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Perspectivas teóricas de drogadição e proibicionismo a partir de um viés histórico- crítico-social

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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

JUNIOR, Ailton Batista de Albuquerque [1], ALBUQUERQUE, Edite Batista de [2], COELHO, Flávia de Araújo [3], SOUSA, José Alberto Rodrigues de [4], BENVENUTO, Nara Raquel Ancelmo [5], LIMA, Rachel Figueiredo Viana Martins [6], VIANA, Raila Beserra [7]

JUNIOR, Ailton Batista de Albuquerque. Et al. Perspectivas teóricas de drogadição e proibicionismo a partir de um viés histórico- crítico-social. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 05, Vol. 12, pp. 05-30. Maio de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/drogadicao-e-proibicionismo

RESUMO

O presente trabalho acadêmico, a partir de uma perspectiva histórico-dialética, realiza tessituras acerca da gênese e desdobramentos da drogadição, proibicionismo, criminalização e possibilidades de descriminalização, visando desvelar a constituição do uso de drogas como um mecanismo com refrações sociais a partir do contexto em que se está inserido nas dimensões cultural, política, econômica e social. Dessa forma, o estudo busca desnaturalizar os fenômenos que envolvem as pessoas adictas, utilizando para fundamentação teórico-metodológica uma pesquisa bibliográfica.  Nessa perspectiva, constatou a fragilidade das políticas públicas destinadas à juventude, especialmente, as de incentivo ao ingresso do jovem no mundo do trabalho, geração de renda, cultura, esporte e lazer. Destaca-se que todo estudo é incluso e, dada a complexidade da temática, ainda há muito a ser pesquisado. Assim sendo, deseja-se que este ensaio sirva de inspiração e fundamento para a continuidade de pesquisas sobre essa questão.

Palavras-chave: Juventude, proibicionismo, pobreza, drogas.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo, com fulcro numa perspectiva histórico-dialética, busca analisar algumas categorias – drogadição, proibicionismo, criminalização e possibilidades de descriminalização – desnaturalizando os fenômenos que envolvem as pessoas adictas ou drogaditas. Nessa óptica, procura traçar uma genealogia (não acrítica) das drogas desde sua gênese até a contemporaneidade, sendo o seu principal objetivo a realização de discussões acerca da drogadição e seus desdobramentos na atualidade.

Dito isso, as substâncias psicoativas, popularmente conhecidas como drogas, quando consumidas, causam alterações no funcionamento do Sistema Nervosa Central (SNC) do ser humano, mesmo assim elas são utilizadas desde os primórdios da humanidade e nas mais diversas civilizações numa multiplicidade de contextos. Entretanto, com o passar do tempo, muitas delas foram consideradas proibidas devido aos malefícios à saúde da humanidade (comprovados pela farmacologia, medicina e psiquiatria).

Hodiernamente, algumas são consideradas lícitas e podem ser produzidas, comercializadas e consumidas livremente, enquanto outras são chamadas drogas ilícitas, verificando-se que a existência do uso e comércio informal de substâncias psicoativas tornadas ilícitas é do conhecimento da maioria da população mundial, já que seu combate é amplamente divulgado pelos diversos governos, empresas de telecomunicações e redes/mídias sociais, visto que as mensagens transmitidas às pessoas são em forma de alerta sobre os perigos, malefícios e danos causados pelo uso e comércio dessas substâncias.

Disseminada como “guerra às drogas” e “combate ao crime organizado”, uma metodologia de higienização e/ou extermínio da população pobre avança legalmente e se fortalece a cada dia, posto que o Brasil, assim como a maioria dos países do restante do mundo, adotou o proibicionismo às “drogas” e a utilização desse procedimento para promover o encarceramento e aniquilamento das pessoas economicamente vulneráveis, ou seja, é uma forma de “criminalizar a pobreza”, em especial, a juventude pobre. Ressalta-se que essa ação é reforçada pela atuação da área de Segurança Pública como um todo (aparato policial, sistema prisional, judiciário e estatutos legais), tendo em vista que, em nosso país, potencializa-se a alocação de recursos financeiros na repressão de combate ao tráfico de drogas por meio do fortalecimento da Segurança Pública, ao invés de investir em tratamento e ações preventivas ao uso e comércio de substâncias psicoativas, como por exemplo, a efetivação de políticas públicas voltadas para a juventude, a saber: a ampliação do mercado de trabalho formal, a melhor preparação do jovem para inserção no mundo do trabalho, o funcionamento de equipamentos culturais, sociais, esportivos e de lazer atrativos para a permanência dos jovens, entre outras ações. Assim, o ideal seria investir em mecanismos e ações preventivas e protetivas, ao invés de medidas repressivas.

Nessa conjuntura, o índice de tráfico de drogas de jovens brasileiros cresce consideravelmente, haja vista que uma parcela dessa realidade está presente no município de Iguatu (CE), considerando que, conforme o Diagnóstico situacional criança e adolescente de Iguatu (CE) – 2018, “em 2017, foram registrados na delegacia de Polícia Civil de Iguatu, 38 adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas. Já no primeiro semestre de 2018, foram autuados 24 adolescentes, isto é, mais de 50% do total de casos do ano anterior” (IGUATU, 2018, p. 24). Esses dados comprovam o grande crescimento dessa “atividade empregatícia” informal naquela comarca, o que demanda a relevância da exposição e discussão acerca das dificuldades enfrentadas pela juventude brasileira, especialmente, a trabalhadora do comércio informal de substâncias psicoativas. Esse debate poderá estimular a provocação de mudanças na condução das políticas relacionadas a esses sujeitos e, consequentemente, a resolutividade de parcela significativa dessa problemática.

Nessa acepção, inicialmente foi feita uma retrospectiva sobre a história das substâncias psicoativas e seus aspectos socioculturais; em seguida aponta-se como, quando e por que elas passaram a ser proibidas e/ou criminalizadas e finalizando-se com uma discussão sobre as políticas públicas mundiais e brasileiras relacionadas às drogas, expondo a fragilidade dessa realidade brasileira. Nas considerações finais, constata-se a urgência de criação e implementação de políticas públicas preventivas e assistenciais que deem auxílio às pessoas adictas e àquela população vulnerável ao fenômeno da drogadição.

