (mulheres assim como os homens). São cidadãos iguais e tem direitos básicos e iguais, entre os quais os direitos de propriedade, eles têm de respeitar os direitos dos seus filhos (futuro do cidadão) e não podem, por exemplo, privá-los de cuidado médicos essenciais. Além disso, para estabelecer a igualdade entre homens e as mulheres no tocante ao trabalho na sociedade, a preservação de sua cultura e à sua reprodução ao longo do tempo, são necessárias disposições especiais nos direitos de família (e sem dúvida também em outros âmbitos) para que o encargo de alimentar, criar e educar filhos não recaia mais pesadamente sobre as mulheres, prejudicando assim sua igualdade equitativa de oportunidade. (RAWLS, 2003, p.14-15)

Essa questão citada acima indica que:

Não se deve presumir de antemão que princípios que são razoáveis e justos para a estrutura básica da sociedade sejam, também, para as instituições, na prática social em geral. Embora os princípios de justiça como equidade imponham limites a esses arranjos sociais da estrutura básica da sociedade e das associações e formas sociais que nelas existem, essas são governadas, cada uma, por princípios distintos devido ao fato de que seus objetivos e propósitos diferem em sua peculiar natureza e exigência singular. (RAWLS 2003, p. 15)

A justiça como equidade para Rawls é uma concepção política, não geral de justiça. Aplica-se primeiro a estrutura básica e considera outras questões de justiça local. Assim, como questão de justiça global (que denominou direitos dos povos), exige considerações de mérito independentes.

Rawls denominou os princípios da justiça que devem ser seguidos diretamente por associações e instituições da estrutura básica da sociedade como sendo princípios de justiça local. Ao todo são, de dentro para fora, três níveis de justiça.

Primeiro, a justiça local (o princípio que se aplicam diretamente as instituições e associações). Segundo, a justiça doméstica (os princípios que se aplicam a estrutura básica da sociedade) e, por fim a justiça global (os    princípios que se aplicam ao direito internacional) (RAWLS, 2003, p.15-16).

A justiça como equidade de Rawls, que é citada acima, estendendo-se para fora, para o direito dos povos, e para dentro, para a justiça local. De modo geral, os princípios da estrutura básica coagem, mas não determinam por si só os princípios adequados de justiça local.

Na justiça como equidade de Rawls, uma concepção política geral como a da justiça não deve ser aplicada diretamente à família, mesmo que ela faça parte da estrutura básica. Uma vez que a família para Rawls é uma instituição que está orientada pelos valores morais e a política pelas definições de pessoas que determinam uma sociedade pelos seus princípios da justiça.

Por isso, as instituições garantem os direitos básicos e de liberdade e oportunidade equitativas para todos os seus membros, e precisam fazer uma especificação pelos direitos fundamentais de cidadão, estes que também são membros de famílias e de outras associações.

Essa distinção permite uma vida interna livre e fundada, entre as associações e a família, porque a família como parte de estrutura básica não pode violar essa liberdade ou a ordem das instituições sociais em um esquema de cooperação. Por isso, no desenvolvimento de justiça para Rawls, a família é vista como instituição de geração e procriação, pois ao atribuir-lhe o papel de educação moral aos cidadãos, é o exemplo principal de instituição de educação moral e preocupação em relação ao bem dos seus filhos.

2.3 DOIS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA

Rawls define seus dois princípios da justiça como segue:

Primeiro princípio: cada pessoa deve ter direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdade para todos

Segundo princípio: as desigualdades econômicas e sociais devem ser dispostas de modo a que tanto: (a) seja estabelecido para o máximo benefício possível dos menos favorecidos e que seja compatível com as restrições do princípio de poupança, justa; (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições da igualdade equitativo de oportunidade, (principio diferença) (RAWLS, 2008, p.72).

Esses princípios se aplicam em primeiro lugar à estrutura básica da sociedade, regem atribuição de direitos e deveres e regulam a distribuição das vantagens sociais e econômicas. O primeiro princípio tem precedência sobre o segundo. Assim, distinguimos entre os aspectos do sistema social que definem e garantem as iguais liberdades fundamentais e os aspectos que especificam e estabelecem as desigualdades sociais e econômicas. Desse modo, é essencial observar as liberdades fundamentais que figuram em uma lista. Dentre elas tem importância:

A liberdade política (o direito ao voto e a exercer cargo público), e a liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de pensamento; a liberdade individual, que compreende a proteção contra a opressão psicológica, a agressão e a mutilação (integridade das pessoas), o direito à arbitrarias, segundo o conceito de estado de Direito. O primeiro princípio estabelece que essas liberdades devem ser iguais. (RAWLS, 2008, p.73)

O segundo princípio se aplica, em primeira análise, à distribuição de renda e riqueza e à estruturação de organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e responsabilidade. Embora também a distribuição de renda e riqueza não precise ser igual, deve ser vantajosa para todos e, ao mesmo tempo, os cargos e depois dentro desses limites, dispondo as desigualdades sociais e econômicas de modo que todos se beneficiam delas. (RAWLS, 2008, p.74).

Os princípios de justiça devem ser dispostos em ordem lexical, e, portanto, só se podem restringir as liberdades básicas em nome da própria liberdade. Existem dois casos:

(a) uma liberdade menos extensa deve fortalecer o sistema total de liberdade partilhado por todos.

(b) uma liberdade desigual deve ser aceitável para aqueles que têm menor liberdade. (RAWLS, 2008, p.376)

Por fim, com relação ao segundo princípio, a distribuição de renda e riqueza deve ser compatível tanto com as liberdades fundamentais quanto com a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos da sociedade justa. Os dois princípios são de teor bem específico, e sua aceitação se ampara em certas suposições que, por fim, terei de tentar explicar e justificar. Por ora, devemos observar que esses princípios são um caso especial de uma concepção de justiça mais geral que se pode expressar da seguinte maneira;

Todos os valores sociais, liberdade e oportunidade, renda e riqueza e as bases sociais, do auto-respeito devem ser distribuídos de forma igual, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos. (RAWLS, 2008, p.75)

Podemos dizer que a injustiça se constitui, simplesmente, por desigualdades que não são vantajosas para todos. Essa concepção é muito vaga e requer que, por outro lado, também pensemos que nem todas as desigualdades podem ser consideradas injustas. Nesse ponto é relevante que consideremos que as diferenças não devem ser ignoradas, mas ao contrário elas precisam ser respeitadas com a nossa consciência.

No segundo princípio da justiça, Rawls reconheceu as desigualdades sociais e econômicas previsíveis na estrutura básica. Isso significa:

Que deve ser razoável para cada indivíduo representativo relevante definido por essa estrutura, quando cada qual a considera um empreendimento bem-sucedido, preferir suas perspectivas com as desigualdades as suas perspectivas sem elas. Não se permite que diferenças de renda riqueza ou em posições autoridade e responsabilidade sejam justificadas com base no argumento de que as desvantagens daqueles que se encontram com uma posição não contrabalançadas pelas vantagens maiorias de outros que se encontram em outra posição. (RAWLS, 2008, p.78)

Observamos que na concepção geral do segundo princípio da justiça, Rawls sustenta  cidadania igual, cada cidadão tem direito para disputar oportunidades de forma equitativa, para cargos tanto públicos quanto políticos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade, posição social e quaisquer outras formas de discriminação, ainda que se respeitem as desigualdades, na medida em que representem o maior benefício possível aos cidadãos menos favorecidos da sociedade.

Para tanto, diz-se que a igualdade equitativa de oportunidades exige não só que cargos públicos e posições sociais estejam abertos no sentido formal, mas que todos tenham uma chance equitativa, de ter acesso a eles. Para especificar a ideia de chance equitativa, dizemos: supondo que haja uma distribuição de dons naturais, aqueles que têm o mesmo nível de talento e habilidade e a mesma disposição para usar esses dons deveriam ter as mesmas perspectivas de sucesso, independentemente de sua classe social de origem, a classe em que nasceram e se desenvolveram até a idade da razão. Em todos os âmbitos da sociedade, deve haver praticamente as mesmas perspectivas de cultura e realização para aqueles com motivação e dotes similares. (RAWLS, 2013, p.241-242).

Observa-se que Rawls não se refere em sua obra diretamente às desigualdades das mulheres, mas que as desigualdades sociais existem porque têm uma função e essa função é de ordem econômica de modo geral. Desse modo, precisa-se completar os dois princípios da justiça, liberdade e igualdade, com o princípio da diferença para que possamos eliminar certos problemas que afetam os membros da sociedade, inclusive as mulheres.

De outra forma, Costa observa que:

Todos devem ter o igual acesso à oportunidade, o que não significa que, necessariamente, todos desejarão o mesmo cargo. Sendo assim, o que importa é que todos tenham a mesma condição de acesso. Esses princípios compõem a estrutura da justiça distributiva Rawlsiana, a qual deve conter como requisitos básicos da universalidade, publicidade, finalidade, entre outros. A ideia basal desse segundo princípio é lidar com os bens primários, quais sejam, a distribuição de riquezas e o acesso a cargos de autoridade e responsabilidade para todos os cidadãos da sociedade bem ordenada (well-ordered society). (COSTA, 2015, p.175).

Ainda sobre o segundo princípio: as desigualdades econômicas e sociais devem ser dispostas de modo:

(a) que se estabeleçam para o máximo de benefícios possíveis para os menos favorecidos e que seja compatível com as restrições do princípio de poupança justa, como (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades. (RAWLS, 2008 p. 376)

Rawls esclarece o que significa a igualdade equitativa de oportunidades, que não se restringe a uma abertura formal aos cargos públicos e posições sociais, mas a uma efetiva chance de ocupá-las:

Para tanto, diz que a igualdades equitativas de oportunidade exigem não só que cargos públicos e posições sociais estejam abertos no sentido formal, mas que todos tenham uma chance equitativa de ter acesso a eles. Para especificar a ideia de chance equitativa dizemos supondo que haja uma distribuição de dons naturais, aqueles que têm o mesmo nível de talento e habilidade e a mesma disposição para usar esses dons deveriam ter as mesmas perspectivas de sucesso, independentemente de sua classe social da origem a classe em que nasceram e se desenvolveram até a idade da razão. Em todos os âmbitos da sociedade deve haver praticamente as mesmas perspectivas de cultura e realização para aqueles com motivos e dotes similares. (RAWLS, 2003, p.61-62)

Dessa forma, para Rawls, a distribuição inicial é regulada pelos arranjos implícitos na concepção das carreiras abertas aos talentos conforme foi definida anteriormente. Esse arranjo pressupõe um ambiente de liberdade igual, conforme especificado pelo primeiro princípio da justiça. Essa forma permite que a distribuição de recursos e acesso aos cargos e posições seja resultado cumulativo desses fatores arbitrários.

Uma igualdade formal, de oportunidade nas quais todos tenham pelo menos direitos de acesso a todos as posições sociais, exceto à medida que isso for necessário à distribuição inicial de recurso em qualquer período de tempo sofrera forte influência de contingências naturais e sociais.  (RAWLS, 2008, p.87)

Essa aplicação do princípio demonstra que as partes na posição original aceitam esse princípio para checar a eficiência de arranjos econômicos e sociais. A distribuição de bens ou um sistema de produção será ineficiente quando houver meios de melhorar ainda mais a situação de alguns indivíduos sem piorar a de outros.

Percebemos que para Rawls, especificamente, presumindo-se que haja uma distribuição de dotes naturais, os que estão no mesmo nível de talento e capacidade devem ter mesmas perspectivas de êxito, seja qual for seu lugar inicial no sistema social.

Em todos os setores da sociedade deve haver perspectivas mais ou menos iguais de cultura e realizações para todos os que têm motivação e talentos semelhantes. As expectativas dos que tem as mesmas capacidades e aspirações não devem sofrer influência da classe social, a que pertencem. Interpretações liberais dos dois princípios procurar atenuar para influenciar das contingências sociais, e do acaso natural sobre as parcelas distributivas, (RAWLS, 2008, p.88)

Esta questão é importante para as condições dos bens estruturais e fundamentais dentro do sistema social, desde o arranjo de mercado livre, das instituições políticas e jurídicas que regem as tendências gerais, até aos acontecimentos econômicos, que precisam preservar as circunstâncias sociais para necessariamente assegurar a igualdade de oportunidade.

Dessa forma podemos recordar a importância de se manterem oportunidades iguais, de educação para todos. A oportunidade de adquirir cultura e qualificação não deve depender da classe social e, portanto, do sistema educacional, seja ele público ou privado, devendo destinar-se a demolir as barreiras entre as classes.

Chega-se à interpretação democrática para estabelecer, em termos equitativos, a cooperação social, conforme a combinação do princípio da igualdade equitativa de oportunidades com o princípio de diferença.

A estrutura básica de instituições exigidas pela liberdade igual e pelas igualdades equitativas de oportunidade, as expectativas mais elevadas dos que estão em melhor situação serão justas se, e somente se, fizeram parte de um esquema que eleve as expectativas dos membros mais favorecidos da sociedade. A ideia intuitiva de que ordem social não deve instituir e garantir as perspectivas mais atraentes dos que estão em melhor situação, a não ser que seja vantajoso também para os menos afortunados. (RAWLS, 2008, p. 91).

Rawls postula que o princípio da diferença representa distribuições, o que é uma concepção fortemente igualitária no sentido de que se deve preferir uma distribuição igualitária que beneficie a todas as pessoas. A fim de preparar o caminho para isso, Rawls salienta que no sistema de igualdade democrática no princípio das diferenças há alguns aspectos da concepção de justiça.

Em primeiro lugar podemos observar que o princípio da diferença dá algum peso às ponderações especificadas pelo princípio de reparação. Em segundo lugar, neste princípio, as igualdades imerecidas exigem reparação, e como as desigualdades de berço e de talentos naturais são imerecidas, devem ser compensadas de algumas formas. Assim, o princípio postula que, para tratar a todos com igualdade, oferecem genuína igualdade de oportunidades, a sociedade deve dar mais atenção aos presumidores de menos dotes inatos e aos oriundos de posições sociais menos favoráveis. (RAWLS, 2008, p.120)

A ideia de reparar o viés das contingências na direção da igualdade talvez dependesse de mais recursos, talentos e habilidades para os indivíduos menos inteligentes, e não para os mais inteligentes, pelo menos durante certo período sua vida.

