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Residência em cirurgia no hospital universitário Walter Cantídio: impactos da pandemia da Covid-19 na prática cirúrgica e na saúde mental dos residentes

RC: 111992
236
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/residencia-em-cirurgia

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

JOSINO, Tainá Rocha [1], NEVES, Monalisa Mendes Fagundes [2], BRASILEIRO JUNIOR, Antônio Ivandi [3]

JOSINO, Tainá Rocha. NEVES, Monalisa Mendes Fagundes. BRASILEIRO JUNIOR, Antônio Ivandi. Residência em cirurgia no hospital universitário Walter Cantídio: impactos da pandemia da Covid-19 na prática cirúrgica e na saúde mental dos residentes. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 04, Vol. 08, pp. 110-124. Abril de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/residencia-em-cirurgia, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/residencia-em-cirurgia

RESUMO

A pandemia da Covid-19 é a pior crise sanitária dos últimos tempos, com impactos na humanidade ainda incertos e que serão avaliados no decorrer dos anos. Na busca de diminuir possíveis contágios, há tendência em postergar a realização de procedimentos eletivos nas instituições de saúde, incluindo o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). Nesse contexto, este estudo teve a seguinte pergunta como questão norteadora: Quais os impactos da pandemia da Covid-19 na prática cirúrgica e na saúde mental dos residentes de cirurgia do HUWC? Objetivou-se analisar o reflexo deste novo cenário no processo de especialização médica, nos âmbitos pessoal e profissional dos residentes. Trata-se de um estudo transversal, observacional e quantitativo baseado em Questionário Google Forms autoavaliativo aplicado a 26 residentes do primeiro, segundo e terceiro ano de Cirurgia Geral, Vascular, Aparelho Digestivo, Cabeça e Pescoço, Plástica, Buco-maxilo-facial, Urologia, Otorrinolaringologia e Coloproctologia. As respostas são objetivas e graduadas em muito, razoavelmente, pouco e muito pouco. Como resultado, nota-se que 60% dos estudantes avaliam que a pandemia impactou muito em sua residência, embora 70% dos residentes classificam seu entusiasmo no curso como estável. 60% deles afirmam que houve muita redução na prática cirúrgica durante a pandemia, sendo realizadas uma média semanal de 2,9 cirurgias oficiais (pela residência). Em busca de aprendizado adicional, 60% dos alunos contam realizar razoável busca ativa por procedimentos extraoficiais, uma vez que 55% dos alunos acreditam que a diminuição das práticas afetará muito a formação de novos cirurgiões. No contexto da pandemia, 15% deles afirmam que precisaram de ajuda psicológica muitas vezes. Por fim, 50% dos estudantes acreditam que a relação médico-paciente foi pouco afetada no contexto atual. Portanto, o presente estudo sugere que, embora os residentes tenham, individualmente, necessidades distintas, uma média de cirurgias tão diminuta parece ter deixado sequelas no seu entusiasmo com os estudos e na sua saúde mental, além de poder afetar tecnicamente a residência. Visto que as medidas aderidas pelo HUWC para dirimir a disseminação do vírus no ambiente intra-hospitalar são pertinentes, deve-se analisar medidas compensatórias a fim de suprimir a necessidade de treino intenso para a competência na habilidade cirúrgica.

Palavras-chave: Residência médica, Cirurgia, Pandemia.

1. INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou no dia 30 de janeiro de 2020 que o surto de coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Trata-se do mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Tal definição objetivou aprimorar a coordenação, a cooperação e a solidariedade global contra a propagação do vírus. Já em 11 de março de 2020, a OMS caracterizou a Covid-19 como uma pandemia, termo que se refere à distribuição geográfica mundial de novos surtos (OMS, 2020).

Somente no Brasil, desde o início da pandemia até 25 de fevereiro de 2022, houve 28.580.995 de novos casos, além de 647.486 mortes devido ao vírus Sars-CoV-2 (WORDOLMETER, 2022). Esse número traduz uma grave crise sanitária no país.