2. A HISTÓRIA DAS DROGAS NO MUNDO E NO BRASIL E SEU SIGNIFICADO CULTURAL

O termo droga e o seu significado são amplamente debatidos entre os estudiosos da área e na sociedade em geral, haja vista o termo ter sido associado à negatividade e às substâncias perigosas à saúde, tornando-as estigmatizadas. Dessarte, construiu-se um sistema de estereótipos e preconceitos a respeito das substâncias psicoativas e sobre as consequências do seu uso. Contudo, ao aprofundarmos a análise sobre a questão, percebemos que esse termo:

[…] serve para designar amplamente qualquer substância que, por contraste ao “alimento”, não é assimilada de imediato como meio de renovação e conservação pelo organismo, mas é capaz de desencadear no corpo uma reação tanto somática quanto psíquica, de intensidade variável, mesmo quando absorvida em quantidades reduzidas. (LABATE, 2008, p. 14)

Corroborando com as aludidas expressões, a Organização Mundial da Saúde (1993, p.82), diz que a “[…] droga é toda substância natural ou sintética que introduzida no organismo vivo, pode modificar uma ou mais de suas funções”. Ressalta-se que, desde os primórdios da humanidade, essas substâncias são utilizadas pelos diversos povos:

O consumo de substâncias psicoativas popularmente referidas como “drogas” é fenômeno recorrente e disseminado em diversas sociedades humanas e em diferentes momentos de suas histórias. Do ponto de vista do campo de estudos da cultura e da política, no seu sentido mais amplo, a existência e o uso de substâncias que promovem alterações na percepção, no humor e no sentimento são uma constante na humanidade, remontando a lugares longínquos e a tempos imemoriais. (LABATE, 2008, p. 13)

Um exemplo dessa prática milenar é a utilização das ervas, raízes e folhas para fazer chás medicinais, bebidas alucinógenas e fumos nas culturas indígenas, ou ainda o uso do vinho pelas civilizações mediterrâneas e as adeptas ao Cristianismo (CARNEIRO; OLIVEIRA, 2014). Assim sendo, o uso de substâncias psicoativas é inerente à história das diferentes civilizações, inclusive, tem uma dimensão ontológica para a humanidade, já que está vinculada às formas de produção e reprodução da sua vida material e subjetiva, ou seja, as substâncias psicoativas existem desde os tempos remotos e foram utilizadas por diversos motivos, dentre eles, a própria alimentação, rituais religiosos e a sobrevivência:

vinhos, as cervejas e todos os fermentados alcoólicos, assim como muitas plantas, entre as quais a papoula, o cânhamo, o chá, o café, a coca, o guaraná e centenas de outras drogas vegetais psicoativas representaram na história da humanidade diversos papéis, todos com profunda relevância, pois alguns foram os grandes analgésicos, os inimigos da dor, física e espiritual, os grandes aliados do sono tranquilo, mas outros também, com usos opostos, os estimulantes e provedores de energias para a caça, o combate e a resistência cotidiana aos males e incômodos da vida. (CARNEIRO, 2009, p. 14)

Nessa concepção, a partir de uma perspectiva econômica, Carneiro (2002, p. 119) entende que a “[…] busca da satisfação das necessidades é o que leva a produção dos meios para satisfazê-las”, colocando as drogas como mercadorias, visto que, em Marx, (2013, p. 158) “[…] a utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso”. Dessarte, esse objeto de troca chamado de droga passa a ser útil e valorizado, tornando-se um meio de consumo necessário que gera valores de troca, ou seja, as drogas tornam-se mercadorias, economicamente, viáveis, visto que existe um grande comércio clandestino que justifica a continuidade nas atividades legais e ilegais de comércio de substâncias entorpecentes.

Apesar de algumas drogas não serem intrínsecas às necessidades fisiológicas do ser humano, elas são utilizadas por sujeitos a partir do momento que se tornam hábitos ou parte de seus costumes. Consequentemente, essas substâncias suprem desejos e necessidades humanas particulares, de acordo com cada indivíduo e sua cultura, estejam elas relacionadas à recuperação da saúde, rituais religiosos, à alimentação ou à satisfação de prazeres.

Conforme as premissas aludidas, além de desenvolver uma influência social, cultural, econômica e religiosa, as drogas tiveram (e ainda têm) uma contribuição significativa para a manutenção da saúde da população, tendo em vista o uso de chás e ervas medicinais e, a posteriori,  a fabricação e consumo de remédios e estimulantes como o café, considerando Dias (2005, p.15) que:

Nas crenças sumérias e assírio-babilônicas, a doença é um mal causado por espíritos malignos, os demônios, aproveitando a falta de proteção dos deuses. O termo Shêrtu, significa igualmente “pecado”, “cólera divina” e “castigo”. A doença é causada, ou por ação direta dos deuses, ou por posse por demônio. Este conceito deu origem ao duplo significado do termo grego pharmakon, do qual derivou posteriormente fármaco e farmácia, e que tinha simultaneamente o sentido de medicamento e veneno, devido à acepção inicial de feitiço.

Assim, o termo pharmakon adquiriu duplo sentido: se para diversas sociedades significa fármaco ou medicamento, para o povo grego é qualquer substância capaz de atuar no organismo, tanto causando benefícios quanto malefícios. Essa percepção grega se adequá ao uso das drogas, pois estas podem causar ambos os efeitos, dependendo da sua finalidade ou forma de consumo. Nessa perspectiva, “[…] nem todo/a usuário/a de drogas se constitui um “problema” e, também, o uso de drogas não é um “problema” para todo/a usuário/a.” (ALBUQUERQUE, 2016, p. 41). Nesse sentido, a utilização de substâncias psicoativas fazia parte do modo de vida dos primeiros habitantes do Brasil, haja vista sua cultura ter como base práticas alimentares e espirituais e/ou religiosas arraigadas no bom uso da “mãe natureza”, já que seus deuses estavam ali representados. Assim, as drogas numa perspectiva ampla estão enraizadas nos costumes e tradições do nosso povo e fazem parte da cultura brasileira, visto que:

Estamos no terreno das culturas; todas elas partem da enorme diversidade de práticas, representações, símbolos e artes que habitam o Brasil. Para o bem e para o mal, as “drogas” são e estão na cultura. Ou melhor, nas culturas e, portanto, não podem ser entendidas fora delas. (LABATE, 2008, p. 11)

Cada povo tem seus próprios comportamentos, manifestações, costumes e tradições, isto é, uma cultura própria. No Brasil, essa cultura também está diretamente ligada ao consumo de drogas “socialmente aceitas”, especialmente, as bebidas alcoólicas, uma vez que no Carnaval, é a cerveja; no São João, o quentão; no Natal e Semana Santa, são os vinhos. Outro costume, é o uso constante de chás e ervas medicinais na prevenção e na recuperação da saúde, ou seja, o consumo de substâncias psicoativas (lícitas) é intrínseco à cultura brasileira. Ante a perspectiva histórica e antropológica do uso de drogas pelas sociedades, faz-se necessário o debate informativo sobre a história do uso das drogas e seu significado social e cultural para a sociedade, desmistificando assim o caráter preconceituoso sobre essa questão. É preciso esclarecer para a população a sua diferenciação, consumo e decisão de uso de um indivíduo, e as consequências sociais e individuais, atreladas a cada uma destas situações.

