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A relação saúde e ambiente dos povos da floresta amazônica

RC: 110445
221
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/saude-e-ambiente

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MELO, Arlen Maia de [1], PASCOAL, Rosana Moraes [2], SOUZA, Keulle Oliveira da [3], MOREIRA, Elisângela Claudia de Medeiros [4], DIAS, Claudio Alberto Gellis de Mattos [5], NAZARÉ, Mailson Lima [6], FECURY, Amanda Alves [7], DENDASCK, Carla Viana [8], PIRES, Yomara Pinheiro [9], TRUSEN, Sylvia Maria [10], OLIVEIRA, Euzébio de [11]

MELO, Arlen Maia de. et al. A relação saúde e ambiente dos povos da floresta amazônica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 04, Vol. 01, pp. 05-17. Abril de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/saude-e-ambiente, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/saude-e-ambiente

RESUMO

O presente trabalho surgiu a partir das reflexões provenientes das aulas ministradas no âmbito da disciplina saúde, sociedade e ambiente, no PPGEAA (Programa de Pós-graduação em Estudos Antrópicos na Amazônia) e tem como objetivo articular as relações entre essas concepções a partir do entrelace com a proposta temática advinda do projeto de pesquisa discente apresentado ao programa. Para tanto, este artigo apresenta um estudo sobre as cosmologias e o pensamento indígena no que se referem ao modo como essas sociedades se organizam, convivem e concebem a tríade saúde, sociedade e ambiente. Ainda assim, se faz necessário entender as múltiplas formas como estas sociedades conduzem suas práticas sociais a partir de suas crenças interligadas recorrentemente aos elementos presentes na natureza. A metodologia utilizada neste trabalho consiste em pesquisa bibliográfica a partir da seleção de textos que dialogam com a proposta temática em questão. O referencial teórico desta pesquisa ampara-se nos trabalhos de autores que se debruçam sobre os conceitos tratados ou que de alguma forma complementam o diálogo desta pesquisa. Os saberes, crenças e práticas difundidas por meio da tradição indígena, foram, por muito tempo, marginalizadas, ignoradas ou encaradas de forma equivocada pelo olhar estrangeiro e a questão etnocêntrica na figura do colonizador. Com isso, espera-se com este trabalho, proporcionar uma interpretação crítica, plural e interdisciplinar a partir da reflexão sobre o pensamento indígena na atualidade.

Palavras-chave: Saúde, Ambiente, Povos indígenas, Etnocentrismo.

INTRODUÇÃO

As sociedades indígenas desempenharam ao longo do tempo formas distintas de se relacionarem com a natureza, que se diferenciam do pensamento de povos não indígenas. Esta noção baseada no respeito e cuidado com o ambiente é visivelmente constatada pelo fato de a concepção indígena sobre natureza ir além do espaço em que estão inseridos. As diversas formas de se organizar e relacionar nos diferentes espaços, nos quais se consolidam as variadas etnias indígenas, se constituem sob uma outra configuração de pensamento, diferente assim, da concepção exploratória promovida pelos ideais de “progresso” do homem branco europeu.

Nessa primeira reflexão, se evidencia a preservação dos costumes e práticas das sociedades indígenas mantidos e repassados adiante em sua tradição, considerando assim, em princípio, o respeito e luta contra a exaustão exploratória da natureza como forma de assegurar o equilíbrio das ações dos sujeitos em seus determinados espaços. Desse modo, a concepção de pensamento no qual estão centradas as cosmogonias indígenas de várias regiões do Brasil, se apresentam como forma de resistência ao esgotamento dos recursos naturais com base na lucratividade de um determinado grupo. Desse modo, conforme destaca o importante líder indígena na atualidade, Ailton Krenak, em sua “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019), sobre as novas formas de organização social indígena na atualidade após o processo massacrante de colonização ocasionado aos povos da floresta, o autor constata que:

[…] as populações indígenas não sobreviveriam à ocupação do território, pelo menos não mantendo formas próprias de organização, capazes de gerir suas vidas. Isso porque a máquina estatal atua para desfazer as formas de organização das nossas sociedades, buscando uma integração entre essas populações e o conjunto da sociedade brasileira. (KRENAK, 2019, p.39)