O vírus é disseminado através do contato próximo, devido à propagação de aerossóis de pessoas infectadas (WHO, 2021). Estudos demonstraram que o distanciamento social diminui essa propagação (CHU et al., 2020). Portanto, a OMS passou a preconizar esta medida não-farmacológica em busca de proteção contra o vírus.

Nesse contexto, muitas instituições de ensino propuseram distanciamento social restrito, de forma que as residências médicas também foram afetadas. Sabe-se que a pós-graduação na área médica envolve o delicado equilíbrio entre foco no conhecimento científico, raciocínio clínico, desenvolvimento de habilidades práticas, formação do caráter e profissionalismo. Almeja-se o equilíbrio entre o conteúdo científico ofertado pelas faculdades e uma formação que desenvolva as competências e habilidades inerentes à prática médica (BOTTI; REGO, 2010).

Assim, o distanciamento social no ambiente hospitalar/acadêmico resultou em um novo cenário de aprendizado na residência médica: as aulas, antes presenciais, passaram a ser remotas; as discussões de caso, também; as práticas cirúrgicas ficaram mais raras ou inexistentes, num cenário de cancelamento em massa de cirurgias eletivas pelos hospitais terciários.

Além do sensível prejuízo técnico, a saúde mental desses residentes também foi alvo na pandemia. Estudos apontam que discentes, residentes, docentes e profissionais da Medicina têm elevadas prevalências de Transtorno Mental Comum, Sintomas Depressivos, Burnout e Suicídio. Durante a pandemia, há risco de incidência ainda maior de transtornos mentais nesta seara da sociedade (DA SILVA MELEIRO et al., 2021).

Diante disso, o presente artigo teve a seguinte pergunta como questão norteadora: Quais os impactos da pandemia da Covid-19 na prática cirúrgica e na saúde mental dos residentes de cirurgia do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC)? Objetivou-se analisar o reflexo deste novo cenário no processo de especialização médica, nos âmbitos pessoal e profissional dos residentes. Buscou-se avaliar, nos âmbitos pessoal e profissional, os resultados a curto, médio e longo prazo das novas vivências impostas pela pandemia durante a especialização médica.

2. METODOLOGIA

Foi realizado um estudo descritivo e quantitativo, que possui como população em foco os médicos residentes em cirurgia do HUWC, localizado na cidade de Fortaleza, no Ceará, no segundo semestre de 2021. O espaço amostral teórico é referente aos profissionais matriculados regularmente nas residências com práticas cirúrgicas deste hospital: Cirurgia Geral, Vascular, Aparelho Digestivo, Cabeça e Pescoço, Plástica, Bucomaxilofacial, Urologia, Otorrinolaringologia e Coloproctologia.

Constituíram os critérios de exclusão: alunos que se negaram a responder às questões; questionários preenchidos incorretamente; alunos que abandonaram o questionário antes de sua conclusão. Antes do início do questionário, foram esclarecidos aos estudantes tanto os objetivos e características do presente trabalho quanto o fato de este ser um estudo individual, anônimo, voluntário e de desistência livre, mesmo após ter iniciado o questionário, sem nenhum prejuízo ou constrangimento aos participantes. Após esclarecimentos, os participantes foram convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados foi feita com base em um questionário semiestruturado, composto por respostas objetivas e graduadas em “muito”, “razoavelmente”, “pouco” e “muito pouco”; bem como respostas subjetivas não-obrigatórias. O questionário foi disponibilizado online, por meio da ferramenta Google Forms, tendo estado disponível de 15 de setembro a 10 de outubro de 2021. Os dados obtidos foram processados e analisados por meio da estatística descritiva (média, desvio padrão, frequência absoluta e relativa) utilizando-se o software Microsoft Office Excel®.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Responderam ao questionário 26 estudantes regularmente matriculados em residências cirúrgicas no HUWC, distribuídos nos 3 anos de duração das respectivas residências. Destes, 4 responderam-no de forma incompleta e 1 não aceitou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo suas respostas excluídas da análise. Foram, portanto, 21 questionários considerados válidos para o presente estudo.