3. O SURGIMENTO DO PROIBICIONISMO, SUAS MOTIVAÇÕES E AS DROGAS COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL

Diante do exposto, percebe-se que, antigamente, as drogas não representavam aos sujeitos um “perigo à humanidade”. Ao contrário, boa parte dessas substâncias eram consideradas indispensáveis e até divinizadas nas culturas de várias civilizações. Com o passar do tempo, porém “[…] as drogas foram sendo, pouco a pouco, constituídas como mercadoria em meio às disputas imperialistas entre as grandes potências e frações da classe dominante” (LIMA, 2009, p. 41). Com o grande crescimento do uso das substâncias psicoativas, percebeu-se ali uma oportunidade de comercializá-las, tornando-as mercadorias, haja vista já terem valor de uso e agora, valor de troca. Assim, o Capital passou a interferir na sua regulação e definição quanto à finalidade (veneno ou tratamento):

A partir do século XV o cultivo da maconha se difundiu, impulsionada pelas grandes navegações, a planta foi levada pelos espanhóis a países da América do Sul, e alguns anos mais tarde, pelos franceses e ingleses, ao norte do continente. Entretanto, a cannabis, “qualificada pelo seu valor de uso e numa escala de fluxos comerciais ampliados, ganhou a condição de mercadoria” a partir da expansão comercial entre árabes e gregos com o mundo muçulmano. (SILVA, 2016, p. 04)

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, houve um significativo crescimento e popularização das substâncias psicoativas e estas passaram a ser usadas com maior frequência, principalmente nos tratamentos médicos. Assim:

[…] com a invenção da agulha hipodérmica e a descoberta da heroína (1874), médicos receitavam ópio como analgésico e usavam a heroína como relaxante muscular. Em 1860 descobriram a cocaína, que era indicada para tudo, de desânimo a pós-operatório. A indústria farmacêutica ajudou a popularizar o produto, mas seus efeitos nocivos foram logo descobertos. Outras drogas menos nocivas também foram descobertas e a partir de 1890, o mercado médico da cocaína declinou rapidamente (MAGRI, 2007, p. 04).

Consoante Carneiro & Oliveira (2014), “No início do século XIX, beber demasiado não era uma doença. No máximo, uma prova de mau caráter ou de falta de autocontrole.” Essa realidade foi se modificando ao longo do tempo, de acordo com as necessidades e interesses econômicos do capitalismo (ora eram benéficas ou eram maléficas) e em função do seu significado social. Assim, a proibição do comércio de drogas surgiu na China, por volta dos anos de 1800, motivada por disputas comerciais, mas travestida em forma de prevenção e manutenção da saúde da população chinesa. O governo chinês proibiu a entrada da substância no país, numa atitude que desencadeou na Primeira Guerra do Ópio, em 1836. No início do século XX, os Estados Unidos estavam em plena ascensão, tornando-se uma das principais economias capitalistas do mundo e enxergava na proibição do comércio do ópio, uma maneira de afetar sua principal concorrente: a Inglaterra. Desse modo, os EUA através da Liga das Nações – atual Organização das Nações Unidas (ONU) – formou, em 1909, a Comissão de Xangai, objetivando a proibição do uso do ópio. Essa Comissão elaborou “[…] restrições à livre produção, venda e consumo de drogas estimulantes, como a cocaína, e narcóticos como os opiáceos (ópio, morfina, heroína)” (RODRIGUES, 2003, p. 02). Entretanto, a real intenção da proibição do fumo do ópio era, além de prejudicar o comércio da Inglaterra, criminalizar os imigrantes chineses, já que possuíam esse hábito. Tais providências diminuiriam a concorrência entre trabalhadores chineses e americanos, por postos de trabalho.  Na realidade as “drogas ilegais” foram criminalizadas como estratégia de controle social e interesse econômico, posto que: “desde sua gênese a proibição das drogas tem fundamentos econômicos e políticos, sobrepostos aos da saúde. (D’ELIA FILHO, 2007, p. 78). Nessa concepção, são diversos os interesses por trás do proibicionismo às drogas. No entanto, o interesse econômico se sobressai aos demais, haja vista que a raiz proibicionista está diretamente interligada aos interesses capitalistas, principalmente, o de obter lucros exorbitantes com esse mercado informal, uma vez que para Fiore (2012, p. 09).  “[…] o proibicionismo é uma forma simplificada de classificar o paradigma que rege a atuação dos Estados em relação a determinado conjunto de substâncias, ele não esgota o fenômeno contemporâneo das drogas, mas, a marca decisivamente”.  Segundo esse mesmo autor, o proibicionismo surgiu não apenas pelo motivo econômico, mas por diversos outros fatores e sua ideologia de “guerra às drogas” expandiu-se pelo restante do mundo. Nessa perspectiva:

[…] Percebe-se a ascensão de um mercado das drogas, com influência dos grandes conglomerados empresariais dos ramos farmacêuticos em fase de formação, inaugurando uma separação entre o remédio e o prazer, para os produtos liberados e prescritos, e entre o veneno e o sofrimento, para aqueles que não fazem parte das substâncias comercializadas pelos padrões legais estabelecidos pelo capital. (SILVA, 2016, p. 05-06)

Diante do exposto, pode-se afirmar que as camadas sociais abastadas passaram a criminalizar as substâncias psicoativas para o alcance dos seus reais interesses, a saber: a geração de altos lucros com a comercialização de drogas farmacêuticas – ao invés do uso de ervas medicinais; o fortalecimento da indústria química e a expansão, cada vez maior do comércio mundial de “especiarias” como o café, o tabaco, o chá e o chocolate, dentre outros. Além disso, o capitalismo, com o objetivo de aumentar a sua lucratividade, passou a controlar os hábitos dos trabalhadores para um maior desempenho, rapidez e rendimento na produção fabril.

No Brasil, a história da proibição das drogas surgiu juntamente com o controle da população pobre, em especial, os negros, que traziam em seus costumes culturais o uso da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha. Sua proibição teve início no Rio de Janeiro, posto que em “[…] em 1830, uma postura municipal foi publicada com esse fim e dizia: é proibido aos escravos e as outras pessoas o pito do pango, explicitando na letra da lei a discriminação étnica” (CINCO, 2013, p. 56). Isto dito, é notório que o ato de proibir os escravos de fumar a maconha, de praticar a capoeira e as religiões afro-brasileiras, tinha como real intenção criminalizar a cultura negra, sendo esse preconceito para com a pobreza, potencializado com a contribuição de alguns cientistas:

No Brasil, a partir de 1910, alguns cientistas como Rodrigues Dória, Francisco Iglesias e seus discípulos e colaboradores passaram a divulgar e descrever, em artigos e congressos científicos internacionais, suas teorias sobre o comportamento considerado por eles e outros eugenistas como naturais das populações de origem africana relacionando-o com os efeitos farmacológicos da Cannabis. Segundo suas teorias, no Brasil, a planta causaria em seus consumidores “degeneração mental e moral”, “analgesia/entorpecimento”, “vício/compulsão”, “loucura, psicose e crime” e esses efeitos seriam os responsáveis pelo comportamento atribuído por esses cientistas à natureza das populações de origem africana, que seriam caracterizadas pela “ignorância”, “resistência física”, “intemperança”, “fetichismo” e “criminalidade”. (ADIALA, 1986, 2006; RODRIGUES, 2004 apud VIDAL, 2012, p. 63)