Krenak (2019) levanta questionamentos importantes sobre as problemáticas enfrentadas por diversos povos e comunidades tradicionais indígenas que têm sofrido ao longo dos anos com os grandes impactos causados em decorrência do avanço da “industrialização”, inclusive, camuflados sob o discurso da “modernização” e do “progresso”. Essas implicações impactam fortemente os modos de vivência, a saúde, e o espaço em que estão inseridas as diversas etnias indígenas na atualidade, como exemplos, se destacam as questões das lutas por direitos as demarcações de terras, a garantia de saúde e direitos básicos à estas populações, o desenvolvimento de projetos que visem à preservação da floresta, a luta contra a exploração constante dos recursos naturais, entre outros assuntos que estão em recorrentes debates pelos povos indígenas.

As relações estabelecidas entre o ambiente e o modo de se organizar em sociedade para os povos indígenas do interior amazônico consolidam-se, há muito tempo, através da tradição. As diversas práticas e saberes referentes ao conhecimento dos elementos presentes na natureza, resistiram e tornaram-se conhecidas por outros povos não indígenas ao longo dos anos, principalmente, pelo trabalho e sua difusão dos registros literários de muitos viajantes e etnólogos que realizaram várias expedições pela floresta a partir do final do século XIX. Em virtude disso, rituais sagrados, costumes, práticas culturais, inclusive a diversidade linguística originária dos povos da floresta, conseguiram resistir ao processo invisibilizante proporcionado pelos ideais colonizadores europeus em que a figura do sujeito indígena era considerada apenas como um fator relacionado ao “estranho” e “selvagem”.

Os povos indígenas estabeleceram, ao longo dos anos, uma relação com a natureza em que prevalecem o respeito com os meios de sustento extraídos da terra. Por conta disso, se percebe a questão do equilíbrio nas ações existentes entre o sujeito e o espaço em que está inserido, retirando dele somente o necessário. Sobre a questão desses saberes difundidos pela tradição indígena e de sua relação com a natureza, se nota a partir do pensamento de Santos (2000) que:

As populações, acostumadas a enfrentar, com seus próprios recursos, enfermidades que às vezes desconheciam, criaram novas técnicas de uso, descobrindo novas finalidades para as plantas que já conheciam, a partir dos dados recém incluídos no seu dia-a-dia. Os saberes amazônicos, sistematizados em seus diversos matizes – indígenas e caboclos, seringueiros, madeireiros, pescadores, colonos, garimpeiros, balateiros, regatões etc.-, consolidaram-se em suas práticas, destacando o uso dos “remédios do mato” como um dos seus traços culturais mais marcantes. (SANTOS, 2000, p.926)

Na concepção do autor, os variados povos que se constituíram no espaço amazônico habitantes na região detinham suas próprias organizações no que se refere o conhecimento de plantas medicinais, a cura de determinadas doenças, entre outras características que, por sua vez, expandem esses saberes difundidos a partir de gerações.

Por outro lado, a compreensão dos direitos à saúde envolvendo as populações tradicionais indígenas é um assunto intensamente discutido nos últimos anos, que entrou em cena através do protagonismo e lutas sociais de variadas lideranças indígenas pelo país. Isso ocorreu, principalmente, pela invisibilidade a que estavam submetidos os povos indígenas ao longo do tempo. Conforme apontam Rocha; Porto e Pacheco (2019), sobre as recentes conquistas indígenas, destacam que:

[…] Em consonância com a ressignificação do direito à saúde, promovida pela Reforma Sanitária Brasileira, eles pressionaram por uma política específica para a saúde indígena. O marco desta luta foi a realização da 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio, em 1986. Até então, a atuação do Estado nesse campo havia sido marcada por iniciativas pontuais e por campanhas de combate a doenças nas aldeias, que incluíam os povos indígenas como parte da população-alvo, mas sem qualquer contextualização de suas condições de vida ou especificidades socioterritoriais. (ROCHA; PORTO; PACHECO, 2019, p.384)

