SOUSA, Letícia Cristina A. de [1]
SOUSA, Letícia Cristina A. de. Uso Racional de Medicamentos – Algo que Precisa ser Entendido e Trabalhado. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 02, Ed. 01, Vol. 16, pp. 340-347, Março de 2017. ISSN:2448-0959
RESUMO
O uso irracional de medicamentos e a automedicação são atitudes que se tornaram cada vez mais frequentes, isso devido ao fácil acesso e a grande quantidade de propagandas que estimulam o uso incontrolado dos medicamentos. Ademais, a garantia do uso apropriado e seguro dos medicamentos abrangem, também, aspectos clínicos, farmacêuticos, econômicos, jurídicos, regulatórios e culturais, os quais devem ser levados em consideração no processo decisório no setor de saúde. A prescrição racional de medicamentos envolve etapas que vão além do diagnóstico e seleção da terapêutica mais adequada. É no momento em que o farmacêutico assume responsabilidades no cuidado com o paciente, por meio da prática da Atenção Farmacêutica, que são identificados inúmeros problemas relacionados aos medicamentos e dificuldades na adesão ao tratamento farmacológico. O objetivo do presente artigo é conceituar o uso racional de medicamentos, expor os riscos da irracionalidade da administração de medicamentos e demonstrar a importância do farmacêutico no processo educativo de utilização de medicamentos. O artigo trata-se de uma revisão bibliográfica, utilizando como principal banco de dados o Scielo, e o termo utilizado para pesquisa foi uso racional de medicamentos.
Palavras-chave: Uso Racional de Medicamentos, Automedicação, Atenção Farmacêutica, Assistência Farmacêutica.
INTRODUÇÃO
O uso irracional de medicamentos e a automedicação são atitudes que se tornaram cada vez mais frequentes, isso devido ao fácil acesso e a grande quantidade de propagandas que estimulam o uso incontrolado dos medicamentos.
A Política Nacional de Medicamentos (BRASIL, 2001) define o uso racional de medicamentos (URM) como o processo que compreende a prescrição apropriada; a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a dispensação em condições adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade.
Embora tenham relação entre si, a automedicação e o uso indiscriminado de medicamentos são considerados duas práticas diferentes. A automedicação é a utilização de medicamentos por conta própria ou por indicação de pessoas não-habilitadas para tratamento de doenças cujos sintomas são “percebidos” pelo usuário, mas sem a avaliação de um profissional de saúde. O uso indiscriminado é mais amplo; está relacionado à “medicalização”, ou seja, uma forma de encontrar a cura para doenças e promover o bem-estar usando exclusivamente medicamentos, o que pode levar ao consumo excessivo e constante destes produtos (CARCUTE, 2007).
De acordo com MOTA et al. (2008), o uso racional de medicamentos como qualquer outro bem socioeconômico, para ser produzido e disponibilizado, incorre-se em custos (uso de recursos limitados) e envolve a apropriação de conhecimentos e mudanças de conduta de diversos agentes, como empresários da cadeia produtiva farmacêutica, agências reguladoras, prescritores, farmacêuticos, balconistas de farmácias, profissionais do direito e pacientes. Ademais, a garantia do uso apropriado e seguro dos medicamentos abrangem, também, aspectos clínicos, farmacêuticos, econômicos, jurídicos, regulatórios e culturais, os quais devem ser levados em consideração no processo decisório no setor de saúde.
O objetivo do presente artigo é conceituar o uso racional de medicamentos, expor os riscos da irracionalidade da administração de medicamentos e demonstrar a importância do farmacêutico no processo educativo de utilização de medicamentos.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de uma revisão de literatura qualitativa, portanto foram utilizadas informações disponíveis em artigos científicos, utilizando como principal banco de dados o Scielo, e o termo utilizado para pesquisa foi uso racional de medicamentos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O uso irracional de medicamentos não é uma prática exclusiva do Brasil, sendo, portanto, prática mundial. Abaixo, seguem informações da OMS apud AQUINO (2008) sobre este hábito que ocorre em muitos países:
- 25 a 70% do gasto em saúde, nos países em desenvolvimento, correspondem a medicamentos, em comparação a menos de 15% nos países desenvolvidos;
- 50 a 70% das consultas médicas geram prescrição medicamentosa;
- 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente;
- 75% das prescrições com antibióticos são errôneas;
- 2/3 dos antibióticos são usados sem prescrição médica em muitos países;
- 50% dos consumidores compram medicamentos para um dia de tratamento;
- Cresce constantemente a resistência da maioria dos micro-organismos causadores de enfermidades infecciosas prevalentes;
- 53% de todas as prescrições de antibióticos nos Estados Unidos são feitas para crianças de 0 a 4 anos;
- Os hospitais gastam de 15 a 20% de seus orçamentos para lidar com as complicações causadas pelo mau uso de medicamentos.