Fica claro que, ao contrário do que é amplamente divulgado, a real motivação para a proibição das drogas não é só devido aos malefícios ocasionados à saúde da população, mas principalmente devido aos interesses econômicos da burguesia em ampliar, cada vez mais, seus lucros pela imposição de mecanismo de vigilância da classe trabalhadora, a fim de garantir maior produtividade. Para que isso ocorra, utilizam-se de estratégias de controle social para manter a “ordem” e impor a cultura dominante sobre as demais, sejam elas crenças religiosas, valores morais ou costumes. Ressalta-se que essas substâncias passaram a ser vistas como um problema de saúde e atentado contra a Segurança Pública a partir da expansão do capitalismo e da ideologia proibicionista disseminada por uma estratégia da Inglaterra, França e Portugal para liderar o mercado internacional das substâncias psicoativas de acordo com seus interesses econômicos. Nesse contexto, as drogas são consideradas uma expressão da questão social, e de saúde pública, pois essas substâncias:

passam a ser objeto de preocupação da sociedade somente no contexto da sociedade capitalista. Seja vinculada ao circuito da produção, circulação e concorrência intercapitalista; seja associada ao consumo “problemático” desta mercadoria e aos danos sociais produzidos em decorrência deste uso e da relação estabelecida pela sociedade com esta prática. Assim, na sociedade moderno-contemporânea a “questão das drogas” se materializa como uma das expressões da questão social. (ALBUQUERQUE et al., 2015, p. 03)

 A realidade brasileira é marcada por diversas expressões da questão social relacionadas às substâncias entorpecentes, dentre elas o uso “problemático” e comércio ilegal de substâncias psicoativas. Contudo, se analisarmos mais profundamente essa problemática, é possível perceber que a proibição das drogas ocasiona também problemas sociais (homicídios, violência, corrupção, financiamento do crime organizado, trabalho infantil, entre outros) além dos efeitos “nocivos” de quaisquer entorpecentes.

O Índice de Homicídios na Adolescência – IHA (2014), constata que há um crescente extermínio da população jovem, estando o Estado do Ceará e o de Alagoas liderando esse triste ranking, apresentando quantitativo superior a 8 mortes por dia e que “Fortaleza apresentou o maior índice entre as capitais, com um IHA aproximadamente três vezes maior ao do conjunto do país.” (MELO; CANO, 2017, p. 27). De acordo com essas informações, a violência contra a população adolescente e jovem na capital cearense é enorme e sobremodo preocupante, fazendo-se necessária a construção e implementação de políticas públicas específicas para essa faixa etária, a fim de incluir esses segmentos.

Essas estratégias devem ser atreladas ao incentivo e à oferta de participação gratuita em atividades culturais, esportivas e de lazer, e principalmente, o estímulo à profissionalização, empregabilidade e renda, como formas de proporcionar aos jovens e adolescentes outros percursos que não se associem às drogas e ao crime. Conforme o relatório do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência- CCPHA, referente ao segundo semestre de 2017, constata-se que o número de adolescentes e jovens assassinados no estado do Ceará aumentou em 50%. Logo, é preciso refletir sobre as causas desse aumento, visto que esse índice vinha num processo decrescente, desde 2014.

No entanto, o extermínio da juventude pobre cearense voltou a crescer, principalmente, nos bairros periféricos da capital: “os bairros com o maior número absoluto de mortes de adolescentes foram o Bom Jardim e o Jangurussu, ambos com 31 homicídios em 2017” (GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, 2017, p. 14). Durante a ditadura militar brasileira, entre 1964 e 1985, a “[…] conduta dos usuários de drogas foi equiparada legalmente em suas penas à conduta de traficantes, um “comunista”, um “traficante” e um “maconheiro” representavam o mesmo perigo para os valores estabelecidos pela ditadura militar” (D’ELIA FILHO, 2007, p. 98). Essa criminalização da pobreza perpetua-se até os dias atuais, disfarçada como “guerra às drogas” ou “combate às drogas”, haja vista a maioria da população presa por tráfico de drogas no Brasil, ser formada por jovens, pobres, negros e moradores de áreas periféricas, como afirma o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN).

De acordo com os dados estatísticos do INFOPEN, a maior parte da população prisional é formada por jovens entre 18 e 29 anos de idade, indicador mensurado em 56%. No que se refere à raça ou etnia, 67% do encarcerados são negros. No quesito escolaridade, 53% tem o Ensino Fundamental incompleto e 57% dessa população é solteira. O documento ainda enfatiza que “O tráfico de entorpecentes é o crime de maior incidência, respondendo por 27% dos crimes informados” (INFOPEN, 2014, p. 69). Analisando esses dados, verifica-se o enorme estigma vivenciado por essa parcela de jovens, posto que existe um forte preconceito da sociedade quando associa as comunidades pobres a redutos de marginais, quando na realidade, esse contexto social é fruto do descaso, da desigualdade social e da segregação econômica imposta pelo modo de produção capitalista a essa parcela da sociedade.

Geralmente, as políticas destinadas a combater o uso e o tráfico de entorpecentes, privilegiam a estratégia de enfrentamento aos usuários e as populações pobres, através de políticas higienistas, que apenas retiram esse público de seus locais de forma paliativa, não resolvendo a questão. Um exemplo dessas políticas higienistas, é o caso da Cracolândia em São Paulo, onde os jornais mostram que a “guerra às drogas” significa que essa população está sendo escorraçada pela polícia através de ações violentas em detrimento de uma intervenção que poderia tratar, de fato, de uma reparação profícua da situação vigente dos adictos.

A maior parcela dessa população marginalizada habita em comunidades periféricas, que são popularmente denominadas de “favelas” e surgem “[…] como uma opção de sobrevivência, moradia, embora precária, porto seguro para quem não tem para onde ir.” (MONTEIRO, 2015, p. 48). Percebe-se que, as “favelas” são comunidades, em sua maioria, não atendidas pelo poder público, insalubres, escassas de serviços públicos, de espaços de lazer e com poucos equipamentos sociais, culturais, educacionais e assistenciais. São comunidades com poucas alternativas para os seus moradores, sendo que a realidade da maioria dos moradores das comunidades periféricas é de apartação social, já que eles não têm acesso aos seus direitos e à cidadania, pois estes bairros não possuem estrutura física adequada à promoção da saúde, práticas esportivas e de lazer, equipamentos de acesso à cultura e instituições que os oportunizem a melhoria na qualidade de vida, como escolas profissionalizantes.

A desigualdade social é decorrente do Sistema Capitalista, que oferta, cada vez menos postos de trabalhos geradores de renda, objetivando ampliar a acumulação do capital. Com o fortalecimento das políticas neoliberais na década de 1990, a concentração de renda vem se acentuando, consideravelmente, no Brasil. Percebe-se um crescimento econômico acompanhado da intensificação da pobreza, do desemprego, do subemprego e da desigualdade social. Essas privações dificultam a participação de grande parte da sociedade na esfera pública, tornando aqueles alijados de uma sociabilidade mais ampla, já que se distanciam de melhores oportunidades de vida e da produção de novos horizontes.