Percebe-se, portanto, que os feitos direcionados às comunidades indígenas no que se refere a saúde, atingiram nesse período, alguns casos específicos que não abarcaram de modo significativo o amplo contexto a que estão submetidas as populações indígenas.  Para tanto, alguns exemplos como o avanço do desmatamento, os processos intensivos de mineração e a expansão de setores como o agronegócio no país, provocaram vários impactos na saúde dos povos indígenas conforme destacam os autores:

[…] transformações sociais, culturais, ambientais e econômicas contribuíram para que problemas de saúde característicos da pobreza e da vulnerabilidade social, como as doenças infecto parasitárias (principalmente tuberculose, malária e parasitas intestinais), anemia e desnutrição, permaneçam importantes no quadro de morbimortalidade, ainda que em muitos desses povos já tenham iniciado um processo de transição epidemiológica, no qual as doenças crônicas teriam maior relevância nas taxas de mortalidade. (ROCHA; PORTO; PACHECO, 2019, p.385)

Nesse sentido, o agravamento de casos de doenças nas comunidades indígenas, advém deste mascaramento dos impactos provocados na natureza em nome do “crescimento econômico” do país. Em contraponto a isso, as populações indígenas apresentam concepções de natureza bastante distintas umas das outras, dispondo assim, de um modo particular de visualizar o ambiente e a relação que estabelece com ele. Nesse sentido, o que prevalece nesse pensar o espaço reafirma a ideia de uma rede de relações entre os meios naturais da floresta, assim como a interação homem e natureza entre os povos indígenas.

No que se refere a discussão referente ao conceito de saúde, Segre e Ferraz, em seu artigo O conceito de saúde” (1997), destacam a desatualização atribuída à definição por parte da OMS. Segundo os autores, o conceito que se concebe sob “a ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social” não corresponderia a uma definição precisa do termo. Assim, o artigo traça objeções sobre a referida definição pois: “Trata-se de definição irreal por que, aludindo ao ‘perfeito bem-estar’, coloca uma utopia. O que é ‘perfeito bem-estar?’ É por acaso possível caracterizar-se a ‘perfeição’?” (SEGRE; FERRAZ, 1997, p. 539). Ainda assim, os autores complementam este pensamento enfatizando que:

Não se deseja, enfocar o subjetivismo que tanto a expressão “perfeição”, como “bem-estar” trazem em seu bojo. Mas, ainda que se recorra a conceitos “externos” de avaliação (é assim que se trabalha em Saúde Coletiva), a “perfeição” não é definível. Se se trabalhar com um referencial “objetivista”, isto é, com uma avaliação do grau de perfeição, bem-estar ou felicidade de um sujeito externa a ele próprio, estar-se-á automaticamente elevando os termos perfeição, bem-estar ou felicidade a categorias que existem por si mesmas e não estão sujeitas a uma descrição dentro de um contexto que lhes empreste sentido, a partir da linguagem e da experiência íntima do sujeito. Só poder-se-ia, assim falar de bem-estar, felicidade ou perfeição para um sujeito que, dentro de suas crenças e valores, desse sentido de tal uso semântico e, portanto, o legitimasse. (SEGRE; FERRAZ, 1997, p. 539).

A discussão desses conceitos em que se compreende a importância do outro, bem como a sua relação com o ambiente e a noção de natureza, trazem para discussão não somente a complexidade e diversidade do pensamento dos indígenas habitantes nessas localidades, mas também, desenvolvem uma relação direta com o espaço e vão além dos fenômenos naturais.

Conforme essas afirmações, entende-se que há uma relação de proximidade com o ambiente e a saúde nas cosmogonias e no pensamento indígena que são fortemente acentuadas em rituais, expressões culturais, na obtenção dos recursos presentes na floresta etc. Para tanto, entende-se que essas proposições entre a visão indígena e os diversos povos étnicos são de suma importância para compreensão desses saberes tradicionais.