O Gráfico 1 mostra a distribuição por área de atuação dos residentes: 11 (33%) são da Cirurgia Vascular, 5 (23,8%) da Cirurgia Geral, 1 (4,8%) da Cirurgia do Aparelho Digestivo, 1 (4,8%) da Cirurgia de Cabeça e Pescoço, 3 (14,3%) da Cirurgia Bucomaxilofacial, 2 (9,5%) da Urologia, 1 (4,8%) da Otorrinolaringologia, 1 (4,8%) da Coloproctologia.

Gráfico 1: Distribuição dos estudantes nas diferentes áreas cirúrgicas da Residência Médica no HUWC.

Distribuição dos estudantes nas diferentes áreas cirúrgicas da Residência Médica no HUWC.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

O Gráfico 2 apresenta a distribuição quanto ao gênero dos residentes que responderam ao questionário: 12 (57,1%) são homens e 9 (42,9%) são mulheres.

Gráfico 2: Distribuição das respostas dos residentes quanto ao gênero.

Distribuição das respostas dos residentes quanto ao gênero
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

O Gráfico 3 diz respeito à distribuição dos estudantes ao longo dos anos da residência: 10 (47,6%) estavam no primeiro ano, 8 (38,1%) no segundo ano e 3 (14,3%) no terceiro ano de estudos.

Gráfico 3: Distribuição dos estudantes nos 3 anos da residência, sendo R1 o primeiro ano, R2 o segundo ano e o R3 o terceiro ano de residência.

Distribuição dos estudantes nos 3 anos da residência, sendo R1 o primeiro ano, R2 o segundo ano e o R3 o terceiro ano de residência.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Quando questionados sobre o impacto da pandemia em sua residência (Gráfico 4), 12 estudantes (57,1%) avaliaram que houve muito impacto, enquanto 8 (38,1%) avaliaram-no como razoável e apenas 1 (4,8%) como pouco impacto. Nenhum estudante avaliou o impacto como muito pouco. Dessa forma, revela-se que a maioria dos estudantes avalia que a pandemia impactou sensivelmente em sua residência.

Gráfico 4: Avaliação dos estudantes quanto ao impacto da pandemia na residência.

Avaliação dos estudantes quanto ao impacto da pandemia na residência.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Quanto à sua percepção sobre a reverberação da pandemia em seu aprendizado (Gráfico 5), 11 (52,4%) responderam que reverberou muito, 9 (42,9%) disseram que razoavelmente, enquanto 1 (4,8%) disse que pouco.

Gráfico 5: Avaliação dos estudantes sobre como a pandemia reverberou em seu aprendizado.

Avaliação dos estudantes sobre como a pandemia reverberou em seu aprendizado.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

No Gráfico 6, avaliou-se o entusiasmo dos estudantes quanto à residência no contexto da pandemia: 14 (66,7%) têm entusiasmo estável, 4 (19%) têm-no decrescente e apenas 3 (14,3%) têm-no crescente.

Gráfico 6: Como os estudantes avaliam seu entusiasmo pela residência médica no contexto da pandemia.

Como os estudantes avaliam seu entusiasmo pela residência médica no contexto da pandemia
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Um dos principais reflexos da pandemia na residência em cirurgia diz respeito à diminuição do número de práticas. Esse contexto é resultado de uma tendência mundial em suspender procedimentos eletivos, priorizando cirurgias de urgência e emergência, objetivando a reserva de leitos para pacientes com infecções respiratórias graves, sobretudo em Unidades de Terapia Intensiva (ANVISA, 2020).

