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Relato da percepção de mulheres sobreviventes ao câncer de mama acerca do autocuidado

RC: 145272
485
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/sobreviventes-ao-cancer

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

RESENDE, Larissa de Oliveira [1], LEMOS, Rayla Amaral [2], BAQUIÃO, Ana Paula de Sousa Silva [3], BITTENCOURT , Jaqueline Ferreira Ventura [4], BONOTO, Roberta [5], CARVALHO, Simone Meira [6]

RESENDE, Larissa de Oliveira. et al. Relato da percepção de mulheres sobreviventes ao câncer de mama acerca do autocuidado. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 05, Vol. 02, pp. 132-146. Maio de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/sobreviventes-ao-cancer, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/sobreviventes-ao-cancer

RESUMO

Objetivo: compreender a percepção de mulheres sobreviventes ao câncer de mama sobre o autocuidado e suas barreiras ou facilitadores. Método: estudo qualitativo, no qual participaram dez mulheres submetidas à cirurgia por câncer mamário, realizado de maio a setembro de 2018, em Juiz de Fora, Brasil. As entrevistas semiestruturadas foram analisadas pela Análise de Conteúdo de Bardin, originando a categoria “Autocuidado: motivação para a vida”. Resultados: diante dos efeitos dos tratamentos, as mulheres relataram enfrentar um processo de readaptação, no qual desenvolvem estratégias de enfrentamento a partir dos fatores motivacionais proporcionados pela rede de apoio, incentivando a realização das práticas de autocuidado. Conclusão: embora as terapêuticas para o câncer de mama tragam impactos negativos na vida das mulheres, elas tendem a ressignificar sua visão de cuidados com a saúde e fortalecer os vínculos afetivos, elementos fundamentais para motivação para o autocuidado e continuidade na trajetória de combate ao câncer.

Palavras-chave: Autocuidado, Neoplasia mamária, Saúde da mulher.

1. INTRODUÇÃO 

O câncer é considerado um problema de saúde em nível mundial, principalmente nos países em desenvolvimento, sendo o câncer de mama o tipo com maior incidência e mortalidade no sexo feminino. Sua incidência é de 23 milhões (11,7%) de novos casos no mundo, seguido pelo câncer de pulmão (11,4%), cólon e reto (10,0%) e próstata (7,3%). Direcionando o olhar para o cenário brasileiro, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), para o triênio 2023-2025 espera-se a ocorrência de 73.610 novos casos de mama por ano (BRASIL, 2022).

Dentre os fatores de risco, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2022), destaca os aspectos genéticos e história familiar, os fatores reprodutivos e hormonais (nuliparidade, não/amamentação, menarca precoce, entre outros), além de ambientais e comportamentais (exposição à radiação ionizante, etilismo, tabagismo, sedentarismo, alimentação inadequada), sendo esses fatores considerados modificáveis. As principais formas de tratamento são a cirurgia, que pode ser a retirada parcial (mastectomia segmentar) ou total da mama (mastectomia), com ou sem retirada de linfonodos axilares, bem como a radioterapia, quimioterapia e a hormonioterapia (BRASIL, 2020). As terapias são consideradas traumatizantes e podem causar sequelas que afetam diversos aspectos na vida das mulheres (OLIVEIRA et al., 2019).

O autocuidado foi um conceito inserido a partir da teoria de Dorothea Orem, sendo definido como decisões e estratégias que o indivíduo desenvolve com a finalidade de manter a vida, a saúde e o bem-estar, com o intuito de torná-lo participativo e responsável por sua própria saúde (SILVA et al., 2020).

Além disso, o corpo é visto como fator importante para a inclusão do indivíduo na sociedade, sendo as mamas caracterizadas como: feminilidade, sexualidade, beleza e vínculo com a maternidade. A alteração desta região do corpo afeta a imagem corporal, gerando angústia e depressão (ALMEIDA; FILGUEIRAS, 2018; JURADO et al., 2019.; OLIVEIRA et al., 2019). Assim, no caso das mulheres submetidas à mastectomia, seja total ou parcial, elas se sentiram mutiladas, com diminuição da autoestima e do sentimento de feminilidade (OLIVEIRA et al., 2019).