O PENSAMENTO ETNOCÊNTRICO E A NOÇÃO REDUCIONISTA DO OUTRO

A discussão sobre a relação de superioridade ou inferioridade a que estão inseridas as culturas indígenas, recaem sobre a questão etnocêntrica. O pensamento equivocado atribuído às sociedades indígenas, ainda se configura como sustentação para culturas considerarem-se superiores ou apontadas como inferiores umas em relação às outras. Esse pensamento impacta as sociedades indígenas, principalmente, por se tratar de um pensamento reducionista do outro. Sendo assim, Meneses (1999), em seus trabalhos sobre Etnocentrismo e relativismo cultural: algumas reflexões, destaca que:

[…] o etnocentrismo julga os outros povos e culturas pelos padrões da própria sociedade, que servem para aferir até que ponto são corretos e humanos os costumes alheios. Desse modo, a identificação de um indivíduo com sua sociedade induz à rejeição das outras. O idioma estrangeiro parece “enrolado” e ridículo; seus alimentos, asquerosos; sua maneira de trajar, extravagante ou indecente; seus deuses, demônios; seus cultos, abominações; sua moral, uma perversão etc. (MENESES, 1999. P. 19)

Por conseguinte, evidencia-se com esse pensamento, a noção de redução ou até mesmo, eliminação da alteridade, pelo desejo constante de extirpação do outro. A “visão outra” estabelecida do não indígena sobre o indígena, configura-se como fator de depreciação. A negação daquilo que é considerado diferente, portanto, figura “outra” conduzida à marginalização e submissão social, concentram-se no campo do estranhamento.

Este fator “estranho” para esta ou aquela cultura que se chocam ou entram em conflito, apresentam-se sob a noção da diferença. Percebe-se também, o estranhamento dos povos e culturas diferentes em relação aos povos indígenas, na medida em que atribuem, recorrentemente, à figura dos povos indígenas, a categoria do que se entenderia como sujeitos estranhos, selvagens e por conta disso, povos que seriam atrasados e, portanto, conduzidos à marginalização e sujeitos a dominação. Sobre este pensamento reducionista e opressor deste outro que é conduzido para o processo de marginalização Meneses aponta:

Mas rejeição do Outro, combinada com a dominação, assume também outra forma: não tirar a vida do Outro, mas apenas a diferença, ou seja, extirpar-lhe a alteridade que o constitui como Outro, assimilando-o e reduzindo-o à imagem e semelhança do Mesmo (MENESES, 1999. P. 19)

Por conta disso, pensar em elementos tão significativos para a constituição de traços culturais marcantes, principalmente quando se trata da abordagem e trabalho com grupos sociais indígenas que por muito tempo se viram silenciados pelo pensamento eurocêntrico, implica refletir, em características essenciais, para o estabelecimento de uma visão outra a partir do fenômeno da alteridade, vista sob a ótica das diversas relações sociais. Assim também, como a noção de identidade, os impactos e constituições políticas, a reavaliação de configurações historicamente constituídas, além de considerações econômicas e interculturais que são e estão intimamente calçadas nas temáticas em questão.

Em vista de tal afirmação, entende-se a devida importância que deve ser concedida aos saberes provenientes da cultura indígena como responsáveis pela valorização dos costumes, crenças, e também da proximidade significativa e dependente entre os animais, plantas, locais das etnias indígenas amazônicas. Acerca desses fatores, nota-se a concentração de muitos estudos envolvendo as tradições indígenas e os fatores de silenciamento desde o processo de colonização. A predominância etnocêntrica favoreceu para que muitas comunidades indígenas fossem ocultadas em sua construção histórica. Nesse sentido, Meneses (1999) expõe que:

É verdade que os povos mais primitivos têm uma forte rejeição etnocentrista dos povos circunvizinhos. Porém nada se compara com o etnocentrismo combinado com o sentimento de superioridade que o grupo ou a nação dominante dedica aos dominados e oprimidos. Considerá-los sub-humanos, ou seres humanos de segunda classe, é pretexto e efeito de uma relação de dominação. Decerto, o preconceito etnocentrista nunca é inocente, como certos antropólogos deixam entender. É pernicioso, por trazer no seu bojo um elemento da mais alta periculosidade: a negação do “Outro” enquanto tal. E nega-o por senti-lo como uma ameaça à sua própria maneira de ser, e mesmo ao seu ser. E como a melhor defesa é o ataque, pode partir para a eliminação física do Outro. (MENESES, 1999.p.19)