Quando perguntados sobre como a pandemia afetou suas práticas durante a residência (Gráfico 7), 14 (66,7%) deles revelam que houve muita redução nas práticas, enquanto para 7 (33,3%) essa redução foi apenas razoável em número.

Gráfico 7: Estudantes respondem sobre o quanto a pandemia diminuiu suas práticas em cirurgia.

Estudantes respondem sobre o quanto a pandemia diminuiu suas práticas em cirurgia.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Quantitativamente, os residentes consideram que houve redução sensível no número de práticas semanais nas quais participam. No Gráfico 8, revela-se que, por semana, em média, 4 estudantes (19%) participam de 1 cirurgia, 1 (4,8%) participa de 1.5, 8 (38,1%) realizam 2, 1 (4,8%) realiza 3, 2 (9,5%) realizam 4 e 4 (19,1%) realizam 6.

Gráfico 8: Número médio de cirurgias que os residentes participam por semana.

Número médio de cirurgias que os residentes participam por semana.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Com fins de aprendizado, muitos residentes buscam participar de cirurgias além das estipuladas em sua carga horária. O gráfico 9 revela que 8 (38,1%) residentes buscam muitas vezes cirurgias extras com este fim, enquanto 12 (57,1%) o fazem razoavelmente e 1 (4,8%) revela nunca o ter feito.

Gráfico 9: Procura ativa dos estudantes por cirurgias extras (além da residência) com fins de aprendizado.

Procura ativa dos estudantes por cirurgias extras (além da residência) com fins de aprendizado.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

O cenário atual da residência cirúrgica inclui elementos estressores importantes que podem afetar diferentemente cada um dos estudantes, levando alguns a considerarem desistir ou trancar a residência. Nesse aspecto, 10 residentes (47,6%) dizem que não pensam nessa possibilidade, enquanto 8 (38,1%) afirmam que sim e 3 (14,3%) estão indecisos sobre o tema.

Gráfico 10: Estudantes avaliam se já pensaram em desistir ou trancar a residência médica.

Estudantes avaliam se já pensaram em desistir ou trancar a residência médica.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Ainda, buscou-se avaliar a percepção dos entrevistados quanto ao impacto do novo contexto de pandemia na formação de novos cirurgiões (Gráfico 11). 11 residentes (52,4%) dizem que haverá muita repercussão no futuro dos novos cirurgiões, enquanto 10 (47,6%) consideram que esta repercussão será apenas razoável.

Gráfico 11: Como estudantes avaliam o impacto do cenário de pandemia na formação de novos cirurgiões.

Como estudantes avaliam o impacto do cenário de pandemia na formação de novos cirurgiões.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Acerca da conjuntura de cancelamentos e adiamentos de cirurgias a fim de dirimir infecções intra-hospitalares, o Gráfico 12 demonstra que apenas 1 (4,8%) profissional considera a medida muito necessária, enquanto 10 (47,6%) consideram-na razoavelmente necessária, 9 (42,9%) a vêem como pouco necessária e 1 (4,8%) como muito pouco necessária.

Gráfico 12: Estudantes revelam se acham necessário o cancelamento/adiamento de cirurgias durante a pandemia.

Estudantes revelam se acham necessário o cancelamentoadiamento de cirurgias durante a pandemia.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

No aspecto psíquico, dados de uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre os impactos da pandemia entre profissionais de saúde revelaram que houve graves consequências à sua saúde mental. As alterações mais comuns foram insônia (15,8%); irritabilidade (13,6%); estresse (11,7%); dificuldade de concentração (9,2%); perda de satisfação na carreira (9,1%); pessimismo em relação ao futuro (8,3%); falta de apetite ou alteração do peso (8,1%); além disso, medo de se infectar com o novo Sars-CoV-2 (43,2%), principalmente por escassez ou inadequação de equipamentos de proteção individual (FIOCRUZ, 2021).