Com o impacto social e emocional dos tratamentos para o câncer de mama e seus efeitos colaterais, as mulheres preferem se manter reclusas, evitando interações sociais (ALMEIDA; FILGUEIRAS, 2018). Passam a enfrentar outras fontes de sofrimento, o que gera a necessidade de mudanças no cotidiano, de reorganização do papel feminino e uma reestruturação familiar quanto às atividades domésticas e profissionais (CARVALHO et al., 2018). O déficit na funcionalidade pode resultar no abandono de algumas atividades diárias sob as dimensões do autocuidado, atividades domésticas, entretenimento, lazer, trabalho e participação social, ocasionando um sentimento de incapacidade e afetando a qualidade de vida (LIZE et al., 2021).

Logo, para que o autocuidado seja executado, é necessário despertar o indivíduo para a necessidade de realização de atividades voltadas para o cuidado em situações de fragilidade da saúde e doença, como é o caso do câncer de mama (MACHADO; SOARES; OLIVEIRA, 2017). Para enfrentamento da situação, as mulheres adotam estratégias, tais como crença religiosa e a fé, ou mesmo, a inserção de uma rotina de exercícios físicos ou terapêuticos, a saber a fisioterapia e a participação em grupos de apoio, fatores esses que demonstram a disposição para a realização das atividades de vida diárias e redução das limitações funcionais, favorecendo o cuidado com a própria saúde (DIAS et al., 2017; CARVALHO et al., 2018)

Assim, uma medida que pode auxiliar na promoção do autocuidado é o desenvolvimento de motivações e estratégias, realizadas pelos profissionais de saúde, voltadas para a conscientização de que cada indivíduo é responsável por conhecer as suas necessidades, mudando seus hábitos (BRASIL, 2020).

Diante desses pressupostos, objetivou-se compreender a percepção das mulheres sobreviventes ao câncer de mama acerca das ações de autocuidado, e os fatores que facilitam ou dificultam a sua realização.

2. MÉTODO

Tratou-se de um estudo descritivo exploratório, com abordagem qualitativa, desenvolvido no ambulatório de fisioterapia do hospital universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, situado em Juiz de Fora, Minas Gerais, realizado entre maio a setembro de 2018. A amostra foi de intencionalidade, composta por mulheres com câncer de mama. Foram incluídas: mulheres submetidas à mastectomia (total ou parcial), com ou sem reconstrução mamária, com idade acima dos 18 anos. Não foram incluídas aquelas com algum comprometimento cognitivo que interferisse na coleta de dados. Os dados foram coletados por entrevista individual com roteiro semiestruturado, gravadas e transcritas. O roteiro constava de dados de identificação pessoal, como, por exemplo, nome, endereço, idade e escolaridade, bem como questionamento acerca dos hábitos de saúde, conhecimento sobre o câncer de mama, possíveis complicações dos tratamentos, os hábitos de vida relacionados à saúde e o autocuidado relativo aos fatores de proteção quanto ao câncer de mama ou agravo na situação de adoecimento. O roteiro passou por especialistas da área da saúde e foi testado, anteriormente à pesquisa, com mulheres acometidas pelo câncer mamário, mas que não fariam parte do estudo.