Com base nesse pensamento, verifica-se que os povos indígenas acometidos do pensamento etnocêntrico de “atrasados” ou “selvagens” foram inseridos assim, na categoria de sub-humanos ou tiveram sua cultura massacrada e dissipada durante o processo de colonização. A abordagem desse olhar direcionado a esse outro (indígena) que se consolida de forma depreciativa e desvalorizada, atribuindo-lhes um fator de estranheza e colocando-os à margem da sociedade. Portanto, negar essa importância do outro e de seu papel enquanto sujeito inserido em uma determinada sociedade significa mascarar formas excludentes e contribuir para negação da alteridade.

A fim de aproximar-nos de uma compreensão sobre a noção do termo alteridade, sabe-se, portanto, que é um conceito advindo do campo filosófico e se configura, em síntese, na distinção estabelecida entre o que se projeta como eu em possível contraste com o outro. Essa abordagem demonstra que a dimensão conceitual do termo alteridade atinge ampla discussão e reflexão ao longo do tempo partindo, inicialmente, dos pressupostos filosóficos. Conforme este pensamento, se pensar a construção formativa dos sujeitos a partir do contato com aquilo que se constituem ou se configuram como outro (s), seja a partir do entendimento de sua cultura, de seus saberes medicinais a partir do conhecimento de plantas, raízes, entre outros elementos presentes na natureza, direcionam à um entendimento e proximidade com a alteridade.

Diante desses apontamentos, é importante também dialogar sobre a questão da privação do outro, seja deste ou aquele grupo social que não é considerado ‘normal’ ou que por sua vez é dito como ‘desviante’ das relações entre denominações da cultura de um povo ‘dominante’ traduzem uma visão eurocêntrica é visto como algo ‘estranho’. Ainda assim, vale ressaltar que somente quando se entende a predominância e o respeito dessas distinções para com o outro é quando se notam evidências do fenômeno da alteridade. Por assim dizer, somos resultados e construções simbólicas do que o (s) outro (s) gera (m) em nós.

As comunidades indígenas dispõem de um grandioso legado de seus ancestrais de diversas etnias, principalmente, no que tange o conhecimento de ervas e plantas que propiciam o bem estar e equilíbrio físico, mental e transcendental. Os saberes indígenas amparam-se em diversas crenças milenares conforme as sociedades organizam-se e visualizam o mundo e suas significações. Dessa forma, grupos culturalmente diferenciados apresentam outros modos de se relacionar com o ambiente que os distinguem uns dos outros. Este fator é evidenciado tanto na forma de organização social, o legado difundido em cada ancestralidade e nas práticas ritualísticas que são transmitidas através da tradição por gerações. Por outro lado, observam-se constantemente a geração de conflitos provenientes das questões que envolvem a vida social em áreas indígenas, que por sua vez, afetam diretamente os meios de subsistência trazendo danos à saúde dessas comunidades. Sabe-se que o respeito pelos espaços e recursos naturais são fundamentais para as populações indígenas. O sentimento de pertencimento à floresta e por sua manutenção equivale a uma compreensão aprendida na vivência social nas comunidades indígenas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os variados saberes e práticas referentes às comunidades tradicionais indígenas, antes deixados de lado, ou vistos de forma errônea pelo olhar exterior na figura dos colonizadores, hoje são fortemente consultados, referenciados e até mesmo consolidados por várias áreas do conhecimento. Nesse sentido, o contato com elementos presentes na tradição e no pensamento da cultura indígena, são fundamentais e significativos para se entender muitas relações entre as vivências e os saberes compartilhados por várias etnias.

Diante do que foi apresentado ao decorrer deste trabalho, entende-se que a cultura indígena amazônica é fortemente marcada pela noção da diversidade, verificada, assim, através de suas expressões e manifestações culturais, pela forma como se inter-relacionam com o ambiente e a natureza, por suas práticas e saberes locais, por suas crenças etc. O contato com textos que evidenciam o pensamento indígena traduz as experiências regentes desta cultura, que se coloca em posição distinta da cultura do homem branco, seja através de suas vivências no âmbito social, cultural ou histórico. Essas narrativas também apontam para a necessidade de se reconhecer a alteridade concretizada na experiência da leitura e do contato com o aquilo que se constitui na interação eu e o outro.

