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Resenha: a luta de classes no agrário brasileiro e a construção das organizações políticas camponesas

RC: 90990
220
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/politicas-camponesas

CONTEÚDO

RESENHA

SOUZA, Leonardo Figueiredo de [1]

SOUZA, Leonardo Figueiredo de. Resenha: a luta de classes no agrário brasileiro e a construção das organizações políticas camponesas. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 07, Vol. 04, pp. 158-171. Julho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/politicas-camponesas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/politicas-camponesas

RESUMO

Sabe-se que desde o início da colonização europeia no Brasil, que teve seu inicio no século XVI, até o capitalismo do século XXI, a história do campesinato brasileiro é marcada por inúmeros conflitos com grandes latifundiários e com o Estado. Desse modo, nesta resenha buscamos discutir como os pesquisadores Gilberto Marques e Indira Marques tratam no livro “Luta Camponesa e Reforma Agrária no Brasil a história da luta camponesa no país”, trazendo reflexões sobre as ações do Estado diante dos conflitos e o desenvolvimento das organizações dos trabalhadores do campo.

Palavras-Chave: Luta de Classes, Campesinato, Estado, Capitalismo.

INTRODUÇÃO

Em o manifesto comunista Karl Marx e Friedrich Engels (2010) argumentam que a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes. Teoria esta que pode nos ajudar a compreender a história das lutas travadas pelo campesinato brasileiro ao longo de sua história. E é isso que Gilberto de Souza Marques e Indira Rocha Marques (2015), abordam no livro Luta camponesa e reforma agrária no Brasil.

Em suas palavras, na introdução, eles dizem que objetivam com esta obra “reconstruir a história da luta camponesa em meio as transformações no campo e na sociedade brasileira” (MARQUES; MARQUES, 2015, p. 7) e, de antemão, alertam que não se propõem, nesta obra, discorrer sobre as teorias de interpretação do campesinato, mas que os entende como trabalhadores que vivem de seus trabalhos na produção agropecuária.

Os autores dividiram o livro em quatro grandes marcos temporais analisados em quatro capítulos e em um quinto capitulo onde propõem  a reforma agrária como uma alternativa para os problemas abordados nos quatro capítulos anteriores, que são respectivamente: Origem do campesinato brasileiro e início de suas lutas; o campesinato como ator político ativo e organizado (1930-1960); Golpe Militar, modernização no campo e exclusão social do campesinato (1960-1980); agronegócio, conflitos, neoliberalismo e governo de frente popular (1990-2010) e pela reforma agrária e por uma sociedade sem exploração.

DESENVOLVIMENTO

No primeiro capítulo, intitulado origem do campesinato brasileiro e início de suas lutas, os autores abordam o período colonial e escravista, que vai do fim do Império e o início da República Brasileira. Nele, os autores apontam que os conflitos em torno da terra no Brasil iniciam com a colonização portuguesa, quando os indígenas[2] foram expulsos de suas terras para que Portugal pudesse se apropriar das riquezas naturais existentes nelas. Além dos indígenas, a origem do campesinato brasileiro também é formada pelos negros africanos que foram escravizados e trazidos para estas terras e os europeus pobres.

Ao tratar do regime/lei do morgadio, peça fundamental para entender o início da luta camponesa, se apoiam no sociólogo José de Souza Marins, que diz que a defesa da posse da terra pelo camponês era, antes de tudo a defesa da grande propriedade do fazendeiro latifundiário, se referido a defesa da terra do latifundiário pelo agregado que a lei/regime do morgadio gerou.

Nesse momento, no Brasil, a economia girava em torno da escravidão. Para os autores, era principalmente no comércio escravista que a escravidão se recriava, pois a escravidão permitia às metrópoles extrair renda na esfera da circulação, fazendo o escravo produzir renda antes mesmo de produzir mercadoria, uma vez que a escravidão impunha a necessidade do monopólio da terra para impedir que os trabalhadores livres se apropriassem de terras e organizassem uma economia paralela, livre da escravidão, que colocaria em risco a economia escravista. Porém, nem sempre as lutas dos camponeses foram pela terra, foram também de enfrentamento contra a exploração e condições de vida dos que nelas trabalhavam, como é o caso da cabanagem.