O princípio de reparação não foi, porém, proposto como único critério de justiça, como único objetivo da ordem social. É plausível, como a maioria de tais princípios o são, apenas como um princípio prima facie, que deve ser posto na balança juntamente com outros. Por exemplo temos de pesá-lo contra o princípio da melhoria do padrão médio de vida, ou com o princípio da promoção do bem comum.

Rawls menciona que o princípio da diferença expressa, com efeito, um acordo no sentido de compartilhar dos benefícios da distribuição de talentos naturais entre os indivíduos:

Um acordo no sentido de se considerar a distribuição dos talentos naturais em todos os aspectos como um bem comum, e no sentido de compartilhar os benefícios econômicos e sociais maiores propiciados pela complementaridade dessa distribuição. Os indivíduos que foram favorecidos pela natureza, quem quer que sejam, só podem se beneficiar de sua boa sorte em condição que melhorem a situação dos menos favorecidos. (RAWLS, 2008, p.121-122)

Para entender o critério de benefícios mútuos, devemos permanecer no âmbito das contribuições positivas. Nesse sentido, Rawls afirma que o princípio da diferença é uma expressão do princípio da fraternidade:

Outro mérito do princípio da diferença é que ele fornece uma interpretação do princípio de fraternidade. Em comparação com a liberdade e a igualdade, a noção de fraternidade tem ocupado lugar inferior na teoria democrática. O princípio da diferença, entretanto parece de fato corresponder a um significado natural de fraternidade, ou seja, a ideia de não querer ter vantagens maiores, a menos que seja para o bem de quem está em pior situação. A família em sua concepção ideal, e quase sempre na prática, é um contexto no qual se rejeita o princípio de elevar ao máximo a soma de vantagens. Os membros das famílias em geral não querem ganha a não ser que possam fazer de modo a promover os interesses dos demais. Ora a disposição de agir segundo o princípio de diferença traz precisamente essa consequência. Aqueles que estão em melhor situação só estão dispostos a obter suas maiores vantagens dentro de um esquema no qual isso funcione em benefícios dos menos afortunados. (RAWLS, 2008, p.126)

2.4 POSIÇÕES RELEVANTES

Na estrutura básica da sociedade, Rawls coloca ênfase na posição de certos indivíduos   representativos e examinamos como o sistema social lhes parece. A perspectiva daqueles que estão nessas situações definem um ponto de vista geral adequado. É certo, porém, que nem todos as posições sociais são relevantes, pois não existem apenas produtores rurais, por exemplos

(…)  Produtores de laticínios, produtores de grãos, agricultores que cultivam grandes extensões de terra, e assim por diante, também no caso de outras ocupações e grupos infinitamente. Não teremos uma teoria coerente e operativa se levarmos em conta essas reivindicações concorrentes. Precisamos, portanto, identificar certa forma de posições como mais básicas e mais capazes do que outras de oferecer um ponto de vista apropriado para isso podem avaliar o sistema social. (Rawls, 2008, p.114)

Com isso, precisamos ter em mente o problema fundamental da justiça e a maneira como foi resolvido pelos dois princípios da justiça, os quais o devem regular. Uma vez satisfeitos, esses princípios permitem que surjam outras desigualdades, em consequência de atos voluntários, segundo o princípio da liberdade de associação. Assim as posições sociais relevantes são, por assim dizer, os pontos de vista geral, concordamos com a ideia de que os dois princípios tentam atenuar arbitrariedade do acaso natural e da sorte social.

Suponhamos em geral que cada pessoa ocupe duas posições relevantes: a cidadania igual e aquela definida por seu lugar na distribuição de renda e de riqueza. Os indivíduos representativos são, portanto, os cidadãos representativos em relação aos bens primários distribuídos de maneira desigual.

Na medida do possível, na justiça como equidade de Rawls, precisamos analisar o sistema social partindo da posição de cidadania igual e dos diversos níveis de renda e riqueza. Rawls considera que a situação deveria levar em conta outras posições, por exemplo:

(…) há direitos básicos desiguais fundamentados em características naturais fixas, essas desigualdades identificarão posições relevantes. Já que é impossível alterar essas características, as posições que definem contam como pontos de partida na estrutura básica. Desse tipo são as diferenças que se baseiam no sexo, bem como as que dependem de raça e de cultura. Assim, se há favorecidos, na atribuição dos direitos fundamentais, essas desigualdades só são justificadas pelo princípio de diferença (na interpretação geral) se forem vantajosas para as mulheres e aceitável do ponto de vista delas. (RAWLS, 2008, p.118)

Dessa maneira, Rawls (2008) deixa claro, no entanto, que as desigualdades multiplicam as posições e complicam as aplicações dos dois princípios da justiça e raramente trazem vantagens para os menos favorecidos. Deve-se, portanto, trabalhar com menor número possível de posições relevantes, isto é, com posições que correspondam ao ponto de vista geral. Levando em conta os interesses de todos, pois todos são cidadãos iguais e têm seu lugar na distribuição de renda e de riqueza, ou no âmbito das características naturais e físicas em que se baseiam as distinções.

3. ALGUMAS REAÇÕES CRÍTICAS DE SUSAN OKIN A JOHN RAWLS

Uma das mais relevantes críticas feministas a John Rawls é feita por Susan Moller Okin. Apresentaremos a seguir os pontos principais destas críticas para analisar a teoria de Rawls, que tratam da relação entre família e justiça. Em suas obras, podemos considerar a apreciação positiva em suas discussões, de conceitos importantes da teoria da justiça em John Rawls, sobre as conexões entre família e de justiça, como parte da estrutura básica da sociedade. Por sua vez, as críticas que Susan Okin apontou no Livro Justice, Gender and the Family, de 1989, levaram em consideração os principais aspectos de sua crítica e seu entendimento dos problemas da justiça na família.

Okin utiliza o artifício Rawlsiano da “Posição original”, o qual está localizado mais especificamente na obra de John Rawls, Uma Teoria da Justiça, de 1971. O problema mais difícil de enfrentar potencialmente no liberalismo político de Rawls se refere ao desenvolvimento de uma sociedade bem ordenada. Outros pontos analisados se relacionam ao problema da vulnerabilidade das mulheres em sociedades estruturadas pelas diferenças de gênero. O que fica representado na posição original de Rawls, central à análise, está apontado num artigo de Okin de 2008, e é a oposição entre gênero e o público que torna possível que os teóricos ignorem a natureza política da família, a relevância da justiça na vida pessoal e, consequentemente, uma parte central das desigualdades de gênero com sérias consequências práticas, especialmente para as mulheres. A divisão do trabalho entre os sexos tem sido fundamental para essa dicotomia.

3.1 RELAÇÃO ENTRE GÊNERO, FAMÍLIA E ESTRUTURA BÁSICA

Falando sobre o conceito de gênero, ele não é um fenômeno biológico, não é aí que se baseiam os meios do hiato de gênero em si, mas é uma questão de cultura. Prefiro colocar uma função de quadrática como parte da identidade de gênero de todos os indivíduos.

Segundo Zirbel (2016), ao falar em gênero, estamos falando de um atributo cultural (não biológico e, portanto, mutável), que não é neutro, mas opera produzindo e distribuindo privilégios.

Como atributo cultural, o gênero é composto por um conjunto de imagens, ideias e definições que um determinado grupo humano tem sobre o que é masculino ou feminino, um homem ou uma mulher, um gay ou uma lésbica etc. Tal conjunto de ideias e imagens é utilizado para enquadrar cada membro em um comportamento considerado adequado pela tradição ou por um determinado segmento que exerce poder sobre os demais (classe religiosa, política etc.) e identificar o que lhe é desviante. O ponto de partida, que serve de critério de escolha sobre quais conceitos e imagens devem ser usados para cada novo indivíduo, é um dado físico. A genitália é utilizada como base para o primeiro conjunto de classificação e divisão do grupo em duas grandes categorias (meninos e meninas, ou: homens e mulheres), seguidas de outras classificações caso os indivíduos se desviem dos modelos comportamentais estabelecidos (virago, “bicha”, “sapatão”) .(ZIRBEL, 2016, p.34)

Essa questão citada acima indica que:

(…) O conjunto de imagens e ideias de gênero atua, simultaneamente, em três diferentes planos: no simbólico, no identitário e junto às instituições sociais (SEVENHUIJSEN, 1998, p. 48). No plano do simbólico, utiliza-se de imagens de feminilidade e masculinidade para atribuir significado a fenômenos que de outra forma seriam percebidos como não tendo relação com o gênero (chorar, não chorar, cuidar de outras pessoas). No plano identitário, julga e controla as formas como homens e mulheres se manifestam e desenvolvem imagens de si, produzindo identidades individuais e coletivas. Em se tratando das estruturas sociais, o gênero determina as posições dos sujeitos dentro das mesmas, bem como as formas consideradas adequadas de acesso a direitos e recursos. Uma série de elementos e instituições (família, religião, leis, mídia, livros didáticos, narrativas etc.) é utilizada para produzir os efeitos de gênero, configurando um sistema. As prescrições e os resultados produzidos pelo sistema de gênero não são neutros do ponto de vista moral ou político, visto que o mesmo autoriza e produz privilégios, relações desiguais de poder, dominação e violência. (ZIRBEL, 2016 p. 35).

No artigo de Justice and Gender: an unfinished Debate, Okin (2004, p. 1539) observa que “gênero” é um termo complicado, aplicado principalmente à linguagem – em inglês, bem como nas línguas em que muitas palavras são engendradas. Mas é no seu sentido mais recente que possui um significado mais amplo e a palavra refere-se a profundamente arraigada institucionalização social da diferença sexual. Este novo significado foi desenvolvido por feministas para refletir o fato de que nós agora pensamos que muito do que foi tradicionalmente pensado como diferença sexual inata é socialmente produzida.

Okin observa que muitos dos elementos culturais, desde os diferentes brinquedos para meninas e meninos, o uso da linguagem, o sistema religioso etc. contribuem para nos transformar em mulheres e homens, as pessoas engendradas que nos tornamos (OKIN, 2004, p. 1439). Ao mesmo tempo, a estrutura de nossas sociedades perpetua tais relações problemáticas de gênero.

Instituições, desde locais de trabalho e escolas até as legislaturas, assumem que as pessoas são seres independentes que nem precisam de cuidado diário nem o dão a outros, enquanto ignoram largamente as necessidades daqueles que, na verdade provêm a maioria deste cuidado diário. Tais instituições engendradas e estruturas sociais contribuem para a inclusão e privilégio dos homens e o fardo desproporcional das mulheres e sua exclusão de posições de poder, riqueza e autoridade. (OKIN, 2004, p. 1539)

As desigualdades de gênero perpassam todas as relações e instituições sociais, especialmente na política, no Estado, no mercado de trabalho, na religião, na escola, na arte, na filosofia, nas ciências (economia é a mais resistente das instituições).

Com essa teoria, (OKIN, 2004) baseada em tais pressupostos que auxiliam a legitimar e reproduzir as instituições e estruturas de gênero que mantêm as mulheres, enquanto sexo, condenadas ao desempoderamento, mesmo em sociedades em que temos uma igualdade formal com os homens, Okin observa ainda que as feministas acadêmicas, nas mais diversas disciplinas “exploraram as várias dimensões da construção social e psicológica de nossas identidades de gênero e das nossas sociedades. ” (OKIN, 2004, p. 1539)

Okin, em seu artigo de 2004 (p. 1538) procura, de início, definir alguns termos-chave de Rawls, apontando para alguns dos conceitos mais importantes da sua teoria. Em seguida, ela apresenta algumas das críticas feministas endereçadas a Rawls e que emergiram em meio às críticas feministas ao liberalismo, juntamente com algumas das respostas a estas críticas.

Okin argumenta que:

(…) embora Rawls tenha eventualmente respondido diretamente aquelas que eu chamo de críticas feministas ‘construtivas’, a distinção entre liberalismo abrangente e liberalismo político que ele introduziu no Liberalismo Político diminuíram severamente a capacidade da sua teoria da justiça em responder ao criticismo feminista. (OKIN, 2004, p. 1538)

Para Okin, apenas se Rawls permitisse:

Que seus princípios de justiça se apliquem diretamente à vida interna das famílias – ao que Rawls resiste claramente – e restringindo as “concepções razoáveis de bem” àquelas que não são sexistas, alguém poderia revisar [sua] teoria para que inclua as mulheres e tenha uma abordagem efetiva e consistente do desenvolvimento moral. (OKIN, 2004, 1538-1539).

Além disso, Okin (1989, p. 14) apontou três críticas às teorias da justiça como a teoria de Rawls:

  1. As mulheres devem ser totalmente incluídas em qualquer teoria satisfatória da justiça.
  2. A igualdade de oportunidade, não só para as mulheres, mas para as crianças de ambos os sexos, é seriamente prejudicada pelas injustiças de gênero da nossa sociedade.
  3. A família é engrenagem central de estrutura de gênero para uma sociedade justa, uma vez que é no seio da família que é criado o senso de justiça em relação aos outros e que é a base do desenvolvimento

Observamos que em Rawls não é tratado e não há uma preocupação com questões sobre a situação familiar relacionada à hierarquia de gênero. Com efeito, em muitos aspectos, o texto do Rawls foi insensível às críticas feministas emergentes do pensamento liberal. Entretanto os princípios de posições relevantes do autor fazem sentido apenas como um meio de repressão em uma sociedade onde alguns já são reprimidos

Para análise da concepção de estrutura básica da sociedade, é importante salientar que Rawls diz que

O objeto principal da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais precisamente, o modo de como as principais ‘instituições’ sociais distribuem os direitos e os deveres que atribuem como fundamentais e determinam a divisão das vantagens da cooperação social. Por instituições mais importantes se entende a constituição política e os arranjos econômicos sociais mais importante. (RAWLS, 2008, p.7)

Assim, a proteção jurídica da liberdade de pensamento e da liberdade de consciência, mercados competitivos, propriedade privada dos meios de produção e a família monogâmica, são exemplos de instituições mais importantes, as quais definem os direitos e os deveres das pessoas e repercute em seus projetos de vida: “A estrutura básica é o principal objeto da justiça porque suas consequências são profundas e estão presentes desde o início”. (Rawls, 2008, p.8). Essa estrutura conta com várias posições sociais e, então, as pessoas nascidas em condições diferentes têm expectativas diferentes de vida, pelas circunstâncias econômicas e sociais. Assim, as instituições da sociedade favorecem alguns mais do que outros, isso é uma maneira de produzir “desigualdades muito profundas”.