Este artigo parte da pesquisa intitulada “De peito aberto: percepção das usuárias e da equipe sobre o adoecimento, o tratamento e assistência no câncer de mama”, já aprovado pelo comitê de ética. Iniciou-se o recrutamento por meio do contato direto com as mulheres no ambulatório, visando convidá-las a participar da pesquisa. As entrevistas foram agendadas individualmente e realizadas nas dependências do próprio hospital. Durante a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as dúvidas foram sanadas, esclarecendo os objetivos da pesquisa e a opção de participar ou não do estudo. A coleta dos dados foi finalizada com 10 entrevistas. Observou-se a reincidência e complementaridade das informações, alcançando um critério de saturação para responder aos objetivos da pesquisa. Foi aplicada a Análise de Conteúdo de Bardin, incluindo três etapas: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (BARDIN, 2020).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (parecer nº 1.047.539), observando-se os aspectos éticos na investigação, de acordo com a resolução n° 510, de 27 de maio de 2016, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde. Cabe ressaltar que, no aceite de participar da pesquisa, ocorreu a assinatura do TCLE, ficando uma via com a pesquisadora responsável e outra com a participante da pesquisa. Para privacidade das participantes, optou-se por identificá-las pela letra “E” (entrevista), seguida por numeração arábica (E1, E2, E3, por exemplo), de acordo com a ocorrência das entrevistas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E CLÍNICO DAS PARTICIPANTES

Em relação aos dados sociodemográficos das participantes da pesquisa (Tabela 1), constatou-se que a faixa etária variou de 47 a 70 anos, com predomínio da cor/raça branca (70%). Quanto à escolaridade, 60% das participantes apresentaram ensino médio completo. Quanto à situação conjugal, 30% eram casadas, 20% divorciadas, 20% viúvas, 20% em união estável, e 10% solteira.  Quanto à religião, 90% das mulheres relataram ser praticantes, com a prevalência da religião católica (70%). 

Tabela 1. Perfil sociodemográfico das participantes

  Idade Escolaridade Cor/Raça Filhos: Idade Situação

Conjugal

Composição Familiar Renda* Religião
E1 62 Fundamental incompleto Branca Três: 40/40/36 anos Viúva 1 pessoa 1 sal. mínimo Católica praticante
E2 53 Fundamental completo Branca Um:

26 anos

Solteira 2 pessoas 3 sal. mínimos Católica praticante
E2 49 Fundamental incompleto Preta Duas:

21/14 anos

Casada 3 pessoas 3 sal. mínimos Católica praticante
E4 60 Ensino médio completo Parda Um:

16 anos

Casada 3 pessoas 3 sal. mínimos Evangélica Praticante
E5 48 Ensino médio completo Branca Um:

23 anos

Casada 3 pessoas 3 sal. mínimos Evangélica Praticante
E6 48 Ensino fundamental completo Amarela Um:

18 anos

Divorciada 3 pessoas 1 sal.

mínimo

Católica não praticante
E7 70 Ensino médio completo Branca Dois:

45/35 anos

Divorciada 1 pessoa 1,5 sal. mínimo Católica praticante
E8 47 Ensino médio completo Branca Dois:

25/20 anos

União estável 3 pessoas 3 sal mínimos Católica

Praticante

E9 58 Ensino médio

Completo

Branca Dois:

34/28 anos

Viúva 3 pessoas 1 sal. mínimo Católica Praticante
E10 39 Ensino médio Completo Branca Nenhum União Estável 1 pessoa 2,5 sal. mínimos Não tem religião
*Sal. mínimo = salário mínimo vigente em novembro de 2018.

Fonte: próprio autor. 

No que diz respeito ao perfil clínico das participantes da pesquisa, em relação ao tempo de cirurgia, houve uma variação de 1 a 20 anos, com o predomínio da mastectomia total (90%). Todas as participantes realizaram esvaziamento axilar e apenas 30% relataram não ter feito reconstrução mamária. Todas as entrevistadas necessitaram de terapias complementares à cirurgia: quimioterapia (70%); radioterapia (40%); e hormonioterapia (90%), sendo que muitas delas foram terapias combinadas (Tabela 2).