Com a aprovação do fim da escravidão (1850), o Império brasileiro elaborou a Lei das Terras, que determinava que as terras sem proprietários ficassem sob responsabilidade do Império, e só poderia adquiri-las quem pudesse pagar, impossibilitando o camponês, o escravo que estava sendo liberto e os imigrantes estrangeiros de compra-la, tendo que subordinar-se ao latifundiário para sobreviver. Pudemos ver, portanto, o Estado agindo de acordo com os interesses dos grandes latifundiários, característica marcante na história do Brasil que o autor tratará no decorrer de todo o livro. Neste contexto, a terra passa a ser convertida em mercadoria, e um novo campesinato é formado, composto por pequenos proprietários livres e compradores de terras. Para José de Souza Martins, este era um campesinato moderno, diferente do posseiro e do agregado anterior.

Ao falar dos inícios das lutas coletivas, o autor toma como importante a Constituição de 1891, que marca o fim da monarquia e o estabelecimento da Primeira República, que transferiu o controle das terras devolutas para os estados, saindo do controle direto do governo federal. A este momento tanto os autores desse livro, como Raymundo Faoro (2012) apontam que fora a república das oligarquias, pois estes estados eram controlados diretamente pelas oligarquias locais. Os governos estaduais repassavam as terras aos fazendeiros e empresas, aumentando a concentração fundiária. Nesse momento, o monopólio da terra passa a ser o principal elemento de subordinação do trabalhador e, o eixo da produção.

Com o início da Primeira República (1989), diversos conflitos no campo se agravaram, o que também resultou no início de lutas coletivas mais organizadas, que marcou a história da luta camponesa brasileira como a guerra de Canudos, o Contestado e o Cangaço, que tiveram como característica comum o levante de trabalhadores pauperizados, explorados e/ou expulsos de suas terras pelos fazendeiros ou pelo Estado. Além disso, tanto Canudos, quanto o Contestado e o Cangaço são marcados pelo antagonismo entre classes sociais; de um lado os camponeses e de outro os latifundiários. É muito importante destacar este conflito entre classes sociais diferentes, a qual Marx e Engels (2010) chamaram de luta de classes, porque será muito presente no decorrer do livro, evidenciando além de uma importante análise histórica, política, sociologia, geográfica e econômica da luta camponesa no Brasil, como também para entender a leitura política dos autores do livro.

A principal oligarquia desse período era a paulista, que tinha no café seu principal produto e que recorria a escravos libertos e imigrantes europeus. Utilizando-se de Sérgio Silva, os autores apontam que é no capital cafeeiro que se encontra a origem da burguesia no Brasil, marca-se, portanto, o surgimento de uma das duas classes que configuram a estrutura da economia capitalista conhecida como burguesia. Os autores também trazem João Manuel Cardoso de Mello, que diz que o café gerava uma massa de capital que se acumulava e se transformava em investimentos em outras formas de capital, tornando-se capital comercial, bancário e industrial. Porém, a produção do café objetivava, principalmente, a exportação, fazendo com que o Brasil tivesse uma economia e uma classe dominante dependentes de burguesias de países imperialistas. (MARQUES; MARQUES, 2015)

No capítulo o campesinato como ator político ativo e organizado (1930-1960), Marques e Marques tratam dos intensos conflitos agrários, a formação das Ligas Camponesas e o Golpe militar de 1964. Abordam que o desenvolvimento industrial no Brasil que começa no início do século XX, mas se intensifica com a ditadura de Getúlio Vargas que havia modificado o cenário político nacional, centralizando o poder no governo federal, diminuindo a influência das oligarquias regionais. Com o avanço da industrialização, cresce o êxodo rural e a urbanização, modificando a vida social e política do país; o número de sindicatos aumentou, trabalhadores se associaram á partidos políticos e garantiram o direito de voto a todos os cidadãos alfabetizados, além da Consolidação das Leis Trabalhistas.