A essas desigualdades que são “supostamente inevitáveis na estrutura básica de qualquer sociedade, é que devem ser aplicados, em primeiro lugar, os princípios da justiça social”. (Rawls,2008, p.9). A justiça de um arranjo social depende, em essência, de como se atribuem os direitos e os deveres fundamentais e também das oportunidades econômicas e das condições sociais dos diversos setores da sociedade. O próprio Rawls afirma que a estrutura básica é o principal objeto da justiça porque suas consequências são profundas e estão presentes desde o início das instituições no sentido de objeto. O primeiro princípio da justiça social é a estrutura básica da sociedade e a organização das principais instituições sociais em um esquema único de cooperação.

Como essa afirmação de Rawls, que foi citada acima, e, por fim, a instituição básica, entende-se um sistema público de normas bem gerais. O problema em relação ao gênero, para a questão da justiça social, reside numa ambiguidade em Rawls, de modo mais específico, a família, que sem dúvida, pertence a estrutura básica da sociedade.

Como essa ênfase, Okin (1989) interpreta em conformidade com algumas feministas, e considera a família como parte da estrutura básica da sociedade. A relação de poder e a divisão de trabalho na esfera familiar estão relacionados à dependência econômica e às oportunidades, que por sua vez estimulam o descaso existente com o direito à liberdade da mulher no mundo e na política. Também é evidente o problema da divisão desigual das tarefas dentro da família, no âmbito doméstico, o qual, se não houvesse problema na distribuição de renda entre homens e mulheres, possivelmente seria equitativo no seio das famílias.

No capítulo de Rawls And Feminism, (2003, p. 488) Nussbaum indica que o trabalho de John Rawls, na justiça social, tem importância fundamental para análises e críticas. Rawls tornou-se profundamente preocupado com essas críticas e, em alguns casos, teve que rever em sua teoria em geral, para dar uma resposta. Na verdade, teorias liberais podem demonstrar maior preocupação com teorias feministas do que outras teorias. Rawls acredita que sua teoria liberal, particularmente, quer mostrar que a justiça como equidade tem os recursos para lidar com os problemas apontados pelos movimentos feministas. No entanto, Rawls admite: as teorias liberais de justiça tem muito trabalho ainda hoje para fazer se buscamos cumprir essa promessa, particularmente na área da justiça de família.

Rawls admitiria, segundo Nussbaum (2003, p. 490), que as teorias liberais jurídicas são muitas, especificamente na área da justiça da família. Para Rawls, a justiça tem como princípio a equidade na estrutura básica da sociedade, mas seus fundamentos não regulam essa estrutura e não são aplicados diretamente ao sistema interno de instituições ou associações da sociedade.

A família é, dessa forma, comparada às empresas ou aos sindicatos, às igrejas e às universidades. Portanto a família nada tem de peculiar, de específico, está submetida às exigências oriundas dos princípios de justiça. Entretanto essas exigências provêm indiretamente das instituições de fundo que são justas, dentro das quais as associações e grupos estão inseridos, e que restringem a conduta de seus membros. Não se supõe que os princípios de diferença governem a forma como os pais devem tratar seus filhos ou distribuir os bens da família entre eles. No entanto, para o autor, todas as instituições que são parte da estrutura básica estão relacionadas à família.

No artigo “Gênero e família em uma sociedade justa”, de Flávia Biroli (2010), é defendido que na teoria de Rawls, como em outros teóricos da justiça analisados por Okin, a compreensão da centralidade das relações de gênero não é incorporada devido à marginalidade das relações intra-familiares nesse debate (BIROLI, 2010, p.57).  Além disso, para Biroli,

No Rawls de Uma teoria da Justiça, para o qual se dirigem as críticas e adesões de Okin, a família aparece relacionada a três tópicos: A justiça inter-geracional (com a preocupação voltada para o princípio da poupança), a família como obstáculo para a justiça (com a preocupação voltada para as desigualdades entre as famílias e, portanto, para as vantagens e desvantagens nos valores e estímulos internalizados pelas crianças) e a família como escola de ensinamentos morais (com a preocupação voltada para a reprodução do senso de justiça). (BIROLI, 2010, p.57).

Como a perspectiva citada acima mostra, podemos relacionar diretamente a estabilidade em uma sociedade bem ordenada como aquele moldada para promover o bem de seus membros e regulada de uma forma efetiva por uma concepção pública de justiça. Esse fato implica que seus membros tem um desejo forte, e em geral efetivo, de agir conforme o que exigem os princípios da justiça. Já que uma sociedade bem ordenada resiste ao tempo presume-se que sua concepção de justiça seja estável, isto é, que quando as instituições são justas conforme definidas por essa concepção, os que participam desses arranjos institucionais adquirem o correspondente senso de justiça e desejam fazer sua parte para preservá-las.

Segundo Queiroz (2008), a definição de família como instituição de geração e procriação de Rawls retorna a uma concepção grega.

É lugar de procriação e de produção de matéria-prima para a polis, permitindo garantir a hereditariedade (muito importante do ponto de vista da “propriedade” por isso que sempre que há dissolução da família, tudo se condensa sempre nos bens e que, antes do “contrato de casamento”, recomenda-se tanto aquele contrato de compra e venda que se chama “acordo pré-nupcial). Neste sentido, assegurar a reprodução torna-se, portanto, um imperativo “político”: dadas as deficiências ecológicas da racionalidade “natural”, é preciso precaver-se com a racionalidade “artificial” da lei. Na medida em que a família parece destinada para essa “função reprodutiva” e não outra que o afeto e seus prazeres (que inclui a sexualidade) não precisa estar na família e, por isso, em grande medida, a família não é necessariamente topo de afeto, mas de reprodução. (QUEIROZ, 2008, p.552)

Além disso, Queiroz, (2008) defendeu que na teoria política de Rawls

A família é uma instituição fundamental da estrutura básica submetida aos princípios de justiça, porque determina as expectativas de vida das pessoas, sobretudo os esforços para se obter a igualdade de oportunidade. É também uma pequena associação, caracterizado por uma hierarquia definida, na qual cada membro tem deveres e direitos. Os seus membros estão vinculados tanto a uma instituição pública como a uma associação particular. Com pertencentes a uma instituição pública como a uma associação particular. Como pertencentes a uma instituição pública, ou seja, estrutura básica, os membros da família são cidadãos (atuais ou futuro) livres, cujos direitos e liberdade não podem ser alienados. Por isso, a família não pode violar as liberdades expressas no primeiro princípio de justiça (QUEIROZ, 2008 p.552).

Em relação à questão citada acima, Rawls (2003) afirmou que a família é uma instituição política, sendo parte da estrutura básica, já que uma de suas funções essenciais é ser a base da produção e da reprodução ordenadas da sociedade e de sua cultura de uma geração para outra. Lembra-se que uma sociedade política é sempre vista como um esquema de cooperação, que se mantém ao longo do tempo. A ideia de um tempo futuro em que ela deixaria de ter função e se dissolvesse é alheia à nossa concepção de sociedade. O trabalho reprodutivo é um trabalho socialmente necessário.

Em Justiça como equidade, como se disse antes, Rawls dirige-se diretamente às críticas de Okin, e fica mantida a compreensão de que a família é central para “garantir a produção e reprodução ordenadas da sociedade”, mas o Rawls (2008) claramente continua sem recuar em sua definição da família como “monogâmica”

A família é uma função central para providenciar e de maneira razoável e eficaz a criação e o cuidado dos filhos garantindo seu desenvolvimento moral e sua educação para a cultura mais ampla. Os cidadãos precisam ter um senso de justiça e as virtudes políticas que sustentam as instituições políticas e sócias justas. Além disso, a família tem de desempenhar essa função gerando filhos, em número adequado para a manutenção de uma sociedade durável. No entanto, nenhuma forma particular de família (monogamia heterossexual ou outra) é exigida por uma concepção política de justiça de tarefas e não entre em conflito com outros valores políticos. (RAWLS, 2003, p. 230-231)

Essa necessidade limita todos os arranjos da estrutura básica, inclusive os esforços para conquistar a igualdade equitativa de oportunidade. A família impõe restrições ao modo como esses objetivos podem ser atingidos, e a formulação dos dois princípios tenta levar em conta essas restrições.

É importante lembrar que Rawls (2008) questiona se o princípio de diferença é relevante nesse caso, pois quando é satisfeito para aqueles com menos oportunidades, podem aceitar mais fácil as restrições que a família e outras condições sociais impõem.

Pode -se pensar que que os princípios da justiça não se aplicam á família e que, portanto, não podem garantir uma justiça igual para as mulheres e filhos. tratar-se se essa questão de um equívoco que se origina das seguintes ideias. “O objeto primário da justiça é a estrutura da sociedade, entendida como os arranjos das principais instituições da sociedade em um sistema unificado de cooperação social ao longo do tempo” (Rawls, 2003, p. 232).

De acordo com Rawls (2003), a ideia é a mesma dos princípios políticos. Não se aplicam diretamente à sua vida interna, mas impõe restrições essenciais de liberdade e de oportunidade equitativas para todos os membros da família para especificar os direitos básicos de cidadãos, ela como parte da estrutura básica, não pode violar essa liberdade, por isso Rawls resiste restringindo diretamente nas concepções razoáveis de bem primários sociais. Como as esposas são cidadãs da mesma maneira que seus maridos são cidadãos, todas elas têm os mesmo direitos e liberdades básicas, e de oportunidade que seus maridos, e isso, juntamente com a correta aplicação dos outros princípios de justiça, deveria bastar para garantir sua igualdade e independência. (Rawls, 2003, p. 233)

Por isso, podemos considerar que Rawls assume moralmente a justiça das famílias, algo que ele não faz em nenhuma outra parte da estrutura básica. No entanto, a família, para Rawls, é estruturada como objeto dos princípios de justiça. Trata-se de uma teoria da justiça que deve prestar atenção em como o (indivíduo) poderia ser o que quer e não ser capaz de assumir o objetivo final e a sua importância, sua atitude para com sua vida.

Além da consideração de Rawls (2003) citada acima, fundamental na igualdade das mulheres, os princípios da justiça também impõem restrições à família em nome dos filhos, que são os futuros cidadãos da sociedade e, como tais, têm direitos.

Não observamos na realidade o direito à justiça para as mulheres tampouco acontece ainda hoje com facilidade, em grande parte por causa das muitas tarefas que são incumbidas às mulheres. O que também colabora é que a família é considerada um dispositivo de reprodução que influencia a defesa de identidade cultural de grupos específicos, que para tanto podem estabelecer limites para proteção própria contra as injustiças internas dos grupos (Okin 1989, p. 7). E isso é especialmente relevante quando nos detemos sobre o fato de que muitas mulheres permanecem em situação de violação de direito infrafamiliar, violência doméstica ainda com forte presença na estrutura familiar, injustiça e desigualdade de gênero porque não possuem condição social-econômica ou profissional para saírem dessa situação de violência. Estas questões estão sendo decididas dentro de um sistema fundamental patriarcal, fundado em uma tradição em que “indivíduos” foram assumidos com chefes de família masculino. O sistema demonstrou que a capacidade limitada para determinar se refere à discriminação sexual, abortos, gravidez no local de trabalho, cuidado com a criança, todos contribuem para divulgar questões de políticas públicas, envolvendo ambos os tribunais e legislaturas. Em relação à justiça da família, em particular, no que diz respeito às leis de divórcio, tornam as mulheres altamente vulneráveis ao abuso físico, e isso tornou-se cada vez mais visível, chamando cada vez mais a atenção do sistema de polícia e tribunal. Há claramente uma grande “crise de justiça” na sociedade contemporânea decorrente de questões de gênero.

De outra forma, Okin (1989) em sua discussão, critica a teoria de Rawls, o que está implícito no texto de Rawls (2003-2008), sobre a potência da família e a base de instituições sociais. A crítica pode ser desenvolvida primeiro a partir da ideia central de Rawls, da posição original, entre as características essenciais o fato de que ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua classe social, sexo, ou status social, nem se é homem ou mulher. Assim, por fim, definem os princípios da justiça como aqueles que pessoas racionais interessadas em promover seus interesses aceitariam em condição de igualdade, quando não há ninguém que esteja em vantagens ou desvantagem em razão de contingencias naturais ou sociais.

Com essa ideia de Rawls, segundo Okin (1989, p. 101-1005), chega-se à conclusão de um problema na teoria por causa da discriminação em relação ao sexo, por parte daqueles que representam a potência da família. O sistema de gênero, como instituição social básica, critica Okin, pode dificultar a aplicação de uma teoria de Rawls de justiça em uma sociedade de gênero.

Com esta crítica feminista, no entanto, não se pretende explicar a conduta humana, a não ser na medida em que ele tenta interpretar nossos juízos morais, e nos ajudar a interpretar nosso senso de justiça. No que diz respeito à justiça como equidade de Rawls, podemos considerar que é uma teoria dos nossos juízos ponderados em equilibro reflexivo. Esse princípio, segundo Rawls (2008), exerce certo grau de influência sobre nossos atos e pensamentos. Portanto, embora a concepção da posição original faça parte da teoria da conduta, não há situação real semelhante. Mas necessariamente os princípios da justiça seriam aceitos para desempenhar o papel que se espera em nosso raciocínio moral e em nossa conduta.