Tabela 2. Perfil clínico das participantes

  Tipo de cirurgia Tempo de cirurgia Reconstrução Mamária Terapias Complementares à cirurgia
E1 Mastectomia Total 8 anos Não Quimioterapia / Hormonioterapia
E2 Mastectomia Total 5 anos Sim Quimioterapia / Hormonioterapia
E2 Mastectomia Total 5 anos Sim Hormonioterapia
E4 Mastectomia Total 7 anos Sim Quimioterapia / Radioterapia
E5 Mastectomia Total 10 anos Sim Quimioterapia / Hormonioterapia
E6 Mastectomia Total 5 anos Sim Hormonioterapia
E7 Quadrantectomia 20 anos Não Quimioterapia / Radioterapia / Hormonioterapia
E8 Mastectomia Total 5 anos Sim Hormonioterapia
E9 Mastectomia Total 5 anos Não Quimioterapia / Radioterapia / Hormonioterapia
E10 Mastectomia Total 1 ano Sim Quimioterapia / Radioterapia / Hormonioterapia
 

Fonte: próprio autor. 

3.2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS           

A partir da análise do conteúdo das entrevistas, emergiu a categoria “Autocuidado: motivação para a vida”. Ao longo da descrição dos resultados, cada unidade de registro está exemplificada com recortes das falas das entrevistadas. 

3.2.1 AUTOCUIDADO: MOTIVAÇÃO PARA A VIDA

Analisando as perspectivas do autocuidado, este surge como resultado da aceitação e amadurecimento do novo cenário imposto pela doença, compreendendo estratégias adquiridas pelas mulheres direcionadas ao viver de modo saudável, adotando atitudes de proteção da saúde, desde alimentar-se de maneira saudável e manter o bem-estar mental até praticar atividades físicas regularmente e evitar hábitos de vida considerados nocivos à saúde (MONTEIRO et al., 2021).

Cuidados com a alimentação, exercícios físicos, e o que eu acho que é mais importante, é o exercício psicológico. Manter sempre em alta, sempre em dia porque senão tudo tende a cair (E2).

Tomar muita água, que eu tomo demais. E me alimentar. Eu como comida que eu faço. Eu não como fora. (…). Então eu considero isso saudável. Gosto de legumes. Gosto de frutas (E9).

Em meio aos relatos, observa-se que a fadiga foi destacada como uma das reações à quimioterapia que mais trazem perturbações, acompanhada pela dor, náuseas e modificações na imagem corporal (FERREIRA; FRANCO, 2019; BARBOSA et al., 2017). Segundo as participantes do estudo, a fadiga reduz o desempenho físico, desencadeia fraqueza e cansaço extremo, peso e lentidão, deficiência na concentração e na habilidade para resolver problemas (LOYOLA et al., 2017; CUNHA, 2018).

Varrer casa… eu tenho dificuldade… que eu sinto que eu vou varrendo e parece que eu canso. Aí eu tenho que parar para depois começar de novo (E6).

Para o manejo dos efeitos físicos da fadiga, as mulheres adotaram algumas práticas de autocuidado: descanso, enquanto repouso físico; conservação de energia, como a realização das tarefas segundo sua disposição, limites e prioridades; e cuidado alimentar, como o consumo de determinadas frutas e outros alimentos que aliviam as reações indesejáveis (CUNHA, 2018).

Agora, tudo que eu fazia, não posso fazer mais igual eu fazia. Eu tenho que fazer mais ‘maneirado’ e poucas coisas. Capinar eu não posso, né? (E1).

A maioria das mulheres relatou ainda estar em tratamento, especificamente, a hormonioterapia, apontando sintomas resultantes dessa terapêutica que, assim como as demais, provoca modificações no corpo da mulher, como a queda do cabelo, modificações no apetite e no peso corporal (LIZE et al., 2021).

Outra limitação bastante citada nas entrevistas foi a disfunção nos braços, principalmente, no lado da cirurgia, que pode ocorrer pela aderência cicatricial ou pelo linfedema, dentre outros fatores causados pelos tratamentos. Estas restrições trazem transtorno na realização de tarefas cotidianas e de ações de autocuidado (CARVALHO et al., 2018).

O esvaziamento da axila me trouxe várias limitações, por conta de fraqueza nos braços. Eu não consigo torcer um pano. Não consigo, igual eu falei, limpar uma geladeira. Trouxe muitas limitações (E8).