A industrialização se intensificou ainda mais nos anos de 1950, no governo de Juscelino Kubitschek, com a criação de estatais e com a chegada de indústrias multinacionais. Os autores afirmam que sem os investimentos do Estado brasileiro, a industrialização nacional não teria alcançado o lugar em que chegou. Marques e Marques (2013) destacam neste livro, mas também no artigo espaço agrário e tendências do campo no brasil que esse processo de industrialização, significou não só a hegemonia da burguesia industrial, mas especificamente da burguesia industrial do Sudeste do país, porém, mantinha uma aliança flexível com a oligarquia agraria, e se relacionavam a partir de seus interesses, destacando também, uma diferença regional mediante as transformações na sociedade brasileira.

Essa industrialização que ocorreu nas cidades, também ocorreu nos campos, como demonstra o fenômeno que conhecemos como Revolução Verde, que de acordo com Toledo (2005) é filha da Revolução Industrial. Com ela, chegaram os produtos agroquímicos, que é produzido pela indústria, houve a substituição de uma parte de trabalhadores por máquinas, tornando este trabalhador em proletário, conceito proposto por Marx e Engels (2010) para se referir aqueles que vendem sua força de trabalho para sobreviver no sistema capitalista. Desse modo, aquele que até então era proprietário dos pequenos meios de produção, que tinha em sua família a força de trabalho necessária para cultivar seus produtos, e que tinha autonomia para decidir sobre sua produção e sua propriedade, agora estava submetido as determinações do grande proprietário rural (IANNI, 2012). E foi neste cenário de intensas mudanças que os trabalhadores rurais emergiram como atores políticos, passando a reivindicar seus direitos, questionando as formas de poder tradicionais.

O surgimento das organizações dos trabalhadores rurais no Brasil tem seu início com a crise da cana de açúcar no Nordeste do país (1930-1940), quando camponeses foram submetidos a penosas condições de trabalho. Nesse momento, em Pernambuco, os camponeses constroem as Ligas Camponesas, que inicialmente sofre oposição da igreja católica por um lado, e o apoio do PCB (Partido Comunista Brasileiro) por outro. Entretanto, as visões entre o PCB e as ligas, no que se referia ao futuro, logo se apresentaram divergente, pois o PCB acreditava que o Brasil eram um país semifeudal e que a tarefa do país seria, primeiro, a realização de uma revolução democrático-burguesa e as ligas objetivavam a reforma agrária, sem alianças com a burguesia e os latifundiários e em um patamar mais avançado, almejavam uma revolução camponesa e a construção do socialismo.

As tensões sociais no campo e a luta pela reforma agrária, foram parte importante de um processo mais amplo de efervescência social e política que desencadeou o golpe militar de 1964. De acordo com Martins, o golpe militar buscava (em associação com grandes empresários), entre outros objetivos impedir a ampliação das lutas rurais e o fortalecimento dos trabalhadores do campo que, de forma inédita, entravam maciçamente no espaço político nacional.

No capítulo golpe militar, modernização no campo e exclusão social do campesinato (1960-1980) os autores tratam da modernização da agricultura, a eclosão das lutas no campo e nas cidades, a crise política e econômica culminando com o fim do regime militar. Neste período, foram tomadas medidas pelos militares para tentar controlar os conflitos gerados pela expropriação do camponês e pela penetração do capital no campo, como o Estatuto da Terra, a transferência de camponeses de outras regiões para a Amazônia e o Centro-Oeste, buscando impedir que a questão agrária se tornasse numa questão nacional, política e de classe. O que culminou em outros conflitos nestas regiões para onde os camponeses foram transferidos, como a guerrilha do Araguaia no Pará, por exemplo.