Da mesma forma, alguns dos entrevistados no presente estudo revelaram que houve demanda por ajuda psicológica desde o início da pandemia (Gráfico 13): 19% recorreram a auxílio profissional muitas vezes, 28,6% o fizeram razoavelmente, 19% poucas vezes, 14,3% muito poucas vezes e 19% negam tê-lo feito.

Gráfico 13: Entrevistados avaliam se já precisaram de ajuda psicológica no atual cenário de pandemia.

Entrevistados avaliam se já precisaram de ajuda psicológica no atual cenário de pandemia.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Em contrapartida, a pandemia da Covid-19 trouxe um novo panorama de atuação para os residentes. Levantamentos pelo Brasil revelam que os residentes tiveram que participar de plantões em UTIs, emergências ou enfermarias, atividades que, muitas vezes, não eram previstas em suas especializações, mas que precisaram ser cobertas por esses profissionais por conta da alta demanda de pacientes internados com o vírus nos hospitais (SANAR, 2021).

Durante esse processo de transformações na atuação profissional, houve ganhos na formação de médicos. Para Gasparetto (2021), esse novo cenário proporcionou mudanças positivas, uma vez que as atividades presenciais sofreram conversão digital, com aulas remotas que alcançavam estudantes em qualquer lugar e aumentavam as trocas de conhecimento. Ainda, houve aprimoramento da assistência via teleatendimento e telemedicina.

Inevitavelmente, essa nova forma de atuação na medicina teve repercussões na relação médico-paciente. Sobre o tema, o gráfico 14 mostra que as opiniões entre os residentes divergem: 19% consideram que há muita repercussão, 23,8% veem-na como razoável, 47,6% como pouca e 9,5% como muito pouca. Foi dada oportunidade de discursar sobre qual seria a repercussão, e alguns argumentaram que a relação médico-paciente estava ameaçada, por exemplo, pela falta de prática de habilidades cirúrgicas pelos novos profissionais e pelo distanciamento social atual, sobretudo com uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que podem ser interpretados como intimidadores por alguns pacientes.

Gráfico 14: Percepção dos residentes sobre a repercussão da pandemia na relação médico-paciente.

Percepção dos residentes sobre a repercussão da pandemia na relação médico-paciente.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Por outro lado, uma pesquisa inédita foi realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM, 2021) com profissionais de saúde atuando na linha de frente de combate ao coronavírus. 13% dos entrevistados consideram que o cenário de pandemia reforça o compromisso de alguns profissionais com a medicina e com a saúde da população. Além disso, 6,2% acreditam que haja fortalecimento de sua imagem como médico na comunidade. Ainda, 4,7% deles considera que houve melhora do relacionamento dos médicos com pacientes e outros profissionais da equipe, além de haver maior aproximação destes com as entidades médicas.

Nota-se, portanto, que as percepções dos profissionais de saúde acerca das mudanças impostas pela pandemia podem ser diversas. Em dissonância com o presente estudo, outras pesquisas revelaram que as alterações advindas da atual crise sanitária mundial podem ter reflexos positivos na atuação médica.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora as necessidades entre os residentes sejam distintas, a média reduzida de cirurgias à época das entrevistas parece repercutir no entusiasmo dos estudantes com os estudos, além de poder afetar tecnicamente a residência. Dessa forma, muitos dos entrevistados ponderam sobre a necessidade de fontes extras de aprendizado.

Essa insegurança se traduz em reflexões sobre o desejo de concluir suas especializações, podendo, inclusive, culminar em necessidade de ajuda profissional para proteção da saúde mental em meio a tantas mudanças.

Em contrapartida, outros estudos apresentados ao longo do texto sugerem que há diferentes interpretações dos profissionais de saúde acerca das transformações vividas na medicina durante a pandemia, de forma que, em última análise, pode haver ganhos em searas específicas deste ofício.