Iamamoto considera o conceito de exclusão como um termo inadequado, por isso prefere utilizar o termo “questão social”. Nessa perspectiva, ao participar da VIII Jornada Municipal de Serviço Social em Buenos Aires, na Argentina, declarou: “Prefiero trabajar com lanoción de cuestión social, porque creo que nosotros, trabalhadores sociales, tenemos como materia prima, como objeto privilegiado de nuestraacción professional, las diferentes expresiones de lacuestión social em la sociedade.” (IAMAMOTO, 2002, p. 32). Ante a escassez de oportunidades que contribuam para a melhoria de sua qualidade de vida, os moradores das comunidades periféricas acabam adaptando-se às oportunidades de sobrevivência que lhes surgem: subempregos, empregos informais e até ilegais, como o tráfico de drogas. Assim sendo, nota-se que o problema real não é apenas o uso de “drogas” e seu comércio ilegal, mas é também algo bem maior, como o não acesso ao direito ao trabalho formal, uma expressão da “questão social”, resultante do fato de o Estado não desempenhar sua função, qual seja, garantir uma vida digna à imensa maioria da população.

4. A INTERVENÇÃO ESTATAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DROGAS NO MUNDO E NO BRASIL

Foi a partir dos interesses capitalistas que surgiu o proibicionismo das drogas e a criminalização de seus usuários e comerciantes. Quando o capitalismo percebeu as “drogas” como mercadoria, como oportunidade de expansão e ampliação de suas riquezas, a visão sobre seu significado mudou, deixando de ser hábito/costume de determinados povos/tradição cultural e passou a ser visto como um problema de saúde pública. Assim, no início do século XX surgem as legislações voltadas à “guerra às drogas”, lideradas pelos Estados Unidos e motivadas por interesses econômicos e políticos. Apesar da criminalização de várias substâncias psicoativas na Comissão de Haia, esse tratado não obteve muito sucesso e foi validado somente em 1921, com a Comissão Consultiva do Ópio. Na realidade, cada país cumpriu o tratado de acordo com seus interesses econômicos e políticos, mas “somente nos Estados Unidos da América é que a proibição a algumas drogas se tornou, por diferentes razões, uma prioridade política, que tem como um de seus principais ingredientes o conservadorismo, a moralidade e os bons costumes” (QUEIROZ, 2008, p. 35). A ideologia mundial sobre a “questão das drogas” é disseminada a partir de mecanismos legais, o que a torna de certa forma parecida, sob a forma de o uso e consumo de substâncias psicoativas serem estigmatizadas e criminalizadas. Atualmente, as legislações que regem a maioria dos países são fundamentadas nos tratados internacionais formulados nas Convenções da ONU de 1961, de 1971 e a última, de 1988.

Percebe-se que determinadas drogas são consideradas nocivas ou benéficas de acordo com a época, a cultura e os interesses econômicos e políticos de cada nação. A perseguição às mesmas nasce por meio de propostas de determinados países em função de seu domínio e expansão internacional. Assim, surgem os estatutos legais proibicionistas e as políticas públicas voltadas para a “questão das drogas”. Albuquerque afirma que:

Historicamente, as respostas à “questão das drogas”, hegemonicamente, defendidas e praticadas pelos Estados no mundo todo, têm sido enredadas com base no proibicionismo e na “guerra contra as drogas”. E ainda, no contexto atual marcado pela crise e mundialização do capital onde a financeirização e as investidas neoliberais tem se apresentado como alternativas principais no processo de redefinição da taxa de lucratividade do capital estagnada desde os anos de 1970, o Estado Penal em substituição do Estado Social funciona como instrumento de “administração da pobreza” (WACQUANT, 2008), na era do desemprego em massa e do trabalho precário. (ALBUQUERQUE et al., 2015, p. 03-04)

O Brasil não difere da maioria dos países e segue as normas ditadas pelas grandes potências mundiais através dos tratados internacionais. Aqui, o viés proibicionista surge paulatinamente, por meio de algumas ações pontuais e aos poucos vai se instaurando de maneira massiva. As primeiras legislações proibicionistas no Brasil surgem por volta dos anos 1920, baseadas na ideologia de “guerra às drogas” disseminada mundo afora pelos tratados e legislações internacionais. Aparece no país a tentativa de regularização de algumas substâncias psicoativas. Isso posto:

A primeira lei brasileira a regular o uso de ópio, morfina, heroína e cocaína data de 1921 e a única possibilidade de utilização lícita era através de recomendações médicas. Foi uma fase de adaptação entre as demandas sociais proibicionistas e estratégias governamentais de controle social. A proibição da maconha ocorreu em 1930, mais como uma forma de repressão a conduta de uma determinada classe social do que a proibição da planta, e as primeiras prisões pelo uso de drogas ocorreram em 1933 no Rio de Janeiro, cidade que possuía a maior população urbana do Novo Mundo. (GÓIS; AMARAL, 2009, p. 04)

O Decreto 4.294, datado de 06 de julho de 1921, é o marco inicial do arcabouço legal proibicionista brasileiro, visto que o decreto anterior de Nº 2.861, de 1914, enfoca apenas o controle na venda do ópio, morfina, heroína e cocaína, mas não sua proibição. É com o decreto 4.294/1921 que os comerciantes dessas substâncias passam a ser penalizados através de multas. Esse dispositivo legal marcou o início da “trajetória moderna do Brasil na produção legislativa alinhada à ‘matriz proibicionista’ às drogas” (SILVA, 2016, p. 08). A cada dia, o proibicionismo brasileiro foi ganhando mais força e consolidando sua versão controladora e punitiva, onde a criminalização da conduta das pessoas se formaliza por meio das leis penais em 1932 e, ainda, estipula pena de 1 a 5 anos para quem fornecesse “drogas “ao público em geral. Nessa concepção criminalizadora, é que se consolidam os instrumentos legais brasileiros relacionados a essa temática, materializando um sistema cada vez mais repressivo, controlador e punitivo, sendo que indiscutivelmente:

A política de drogas do Estado brasileiro ganhou uma versão mais rígida e detalhada, no final da década de 1930, com o Decreto Lei nº 891/1938, quando, àquela época, o país vivia a Ditadura do Estado Novo, nesse período, as ações do Estado brasileiro, em relação à questão das drogas, seguiam a tendência mundial liderada pelos EUA, possuindo um cunho proibitivo e criminalizador. No Brasil, assim como em todo o mundo, esse discurso se reforçou ao longo dos anos. (SILVA, 2016, p. 08)

Na década de 1970, foi promulgada a Lei 6.368/1976, popularmente conhecida com a Lei dos Tóxicos, na qual determinava que o uso e o tráfico de drogas deviam ser prevenidos e reprimidos. Em seu artigo 41, designava a “realização de inspeções nas empresas industriais ou comerciais, nos estabelecimentos hospitalares, de pesquisa, ensino e congêneres, assim como nos serviços médicos que produzirem, venderem, comprarem, consumirem ou fornecerem substâncias entorpecentes” (BRASIL, 1976, p. 01). Após a implantação da Lei dos Tóxicos ocorreram várias tentativas de modificá-la e “em menos de uma década, a legislação brasileira sobre drogas sofre três alterações” (SILVA, 2016, p. 10), inclusive, através da tentativa de implantação da Lei Nº 10.409/2002, mas essas modificações só ocorreram de fato, em 2006, com a atual Lei das Drogas vigente no país. Em 1998, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) foi transformado no Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) e criou-se a Secretaria Nacional Antidrogas, deixando evidente que a política brasileira em relação às “drogas” seguiria a matriz proibicionista, sugeridas nos documentos internacionais.