Okin (2004) critica o valor da imparcialidade, em relação à adesão às propostas liberais, sobretudo aquelas que estabelecem a dicotomia entre público e privado e restringem o potencial de uma teoria feminista da justiça, defendida pelas teorias do contrato social.

Em seu artigo Gênero, o Público e o Privado, Okin (2008, p. 307) analisa a dicotomia público-privado que torna possível que os teóricos ignorem a natureza política da família, a relevância da justiça na vida pessoal e, consequentemente, uma parte central das desigualdades de gênero.

Em outro sentido, Okin (2008) observa que a dicotomia público/doméstico permanece ambígua, resultado direto das práticas e teorias patriarcais do passado, que tem sérias consequências práticas, especialmente para as mulheres. A divisão do trabalho entre os sexos tem sido fundamental para essa dicotomia

Os homens são vistos como, sobretudo, ligados às ocupações da esfera da vida econômica e política e responsáveis por elas, enquanto as mulheres seriam responsáveis pelas ocupações da esfera privada da domesticidade e reprodução. As mulheres têm sido vistas como “naturalmente” inadequadas à esfera pública, dependentes dos homens e subordinadas à família.  Esses pressupostos, como se poderia esperar, têm efeitos de grande alcance na estruturação da dicotomia e de cada uma das esferas que a compõem. (OKIN 2008, p. 307- 308).

Segundo Okin (2004), Rawls, ao seguir com a longa tradição de pensamento dos teóricos políticos ocidentais sobre a distinção público/privado, pode ter pensado “que a natureza “afetiva” da vida familiar significava que as mulheres são menos propensas a serem submetidas aos graus de degradação ou repressão que experimentam por causa de sua raça ou etnia” (OKIN, 2004, p. 1558). No entanto, ela compreende que este é um pensamento fundamentado em mitos. As crenças machistas sobre gênero, casamento e família incentivam a formação de famílias nas quais as mulheres, especialmente as mães, são colocadas numa posição de subordinada, vulnerável, resultando muitas vezes em relações opressivas.

Como estes princípios se aplicam ao casamento? Poucas pessoas discordariam da afirmação de que o casamento envolve, em algum aspecto, especialmente no aspecto emocional, vulnerabilidade e dependência. É claramente também o caso de que alguns aspectos da vulnerabilidade desigual não são determinados apenas pelo sexo. Por exemplo:

(…) cônjuges variam no grau do seu amor e dependência emocional do outro. Certamente não é o caso que as esposas sempre amam seus maridos mais do que elas são amadas por eles ou vice-versa. No entanto, como veremos no que se refere ao aspecto crucial do casamento, ou ao aspecto estruturado de gênero, as mulheres estão em um ciclo de vulnerabilidade. A divisão do trabalho dentro do casamento (exceto em casos raros) faz com que as esposas, mais provavelmente do que os maridos, sejam exploradas dentro da relação e no trabalho fora de casa. (OKIN, 1989, p.138).

Em grande medida e de inúmeras maneiras, mulheres contemporâneas em nossa sociedade são tornadas vulneráveis pelo casamento.

Elas são primeiro expostas à vulnerabilidade durante seus anos em desenvolvimento, pelas suas expectativas pessoais (e socialmente reforçadas), que serão as principais cuidadoras de crianças, e que no cumprimento deste papel, elas vão precisar tentar atrair e manter o apoio econômico de um homem, cuja vida de trabalho profissional, espera-se que deem prioridade. Elas se tornam vulneráveis pela real divisão do trabalho dentro de quase todos os casamentos atuais. Elas são desfavorecidas no trabalho pelo fato de que o mundo do trabalho assalariado, incluindo as profissões, ainda em grande parte é estruturado em torno do pressuposto de que “os trabalhadores” têm esposas em casa. Elas tornam-se ainda mais vulneráveis por serem as principais cuidadoras das crianças.  (OKIN, 1989, p.138-139).

Poder-se-ia argumentar que essa visão é injusta, se considerarmos o “casamento moderno”, pois nem todos os casamentos resultam em dependência e vulnerabilidade. Pode-se argumentar que existe ainda na percepção da maioria dos homens e mulheres a ideia de que, porque o homem trabalha fora, a mulher deve fazer todo o resto sozinha. As mulheres, então, são obrigadas a executar uma variedade de “serviços” não remunerados para os maridos e a realizar a maioria das tarefas domésticas.

Por outro lado, conforme o capítulo “Rawls and Feminism” de Nussbaum (2003, p. 501), o qual apontou para uma crítica importante de Susan Okin, a teoria de Rawls tem um grande potencial para a visão feminista, mas somente compromete-se com uma crítica da família. A autora argumenta que, se a justiça como equidade é determinada a mostrar igualdade e respeito pelas pessoas, a importância dada às hierarquias de riqueza, classe e raça, é simplesmente inconsistente e irracional, por não questionar a hierarquias com base na diferença de sexo.

Além disso, Okin tira algumas conclusões sobre o posicionamento original de Rawls e os aplica ao tempo presente. O contrato social e todas as questões de justiça são tratados dentro das limitações que se aplicam aos contemporâneos quanto ao gênero. Elas irão proteger uma sociedade na qual o gênero é muito importante para a estrutura básica, mais do que a cor dos olhos ou a raça. A diferença de sexo pode permanecer um importante fator nas concepções de bem dos cidadãos, mas a relevância política e a lei vão contrariar as desigualdades que são encontradas (presumivelmente na fase legislativa), por exemplo, dando às esposas, que apoiaram as carreiras dos maridos através de trabalhos domésticos, na esfera privada, a metade da renda do marido.

Rawls e Okin propõem que a família de alguma forma nuclear continuará a ser o cerne de uma sociedade justa e será seu veículo central para a criação dos filhos, embora ela explicitamente inclua casais do mesmo sexo, notando que eles podem ser bons modelos da divisão de igualdade de oportunidade e responsabilidade.

De acordo com Rawls, o contrato social deve ser considerado hipotético e não histórico. Retomando o primeiro capítulo, o autor na sua análise sobre justiça como equidade, constrói a noção de posição original. Essa construção deve refletir a distinção fundamental assinalada acima e fornecer os elementos que faltam para que um acordo apropriado seja concluído.

Lembra-se que em Rawls não é tratado e não há uma preocupação com questões sobre a situação familiar relacionada à hierarquia de gênero. Mas assim, com efeito, em muitos aspectos, o texto do Rawls foi insensível às críticas feministas emergentes do pensamento liberal. Entretanto os princípios de posições relevantes do autor fazem sentido apenas como um meio de repressão em uma sociedade onde alguns já são reprimidos

Por um lado, as relações familiares devem ter estrutura para proporcionar às mulheres oportunidades de se ter maior liberdade econômica. Por outro lado, a família é uma instituição social influente, uma organização em que fica mais evidente a hierarquia em relação ao sexo masculino e feminino, a negação da igualdade, bem como é lugar de violência de gênero.

3.2 FEMINISMO LIBERAL

No texto Gender, Justice and Gender, Susan Okin (2004, p. 1542) enfatiza que muitas teorias feministas e políticas têm sido críticas à teoria de Rawls em sua totalidade. Como Linda Mc Claim e Nussbaum, que abordaram tais críticas de forma muito esclarecedora e é importante discutir esta crítica do liberalismo para distinguir entre a crítica feminista e teoria liberal, incluindo a crítica para a teoria de Rawls em sua totalidade e críticas feministas especificas. Em muitos importantes aspectos as teorias liberais, tais como dicotomia público e privado e o pressuposto (explícito ou implícito), os assuntos do liberalismo são reservados ao sexo masculino, ao chefe da família. Na teoria política liberal, tal como a jurisprudência liberal, tem sido encontrado por muitas teorias feministas o ser “masculino” como Linda McClain escreve:

Central da crítica tem sido a lei que incorpora uma perspectiva masculina, enfatizando a autonomia e o indivíduo sobre a interdependência e a comunidade. O liberalismo tem sido visto como inextricavelmente masculino em seus modelos de separados, atomística, individuas, concorrentes que institui um sistema legal para perseguir seus próprios interesses e para protegê-los da interferência dos outros, com os seus direitos para fazê-lo. Portanto, é dito que liberal, masculino de jurisprudência tem exaltado direitos sobre responsabilidades, de separação sobre a conexão e o indivíduo sobre a comunidade.  (McCLAIN, apud OKIN, 2004, p. 1543)

Como a perspectiva citada acima mostra, críticas têm sido especificamente destinadas para a Uma Teoria Da Justiça, e também contra as demais teorias liberais, no sentido de que elas abstraem excessivamente as realidades dos seres humanos e obscurecem ou tornam irrelevantes as diferenças entre eles, bem como de que enfatizam a importância da racionalidade, minando a importância das emoções tanto como definidoras da natureza humana quanto como cruciais para a teorização moral. (OKIN, 2004, p. 1543)

Aqueles e aquelas que caracterizam o liberalismo dessas várias maneiras são muitas vezes denominadas de “feministas relacionais” ou “feministas culturais”. Muitas vezes

(…) elas defendem concepções alternativas de pessoa e das relações sociais, mais em consonância com aqueles encontrados nas teorias comunitaristas. Quando a experiência das mulheres do mundo é levada em conta, elas argumentam, conexão, responsabilidade, comunidade, cuidado e atenção às diferenças – negligenciadas ou depreciadas no liberalismo – terão seu lugar adequado na teorização moral política. (OKIN, 2004, p.1543).

No artigo Feminist Political Liberalism Possible? Christie Hartley e Lori Watson, (2010, p.4) abordaram as questões feministas no liberalismo político. Nesse artigo, também mostraram as concepções políticas razoáveis de justiça para que um Estado democrático seja politicamente liberal na igualdade substantiva em relação às mulheres (e outros grupos marginalizados). Para isso, precisamos estar atentos em relação à incompatibilidade entre as mulheres na igualdade substantiva e no liberalismo político.

Segundo Hartley e Watson (2010, p. 5), Okin caracteriza os problemas relacionados às políticas liberais e aceita uma ampla gama de doutrina como razoável. Okin permite que as famílias e outras associações privadas se organizem como entenderem, contanto que não violem os princípios de justiça política. Algumas destas doutrinas contêm elementos com essenciais diferenças de gênero ou essenciais legitimações de hierarquia de gênero. Sob certas condições, a aceitação de algumas pessoas pode efetivamente impedir as mulheres de desfrutar de uma boa realidade econômico-social e a igualdade na realidade política com os homens porque qualquer concepção política de justiça é capaz de ser compartilhada por todas as pessoas que se visualizaram como cidadãos livres e iguais. Isso não será suficiente para proteger as mulheres da desigualdade de gênero.

Okin (2004) critica as concepções abrangentes de bem, considerando-as inadequadas na perspectiva feminista para combater as concepções sexistas das religiões, como, por exemplo, judaísmo, cristianismo e islamismo, além disso, essas religiões ainda discriminam a mulher e reforçam sua subordinação no interior da prática religiosa e dentro e fora da família de maneira significativa, refletindo o sexismo. Para autora, deveriam ser admitidas como “razoáveis” apenas as doutrinas abrangentes que afirmassem a igualdade entre os homens e as mulheres, sendo iguais no valor em relação ao gênero:

A distinção entre liberalismo político e abrangente que ele [Rawls] introduz no Liberalismo Político severamente diminui a capacidade de sua teoria da justiça responder a crítica feminista. Apenas, permitindo que que seus princípios de Justiça sejam aplicados diretamente à vida interna de famílias – o que Rawls resiste claramente – e restringindo “razoável concepções do bem” para aqueles que são não-sexistas, poderia- se revisar a teoria, para que tanto inclua mulheres e tenha uma concepção eficiente e consistente de desenvolvimento moral. (Okin, 2004, p.1538-1539)

De outra maneira, Queiroz observa sobre Rawls:

Aquela maneira tradicional de pensar está claramente presente quer no seu vocabulário – a teoria da justiça supõe termos de referência genericamente masculinos (homem, ele, seu) – quer na omissão na posição original do facto conhecido da estruturação do gênero pelos costumes e pela lei. Omissão agravada pela compreensão das pessoas nessa posição como chefes ou pais de famílias, justificada pela necessidade de assegurar que cada pessoa na posição original se preocupa com o bem-estar de algumas pessoas das gerações futuras. Todavia, apesar de as mulheres também já serem chefes, o uso do termo mulheres- chefes de família supõe que os homens tenham prevalência em relação às mulheres na chefia da família, evidenciada na consideração das partes como pais que providenciam o bem-estar dos seus filhos. (QUEIROZ, 2008, p. 555)

Rawls relaciona os dois princípios de justiça que são aplicados às instituições básicas da sociedade, estes devem juntos maximizar o bem-estar para os mais desfavorecidos, em relação às liberdades fundamentais, compartilhada por todos. Isso define a finalidade da justiça social.

Embora a teoria Rawlsiana da justiça não desconheça a importância dos factos sociais na escolha dos princípios na posição original, é inegável que a sua construção não parte da consideração das injustiças atuais, como por exemplo, as injustiças econômicas e as sociais fundadas na diferença sexual. No entanto, apesar dessa desconsideração, o carácter ideal da justiça como equidade é claramente incompatível com qualquer discriminação política em função do gênero. (QUEIROZ, 2008, p.556)

No mesmo sentido, no artigo Pluralism and Feminism, segundo Pin-Fei Lu (2013, p. 23-24), Okin mostra que só é possível sustentar a sociedade bem ordenada de Rawls se houver um senso de justiça desde cedo. Ainda quando as pessoas são jovens, quando são meninas ou meninos, percebem que as mulheres são tratadas desigualmente no seio da família em comparação com seus parentes do sexo masculino. Isso resulta inevitavelmente em internalização, por parte dos meninos e das meninas, de um senso de justiça problemático que, na relação familiar, não promete nenhuma igualdade para as mulheres.