Devido à fragilidade na qual ela se encontra pela situação de adoecimento e dos tratamentos, o papel de cuidadora do lar e da família é, muitas vezes, invertido. De um modo geral, a mulher tem dificuldade de perceber o seu papel tanto no seio familiar quanto na sociedade, podendo gerar sentimentos de incapacidade e frustração. As limitações provocadas pelo tratamento como um todo interferem na qualidade de vida dessas mulheres, visto que muitas atividades cotidianas que antes eram executadas sem maiores dificuldades por elas, atualmente, precisam ser desenvolvidas com esforço. Algumas vezes, estas atividades são abandonadas ou realizadas somente com a ajuda de outras pessoas (DIAS et al., 2017; BARBOSA et al., 2017; CUNHA, 2018).

Olha, o peso eu não pego porque quando eu faço compras, por exemplo, é meu marido quem traz (E4).

As dificuldades para a realização de atividades de vida diária geram constrangimento, pelo fato de as mulheres não se sentirem capazes de cuidar da casa e da família. Há também uma redução na diversidade de relacionamentos interpessoais, considerando o trabalho um ambiente em que se pode criar condições de socialização (CARVALHO et al., 2018; DIAS et al., 2017).

Na mastectomia, a dificuldade do braço é muito grande. Para mexer, fazer o serviço do dia a dia, ainda, é muito grande. É assim… varrer casa, às vezes, eu varro, tenho que parar um pouquinho… igual eu falei a questão de levantar o braço… ainda não é 100%, entendeu? (E6).

Os benefícios advindos da participação da mulher em grupos com orientação profissional foram destacados nos relatos, demonstrando que, por meio das orientações acerca do câncer, do corpo e dos benefícios do cuidado com a saúde, houve uma melhora na dedicação ao autocuidado. Além de conhecerem mais sobre a doença e seu corpo, as mulheres concentram maior cuidado em si mesmas, dando prioridade à sua própria vida, evidenciando o autocuidado (LOYOLA et al., 2017).

Fritura, evito, não como fritura. Eu não como carne gordurosa. Eu como muita fruta, coisa que eu não comia. Como muita salada, entendeu? Coisa que eu não tinha tempo, porque eu trabalhava, hoje eu paro, eu fiz esse tempo pra mim (E2).

Eu tenho monitorado a minha alimentação. Tem algumas coisas em casa que eu já estou fazendo, com mais cuidado. Eu sempre fui agitada. Depois da cirurgia, eu fiquei um pouco parada. Agora, estou voltando dentro do meu limite, a fazer as coisas (E10).

Mesmo sabendo dos benefícios da atividade física, a maioria das mulheres não adere a esta prática, alegando falta de tempo ou limitações consequentes aos tratamentos. Entretanto, relatam que a presença de uma rede de apoio familiar e profissional funcionam como fatores de motivação (CARVALHO et al., 2018).

Ah, eu precisava ficar menos preguiçosa. Estou precisando, urgentemente, de fazer uma caminhada. Começar a animar a fazer a caminhada de manhã (E7).

Eu tenho muito apoio. De profissional, eu tenho apoio. Participo (…) [grupo de apoio]. Tem a psicóloga e a assistente social. Elas são uma bênção na minha vida (E8).

Dentre as estratégias de enfrentamento utilizadas, as mulheres procuram realizar as orientações passadas pelos profissionais e consideram a realização de exames e consultas como parte das ações de autocuidado. O vínculo estabelecido nas relações entre as mulheres e os profissionais favoreceu a adesão ao tratamento e a adoção de hábitos mais saudáveis (CUNHA, 2018).

Não, eu faço todas [as orientações] que me passam. Nesse tempo todo, tudo que me ensinam, eu faço. Tenho cuidado com o meu braço, com o meu corpo… não pego peso, mais. Não faço nada que vai me prejudicar (E5).