Essas situações no campo brasileiro e em especial na Amazônia, foi a principal razão para a criação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 1975 e das CEBs (Comunidade Eclesiais de Base), isto é, houve um grande impulsionamento para a formação de organizações diversas dos trabalhadores rurais, além de outras formas de organização entre os latifundiários. Evidenciando mais uma vez a presença intensa da luta de classes de Marx e Engels na história da luta camponesa no Brasil.

Por volta dos anos 1970, outras medidas tomadas pelos militares, foi a modernização no campo que segundo os autores, foi uma modernização conservadora, pois, modernizava-se as bases técnicas da produção, mas mantinha-se a estrutura que conservava as grandes extensões de terras na mão de um pequeno grupo de pessoas, o que é analisado também por Luiz Felipe Farias (2014) em Agronegócio e luta de classes. Tanto os autores deste livro quanto Farias, apontam que do ponto de vista social, este processo de modernização concentrou a terra e a renda no campo, aumentando exponencialmente a proporção de pobres, o que produziu tensões e intensificou o debate sobre a reforma agrária. Nesse período, um novo grupo de trabalhadores foram agregados as lutas camponesas: os seringueiros[3] que foram expulsos dos seringais pelos latifundiários que visavam transformá-los em pasto.

Ainda nesse capítulo pode-se encontrar a maior contribuição deste livro, quando os autores apontam que o que há de novo nesse êxodo rural provocado por estas transformações na agricultura, não é o despojamento dos trabalhadores rurais de seus meios de produção, mas a expropriação das relações sociais por eles vividas, mesmo que o resultado não seja necessariamente a proletarização deste trabalhador, pois, apesar do capital expulsar camponeses de suas propriedades, de acordo com Ariovaldo Oliveira, o desenvolvimento capitalista brasileiro também cria possibilidades que permitam a reprodução de formas de trabalho camponês no país, ora monopolizando a propriedade da terra, ora subordinando os produtores e sua produção com contratos de comercialização. Além disso, Gilson Costa (2006) em um estudo a respeito das transformações na economia camponesa no interior da Amazônia, aponta que esta é apêndice e até contribui para a reprodução da economia capitalista, uma vez que garante o abastecimento de alimentos básicos às camadas urbanas empobrecidas e permitem a estas vender barato sua força de trabalho aos capitalistas e estes obterem altos lucros. Deste modo, para os capitalistas, é interessante que uma parte da economia camponesa continue existindo.

Os autores também abordam a fundação o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), em 1984, que progressivamente ganhou expressões e importância nacional. E os grandes proprietários também se organizaram, criando a união Democrática Ruralista (UDR). Esta organização atuou reprimindo (para não dizer assassinando) os trabalhadores no campo, pressionando os governos, fazendo ações nas cidades e elegendo parlamentares. Todavia, esta segunda pôde contar com a presença de parlamentares no Congresso Nacional, que influenciava, de certa forma, ainda mais as ações do Estado. Um exemplo disso trazido pelos autores, foi a criação do GEAT nos anos 1980 (Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins) que veio para reforçar a reforma agraria, mas que na prática, apoiava a implantação de grandes projetos agropecuários, madeireiros e de extração mineral, além de regularizar terras apropriadas ilegalmente. (MARQUES; MARQUES, 2015)

Uma outra questão trazida pelos autores neste capitulo, é a descoberta de Francisco de Assis Costa, ao relacionar os dados dos assassinatos de trabalhadores rurais no Pará entre os anos de 1966 e 1986 com distribuição espacial dos incentivos ficais do governo e concluiu que a aceleração da violência no campo está intimamente ligada aos grandes projetos agropecuários. Ou seja, mais uma vez o Estado agindo de acordo com os interesses da classe dominante no campo brasileiro.