Além disso, segundo Pin-Fei Lu (2013), Okin não somente critica a teoria de Rawls, mas também faz uma proposta para definir o seu liberalismo político. Okin desenvolve um pensamento de modo a tornar a teoria de Rawls, no que tange à justiça política, melhor no sentido de que assegura a justiça nas relações de gênero. Okin sugeriu que primeiro é necessário modificar a teoria de Rawls de modo a restringir a razoabilidade na concepção de bem para aqueles que não são sexistas e abandonar sua insistência sobre a distinção dos políticos e não políticos e sua visão de prioridade da política. Presumivelmente, a teoria da justiça para se qualificar como possível deve oferecer uma teoria da justiça de gênero. Essa proposta exige que Rawls pronuncie todas as doutrinas sexistas e desenvolva uma teoria que não separa as esferas.

Segundo Soares (2014), Rawls torna claro que a educação ajuda a preparar as crianças para serem membros plenamente cooperativos da sociedade bem ordenada, bem como permite que adquiram seus próprios meios de subsistência. Além disso, ela serve para encorajar as virtudes políticas para o cumprimento dos termos equitativos da cooperação social.

Dessa forma, Soares observa que o Liberalismo Político Rawlsiano exigiria:

Que a educação das crianças incluísse coisas como o conhecimento de seus direitos constitucionais e cívicos, de forma que, por exemplo, elas saibam que a liberdade de consciência existe em sua sociedade e que a apostasia não é um crime legal, tudo isso para garantir que a continuidade de sua filiação religiosa, quando atingem a maturidade, não esteja baseada simplesmente na ignorância de seus direitos básicos ou no medo da punição por ofensas que só são assim consideradas dentro de sua seita religiosa. A educação das crianças também deveria prepará-las para serem membros plenamente cooperativos da sociedade e permitir que provejam seu próprio sustento; também deveria estimular as virtudes políticas para que queiram honrar os termos equitativos de cooperação social em suas relações com o resto da sociedade. (SOARES, 2014 p.244).

Além disso, Soares (2014) entende que a importância dada pelo liberalismo político à educação da criança baseia-se no papel que elas desempenharão como futuros cidadãos. A educação tem o papel de desenvolver a capacidade de compreender e cultivar a política. Também tem o papel de manter o interesse em participar das instituições bem como a disposição de serem membros economicamente independentes da sociedade.

Em 1970, encontramos pontos de vista de filósofos e teóricos políticos ainda rotineiramente usados por Rawls. De acordo com tais filósofos, a família poderia ser tratada como se fosse um único indivíduo, e como se apenas um dos seus membros (sua cabeça masculina) contasse como fator econômico racional. Para responder às críticas das feministas, Rawls acredita que os dois princípios da justiça, que vão estabelecer a forma que a justiça como equidade, devem assegurar direitos e liberdades fundamentais para cada cidadão.

Por fim, no artigo de Críticas Feministas à Dicotomia Público e Privado, Carole Pateman (2013) afirma que os dois princípios da justiça de Rawls “pressupõe que a estrutura social possa ser dividida em duas partes mais ou menos distintas”.

Ele não chama de privado e público, mas da “Liberdade igual de Cidadania”. São geralmente chamadas de liberdade “políticas” e as “desigualdades social e econômicas”, da segunda parte costumam ser consideradas como parte da esfera” privada”. Na formulação final de Rawls, fica claro que o princípio se reflete na sociedade civil, e que a família está fora de alcance deles. A parte (b) do segundo princípio e igualdade de oportunidade não e que a família, e a parte (a) princípio da diferença pode não se aplicar. Um filho inteligente, por exemplo, pode ser enviado para a universidade à custa de outros membros da família. (PATEMAN 2013, p.59)

Por fim, com essa afirmativa, no segundo princípio da justiça de Rawls, as críticas feministas insistem em que uma alternativa à concepção liberal deve englobar também a vida doméstica e privada das mulheres. Na relação com os familiares, os indivíduos devem poder exercer seus direitos e ter oportunidades para irem em busca de seus interesses privados e públicos.

3.3 BENS PRIMÁRIOS, DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para assegurar que as pessoas, em suas posições sociais, cheguem a um acordo racional e moral sobre quais são os princípios mais apropriados para proteger os seus interesses, Rawls interpreta a noção de bens primários sociais, as expectativas e como lidar com o princípio da diferença. É uma situação bem diferente daquela da equidade entendida segundo sua interpretação. Considerando-se a inserção de ideias em seu princípio e o recurso aos bens primários para realizar as comparações de interpretações necessárias.

Por isso, Rawls tenta estabelecer fundamentos objetivos às comparações dos cidadãos, para que todos possam reconhecer e aceitar desenvolver durante sua vida. Ou podem se basear em noção de faculdade ética ou moral, ou alguma outra opção para buscar seus fins últimos, isso sem mencionar o preconceito de interesses pessoais. Bem-estar não significa a fundamentação dessa comparação ou que nós devemos aceitar como válidas a sua própria concepção de bem.

No princípio da diferença, Rawls tenta estabelecer fundamentos objetivos para comparações interpessoais de duas maneiras.

Primeiro, identificar os indivíduos representativos menos favorecidos, diante necessidade de juízo do bem-estar durante toda sua vida, segundo, o princípio da diferença, introduzir uma implicação na base das comparações interpessoais com quinhão distribuição ocorrerem benefícios dos menos favorecidos (Rawls, 2008, p.110).

Essa comparação se realiza com relação às expectativas de bens primários sociais. Na verdade, definem-se as expectativas simplesmente com o índice desses bens que os indivíduos representativos podem almejar. As expectativas de uns serão maiores que as de outros se esse índice for para alguém que estiver em sua posição maior. Os bens primários, como Rawls já comentou:

São as coisas que presumem que cada indivíduo racional deseje, não importa o que mais ele deseja. Sejam quais forem as minúcias dos planos racional de um dos indivíduos para presumir-se há várias coisas que ele preferia ter mais a ou menos, tanto quantidade maior ou menor. Com uma quantidade maior desses bens, em geral é possível prever um maior êxito na realização das próprias intenções e na promoção dos próprios objetivos, sejam quais forem esses objetivos. (Rawls, 2008, p. 110)

Para Rawls, os bens de categorias amplas são os direitos à liberdade e à oportunidade, bem como à renda e à riqueza. Tendo em vista as suas conexões com a estrutura básica, a liberdade e as oportunidades são defendidas pelas normas das principais instituições políticas, e também a distribuição de bens, renda e riqueza são regidas por eles.

No mesmo sentido, Danner (2009), considera que:

Refere-se ao fato de que os bens sociais primários, para Rawls, são definidos quando se indaga qual o gênero de condições sociais e de meios polivalentes que permitiriam aos seres humanos concretizar e exercer suas faculdades morais, bem como buscar seus fins últimos. Seu olhar se volta, assim, para as necessidades sociais e para as circunstâncias da existência humana em uma sociedade democrática. Por isso sua pergunta sobre quais bens primários possibilitam o desenvolvimento de pessoas livres e iguais, além de suas faculdades morais. (DANNER, 2009, p.15)

Mas o que são bens primários sociais? Para Rawls, são aqueles bens que fornecem as condições de recursos e os meios principais para as pessoas desenvolverem as capacidades e uma concepção de bem eficiente.

Durante muitas décadas, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez progressos significativos na promoção da igualdade de gênero, através de acordos internacionais, como a Declaração de Pequim e sua Plataforma de Ação e a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres (CEDAW).

A igualdade de gênero não é apenas um direito humano básico, mas a sua concretização tem enormes implicações socioeconômicas. Empoderar as mulheres impulsionam economias mais prósperas, estimulando a produtividade e o crescimento. No entanto, as desigualdades de gênero permanecem profundamente arraigadas na sociedade. Muitas mulheres não têm acesso a um trabalho decente e ainda tem que enfrentar a disparidade salarial, ocupacional de segregação e de gênero. Muitas vezes lhes são negados o acesso à educação básica e saúde. Mulheres em todas as partes do mundo sofrem violência e descriminação. Eles estão sub-representação nos processos decisórios na política e na economia. (CONVENTION, 2009).

Com esta afirmação, a organização das Nações Unidas definiu uma lista de liberdades básicas, entre as quais estão os direitos das mulheres. Por outro lado, também a teoria do Rawls defende os direitos humanos que dizem respeito à liberdade básica, o que se observa em obras posteriores, em Liberalismo Político e Justiça como Equidade, ao especificar e chamar atenção para a lista das liberdades básicas.

No livro Justiça e Democracia (2002), Rawls oferece cinco categorias de bens primários enumeradas na Teoria da Justiça que faço acompanhar de uma indicação quanto à razão de sua utilização. Esta é expressa da seguinte forma:

  1. As liberdades básicas (liberdade de pensamento e liberdade de consciências), essas liberdades são condições institucionais subjacentes necessárias ao desenvolvimento e ao exercício completo e informado das duas faculdades morais;
  2. Liberdade de movimento e livre escolha da ocupação em um fundo de possibilidades diversas; que essa possibilidade permite buscar diversos fins últimos e tornam efetiva as decisões de revisá-las, modificá-las e alterá-las;
  3. Os poderes e as prerrogativas pertinentes de certos empregos e posições de responsabilidade nas instituições políticas e econômicos da estrutura básica. Essa parte eles permitem desenvolver as diversas capacidades autônomas e sociais
  4. A renda e riqueza, e por fim, essa parte considerada no sentido amplo, como meios polivalentes providos de um valor de troca; temos necessidade para concretizar direita ou indiretamente uma gama extensa de fins dos seus objetivos.
  5. As bases sociais do respeito próprio. (RAWLS, 2000, p.301-302).

Essa parte que foi citada acima por parte do Rawls inclui essencialmente traços institucionais, como os direitos e as liberdades básicas. As oportunidades criadas pelas instituições e as prerrogativas ligadas ao emprego e às posições, assim como renda e a riqueza. As bases sociais do respeito próprio são aí explicadas em termos institucionais, aos quais se acrescentam as características da cultura política pública, tais como o reconhecimento e a aceitação pública do princípio de justiça.

Essa questão, provavelmente, trata daqueles aspectos da instituição básica que são em geral essenciais ao cidadão para que tenha um senso agudo de seu próprio valor enquanto pessoa e para que seja capaz de avançar em direção a suas metas e seus fins com confiança em si próprio. Isso por parte de Rawls é a base do auto-respeito. No entanto, Rawls (2008) deixa bastante claro que as liberdades fundamentais não são absolutas, elas podem ter restrições de limitações constitucionais e legais, ou seja, a liberdade como um sistema público de regras específicas define os direitos e os deveres. Por exemplo, todo mundo tem o direito de falar, e todo mundo tem o direito de exigir a execução de direitos de conversa, mas isso não significa que todos têm o direito de impor seus pensamentos e opiniões para os outros.

Nota-se que, no primeiro princípio da justiça, Rawls questiona sobre liberdade de pensamento e a liberdade de consciência da pessoa e as liberdades civis que podem ser entendidas como os direitos humanos e não devem ser sacrificadas para a liberdade política. Em outras palavras, liberdade política deve ser baseada no respeito pela liberdade mais básica e fundamental, ou seja, a liberdade da sua consciência.

No artigo de Justice And Gender, (2004) Okin apontou que Martha Nussbaum faz tal crítica ao liberalismo político com algumas partes da teoria Rawlsiana, mas sua afirmação de que Rawls é inconsistente se refere à restrição e até exclusão de concepções abrangentes de bens primários que reprime as pessoas por motivos étnicos ou racistas, mas, ao mesmo tempo, permitindo como aceitável e razoável todas as grandes e, frequentemente sexistas, religiões.

Nussbaum argumenta que Rawls, no que se refere às doutrinas abrangentes de concepção de bem primário razoável em uma sociedade:

(…) a liberdade de expressão protege, igualmente, o razoável e o irrazoável, uma vez que ‘nenhum discurso político, religiosos ou filosófico pode ser censurado’, na visão de Rawls, não havendo uma grave crise constitucional na qual instituições políticas livres podem estar falhando em preservá-las. A autora [Okin] também tematiza a minha falha em ‘distinguir entre doutrina que defende que mulheres devam ter direitos desiguais de cidadania e doutrinas que defendem que elas são metafisicamente desiguais ou não semelhantes de alguma maneira. (2004, p. 1559)

Assim a perspectiva citada acima mostra que ela defende as distinções de Rawls com introdução da palavra em inglês (the political and the non-political,). Nussbaum interpreta Okin, neste contexto, da seguinte maneira: embora as igualdades de direitos políticos básicos para as mulheres não sejam questionadas, a igualdade das mulheres, em outro aspecto, no que diz respeito às doutrinas abrangentes que subordinam as mulheres, devem ser toleradas.

O problema com esta defesa é duplo.

A priorização de Rawls, do justo valor da liberdade política, acompanhado das outras liberdades básicas, significa que ele deve estar preocupado em proteger mais do que os direitos políticos formais e a igualdade legal das mulheres. Na verdade, qualquer coisa, inclusive uma doutrina que contribui para as mulheres serem representadas politicamente muito menos do que sua proporção geral na população se torna uma questão de grande preocupação, uma vez que colocam em risco as liberdades fundamentais das mulheres. (OKIN, 2004, p. 1561)

De acordo com Rawls, o respeito pelos interesses privados em relação às demandas não se expressam no fórum público e não são discutidos abertamente com base em uma concepção de bem público, mas se for necessário levantar verbas para os partidos entre os setores socioeconômicos mais favorecidos, para as demandas desse grupo, fatalmente receberão uma atenção excessiva.

Para Rawls, a liberdade de consciência exerce o mais poderoso argumento a favor do primeiro princípio da justiça. As pessoas estão fortemente dispostas a priorizar o primeiro princípio em função de que as pessoas não sabem qual posição religiosa, filosófica ou moral possuem, tampouco, se a concepção de bem que valorizam é aquela abraçada pela maioria da sociedade. Desse modo, o filósofo considera que as pessoas estariam condicionadas a aceitarem que o princípio de justiça que preza pela liberdade de consciência, é o único princípio que garante a liberdade de consciência, expressão e associação.