As ações educativas dirigidas para promoção do autocuidado, bem como o apoio familiar e dos profissionais são fundamentais para acolher as mulheres mastectomizadas neste período de difícil enfrentamento (MONTEIRO et al., 2021). Um programa de exercícios proporciona aumento no sentimento de energia, o que diminui a sensação de fadiga, tensão e depressão (LIZE et al., 2021). Nessa perspectiva, a educação em saúde surge como uma ferramenta interessante para minimizar as complicações e sofrimentos e enquanto elemento de motivação à implementação de atitudes que contribuem para uma autonomia relativa ao autocuidado (MONTEIRO et al., 2021).

Em contrapartida, algumas barreiras podem surgir, até mesmo nas funções exercidas pela mulher que assume o papel de cuidadora e de responsável por diversas atividades domésticas. Ela tende a priorizar as necessidades dos demais integrantes da família em detrimento das próprias necessidades, entre elas, as ações de cuidado com a saúde, Carvalho et al. (2018), como observado no trecho a seguir:

Eu preciso de um pouco mais de tempo para cuidar de mim e da minha saúde… me dedicar mais… então, assim, como no caso da minha mãe… como eu vivo para ela, então meu tempo vai todo para ela. Então, nesse período eu vou esquecendo de mim. Então, quando eu vejo que está acontecendo alguma coisa, quando eu percebo mesmo, já aconteceu. Então, fica muito difícil (E6).

Além disso, acrescenta-se a mudança no estilo de vida como estratégia de proteção, pois se faz necessário agregar à rotina atitudes comprovadamente saudáveis, tais como, a prática de atividade física, alimentação balanceada e socialização, ou seja, ações direcionadas ao cuidado com a própria saúde (MONTEIRO et al., 2021). A execução de exercícios físicos durante o tratamento de câncer contribuiu com melhorias dos aspectos psicológico, social e físico, favorecendo, assim, uma melhoria na qualidade de vida (LIZE et al., 2021).

Cuidados com a alimentação, exercícios físicos, e, o que eu acho que é mais importante, é o exercício psicológico. Manter sempre em alta, sempre em dia porque senão tudo tende a cair (E3).

Como parte do processo de enfrentamento, as mulheres lançam mão da espiritualidade para se adaptarem às mudanças provocadas pela neoplasia mamária, sendo também fonte de esperança e motivação para a vida (CARVALHO et al., 2018)

Olha, eu tenho muita fé em Deus. E, quando eu estou com alguma dificuldade, eu procuro ver o lado melhor. Se eu não posso resolver, então, eu coloco Deus em primeiro lugar (E4).

Os profissionais de saúde adquirem um status de suma importância enquanto veiculador de informações acerca das ações de autocuidado. Estas informações vão desde os cuidados básicos com o braço do lado homolateral à cirurgia até a sugestão de participação de grupos de apoio, contemplando todos os cuidados com a saúde que, de alguma maneira, foram comprometidos pelo câncer (DIAS et al., 2017).

Neste sentido, os grupos de apoio surgem como uma ferramenta significativa. Se destacam enquanto ambiente de escuta, aprendizado e acolhimento através do compartilhamento de experiências e sentimentos, favorecendo a adoção de práticas de autocuidado. Diante dos efeitos das terapêuticas para o câncer mamário, as mulheres enfrentam um processo de readaptação e desenvolvem estratégias de enfrentamento a partir dos fatores motivacionais proporcionados pela rede de apoio, a saber o diálogo com familiares, a integração em grupos de apoio, a convivência com os profissionais de saúde, e a espiritualidade enquanto fonte de fé e perseverança.

4. CONCLUSÃO

O estudo apresentou limitações no tocante ao número de participantes, à heterogeneidade da amostra e diversidade do período de tratamento, porquanto foi uma amostra intencional. Também se restringiu à população da área de abrangência, assistida em um hospital universitário que atende a região da zona da mata mineira, não sendo possível, portanto, a generalização dos resultados.