Tendo em vista que o medicamento é um instrumento de saúde quando utilizado de forma racional, mas que pode causar danos à saúde se usado de forma indevida, a utilização da prescrição como única fonte para a decisão remete-se diretamente à proteção do paciente/usuário. A prescrição racional de medicamentos envolve etapas que vão além do diagnóstico e seleção da terapêutica mais adequada. A etapa da informação é muito importante para a compreensão, por parte do paciente, sobre o que lhe está sendo prescrito (FIGUEIREDO, PEPE, OSORIO-DE-CASTRO, 2010).
SANTOS, BARRETOS, COELHO (2009) apontam que os principais motivos para utilização de medicamentos são febre, tosse, gripe/resfriado, dor de garganta, dor de cabeça e cansaço, sendo que os fármacos mais utilizados são os que atuam no sistema nervoso central, no aparelho respiratório e anti-infecciosos de uso sistêmico.
A indicação em drogarias e farmácias é um fator que contribui para o uso indiscriminado dos medicamentos, pois os atendentes geralmente são orientados a indicar mesmo que não haja necessidade, isso visando o lucro dos seus patrões.
A automedicação geralmente é influenciada pela mídia excessiva. LAGE, FREITAS, ACURCIO (2005), em um artigo sobre a imprensa e os medicamentos, divulgaram que as informações ressaltando os cuidados no uso e abuso de medicamentos e os riscos da automedicação por uso de antiácidos, analgésicos, anti-inflamatórios e por medicamentos de venda livre, assim como o risco de medicar bebês sem orientação médica são pouco frequentes.
Outra constatação importante que deve ser considerada, por influenciar, diretamente, o consumo de medicamentos é o papel central ocupado pelo medicamento como solução para os problemas de saúde e a percepção de que toda doença exige um tratamento farmacológico (NAVES et al, 2010). A obtenção de um medicamento sem o devido acompanhamento do seu uso pelo setor de saúde pode trazer malefícios ao indivíduo. Para que seu uso seja seguro, é necessário que a indicação terapêutica esteja correta, que se considerem as doenças concomitantes, que seja fornecido em quantidade e doses adequadas, com informação suficiente para que o indivíduo saiba como utilizá-lo e sobretudo, com o seguimento da utilização, para averiguar os benefícios terapêuticos e a ocorrência de eventos adversos (FIGUEIREDO, PEPE, OSORIO-DE-CASTRO, 2010).
A conscientização e educação da população em geral, é o caminho que deve ser utilizado para promover o URM. Torna-se necessário que a população seja orientada sobre como proceder em relação ao uso de medicamentos, para que estes tenham uma ação efetiva e segura. A abrangência do processo de educação permite abordar inúmeros aspectos, como a conservação, a automedicação, grupos de risco, gravidez e lactação, concomitância com bebidas alcoólicas, prazo de validade e outros. O farmacêutico é o profissional habilitado para essa educação e conscientização, e este pode ser feito por meio da atenção e assistência farmacêutica.
IVAMA et.al. (2002), definem a Assistência Farmacêutica como o conjunto de ações desenvolvidas pelo farmacêutico, e outros profissionais de saúde, voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto no nível individual como coletivo, tendo o medicamento como insumo essencial e visando o acesso e o seu uso racional. Envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população; e a Atenção Farmacêutica como um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da Assistência Farmacêutica e compreendem atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e corresponsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde, trata-se da interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida.