Em outra parte, liberdade de movimento diz respeito ao preceito de um eleitor, um voto. Isso implica que o poder de voto é igual para todos os membros da sociedade e que os membros da legislatura representem as pessoas de cada região específica. O princípio da participação também garante, a todos, direitos iguais de acesso aos cargos públicos.

Cada cidadão é apto para participar de partidos públicos, candidatar-se cargos eletivos. Certamente, pode haver qualificação de idade, residência e assim por diante. Mas elas devem estar razoavelmente relacionadas às tarefas do cargo e é de presumir que estas restrições sejam do interesse comum e não descriminem de forma injusta pessoa ou grupo, o que significa que devem afetar a todos igualmente, no curso normal da vida, (RAWLS, 2008, p.276).

Essa extensão de elementos reguladores das liberdades políticas, a saber, primeiramente, a Constituição que usa o procedimento da regra da maioria simples (uma minoria não pode sobrepujar uma maioria) para todas as decisões políticas importantes que não sofram impedimento de restrição constitucionais. Isso quer dizer que sempre que a Constituição limita o alcance ou a autoridade das maiorias, seja exigindo um quórum qualificado para certos tipos de decisão, seja por meio de uma declaração de direito que restringe os poderes do legislativo, e medidas semelhantes, a liberdade política igual é menos extensa.

Devemos lembrar que, na convenção constituinte, o objetivo das partes é encontrar a constituição justa (para aqueles que atendem ao princípio da liberdade igual) que tem maiores probabilidades de conduzir a uma legislação justa e eficaz, em vista dos fatos gerais em relação à sociedade. A constituição é considerada um procedimento justo, mas imperfeito, estruturando para garantir um resultado justo na medida em que as circunstâncias o permitem. É imperfeito porque não há nenhum processo político factível que garanta que as leis promulgadas seguirão sempre de acordo com parâmetros de justiça. No assunto político, não é possível atingir uma justiça procedimental perfeita. Ademais, “o processo constitucional tende a se apoiar, em grande parte, em alguma forma de votação, suponha, que para simplificar, que uma variante de regra da maioria, devidamente limitada, é uma necessidade prática”. (RAWLS, 2008, p.440-441).

O outro princípio da participação é limitado através dos recursos tradicionais do contratualismo, ou legislativa bicameral, separação dos poderes combinada com uma declaração de direitos com controle jurisdicional de constitucionalidade. Porém essas ordenações são consistentes com a liberdade política igual, desde que restrições semelhantes se apliquem a todos e que os limites introduzidos tendam de atingir a igualdade a todos os setores da sociedade. Para Rawls, (2008), por fim, o componente do princípio é formado por medidas de valor equitativo de liberdade política que deveria alcançar a igualdade de participação. Neste caso, o valor de liberdade política depende da constituição. A constituição determina a fazer valer os direitos iguais de participação para todos os membros da sociedade e deve garantir oportunidade equitativa de participação de influência no processo político.

Neste ponto, a liberdade de expressão, juntamente com a liberdade de pensamento e consciência, assume um valor importante. Essa questão está ligada Constituição Da República Democrática do Timor-Leste, referenciado no Artigo 46 e Artigo 63, do Direito de participação política.

(a)  Todo o cidadão tem o direito de participar, por si ou através de representantes democraticamente eleitos, na vida política e nos assuntos públicos do país.

b. Todo o cidadão tem o direito de constituir e de participar de partidos políticos.

c. A constituição e a organização dos partidos políticos são reguladas por lei

(Constituição da República Democrática de Timor-Leste, 2002, p. 18-21)

Essa ordenação de constituição faz parte do valor equitativo da liberdade política, que resulta na influência do poder econômico no processo político. O poder de voto é igual para todos os membros da sociedade inclusiva. Tanto para as mulheres quanto para os homens são necessários direitos iguais de acesso aos cargos públicos. Mesmo assim, ainda é necessário que os partidos políticos incluam e defendam a autonomia das mulheres.

4. DESIGUALDADES SOCIAIS DAS MULHERES: A CRÍTICA DE NUSSBAUM À TEORIA DE RAWLS

Atualmente as mulheres ainda lutam pelo reconhecimento da liberdade, da igualdade e da fraternidade, direitos e valores aparentemente obtidos através dos Direitos Humanos e dos seus fundamentos básicos. O princípio dos direitos humanos é um conceito de dignidade, exposto na Declaração Universal de 1948, que reconhece o valor moral do cidadão. Isso significa que todo cidadão tem direitos e liberdades básicas, incluindo aí os direitos à dignidade, sem interferência da diferença de gênero, raça, religião ou étnica. Com este princípio, Timor-Leste, enquanto membro das Nações Unidas, tem a obrigação de garantir a igualdade dos direitos entre os homens e as mulheres, no sentido de que ambos possam igualmente participar do setor econômico, social, cultural, civil, político. Além disso, deve-se aplicar a igualdade gênero entre os homens e as mulheres, como direitos fundamentais no que tange à justiça social.

Por exemplo, as mulheres no Timor-Leste têm geralmente um estatuto inferior ao dos homens. Por isso, diversas ONGs internacionais (inclusive uma missão brasileira), uma ONG local voltada especificamente para o tema, o grupo CAUCUS, estruturado e financiado pelo IRI (o Instituto do Partido Republicano dos EUA), lutam pela defesa dos direitos das mulheres. O governo possui um gabinete de assessoria ao primeiro-ministro para promoção da igualdade de gênero (GPI). Enquanto a Constituição prevê a igualdade entre os gêneros, algumas mulheres sofrem ainda uma discriminação significativa – na família, no local de trabalho e na comunidade (CEDAW, 2009, p.6). É mais provável a desistência das mulheres de irem à escola, do que dos homens, e dois terços das mulheres com idade compreendida entre os 15-60 anos são analfabetas, em comparação, cerca de metade dos homens são analfabetos.As mulheres também sofrem discriminação no trabalho e têm uma participação inferior, em relação à participação dos homens, como força de trabalho formal, recebendo uma remuneração significativamente menor do que a remuneração dos homens pelo mesmo trabalho.Do ponto de vista das desigualdades no que se refere à saúde as mulheres,também estão em desvantagem, especialmente quando nos referimos à saúde reprodutiva. Também é mais provável que as mulheres recebam menos alimento do que os homens ao longo da vida. As mulheres têm agora mais acesso à informação a respeito da saúde reprodutiva, mas o seu direito a saúde continua a ser impedido por questões de ordem cultural, particularmente nas zonas rurais (Relatório de Desenvolvimento Humano em TL 2006).

Segundo Daniel Simião (2005 p,13)

Uma das grandes preocupações da missão das Nações Unidas, diante desta pluralidade, dizia respeito a assegurar a igualdade entre homens e mulheres (ideia nada evidente para muitos dos atores locais) no processo de construção do novo país. A intenção de assegurar esta preocupação como orientadora de políticas e projetos de ação levou a UNTAET a instituir um gabinete para assuntos de gênero (Gender Affairs Office), posteriormente transformado em uma unidade do Executivo timorense, a quem cabia a elaboração de campanhas, treinamentos e quaisquer iniciativas de sensibilização para combater a chamada “desigualdade de gênero”

Como aponta Sen,

A tolerância da desigualdade de gênero está intimamente relacionada com as noções de legitimidade e veracidade. No comportamento familiar, as desigualdades entre homens e mulheres (e entre meninas e meninos), muitas vezes são aceitos como ‘naturais’ ou ‘adequadas’ (mesmo que normalmente não explicitamente são discutidos). Às vezes as decisões operacionais relacionadas com estas desigualdades (por exemplo, fornecendo mais cuidado de saúde ou nutricional atenção aos rapazes vis-à-vis as meninas) são realizadas e executadas através da agência das próprias mulheres. A justiça percebida de tais desigualdades e a ausência de qualquer sentido contrário de profunda injustiça desempenha um papel importante na operação e sobrevivência destes acordos. Isto não é o único campo em que a sobrevivência da desigualdade extraordinária baseia-se em fazer «aliados» fora aqueles que têm mais a perder de tais acordos.  (SEN, 1995, p. 259-260)

Com relação a esse problema, Nussbaum (2000) concorda plenamente em relação ao ponto de tolerância nas desigualdades sociais, e se dedica ao estudo das culturas asiáticas da Índia além do Timor-Leste. De uma maneira geral, por razões de equidade entre mulheres e homens, ambos devem ser considerados iguais e devem ter as mesmas oportunidades para desenvolver seu potencial. Para fornecer a igualdade social, na educação, na saúde, na política, de modo eficaz, exige-se que se leve em conta o gênero como determinante de hábitos quando se quer oferecer atenção adequada para todos os cidadãos.

4.1 RELEVÂNCIA DA TEORIA NUSSBAUM E AS CONSEQUÊNCIAS CULTURAIS DO PROBLEMA DAS DESIGUALDADES

Fazem parte das preocupações de Rawls, na Teoria da Justiça, a defesa dos direitos humanos, no que diz respeito a liberdade básica e no aspecto da justiça como equidade, buscando tratar os dois princípios da justiça, chamando a atenção para as liberdades básicas. Ao mesmo tempo, promover também o liberalismo político como a solução correta para os problemas de desigualdade social.

Nussbaum, em Women and Human Development: The Capabilities Approach (2000, p 1-.11), observa que, na prática, falta apoio para as funções fundamentais da vida humana na realidade das mulheres em grande parte do mundo. Elas se alimentam bem menos do que os homens, são menos saudáveis e muito mais vulneráveis à violência física e abuso sexual, muitas vezes isso acontece não só contra as mulheres, mas também contra seus filhos. É muito menos provável ver que mulheres sejam concretamente alfabetizadas do que homens. As mulheres enfrentam obstáculos bem maiores, incluindo intimidação da família ou intimidações do cônjuge, isso sem mencionar a discriminação por causa do sexo, na contratação, e o assédio sexual no local de trabalho, e tudo isso, com frequência, acontece sem que as mulheres possam recorrer a algum recurso jurídico eficaz. Isso faz com que, no caso das desigualdades de gênero, seja ainda mais difícil para elas exercerem sua liberdade. A existência de obstáculos semelhantes muitas vezes impede sua participação eficaz na vida política. Em muitas nações, as mulheres não são iguais por completo em termos da lei, elas não têm os mesmos direitos de propriedade, como os homens, nem os mesmos direitos para fazer um contrato, nem os mesmos direitos de associação, de mobilidade e de liberdade religiosa.

As relações de gênero para além de condicionarem especificamente o desenvolvimento econômico, são um fator determinante em relação à distribuição do trabalho e renda, riqueza, dos fatores produtivos e dos recursos naturais, tais como a terra. A importância das mulheres não se limita à sua participação nas atividades da economia e da agricultura, estando também intimamente ligada aos costumes, tradições e valores. Sobre esse ponto de vista na identificação das diferenças e das desigualdades de gênero, nota-se que é um fenômeno mundialmente observado.

No terceiro mundo, e em vários países, além do Timor-Leste, existe um sistema patriarcal ainda dominante que delega responsabilidades e funções diferentes em relação ao gênero, no qual as mulheres são preteridas em relação aos homens em relação ao direito de herança, ou garantia de direitos em relação à violação da liberdade civil, política, socioeconômica e cultural.

Susana de Castro afirma que:

Os relativistas ignoram os protestos das mulheres contra as tradições que lhes prejudicam e em geral esquecem de lhes perguntar o que pensam sobre as normas que lhe foram impingidas pelos códigos religiosos formulados por patriarcas religiosos a partir de um pano de fundo de quase total desempoderamento político e econômico das mulheres. (CASTRO, 2009, p).

De outra forma, baseando-se na pesquisa sobre “Estrutura Da Família e Questão De Gênero” (2009, p. 18), indica que no Timor-Leste a raiz da violência origina-se a partir da cultura patriarcal.

‘Em primeiro lugar, a cultura patriarcal no Timor-Leste para as mulheres  ainda é muito preservada, sua estrutura que é ainda mais dominante com sistema patriarcal. Com essa afirmação na “segunda classe” da sociedade Timorenses todas as posições das mulheres são na esfera privada, ou domestica, (Nature and nurture), as mulheres têm mais responsabilidade de cuidar da família e dos filhos, se comparada com os homens. Além disso, para as mulheres é difícil obter melhor educação ou receber uma herança de propriedade. O poder superior ou tomada de decisões ainda é predominante para os homens.

Segundo, a cultura dos Dotes, considerando que a família dos homens terá que pagar o “Barlaqueado”, inicialmente, como atitude simbólica, deu valor para as mulheres porque elas irão “pertencer” à família do marido. Na linguagem de Timor-Leste, “Fetosan Umane” (SEQUEIRA et alli, 2009, p. 18-19).

Com essa afirmação, segue o preconceito porque interpreta-se a tradição dos dotes, ou Barlaqueado, como transação ou negócio entre as famílias, geralmente por meios materiais. Exemplo: Baça, Boy, Belak, Mean, ouro, ou dinheiro, etc.

Terceiro, Violência familiar, ou dependência econômica das mulheres, fazem parte da contribuição para violência sexual, principalmente na área urbana. Porque o conceito de família para sociedade Timorense não é um tipo de núcleo que é composto pela mãe, pai, filho, marido, mas composto também pelos outros parentes como elementos que fazem parte da família dos maridos. Exemplo: paga-se propinas de estudo, uniforme ou necessidade básicas das famílias dos maridos, ou outras alternativas pelas quais as mulheres podem obedecer por causa da agressividade, obrigatório por parte dos homens (Idem).