Para finalizar este capítulo o autor aborda a redemocratização e plano nacional de reforma agrária que ocorreu no país no fim da ditadura militar, ao mesmo tempo ocorre a reorganização dos trabalhadores brasileiros em formas de novos partidos que foram criados e de outros que saíram da legalidade. O governo cria o Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento da Reforma Agrária que elaborou o PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária) que teve apoio da UDR e infelizmente (palavras dos autores) contou com o apoio de setores ligado a luta pela terra como a CONTAG, ao passo que o MST e a CUT ficaram contra o plano por acreditarem ser tímido demais e uma versão para o campo do pacto social (pacto de colaboração entre as classes sociais) proposto pelo governo. Este plano representou uma derrota para aqueles que almejavam uma reforma agraria verdadeira, restou tentar a reforma agraria, então, através da constituinte de 1988, porém, havia de enfrentar a força dos latifundiários que contavam com uma numerosa Bancada no Congresso Nacional.

No capítulo agronegócio, conflitos, neoliberalismo e o governo de frente popular (1990-2010), os autores analisam as transformações que ocorreram no campo brasileiro com a modernização da agropecuária nacional que se intensificou e ganhou novos elementos; ocorre o aprofundamento na integração entre capitais industrial-financeiros e agrícolas, em particular nos setores ligados ao mercado externo, abrindo a economia nacional, facilitando a entrada de empresas multinacionais, que passaram a controlar parcela importante da produção e comercialização de comodities agropecuárias, além da presença mais intensiva ainda de pacotes tecnológicos, proposta ainda da Revolução Verde, que diminui o número de trabalhadores utilizados na produção, ocasionando maiores contradições sociais.

Tais transformações ocorridas no campo brasileiro produziram mudanças no padrão e na localização da violência, para exemplificar isso, os autores apontam que de 1985 a 1990 houve um exponencial aumento da violência no campo na Amazônia Brasileira, principalmente no estado do Pará. O ápice dos conflitos foi registrado em 1987, ano do Plano Nacional de Reforma agrária. A partir dos anos 1990 a violência adquire um componente importante que é a repressão estatal, como ocorreu com o massacre em Eldorado dos Carajás no Pará que ficou conhecido pela via campesina como o dia Internacional da Luta Camponesa.

O Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) tenta retomar frente ao tema da reforma agrária e para isso toma algumas medidas que para os autores deste livro era de caráter neoliberal, pois, o documento “Novo Rural Brasileiro”, criado em 1999, compreendia os assentados como empreendedores e atendia os anseios do Banco Mundial para a realização de uma reforma agrária que divergia da proposta do MST e da CPT, pois tinha o mercado como regulador da produção camponesa, conformando uma concepção produtivista da reforma agrária.

No entanto, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva fora eleito presidente do país, afirmando que a esperança vencera o medo, se referindo a mudanças reais no país, além disso, na campanha propôs resolver o problema agrário com uma canetada só, ou seja, fazer a reforma agrária tão sonhada pelos camponeses. O que fez Lula contar com o apoio das classes trabalhadoras das cidades e principalmente com o apoio dos trabalhadores rurais, iniciando assim um governo de frente popular. Porém, a canetada não foi dada, ao contrário, Lula manteve os traços de um programa predominantemente burguês, tomando medidas que beneficiavam os grandes proprietários do campo, como a não revogação da medida provisória de FHC  que proibia a vistoria para a desapropriação de propriedades ocupadas pelos movimentos camponeses, a regularização de grandes propriedades ilegais na Amazônia, e o aumento da concessão de créditos vida BNDS para estes grandes proprietários do campo.