No ano de 2002 foi instituída a Política Nacional Antidrogas (PNAD), também seguindo a lógica mundial disseminada, qual seja, a de caráter proibicionista. O texto traz consigo o uso de “drogas” como um problema de saúde pública, um grave problema mundial, aliás uma “ameaça à humanidade”, “à soberania do país” e estimula a criação de soluções através de “postura firme”. Comprova-se a afirmativa acima com base na seguinte passagem:

Questão de relevância, na discussão dos efeitos adversos gerados pelo uso indevido da droga, é a associação do tráfico de drogas ilícitas e dos crimes conexos, geralmente de caráter transnacional, com a criminalidade e a violência. Esses fatores ameaçam a soberania do País e afetam a estrutura social e econômica interna, exigindo que o Governo adote uma postura firme de combate a tais ilícitos, articulando-se internamente e com a sociedade, de forma a aperfeiçoar e otimizar seus mecanismos de prevenção e repressão e garantir o envolvimento e a aprovação dos cidadãos  (BRASIL/PNAD, 2003, p. 07).

A referida política pública, além de proibicionista e criminalizadora, estimula a disseminação da ideologia internacional na população através da ampliação da consciência social por meio do Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD), onde sua “estratégia visa a ampliar a consciência social para a gravidade do problema representado pela droga e comprometer as instituições e os cidadãos com o desenvolvimento das atividades antidrogas no País, legitimando, assim, o Sistema.” (BRASIL/PNAD, 2003, p. 08). A orientação da Política Nacional Antidrogas (PNAD) é sucinta em relação ao apoio financeiro às ações de prevenção, tratamento e formação continuada de profissionais, mas no tocante à repressão, a orientação é de “fornecer irrestrito apoio às ações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, da Secretaria da Receita Federal, do Departamento de Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, das Polícias Civis” (BRASIL/PNAD, 2003, p. 12). A referida política proposta pelo governo federal é contraditória, pois ao mesmo tempo que ressalta a repressão e estimula o comportamento policialesco:

[…] traz, apesar, de se originar de um órgão de Segurança Pública – a Secretaria Nacional Antidrogas é vinculada ao Ministério da Justiça –, uma abordagem ampla e avançada em relação às medidas repressoras, pois seu texto enfoca a prevenção, o tratamento, a recuperação e a reinserção social, a redução de danos. (SILVA, 2016, p. 10)

Ao analisarmos a Política Pública brasileira sobre Drogas, devemos levar em consideração a conjuntura mundial e o contexto social brasileiro sob a ótica neoliberal. Todas as ideologias internacionais nela embutidas estão registradas no texto quando se afirma que “a Política observa o necessário alinhamento à Constituição Federal no respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de um Estado de Direito e está em consonância com os compromissos internacionais firmados pelo País” (PNAD, 2003) e, principalmente, os reais interesses econômicos e políticos que permeiam todo esse processo criminalizatório, preconceituoso e excludente. Assim como a política antidrogas norte-americana, a política antidrogas brasileira tem seu foco principal no combate e repressão ao comércio e uso de “drogas”. No tocante à prevenção, a própria Lei Antidrogas é sucinta, já que em seu corpo só possui dois artigos (Art. 18 e 19) sobre esse assunto, contrastando com o restante do texto que enfoca sobre a repressão, penas, crimes e procedimentos penais. Nota-se que é uma lei mais voltada para o aspecto coercitivo e repressivo do que preventivo, e quando este acontece, em sua maioria, é através de programas policialescos como o Programa Educacional de Resistência às Drogas[1](PROERD), visto que a metodologia desse programa:

[…] consiste em uma ação conjunta entre as Policias Militares, Escolas e Famílias, no sentido de prevenir o abuso de drogas e a violência entre estudantes, bem como ajudá-los a reconhecer as pressões e as influências diárias que contribuem ao uso de drogas e à prática de violência, desenvolvendo habilidades para resisti-las. (PROERD BRASIL, 2017)

O PROERD é uma iniciativa de prevenção ao uso de drogas, realizada dentro das escolas, que utiliza metodologia própria- acima descrita – e foi introduzida em vários países a partir da experiência vivenciada nos Estados Unidos. Ressalta-se que a iniciativa é implementada sem levar em consideração as diferentes realidades, ou seja, sem adaptá-la à realidade cultural local. Percebe-se assim, uma eficácia restrita nesse tipo de ação preventiva, já que a aplicação de sua metodologia é de cunho superficial, amedrontador e ideologizante, sem uma discussão mais aprofundada, onde “a droga” é descrita tão somente como “um perigo”, sem uma estratégia explicativa abalizada, como observa-se em um trecho de uma das letras das paródias utilizadas no desenvolvimento do PROERD: canta-se “alertou, alertou! Que as drogas não prestam, vão acabar com a sua vida se você usar!” (CARTILHA PROERD, 2004, p.42) ou na mensagem inicial de um policial para os alunos e pais do caderno Proerd: “Bem-vindo ao Programa Educacional de Resistência às Drogas – Proerd. Você está começando um programa fascinante. Serão 10 semanas em que você aprenderá como as drogas podem tornar as pessoas violentas e infelizes, o que é ruim para todos.” (CARTILHA PROERD, 2004, p.05). Outra ação nessa perspectiva preventiva é a realização de capacitações para os profissionais que atuam nessa área. Um exemplo é o Programa Crack, é Possível Vencer, que tem como principal metodologia a oferta de diversos “cursos presenciais e a distância dirigidos para diferentes públicos”, desde educadores até juízes, com o objetivo de prepará-los “para a prevenção do uso de drogas, acompanhamento, tratamento e reinserção social de dependentes e repressão ao tráfico de drogas.” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018) Faz-se necessário mencionar, que a Política Nacional Antidrogas traz, em si, várias orientações enfocando a questão da informação, educação, conscientização, prevenção, aperfeiçoamento da legislação, tratamento, repressão e combate ao uso e ao tráfico de “drogas”, mas em nenhum trecho do seu texto o documento se preocupa em estimular a pesquisa sobre quais seriam os determinantes e/ou motivações que levariam a população a fazer o uso problemático de substâncias psicoativas como, por exemplo, a tradição sociocultural, a desigualdade social, a escassez de serviços públicos e espaços de lazer, o abandono familiar, a falta de oportunidades de emprego e renda formais e outras motivações mais. É nítido que não há um olhar mais aprofundado/interessado por parte dessa política sobre quais seriam as reais motivações. Assim, para o CFESS:

As motivações para o uso de psicoativos (drogas) respondem, assim, a inúmeras necessidades sociais. Motivações que são socialmente determinadas e que transformam o modo como os indivíduos sociais se relacionam com os diferentes psicoativos (naturais ou sintéticos), alterando seu significado e padrões de consumo. Portanto, o uso de psicoativos pode: estar associado a indicações cientificamente comprovadas, decorrer de autoadministração, ser esporádico, ocasional, recreativo, abusivo ou dependente. O uso de psicoativos (drogas) é, portanto, uma prática social – profundamente alterada pela lógica mercantil e alienante da sociedade capitalista madura – e requer da/o assistente social compreensão crítica, dada sua complexidade e multiplicidade de determinações históricas que alteram seus padrões e significados. (CFESS, 2016, p. 07)