A opinião de muitas das mulheres que teriam a capacidade e o talento para dar o seu contributo na gestão familiar, muitas vezes não é dada porque a família, ou o marido, não as apoia. Há um preconceito generalizado de que o trabalho doméstico seria mais importante e mais direcionado para as mulheres, sendo esta postura comum tanto na capital e quanto nas áreas rurais, onde muitas famílias ainda não entenderam a questão da igualdade de gênero. Essa questão toca diretamente no problema da relação entre os direitos e a liberdade das mulheres, que dificulta o acesso à educação, economia, saúde e política porque os homens são maioria dominante ainda na política. Por causa de questões culturais, vem sendo difícil para as mulheres exercem seus direitos básicos, de integridade física, direitos de ir e vir e de tomar decisões dentro da sociedade. Além disso, a atitude colonial parte das culturas paternalistas, faz uma barreira ou um obstáculo para todo cidadão, inclusive para as mulheres.

As vítimas de violência baseada no gênero acham difícil obter justiça, quer através dos mecanismos formais ou tradicionais, que podem ser profundamente patriarcais, tanto nos seus procedimentos, como nos resultados. Os líderes tradicionais frequentemente consideram mais importante manter os laços entre a comunidade e a solidariedade do que assegurar justiça para cada mulher individualmente.

Martha Nussbaum, no Livro Women’s Capabilities and Social Justice” (2000), apontou que é possível fazer críticas à teoria política. Assim, identificando os conceitos que estão abertos a reinterpretação e destacando o da liberdade individual, podemos tratar da questão de direito humano das mulheres, da questão de proteção de todas as mulheres contra violência doméstica, e da importância da reflexão sobre a condição da liberdade e da dignidade para todas as mulheres. Além disso, Nussbaum salienta a liberdade essencial do ser humano e o mecanismo através do qual pode-se desfrutar de outras liberdades. Assim busca-se os elementos que nos podem permitir definir a liberdade e dignidade através do Estado.

Esses conceitos fazem parte do ponto focal dos direitos humanos que podem eliminar todas discriminações que afetam a todas as mulheres através do sistema de lei e podem prever a igualdade de direito e deveres entre homens e mulheres na vida familiar, cultural, social, econômica e política. Garante ainda a proteção contra a discriminação baseada no sexo o que ajuda a sustentar a promoção da igualdade, da liberdade e da dignidade das mulheres.

Ao pensar nesta solução, na vida das mulheres no modo tradicional, Nussbaum trouxe também, através da experiência, uma forma cooperativa de normas públicas em relação à tradição de mulheres na índia. O argumento da autora é o seguinte:

Devemos considerar que quando as mulheres parecem estar satisfeitas com tais costumes, devemos sondar mais profundamente. Se alguém que não tem direito à propriedade e não teve nenhuma educação formal, não tem direito legal de divórcio, então será muito provavelmente espancada, se ela procurar um emprego. (Nussbaum, 2000, p. 41-42)

Esta questão se liga diretamente ao problema da relação de liberdade e dos direitos civis, políticos, sociais e econômicos das mulheres, sendo difícil ir e vir porque não exercem os direitos de procurar emprego com base na igualdade com o outro. As mulheres no mundo têm limites de liberdade de falar e de buscar e de aprender, e têm dependência econômica numa família que não conseguem sustentar.

Tanto Okin (1989), como Nussbaum (2000), dissertam sobre a questão ligando todos os problemas que as mulheres enfrentam através de direitos coletivos. E segundo Okin (2008), para que as mulheres possam exercer seus direitos fundamentais, é necessário não apenas o controle sobre o ambiente, mas também sobre o material, de manter a propriedade (terra e móvel, bem) e ter o direito de propriedade, ter direitos de escolha, que regem a vida, ter proteção, poder exercer a razão prática.

Em relação aos direitos de propriedade (terra móvel e bem), no terceiro mundo, como no Timor-Leste: a “Justiça tradicional”, o sistema de resolução formal de disputas para a sociedade Timorenses é chamado de “Adat”. O adat é, muitas vezes, visto pela comunidade como sendo uma forma mais justa de resolver disputas. A estrutura do sistema de justiça tradicional é explicada com a estrutura de hierarquia do sistema tradicional e é evidente as desigualdades que resultam da aplicação, por exemplo, distribuem riqueza de herança e patrimônio de terras de modo a priorizar os homens em detrimento das mulheres.

No entanto, na justiça tradicional, as mulheres não recebem, na generalidade, compensações do patrimônio e de riqueza e habitualmente as compensações vão para os membros masculinos.

Na sociedade Timorense, no interior da família, no que diz respeito à violência sexual, as comunidades ainda acreditam que qualquer forma de violência física é atitude normal. “Bater para ensinar” uma boa conduta relativa ao subordinado que, além dos filhos, inclui as esposas. Assim, a cultura patriarcal coloca o homem como aquele que detém o maior poder na família, e este poder é exclusivo para ensinar ou castigar e dar uma sanção para os membros da família que não cumprem a obrigação ou as regras estabelecidas – pelos homens – na família.

Em qualquer forma de violação contra as mulheres Timorenses podemos citar e considerar também a Lei Maria de Penha 11.340.06, a qual foi promulgada para coibir todas as violências contra as mulheres, especialmente aquelas cometidas no âmbito doméstico. Esse instrumento pode ajudar a fundamentar, na obra de Rawls, e promover igualdade dentro de uma sociedade com a nossa consciência.

4.2 A ABORDAGEM DAS CAPACIDADES

Women And Human Development, Capabilities Approach, de Martha Nussbaum, enfoca na teoria das capacidades. Sua abordagem deve ser usada com base em princípios fundamentais para assegurar a liberdade com o mínimo de respeito à dignidade dos indivíduos, e ser também inclusiva para as mulheres dos países em desenvolvimento. A expressão Capabilities ou capacidades, foi desenvolvida por Amartya Sen, no sentido de ser um “potencial”, “estar apto a alguma coisa”, e Martha Nussbaum a usa como uma perspectiva para avaliar a qualidade de vida das pessoas e teorizar sobre justiça social, como espaço avaliatório, o que cada pessoa pode ser capaz, e a escolha por determinada liberdade substancial que as pessoas podem exercer ou não.

No livro de The Quality of Life, Nussbaum e Sen (1993, p. 3 e 4) apontaram para a vida que uma pessoa leva e que pode ser vista como uma combinação de vários fazeres e viveres, que podem genericamente ser chamados de funcionalidade. Essa funcionalidade se refere a questões como estar bem nutrido, e se livrar de doenças, além dos fazeres e viveres mais complexos tais como auto-respeito, preservação da dignidade humana, que podem fazer parte da vida da comunidade, e assim a capacidade das pessoas podem referir-se às várias combinações de alternativas e de funcionalidades, que as pessoas podem escolher e ter. Nesse sentido, a capacidade de uma pessoa pode corresponder a liberdade que as pessoas têm para levar um ou outro tipo da vida.

Nussbaum, no livro Frontiers Of Justice (2007, p.74),

Usa o conceito de capacidade para indicar um espaço no âmbito do qual as abordagens ao desenvolvimento empurram-nos, no sentido de concepção substantivo de algumas certas habilidades centrais e oportunidades,  incluindo oportunidades de escolha e  atividade, como o espaço que podem possibilitar dentro do qual fazer “comparações da qualidade de vida, todas as sociedades e como o critério de referência para ser usado ao ser perguntar em que a medida  uma  sociedade emitiu  um mínimo da justiça  aos todos seus  cidadão. (NUSSBAUM, 2007, p.74.)

Distingue-se porque ter capacidade significa ter a liberdade sendo também a igualdade um elemento pressuposto para o exercício da liberdade. Com essa afirmativa podemos analisar que não há como compreendermos o conceito de capacidade sem o conceito de liberdade. Porque as capacidades são um conjunto de igualdades de oportunidades que se possam dispor quando se alega que se deseja uma vida melhor, ou padrão da vida melhor.

No outro sentido, a vida das pessoas como uma combinação de “Functioning And Capabilities” que podemos traduzir por funcionalidade ou podemos entender como as pessoas que querem fazer o processo da condução de sua própria vida. Para termos razão para valorizar e considerar porque, no fim, podem alcançar as suas próprias metas.

Nussbaum (2000, p.71-73), o papel das capacidades é demarcar o espaço dentro do qual a qualidade de vida pode ser avaliada pela comparação da qualidade de vida dos outros. Pode-se usar essa ideia de uma forma mais exigente, como uma fundação pelo princípio político básico que deve ser garantido e defendido pela constituição. Assim que as capacidades principais das pessoas nas suas áreas são protegidas, não apenas na estrutura da abordagem, mas também no concretizar do seu conteúdo e forma, que se centra adequadamente na vida das mulheres, então as mulheres serão protegidas.

Essa questão está ligada à Constituição Da República Democrática do Timor-Leste, referenciada no Artigo 59. Educação e Cultura podem capacitar as pessoas, inclusive as mulheres, tanto na formação formal e não-formal, e serão protegidas.

  1. O Estado reconhece e garante ao cidadão o direito à educação e à cultura, competindo-lhe criar um sistema público de ensino básico universal, obrigatório e, na medida das suas possibilidades, gratuito, nos termos da lei.
  2. Todos têm direito a igualdade de oportunidades de ensino e formação profissional. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino privado e cooperativo.
  3. O Estado deve garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística. Todos têm direito à fruição e à criação culturais, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o patrimônio cultural.

No entanto, o mesmo prevê na constituição a educação não formal, mas ela ainda não está bem consolidada na sociedade. Todas as categorias e conceitos se estabelecem em um campo de disputas pelo significado e demarcação do campo de atuação. Hoje em dia observamos que no Timor-Leste a educação não formal tem um espaço próprio, depende de comportamento de diferentes indivíduos no espaço da vida. A questão da formação da cidadania, de uma cultura cidadã da emancipação, para as mulheres, ainda falta muito para ser atingida efetivamente.

A partir dessas estruturas correlatas, as Capabilities de Nussbaum são classificadas em três tipos diferentes de recursos que desempenham um papel importante na análise de Nussbaum:

  1. As capacidades básicas (basic capabilities): “habilidade rudimentares para se levar uma vida digna com preocupação moral. Como as pessoas nasceram no mundo nesse sentido, a capacidade de fala e linguagem, a capacidade para o amor e a gratidão, a capacidade para a razão prática, a capacidade de trabalho”.
  2. As capacidades internas (internal capabilities): estados da pessoa que se ligam a ideia de maturidade. São em si mesmas capacidades que muitas vezes independente de fatores externos para concretizarem sua funcionalidade. Por exemplo, alguém se torna capaz de funcionamento sexual simplesmente crescendo, sem muita intervenção externa, embora é preciso ser adequadamente nutrido. Quase todas as crianças aprendem a falar sua língua nativa: tudo que elas precisam é ouvir alguém falar suficientemente durante um período. No entanto, muitas vezes, capacidades internas desenvolvem-se apenas com o apoio do ambiente circundante, como quando se aprende a interagir com os outros, para amar, para exercer a opção política. Mas a certa altura, elas estão lá e a pessoa pode usá-las. Uma mulher que não tenha sofrido mutilação genital tem a capacidade interna para o prazer sexual; a maioria dos adultos, os seres humanos em todos os lugares têm a capacidade interna da liberdade religiosa e a liberdade de expressão.
  3. As capacidades combinadas (combined capabilities): resultam da combinação da capacidade interna com uma condição externa que possibilita funcionalidade. Exemplo: Liberdade de expressão. Considere uma mulher que não está mutilada, mas que se tornou viúva quando era criança e é proibida de realizar outro casamento. Ela possui a capacidade interna para o prazer sexual, mas não a capacidade combinada de expressão sexual. (NUSSBAUM, 2000, p. 83-84)

No entanto, podemos observar muitos casos em que algumas mulheres, impulsionadas pela necessidade material, estão ansiosas para trabalhar fora de casa e têm capacidade e habilidades que poderiam usar para muitos desses trabalhos, entretanto estão impedidas de trabalhar por pressão familiar ou religiosa.

Como apontou Nussbaum:

Supor uma lista que fornece os fundamentos dos princípios políticos básicos, que podem incorporar em garantir e defender pelo constitucional. Para este feito excluir essa capacidade humana, que podem ser discutidas convincentemente para ser de importância central em qualquer vida humana, para que as pessoas possam perseguir ou escolher com que elas querem.  (NUSSBAUM, 2000, p. 74).

Nussbaum argumenta que as capacidades centrais não são apenas instrumentais, mas elas têm valor em si mesmas, tornando a vida plenamente humana.

De acordo com Nussbaum (2000, p.86), é preciso ter as capacidades combinadas. É necessário que se ressalte a importância das questões materiais e das circunstancias sociais, duplo tanto na formação das capacidades internas e deixá-las que se expressem para estabelecer as liberdades e oportunidades que precisam ser reconhecidas. Isso não deve ser entendido de uma maneira puramente formal.