Os autores também abordam o governo Dilma e seu reforço ao agronegócio, que implementou um conjunto de obras infraestruturais para a exploração das riquezas naturais e sociais da América do Sul, ligando-a mais facilmente ao mercado internacional. Olhando o mapa deste subcontinente vemos a localização extensa e estratégica da Amazônia. Não é por outro motivo que inúmeras obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo brasileiro estão localizadas nesta região. A reforma agrária é profundamente secundarizada, enquanto o governo injeta dinheiro no agronegócio (como é o caso do aporte de capital que o BNDES fez aos principais frigoríficos do país) na produção de energia e extração de minérios, com o objetivo de aumentar a produção e exportação de comodities – ainda que quem ganhe com isso sejam as multinacionais, tanto as de origem estrangeira ou brasileira.

O investimento estatal na agropecuária, possibilitou o estabelecimento de um crescente rebanho bovino na Região Amazônica, a ocupação territorial da região foi efetivada de fato pelo boi, sob os interesses dos latifúndios e com apoio do Estado. Além disso, houve também um aumento da exportação de soja, que tem culminado em uma corrida por novas terras, avançando do Mato Grosso para o Pará, Rondônia e a região do Mapito. O resultado disso é a derruba de floresta e o desaparecimento de comunidades nativas que se opõe a essa expansão. Porém, o destino dessa produção não é apenas o mercado interno, mas também as regiões sul, sudeste e o Exterior. Os autores apontam que a soja que devasta floresta na Amazônia vai para a China e para alimentar os gados que são criados em confinamento nos países “ecologicamente corretos” da Europa.

Destacam ainda que o agronegócio no campo brasileiro é a reprodução moderna de nosso passado agrário-exportador. Continuamos a exportar matérias-primas e alimentos, enquanto nossa população passa fome. Ao mesmo tempo em que cresce o agronegócio, ampliam-se as contradições sociais no campo. O agronegócio é monopolizado por 30 grupos empresariais e muito desses domínios se estende sobre a agricultura familiar através de contratos de produção. Tudo isso, destaca os autores, veio acompanhado de intenso processo de mecanização – aquilo que Marx denominou de aumento da composição orgânica do capital, substituindo trabalhadores por máquinas, o que aumenta a produtividade, mas gera desemprego, constituindo, portanto, uma massa de desempregados que Marx (2017) chamou de Exército de Reservas, que é importante para a acumulação do capital, para reduzir o salário dos trabalhadores empregados e inibir suas reivindicações de melhores condições de trabalho e maiores salários. Por outro lado, também leva à formação de um novo proletariado no campo, mais qualificado, e com maior importância individual no processo de produção, mas este proletário “mais moderno” ainda convive com relações de trabalho presas ao passado. Em todo caso, este trabalhador pode nos próximos anos, a depender de sua organização, cumprir um papel destacado nas lutas dos trabalhadores do campo.

No quinto e último capítulo intitulado pela reforma agrária e por uma sociedade sem exploração, os autores tratam da importância do campesinato, mas também da luta por reforma agrária como parte de um projeto mais amplo: a transformação radical da sociedade, constituindo-se outra, que não seja mais marcada pela exploração e opressão. Os autores tratam de como Marx, Kautsky, Lenin e Chayany percebiam o campesinato europeu e apontam que a história do campesinato na América Latina e no Brasil se difere um pouco do campesinato europeu que estes autores estudaram, pois nos demonstra que há a expropriação (e a proletarização) do campesinato, mas há também a permanência (em piores condições ou não) de formas camponesas de produção.

Para os autores, devido a configuração excludente do campo brasileiro, as lutas destes camponeses – e particularmente a luta pela reforma agrária – apresentam um caráter anticapitalista, ainda que parte delas seja pela obtenção de uma porção de terra, ou seja, de propriedade privada, mas que difere da grande produção capitalista, que tem como objetivo primeiro e último o lucro, enquanto a meta imediata e principal da agricultura camponesa é terra de trabalho. De acordo com Marques e Marques, esses elementos são a base para o entendimento seja das potencialidades seja das limitações das lutas camponesas, que apresentam dificuldade para elaborar um projeto para além do capitalismo. Todavia, os autores percebem a importância desta classe no processo de construção do socialismo em uma aliança entre operário e o camponês, que inclusive contribui para a Revolução Russa de 1917, dirigida principalmente por Lenin e Trotsky.