No ano de 2006 foi publicada a nova Lei de Drogas brasileira, Lei Nº 11.343/06 onde, no parágrafo único do seu artigo 1º, afirma: “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União” (BRASIL, 2006). Se os motivos da proibição fossem realmente os malefícios causados à saúde pela dependência química de “drogas”, o uso de outras substâncias consideradas lícitas, como o tabaco e o álcool, também deveria ser criminalizado. A utilização do termo “droga” possibilita várias interpretações, já que o referido estatuto legal não descreve quais são essas substâncias consideradas ilícitas. Logo, é necessário checar as listas elaboradas pelo Poder Executivo da União, através do Ministério da Saúde. Porém, em seu artigo 66, a lei supracitada dispõe:

Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1o desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998. (BRASIL, 2006, p.21)

Percebe-se assim, uma certa fragilidade no que se refere ao conceito/definição mais específica e clara da legislação, bem como a falta de acesso mais rápido à lista dessas substâncias consideradas ilegais, conforme estabelece o artigo 2º da Lei:

Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. (BRASIL, 2006. p.1)

Além dessa dificuldade em sua definição, há a dificuldade para diferenciar o uso pessoal do comércio ilegal, já que a lei não especifica a quantidade permitida para consumo. Além do mais, o estatuto legal em questão traz embutidos em si, o preconceito e estigma, haja vista o segundo parágrafo do seu artigo 28 expressar que:

para determinar se a droga se destinava a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do agente.” (BRASIL, 2006, p. 11)

Nessa acepção, o portador da substância é julgado conforme sua conduta e de acordo com o local onde encontrava-se no momento, levando-nos a inferir que se esse local for uma periferia, o sujeito possivelmente será considerado um traficante, agravando sua situação, caso haja antecedentes criminais.

Ressalta-se que o juiz determinará a pena, tomando como base o que afirma o artigo 42 da lei supracitada: “a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.”, ou seja, será aplicado o art. 59 do Código Penal de 1940, alterado pelo Decreto lei Nº 7.209 de 1984. Assim, julgar por personalidade e comportamento é um risco, pois cada pessoa é única, com suas vivências e realidade e o que é certo para uns é errado para outros, evitando assim o risco de um julgamento deveras subjetivo. O ideal seria determinar uma quantidade máxima permitida a ser portada, assim como é estabelecido no artigo 306 Código de Trânsito de 1997 e alterado pelo Decreto lei Nº 6.488 de 2008, quando define a quantidade de uso de álcool permitido para dirigir:

[…] a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte: I – exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou II – teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. (CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, 2010, p.287)

No Brasil, o uso e o comércio de drogas são considerados ilegais e, talvez por isso, as políticas públicas voltadas para essa questão sejam postas em segundo plano. Nota-se certo descaso com essa expressão da questão social visto que, apesar da alta arrecadação com impostos oriundos de mercadorias como as ‘drogas” lícitas –  álcool, o tabaco e medicamentos farmacêuticos – e/ou multas em decorrência de apreensões no tráfico, o repasse de recursos financeiros ainda é insuficiente para o investimento necessário nos quesitos de prevenção, tratamento e reinserção social. Percebe-se que, no tocante à “repressão ao tráfico”, tem-se um maior comprometimento governamental, pois há uma maior aplicação de recursos financeiros na Segurança Pública. Nesse sentido, a matéria do jornalista Dyogo Oliveira, publicada no Jornal do Distrito Federal (CORREIO BRAZILIENSE, 2017), informa que para o ano de 2018, o orçamento desse setor foi de R$ 2,7 bilhões, de acordo com o Ministro do Planejamento.

A Política Pública Nacional sobre Drogas em curso, encontra-se ainda fragilizada no que se refere ao aporte de recursos financeiros, pois observando os relatórios de prestação de contas do Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), referentes aos anos de 2003 a 2015, percebe-se que, mesmo com a arrecadação no valor de R$ 43.565.977,00 provenientes de 106 leilões de bens apreendidos no período supracitado, o montante ainda é insuficiente ante o orçamento do FUNAD, que em de 2015, foi de R$ 1.185.320.852,00. Talvez a legalização de algumas substâncias psicoativas que não causam tantos malefícios à saúde da população – como a maconha – e o repasse total dos impostos arrecadados com as “drogas” já legalizadas, fortalecessem as ações de prevenção e tratamento de usuários, cabendo estudo maior a respeito. Além disso, o reforço no orçamento para tais ações, diminuiria número de jovens apreendidos e encarcerados devido a esse comércio informal. O benefício trazido pela legalização das “drogas” ilícitas seria submetê-las ao controle do Estado, contribuindo para amenizar os malefícios à saúde dos usuários, já que melhoraria tanto a qualidade quanto às condições de circulação dessa mercadoria, visto que seus malefícios se devem à junção de produtos muito tóxicos à saúde durante sua produção e consumo. A taxação de impostos sobre esses produtos seria economicamente viável para o mercado e os mesmos poderiam ser revertidos para financiar o tratamento de usuários dependentes.

Existem alguns movimentos sociais que lutam pela legalização das “drogas” por entender que a proibição é ineficaz e acarreta o encarceramento de boa parte da juventude, em especial, negra e de classe baixa. No Brasil, dentre esses movimentos, destaca-se a Marcha da Maconha, que reivindica a legalização do uso da Cannabis para fins medicinais e recreativos. É um movimento mundial e que se iniciou no Brasil em 2002, sendo represada entre 2008 e 2011, mas atualmente é aceito pela justiça. Existem também alguns projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional para regulamentar e fiscalizar o uso medicinal, social e industrial da maconha e seus derivados.

Desde 2001, Portugal é um exemplo positivo na descriminalização das “drogas” com foco no usuário, pois apesar do uso continuar proibido, as penalidades aplicadas são de teor administrativo e não, criminal. Essa iniciativa contribuiu para a efetivação de políticas adequadas para o tratamento médico dessa questão além do aumento da adesão voluntária de usuários aos programas de tratamento, uma vez que não correm mais o risco de serem presos. Outro avanço nessa perspectiva aconteceu na redução de danos, por meio do programa de troca de seringas, o que resultou em condições sanitárias mais higiênicas e a diminuição do uso intravenoso compartilhado de drogas. Tudo isso tem como consequência, a redução de doenças como HIV e hepatites C e B.