Nussbaum defende um feminismo liberal que permanece de muitas maneiras harmonioso em relação à Teoria da Justiça de John Rawls, mas considera insuficiente a tese da distribuição de bens básicos desenvolvida por ele e por isso propõe substituí-la por um modelo centrado nas capacidades básicas que cada pessoa deve desenvolver para funcionar plenamente na sociedade. Assim, Nussbaum, no livro Frontiers Of Justice (2007, p.76-78), aponta dez recursos ao bem-estar que devem ser levados em conta ao determinar a estrutura de cada sociedade, independentemente de religiões, culturas e sistemas políticos:

  1. Vida. Ser capaz de viver até o fim uma vida humana normal; não morrer prematuramente.
  2. Saúde corporal. Ser nutrido adequadamente para ter boa saúde.
  3. Integridade corporal. Ser capaz de se mover livremente de um lugar para outro; estar seguro contra agressão violenta, incluindo agressão sexual e violência doméstica; ter oportunidades de satisfação sexual e de escolha em matéria de reprodução.
  4. Sentido, imaginação e pensamento. Poder usar os sentidos, imaginação, pensar, e raciocinar e fazer essas coisas de “forma realmente humana” de modo informado, uma maneira informada e cultivada por uma educação, adequada, incluindo, mas não se limitado, a alfabetização e formação básica matemático- científica. Pode ser usar a imaginação, o pensamento justamente com a experimento e produzindo obra de trabalho auto expressiva e eventos da sua própria escolha, religiosos, literários, musicais e assim por diante. Pode-se usar propriamente de forma protegida pelas garantias de liberdade de expressão, no que diz respeito tanto em relação ao discurso político, como artístico e liberdade de exercício da religião, ser capaz de procurar o sentido último da vida da própria maneira, pode ser experiências prazerosas para evitar dor.
  5. Emoções. Ser capaz de ter ligações com as coisas e as pessoas fora de nós mesmos para amar, sofrer, sentir saudade, gratidão.
  6. Razão prática. Ser capaz de formar uma concepção do bem e se envolver em uma reflexão crítica sobre o planejamento da própria vida.
  7. Filiação. Ser capaz de se envolver em várias formas de interação social. Isto implica o disposto non discriminação com base em raça, sexo, orientação sexual, etnia, casta, religião, origem nacional.
  8. Outras espécies. Ser capaz de viver com preocupação para e em relação ao mundo da natureza, plantas e animais.
  9. Divertir-se. Ser capaz de rir, e desfrutar de atividades recreativas.
  10. Ter controle sobre o ambiente. (a). Tendo o direito de participação na política para escolhas que regem a vida e a proteção da liberdade de expressão e de associação. (b). Ser capaz de manter a propriedade (terra e móvel, bem), tendo o direito de propriedade de forma igual com o outros, tendo o direito de procurar emprego em uma base igualdade com os outros, ter a liberdade de falar e de buscar e aprender.

É importante lembrar que nas listas anteriores não figura a capacidade das mulheres mesmo no caso do terceiro mundo, por exemplo, Timor-Leste e Índia que vem da mesma cultura asiática nas quais as mulheres vêm de determinada religião. Nos sistemas culturais de cultura patriarcal não figurava, para as mulheres, a capacidade de ter propriedade, seja em caso de divórcio, seja em caso de partilha de herança. Elas têm o dever de cuidar dos filhos e das famílias em questão.

Nussbaum tem a intenção de oferecer um instrumental teórico para ser usado na prática, para a garantia de direitos para as mulheres, por isso ela defende um conjunto de normas transculturais contra a posição do relativismo cultural. Em cada nação, ou cada pessoa que leve em consideração valores morais de direitos humanos, é preciso considerar a capacidade de bem-estar material para todas as pessoas.

Uma das maneiras mais eficazes de promover o controle das mulheres sobre seu ambiente e o seu direito eficaz de participação política é promover a alfabetização das mulheres para que possam procurar emprego fora de casa e ter opções que permitam protegerem sua integridade corporal.

Como apontou no Livro Women and Human Development, Nussbaum (2000, p.76) tenta desafiar e comparar as versões anteriores e posteriores que mostrarão a entrada que moldaram seu conteúdo de várias maneiras. Assim, ele já representa o que se propõe: um tipo de consenso sobreposto por parte de pessoas com vistas em outras maneiras muito diferentes da vida humana. As pessoas podem assinar essa concepção como o núcleo moral autônomo de uma concepção política, sem aceitar qualquer visão metafísica particular do mundo, sem quaisquer éticas ou religiões ou mesmo qualquer visão particular da pessoa ou da natureza humana.  Com efeito, é de se esperar que os titulares de diferentes pontos de vista nessas áreas interpretarão o núcleo moral da concepção política, em certa medida de forma diferente, com seus pontos partidas, assim diferentes, do que um “muçulmano” pode interpretar, as mulheres são iguais como cidadãs na concepção política porque homens e mulheres compartilham uma única natureza metafísica essencial. Alguns cristãos poderiam dizer, por outro lado, as mulheres são iguais como cidadão, apesar do fato de que elas têm uma natureza essencial diferente dos homens.

A abordagem das capacidades do contratualismo Rawlsiano é aliada ao outro lado, num espaço largo, na teoria da justiça, um pouco diferente nos procedimentos que geram resultados estreitamente relacionados à obra In Women and Human Development, (2000). Defendo a convergência entre as melhores abordagens de capacidade. Assim, a diferença entre Nussbaum e o contratualismo de Uma Teoria da Justiça de Rawls (2008) retomando o primeiro capítulo, como que num primeiro passo, vamos supor que a estrutura básica da sociedade distribui certos bens primários sociais, isto é, coisas que todo indivíduo racional presumivelmente quer. Normalmente Rawls segue uma linha racionalista Kantiana, que acredita que a escolha correta é a escolha racional, na qual os indivíduos determinam racionalmente quais devem ser as condições de igualdade de oportunidades e agem conforme os princípios da razão bem como é correspondente às ideias de Rawls, dar valor igual de liberdade, aplicado no segundo princípio da justiça e podemos considerar isso verdadeiramente justa “igualdade de oportunidade” para as noções mais formais, a saber, liberdade e igualdade.

Para simplificar podemos supor que os principais bens primários à disposição da sociedade sejam direitos à liberdade e à oportunidade, à renda e à riqueza, consideramos isso e os bens primários de auto-respeito. São outros bens primários sociais de Rawls, a saúde, educação, social, política, e vigor, a inteligência e a imaginação, são “bens naturais” embora sua posse sofra influência da estrutura básica da sociedade, não estão sob seu controle tão direito (RAWLS, 2008, p. 76-77).

Por isso, se considera, e retomando o primeiro capítulo, que o Rawls trata do contrato social, de um hipotético arranjo social, no qual todos os bens, e direitos e deveres semelhantes, a renda e a riqueza, são distribuídas com igualdade.

No mesmo sentido, sobre a maneira pela qual o Rawls coloca a base social na auto estima, na sua lista nada é claro porque nenhuma sociedade pode garantir a saúde de seus indivíduos, o objetivo é a capacidade total externa que pode parecer excessivamente idealista. Alguns dos recursos (por exemplo, algumas liberdades e políticas) podem ser totalmente garantidos pela sociedade, e outros envolvem um elemento de oportunidade e não podem ser tão garantidos.

No mesmo sentido, ao falar da prioridade da liberdade, lembra-se no primeiro capítulo Rawls, refiro-me à primazia do princípio da liberdade igual em relação ao segundo princípio da justiça de Rawls. Na importante prioridade das liberdades básicas pode-se sustentar que todas as capacidades são igualmente fundamentais e não anuncia uma ordem lexical. Mas também na medida em que ambos argumentam veementemente que necessidades econômicas não devem ser atendidas por negar a liberdade, mas Rawls, está plenamente de acordo com os modelos da família, por exemplo, Rawls deixa perfeitamente claro que apoia esta ênfase no tratamento de cada pessoa como um fim.

Assim, considera-se que na Teoria da Justiça, de Rawls (2003-2008), podemos dizer, segundo a defesa dos direitos humanos “Liberdade e Igualdade” permite-lhes mais tempo para se empenhar nas atividades sociais, a sociedade pode esperar para garantir a base social destes bens naturais, e colocá-los na lista como conjunto de objetivos políticos, portanto, deve ser útil como um uma referência para aspiração e comparação. Certamente nossas liberdades estão mais firmemente garantidas quando provém de princípios com os quais as pessoas equitativamente situadas umas em relação às outras podem concordar, se é que existe alguma possibilidade de concordância.

Nussbaum pretende que o conteúdo da lista das capacidades, sem dúvida, atravessa-se teoricamente e propõe um internacionalismo que funda horizontes em nome da liberdade que não podem violar com nenhuma forma contra as liberdades das mulheres. Nussbaum (2007) apontou no livro Fronteiras da Justiça que, através de princípios constitucionalizáveis, se pretende para todos países, além do Timor-Leste e Índia, o direito de saíram de situações opressivas. Nussbaum pretende, com uma afirmação do liberalismo político, a proteção do ponto de vista da tolerância para cada indivíduo que enfoca nas capacidades para que elas possam desenvolver seu espaço na sociedade.

Nussbaum (2000) considera que a “abordagem de capacidades” defende os direitos das mulheres basicamente na sua experiência com as mulheres na Índia. No Timor-Leste, em relação à liberdade política, de alguma maneira é muito importante via moralidade que se permita algum tipo de realização dos valores defendidos em nossa concepção moral política.

Dessa forma, a vigência do sistema patriarcal ainda é facilmente observada, alguns homens ainda vigoram algumas características patriarcais mantidas pela cultura, por exemplo o pagamento de dotes durante o processo do casamento. No entanto, algumas mulheres procuram maior qualificação de sua capacidade através de cursos e dos talentos de habilidade e de outros meios, até chegar ao fim do ensino superior. O processo de transformações sociais da luta das mulheres não se voltou somente para a igualdade de direitos, mas, também, para a libertação do sofrimento psíquico devido à sua marginalização na sociedade, incluindo seu corpo e seus desejos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a exposição das contribuições positivas destes três autores centrais, Rawls, Okin e Nussbaum, passemos ao modo como a articulação teórica entre seus argumentos e obras nos possibilitam fazer críticas feministas. Estas considerações finais deter-se-ão sinteticamente sobre as propostas específicas desta dissertação, principalmente dos trabalhos de John Rawls, Susan Okin e Martha Nussbaum.Esta dissertação buscou de como uma teoria contratual, que obtém seus princípios a partir de um contrato hipotético e do recurso da posição original, que trata do modo como os indivíduos tomam suas decisões. Beneficiamo-nos teoricamente de um ‘véu da ignorância” através do qual se obtém dois princípios fundamentais da justiça como propostos por Rawls (princípio de igual liberdade e princípio da diferença), pois eles são listados de forma ordenada e as liberdades individuais não podem ser violadas.

Desse modo, os princípios seriam especialmente o direito à liberdade e à igualdade, e é importante lembrar que existe uma condição sobre os benefícios obtidos a partir desses princípios: eles devem ser distribuídos preferencialmente de acordo com o princípio de igual oportunidade. Para assegurar que as pessoas, em suas posições sociais, cheguem a um acordo racional e moral sobre quais são os princípios mais apropriados para proteger os seus interesses, Rawls interpreta a noção de bens primários sociais e as expectativas de como lidar com o princípio da diferença. Nesta perspectiva, entende Rawls que justiça como equidade significa, antes de mais nada, amparar os desvalidos, corrigindo as desigualdades sociais. E, por fim, o modelo de Rawls promove os bens primários sociais. Estes bens são distribuídos equitativamente para, posteriormente, ser transferidos para os cidadãos, e neles residirá a obrigação de tomar conta de suas vidas como pessoas livres e iguais. Assim, a liberdade requer avaliar a realidade de oportunidades dessas pessoas.

Nessa dissertação tivemos a possibilidade de fazer uma relação entre a família e a justiça, através dos princípios da justiça no entendimento dos problemas da justiça na família que Okin apontou em Justice And Gender The Family (1989), e outro em seu artigo Gênero, o Público e o Privado, Okin (2008), Esses problemas se relacionam com os desdobramentos da divisão sexual que estimulam o descaso existente com relação ao direito à liberdade de participação das mulheres na esfera pública. As críticas feministas nos propõem considerar a separação entre a esfera pública e a esfera privada como uma questão política de justiça para as mulheres. Especialmente, ressaltamos a relação da família nas esferas pública e privada através do ponto de vista feminista para poder investigar a desigualdade de gênero e as violações das liberdades das mulheres em todas as áreas, saúde, política, jurídica, econômica, social, religiosa, cultural, educação familiar, etc.

Tomando as desigualdades entre homens e mulheres, em questões de gênero, como uma arbitrariedade moral, como fazem Martha Nussbaum e Amartya Sen, podemos investigar as consequências do problema social das desigualdades que afetam as mulheres do Timor-Leste paralelamente com a Índia. Além disso podemos analisar o relativismo cultural e o sistema cultural patriarcal no qual não figurava a capacidade que está ligada à liberdade social e a relação com a política.

Com isso, Martha Nussbaum (1995-2000), concorda plenamente , em relação Além disso, Martha Nussbaum investiga de modo a construir um feminismo que deposita muito esforço no sentido de desenvolver os conceitos, como política, de uma perspectiva liberal, e com enfoque nas capacidades, para que seja possível sustentar um alastramento feminista internacionalista que defende as liberdades para as mulheres em todos os países do mundo.ao ponto de tolerância nas desigualdades sociais, e se dedica a todas as mulheres, de uma maneira geral. Com essa parte, defende claramente no livro de Frontiers Of Justice (2007), uma afirmação do liberalismo político, por razões de equidade entre mulheres e homens, ambos devem ser considerados iguais e devem ter as mesmas oportunidades para desenvolver seu potencial. Na educação, na saúde, na política, de modo eficaz, exige-se que se leve em conta o gênero quando se quer oferecer atenção adequada para todos os cidadãos, enfocando nas capacidades, em comparação ao enfoque de bem primários sociais.

Assim, Nussbaum e Okin buscam os elementos que podem nos permitir definir a liberdade e dignidade através do Estado. Esses conceitos fazem parte do ponto focal dos direitos humanos que podem eliminar todas discriminações que afetam todas as mulheres através do sistema de lei e pode prever a igualdade de direito e deveres entre homens e mulheres na vida familiar, cultural, social, econômica e política. Garante ainda a proteção contra a discriminação baseada no sexo, o que ajuda a sustentar a promoção da igualdade e da liberdade e da dignidade das mulheres, para escolhas que regem a vida e a proteção da liberdade de expressão e de associação que devem ser levados em conta para que elas possam desenvolver seu espaço na sociedade. Sendo assim considerar também o modelo de Rawls, que defende que a estrutura institucional da sociedade deve garantir as bases sociais para o auto-respeito, com dois princípios à liberdade e à igualdade, e da diferença, para que os indivíduos se valorizem e se reconheçam como dignos a fim de avaliar se eles conseguem responder às demandas feministas de autonomia e do auto- respeito. Assim, a obra de Rawls, ficou sendo uma das obras que mais contribuiu para a ética e a filosofia política contemporânea.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrando – Departamento de Filosofia -Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal Santa Catarina. Área de concentração: Ética e filosofia politica.

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