Um dos motivos que leva ao autor a pensar a reforma agraria como uma necessidade é o fato de que a agricultura familiar é o setor que mais gera emprego no agrário brasileiro e o que é responsável pela maioria dos produtos que abastecem as mesas das famílias brasileiras. Contudo, é o setor que tem a menor extensão de área cultivada e que menos recebe créditos e estímulos do governo. Ao passo que o latifúndio e o agronegócio concentram a maior parte das terras e recursos estatais.

E para finalizar este capítulo e o livro, o autor destaca dois elementos. O primeiro é que a luta camponesa e, especificamente, a luta pela reforma agrária pode ser um elemento importante para a superação do capitalismo e para a construção de uma sociedade sem classes. E o segundo é que esse projeto de uma nova sociedade pode se mostrar, para alguns, como algo grandioso e longínquo demais, e para fazer seus leitores acreditar na luta camponesa e apoia-la, os autores utilizam como exemplo a ocupação de terra que ocorreu nos anos 1990 no município de Castanhal-PA, onde mesmo em um pequeno espaço de terra e com muitas dificuldades, os trabalhadores que ocupavam a área começaram a produzir e construir novas possibilidades de viver no campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem dúvidas, o livro Luta camponesa e reforma agrária no Brasil de Gilberto Marques e Indira Marques (2015) nos permite traçar um panorama histórico da luta camponesa no Brasil, observando neste longo percurso inacabado, ora os conflitos entre camponeses e os grandes proprietários de terras com o Estado, ora entre camponeses e o Estado defendendo os interesses dos grandes proprietários de terra. Isto é, de acordo com a discussão travada pelos autores do livro, a luta dos camponeses é travada, desde seu início, pela luta de classes, tendo o Estado (seja o Império ou a República) como um de seus inimigos. No entanto, ao demonstrar o histórico das organizações construídas, dos direitos conquistas através de muita luta, o livro proporciona esperanças para aqueles que almejam grandes conquistas da classe trabalhadora não só no campo, como também na cidade.

REFERÊNCIAS

COSTA, Gilson. Desenvolvimento rural sustentável com base no paradigma da agroecologia. Belém: UFPA/NAEA, 2006.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 5. Ed. São Paulo: Globo, 2012.

FARIAS, Luiz Felipe de. Agronegócio e luta de classes. São Paulo: Sudermann, 2014.

IANNI, Octavio. A Formação do proletariado rural no Brasil – 1971. In. A questão agrária no Brasil: o debate na esquerda. João Pedro Stedile (org.). 2. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MARQUES, Indira; MARQUES, Gilberto.  Espaço agrário e tendências do campo no brasil. Cadernos CEPEC. vol. 2 n, 2013.

MARQUES, Indira; MARQUES, Gilberto. Luta camponesa e reforma agrária no Brasil. São Paulo: Sudermann, 2015.

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, Karl. O capital. vol. I. 2. Ed. São Paulo: Boitempo, 2017.

TOLEDO, Victor. La memoria tradicional: la importância agroecológica de los saberes locales. Revista de Agroecologia, abril de 2005. p. 16-19

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

2. Os autores utilizam o termo “tribo”, mas optamos por não o utilizar, por ser um termo que grande parte dos indígenas o consideram pejorativo.

3. Os conflitos entre seringueiros e latifundiários ocasionou diversas mortes de trabalhadores, entre estas, a de Chico Mendes, que ficou conhecida no mundo inteiro. A esse companheiro de luta, fica nossa homenagem em tom de agradecimento.

[1] Graduando em Ciências Sociais.

Enviado: Dezembro, 2020.

Aprovado: Julho, 2021.

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