A partir dos sentidos expressos, a pesquisa permitiu um melhor entendimento sobre as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas mulheres frente às repercussões desencadeadas pelos tratamentos do câncer de mama e as influências – negativas ou positivas – sobre as ações de autocuidado. Foi observado que os efeitos das terapias propostas para o combate à neoplasia mamária podem ser devastadores e acarretam efeitos adversos impactantes e que limitam as atividades cotidianas e de autocuidado.

Em contraposição, foi observada a perspectiva de enfrentamento da doença com vistas à recuperação, bem como a adoção de práticas saudáveis, fortalecida pelo apoio da família e profissionais para minimizar as complicações dos tratamentos e melhorar os cuidados com a saúde.

Os achados do estudo reforçam a necessidade de estruturação de uma linha de assistência à saúde das mulheres sobreviventes ao câncer de mama para atuar como facilitadora e suporte na orientação e realização das ações de autocuidado. Nesse pensar, a educação em saúde destaca-se como uma importante estratégia para promoção do autocuidado. O cuidado com a própria saúde deve ser estimulado por profissionais e serviços de saúde que atendem estas mulheres, no intuito de favorecer o enfrentamento e superação das dificuldades impostas pelo adoecimento por câncer e seus tratamentos.

REFERÊNCIAS

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CARVALHO Simone Meira. et al. Corpo, funcionalidade, espiritualidade e câncer de mama. In: FILGUEIRA, Maria Stella Tavares; FARIA, Hila Campos de; ALMEIDA, Tatiana Rodrigues de (org.). Câncer de mama: interlocuções e práticas interdisciplinares. Curitiba: Appris, 2018. p. 137-55.

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SILVA, Karline Kelly. et al. Estratégias de enfrentamento após o diagnóstico de câncer de mama. Rev Bras Promoç Saúde, v. 33, n. 1, p. 1-10, 2020. Disponível em: https://ojs.unifor.br/RBPS/article/view/10022/pdf. Acesso em: 09 fev. 2023.

[1] Especialização em Fisioterapia Oncológica Adulto, pelo Programa de Residência Multiprofissional em Oncologia Adulto, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); São Paulo (SP), Brasil. Graduada em Fisioterapia, pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID: 0000-0003-4322-6029. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3557052251651290.

[2] Doutora em Ciências, pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Saúde Coletiva, pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. Especialização em Políticas e Pesquisa em Saúde Coletiva, pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Graduada em Fisioterapia, pela Universidade Federal de Juiz de Fora. ORCID: 0000-0003-3090-1806. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0911655547784707.

[3] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (pós-graduação em andamento); Juiz de Fora (MG), Brasil. Mestre em Psicologia, pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. Graduada em Psicologia, pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). ORCID:  0000-0002-5300-9397. Currículo Lattes:  http://lattes.cnpq.br/4650815739055972.

[4] Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialização (pós-graduação Lato Sensu) em Enfermagem do Trabalho, pela Faculdade de Enfermagem Luiza de Marillac – Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde (CEDAS). Graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID: 0000-0001-9395-4388. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8032123272413172.

[5] Especialização em Administração aplicada à Gestão Empresarial, pela FACUMINAS.  Especialização em Direito Administrativo e Licitação, pelo Instituto PROMINAS. Especialização em Pedagogia Empresarial, pela Faculdade Estácio de Sá, em Juiz de Fora, 2009. Graduada em Ciências Contábeis, pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC); Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID: 0000-0001-6738-0317. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2511792322070056.

[6] Orientadora. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (pós-graduação em andamento); Juiz de Fora (MG), Brasil. Mestre em Saúde Coletiva, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Juiz de Fora (MG), Brasil. Graduada em Fisioterapia, pelo Centro Universitário Metodista do Instituto Porto Alegre; Porto Alegre (RS), Brasil. ORCID: 0000-0002-7680-131X. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2502447838688845.

Enviado: 09 de fevereiro, 2023.

Aprovado: 06 de abril, 2023.

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Simone Meira Carvalho

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