Muitas vezes, os pacientes não recebem ou não tomam a dose do medicamento de forma correta, ou usam tratamento inadequado. Após obter a prescrição médica, o paciente torna-se responsável pelo uso do medicamento, sobre com o, quando e quanto tomar. Além de prejuízo para a saúde, o uso inadequado supõe um desperdício de recursos, a princípio pagos pelos pacientes. O doente e o público em geral devem ter acesso à informação correta, objetiva e relevante a respeito dos medicamentos, para que se obtenha maior adequação em seu uso, além de evitar a automedicação desnecessária (LAGE, FREITAS, ACURCIO, 2005).
É no momento em que o farmacêutico assume responsabilidades no cuidado com o paciente, por meio da prática da Atenção Farmacêutica, que são identificados inúmeros problemas relacionados aos medicamentos (PRM) e dificuldades na adesão ao tratamento farmacológico (FOPPA et al, 2008). Cabe a este profissional resolver ou minimizar estes problemas e propor alternativas para facilitar a adesão ao tratamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A disponibilidade de informação sobre medicamentos é uma condição necessária, mas insuficiente para promover o uso racional. É necessário que se disponibilize informações sobre o risco da utilização desenfreada dos medicamentos.
Atualmente, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) juntamente com todos os estabelecimentos de saúde (hospitais, drogarias, postos de saúde) realizam uma campanha para o uso racional de medicamentos, entre as ações empregadas estão a obrigatoriedade de afixar cartazes com os dizeres “Em caso de dúvida da utilização de medicamentos procure o médico ou o farmacêutico”, cartazes comparando medicamentos falsificados com medicamentos verdadeiros.
A educação medicamentosa, de fato, deve começar no consultório com a prescrição médica e continuar com a orientação do farmacêutico no ato da dispensação. Mesmo os medicamentos de venda livre, que não necessitam de prescrição médica, devem passar pela orientação do farmacêutico, pois este deve questionar o cliente/paciente sobre os demais medicamentos utilizados e analisar se não haverá interação medicamentosa prejudicial.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Daniela S. Por que o uso racional de medicamentos deve ser uma prioridade? Ciência & Saúde Coletiva. Vol. 13, 2008. pp. 733-736.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Medicamentos. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.
CARCUTE, Daniele. Os perigos do uso inadequado de medicamentos. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasília, 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/divulga/reportagens/060707.htm Acesso em 12 de agosto de 2010.
FIGUEIREDO, Tatiana A.; PEPE, Vera L. E.; OSORIO-DE-CASTRO, Claudia G. S. Um enfoque sanitário sobre a demanda judicial de medicamentos. Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro. Vol. 20, 2010. pp. 101-118.
FOPPA, Aline A.; BEVILACQUA, Gabriela; PINTO, Luciano H.; BLATT, Carine R. Atenção Farmacêutica no contexto da estratégia de saúde da família. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas. Vol. 44, 2008. pp. 727-737.
IVAMA, Adriana. M. et al. Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica: proposta. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2002.
LAGE, Eloína A.; FREITAS, Maria I. F.; ACURCIO, Francisco A. Informação sobre medicamentos na imprensa: uma contribuição para o uso racional? Ciência & Saúde Coletiva. Vol. 10, 2005. pp. 133-139.
MOTA, Daniel M.; SILVA, Marcelo, G. C.; SUDO, Elisa, C.; ORTÚN, Vicente. Uso racional de medicamentos: uma abordagem econômica para tomada de decisões. Ciênc. saúde coletiva. Vol.13, 2008. pp. 589-601.
NAVES, Janeth O. S.; CASTRO, Lia L. C.; CARVALHO, Christine M. S.; MERCHÁN-HAMANN, Edgar. Automedicação: uma abordagem qualitativa de suas motivações. Ciência & Saúde Coletiva. Vol. 15, 2010. pp. 1751-1762.
SANTOS, Djanilson B.; BARRETO, Mauricio L.; COELHO, Helena L. L. Utilização de medicamentos e fatores associados entre crianças residentes em áreas pobres. Rev. Saúde Pública. Vol.43, 2009. pp. 768-78.
[1] Graduação em Farmácia pelo Centro Universitário do Triângulo – UNITRI; Especialização em Saúde da Família pela Fundação Grande Fortaleza e Especialização em Farmacologia aplicada à Prática Clínica pela AVM. Professora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Goiatuba – FAFICH.