Com o presente artigo, foi possível responder à questão norteadora inicial. Nota-se que a percepção deste novo cenário de pandemia é pessoal, mas, de modo geral, todos os entrevistados o atravessam com algum grau de ansiedade quanto a sua formação técnica, curva de aprendizado e saúde mental.

Contudo, visto que as medidas aderidas pelo HUWC e por outras instituições de saúde a fim de evitar a disseminação do vírus no ambiente intra-hospitalar são pertinentes e justas, este estudo justifica a necessidade de outras análises subsequentes, com intuito de elaborar medidas compensatórias que possam, a médio e longo prazo, suprimir a demanda por treino intenso para a competência na habilidade cirúrgica destes residentes e de outros em situações similares.

REFERÊNCIAS

AQUINO, E. M. L. et al. Medidas de distanciamento social no controle da pandemia de COVID-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. suppl 1, p. 2423-2446, 2020.

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). COVID-19: Prevenção e controle durante cirurgias. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), 30 de abril de 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/covid-19-prevencao-e-controle-durante-cirurgias>. Acesso em 07 de janeiro de 2022.

BOTTI, Sérgio Henrique de Oliveira; REGO, Sergio. Processo ensino-aprendizagem na residência médica. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 34, p. 132-140, 2010.

CHU, Derek K. et al. Physical distancing, face masks, and eye protection to prevent person-to-person transmission of SARS-CoV-2 and COVID-19: a systematic review and meta-analysisThe lancet, v. 395, n. 10242, p. 1973-1987, 2020.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. PANDEMIA gera estresse e sobrecarga de trabalho, mas reforça confiança dos pacientes na medicina. Conselho Federal de Medicina, 06 de abril de 2021. Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/noticias/pandemia-de-covid-19-gera-estresse-e-sobrecarga-de-trabalho-medicos-mas-reforca-confianca-dos-pacientes-na-medicina/>. Acesso em 07 de janeiro de 2022.

DA SILVA MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto et al. Adoecimento mental dos médicos na pandemia do COVID-19. Debates em Psiquiatria, v. 11, p. 1-20, 2021.

FIOCRUZ. Pesquisa analisa o impacto da pandemia entre profissionais de saúde. Fiocruz, 22 de março de 2021. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-analisa-o-impacto-da-pandemia-entre-profissionais-de-saude>. Acesso em 06 de janeiro de 2022.

GASPARETTO, Juliano. Perdas e ganhos dos médicos “filhos” da pandemia. Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná. Disponível em: <https://www.crmpr.org.br/Perdas-e-ganhos-dos-medicos-filhos-da-pandemia-13-57113.shtml>. Acesso em 07 de janeiro de 2022.

ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE (OPAS). Histórico da pandemia de COVID-19. Organização Panamericana de Saúde (OPAS), 2021. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19. Acesso em 27 de dezembro de 2021.

SANAR RESIDÊNCIA MÉDICA. COVID-19 e residência médica: como a pandemia transformou a atuação de residentes. Sanar Residência Médica, 30 de abril de 2021. Disponível em: <https://www.sanarmed.com/covid-19-e-residencia-medica-como-a-pandemia-transformou-a-atuacao-de-residentes>. Acesso em 08 de janeiro de 2022.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) advice for the public: When and how to use masks. World Health Organization (WHO), 10 de dez. de 2021. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/when-and-how-to-use-masks. Acesso em 29 de dezembro de 2021.

WORLDOLMETER. Countries where COVID-19 has spread. Worldometer, 27 de dez. de 2021. Disponível em: <https://www.worldometers.info/coronavirus/countries-where-coronavirus-has-spread/>. Acesso em 8 de janeiro de 2022.

[1] Graduanda em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. ORCID: 0000-0001-6308-6137.

[2] Graduanda. ORCID: 0000-0001-7230-6330.

[3] Graduando. ORCID: 0000-0002-9025-9192.

Enviado: Janeiro, 2021.

Aprovado: Abril, 2022.

4.7/5 - (8 votes)
Tainá Rocha Josino

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