De acordo com o que se observou ao decorrer desta pesquisa é necessário se pensar sobre o protagonismo das populações indígenas através de sua atuação e reconhecimento enquanto sujeitos propulsores de seus conhecimentos, de diversos saberes e na promoção de sua cultura. Com isso, a ampliação destas leituras sobre a importância dos saberes indígenas, possibilita-nos refletir sobre a difusão e valorização desses conhecimentos de expressão indígena que se configuram no processo de rompimento das amarras dominantes do etnocentrismo. Nesse sentido, entende-se, portanto, a necessidade de ampliar ainda mais a luta indígena referente a aquisição dos direitos aos espaços que foram negados por muito tempo, e também, romper com fatores de invisibilidade atribuídos a estes povos pelo processo massacrante de exclusão e negação do outro.

REFERÊNCIAS

SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. “O conceito de saúde”. Rev. Saúde Pública. 1997, vol.31, n.5, pp.538-542. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v31n5/2334.pdf  Acesso: 14 de Nov de 2019.

MENESES, Paulo. Etnocentrismo e relativismo cultural: algumas reflexões. In Revista SymposiuM. Ano 3, Número Especial, dezembro, 1999. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/3152/3152.PDF                    Acessado em 21 de Março de 2020.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

ROCHA, Diogo Ferreira da; PORTO, Marcelo Firpo de Souza; Pacheco, Tania. A luta dos povos indígenas por saúde em contextos de conflitos ambientais no Brasil (1999-2014). Ciênc. Saúde Colel. Rio de Janeiro. 24 (2): 383-392, Fev. 2019.

SANTOS, F.S. D. dos. Tradições populares no uso de plantas medicinais na Amazônia. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. VI (suplemento), 919-939, setembro 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext HYPERLINK “https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702000000500009″& HYPERLINK “https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702000000500009″pid=S0104-59702000000500009 Acesso em 20 de Agosto de 2020.

[1] Mestre em Estudos Antrópicos na Amazônia – PPGEAA/UFPA.

[2] Mestranda em Estudos Antrópicos na Amazônia- PPGEAA/UFPA.

[3] Mestra em Estudos Antrópicos na Amazônia – (PPGEAA/UFPA) e Pesquisadora – Grupo de Pesquisa em Saúde, Sociedade e Ambiente (GPSSA/UFPA).

[4] Doutora em Doenças Tropicais. Professora da Universidade do Estado do Pará. , Belém (PA), Brasil.

[5] Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Docente e Pesquisador do Instituto Federal do Amapá – IFAP.

[6] Mestre em Estudos Antrópicos na Amazônia – PPGEAA/UFPA.

[7] Doutora em Doenças Tropicais. Docente e Pesquisadora da Universidade Federal do Amapá, AP. Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Medicina Tropical da UFPA (NMT-UFPA).

[8] Doutorado em Psicologia e Psicanálise Clínica. Doutorado em andamento em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) . Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Psicanálise Clínica. Graduação em Ciências Biológicas. Graduação em Teologia. Atua há mais de 15 anos com Metodologia Científica ( Método de Pesquisa) na Orientação de Produção Científica de Mestrandos e Doutorandos. Especialista em Pesquisas de Mercado e Pesquisas voltadas a área da Saúde. ORCID: 0000-0003-2952-4337.

[9] Doutora em Engenharia Elétrica – UFPA. Docente e Pesquisadora na Universidade Federal do Pará – UFPA.

[10] Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

[11] Doutor em Medicina/Doenças Tropicais. Docente e Pesquisador na Universidade Federal do Pará – UFPA. Pesquisador Colaborador do Núcleo de Medicina Tropical – NMT/UFPA, Belém (PA), Brasil.

Enviado: Março, 2022.

Aprovado: Abril, 2022.

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Carla Dendasck

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