Outro país que aderiu à descriminalização das “drogas” foi o Uruguai, através da Lei nº 19.172 de 2013, que “outorga ao Estado o controle e a regulação das atividades de importação, exportação, plantação, cultivo, colheita, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição da cannabis e seus derivados” (CFESS/NOTA TÉCNICA apud URUGUAI/Lei nº 19.172, 2013, p. 1). O país reconhece a importância da maconha na sua economia e opta por regulamentá-la e fiscalizar seu uso, bem como fortalecer as ações de proteção e promoção da saúde desenvolvendo

[…] uma política de minimização dos riscos e dos danos causados pelo uso da maconha, disseminando a informação, a educação e a prevenção quanto aos riscos/consequências e efeitos prejudiciais vinculados ao consumo, mas também se pauta pelo tratamento, reabilitação e reinserção social dos que fazem uso abusivo de drogas. (CFESS/NOTA TÉCNICA, 2017, p. 17)

Como exposto anteriormente, o Brasil ainda segue o modelo conservador de viés sanitarista de combate às “drogas”, baseado nos tratados internacionais liderado pelos Estados Unidos. Em relação à questão da legalização da maconha no Brasil, foi realizada uma pesquisa de opinião, a qual apontou que das 1.106 pessoas que participaram:

[…] 57% dos entrevistados manifestaram-se a favor da legalização da maconha. Desse percentual, 48% defendem a sua legalização exclusivamente para uso medicinal e apenas 9% dos entrevistados foram favoráveis à sua legalização para todos os fins; 42% opinaram a favor da permanência da proibição e 1% não soube ou preferiu não opinar. (SENADO FEDERAL, 2014, p. 02).

Diante desse resultado, nota-se que a sociedade brasileira permanece conservadora, pois a legalização manifesta seria exclusivamente para fins medicinais. Talvez esse contexto esteja associado à disseminação da ideologia de que o consumo das “drogas” é um perigo fatal para a humanidade e/ou pela falta de conhecimento real que nem todo uso de substâncias psicoativas é problemático. A prioridade dos gastos realizados na Política Nacional Antidrogas é para a repressão alicerçada na Segurança Pública. Esse diagnóstico é perceptível se compararmos a diferença na grande quantidade de concursos realizados e a enorme quantidade de vagas ofertadas para essa área (Polícia Civil, Militar e Federal) e a pequena quantidade de concursos e vagas de recursos humanos destinados à prevenção, tratamento e reinserção para unidades como o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD). No caso deste último equipamento, não há estruturação em todos os municípios, apenas em cidades com população acima de 70.000 habitantes.

São nítidas a escassez de políticas públicas destinadas à juventude e a falta de atividades interessantes e necessárias ao seu projeto de vida atual e futuro, em consonância com as suas próprias demandas, sonhos e potencial econômico de onde habitam. Um dos objetivos do SISNAD é “contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados” (BRASIL, 2006, p.12), entretanto, pode-se perguntar: como isso ocorreria? Através de quais atividades? Em parceria com outras políticas como Educação, Cultura, Assistência, Esporte e Juventude? De que forma tais políticas de inter-relacionariam? Com qual dotação orçamentária? Proveniente de recursos financeiros arrecadados pelo FUNAD? Essas informações ainda são vagas e escassas. Vislumbra-se a possível amenização dessa questão, mas não se define metodologias e recursos financeiros para alcançar resolução.

Perante os cenários mundial, nacional e municipal, em que o tráfico de “drogas” serve de estratégia para criminalizar e encarcerar a juventude pobre, mas não seus financiadores, é que iremos analisar, na próxima seção, a realidade dos jovens trabalhadores do comércio informal de substâncias psicoativas, sujeitos caros a esta pesquisa acadêmica. A finalidade foi traçar um perfil sócio econômico e cultural desses sujeitos e descobrir quais as reais motivações que os levam a adentrar nesse trabalho de alta periculosidade. Na próxima seção abordamos conceitos e informações sobre a sobre a juventude além de fazer um resgate histórico e social das legislações e políticas atuais destinadas à esse segmento, bem como as estratégias de promoção de trabalho e renda destinadas a essa população.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constata-se, assim, que o uso de substâncias psicoativas faz parte da história de diversos povos, como práticas e hábitos presentes em diversas nações, representando papel importante para a sua sobrevivência e seu desenvolvimento econômico. Historicamente, o consumo de “drogas” responde às necessidades humanas, sejam elas materiais ou de ordem espiritual. Observando a história, nota-se que as “drogas” passaram a ser vistas como “problema” entre o fim do século XIX e o início do século XX, de acordo com os interesses econômicos de cada nação. Percebe-se também, que a criminalização tem fundamentos econômicos sobrepostos aos da saúde. São várias as motivações que promoveram a proibição das “drogas” nomeadas “ilegais”. Difunde-se a ideia de que as “drogas ilícitas” são proibidas por serem perigosas e causarem dependência e risco à saúde.

É inconteste que a instauração e consolidação da ofensiva neoliberal trouxe consigo severas mudanças no mundo do trabalho e, consequentemente, queda na renda familiar brasileira. Nesse sentido, houve um declínio financeiro, o que acarretou transformações na dinâmica da família, sendo necessária a contribuição de todos – inclusive crianças, adolescentes e jovens – para a manutenção do lar. Nessa acepção, o uso de “drogas” no Brasil não difere do restante do mundo e surge a partir da produção da vida material de seus primeiros habitantes: os povos indígenas e sua cultura. Os nativos garantiam a sua sobrevivência pela utilização da flora, além da caça e da pesca. Logo, descobriram nas raízes e folhas das plantas, substâncias que curavam a dor do corpo e que acalentavam a dor na alma.

Quanto à contemporaneidade, no Brasil, crianças, adolescentes e jovens, principalmente, do segmento periférico nas grandes capitais, têm adentrado nesse comércio das drogas, com o fito de se manter, mas sobretudo do ter.

REFERÊNCIAS

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ALBUQUERQUE, Cynthia Studart et al. A Questão das Drogas e o Serviço Social: entre o conservadorismo e a defesa dos direitos de cidadania dos usuários de drogas. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS 2015, 7., 2015, São Luis. Anais eletrônicos. São Luis: UFMA, 2015. p. 1-12. Disponível em: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo4/a-questao-das-drogas-e-o-servico-social-entre-o-conservadorismo-e-a-defesa-dos-direitos-de-cidadania-dos-usuarios-de-drogas.pdf.  Acesso em: 22 jan. 2020.

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[1] Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP-UFC); Especialização em Educação Especial e Inclusiva (FESL), Gestão Pública (UNILAB), Gestão e Coordenação Escolar (FVJ), Psicopedagogia Institucional, Clínica e Ludopedagogia (UCAM), Gênero e Diversidade (UFC), Educação a Distância (Barão de Mauá); Educação Infantil (FLATED), Docência no Ensino Superior (FLATED), Negócios com ênfase em Gestão de Recursos Humanos (FLATED). Pós-graduando em Docência na Educação Básica (IFMG). Graduação em Pedagogia (UECE), Letras Português/Espanhol (FGD), Letras Português/Inglês (FGD).

[2] Graduação em Gestão de Recursos Humanos (FAK). Acadêmica em Direito (UNIFIC).

[3] Mestranda em Avaliação de Políticas Públicas (UFC/CE). Graduação em Gestão de Recursos Humanos (UVA).

[4] Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática (ENCIMA-UFC).

[5] Graduação em Pedagogia (UECE), Letras (UECE) e Serviço Social (IFCE), Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica (FAEX).

[6] Mestranda em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP-UFC). Graduação em Direito (UNIFOR).

[7] Especialista em Gestão Pública Municipal (UNILAB). Graduação em Ciências Contábeis (UFCG).

Enviado: Janeiro, 2020.

Aprovado: Maio, 2020.

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Ailton Batista de Albuquerque Junior

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