ARTIGO ORIGINAL
RIBEIRO, Elton Gustavo Boralli [1], MOREIRA, Leonardo Alves [2], CAMPOS, Marison Omar Bastos [3], LIMA, Naiara Lorrani Silva de [4], PINGARRILHO, Bruno da Silva [5], RIBEIRO, Renato Queiroz [6], PEREIRA, Nalisson Marques [7]
RIBEIRO, Elton Gustavo Boralli. Et al. Intussuscepção por Divertículo De Meckel. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 10, Vol. 12, pp. 121-130. Outubro de 2019. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/diverticulo-de-meckel
RESUMO
O divertículo de Meckel representa a anomalia mais comum do trato gastrointestinal, acometendo cerca de 2% da população, permanecendo, em sua maior parte, assintomático durante toda a vida. Historicamente, o primeiro a descrevê-lo foi o cirurgião alemão Wihelm Fabricius Hildanus em 1598, posteriormente por Lavater em 1671 e Ruych em 1707, de forma semelhante. No século XIX, Johann Friedrich Meckel, com a publicação da teoria embrionária, preencheu as lacunas da origem dessa estrutura. Atualmente sabe-se que a anomalia é um divertículo verdadeiro, pois possui todas camadas da parede intestinal e localiza-se comumente nos 100cm finais do intestino delgado, o que corresponde ao íleo terminal, na borda antimesentérica. Possui cerca de 1-10cm, comumente sendo encontrado mucosa gástrica e/ou pancreática. Dentre as complicações mais comuns se destacam o sangramento, obstrução e menos frequente a intussuscepção, em que a abordagem cirúrgica se torna indispensável, podendo-se realizar desde uma diverticulectomia simples até ressecção ileal segmentar com anastomose, dependendo da gravidade do quadro referido. Uma avaliação diagnóstica completa e intervenção precoce são necessárias a fim de evitar complicações mais graves.
Palavras Chave: divertículo de Meckel, Intussuscepção, Abdome Agudo.
1. INTRODUÇÃO
Dentre as anomalias do trato gastrointestinal, o divertículo de Meckel (DM) é a mais comum, acometendo cerca de 2% da população (E. BARRY et al., 2017). Entretanto, sua real incidência é desconhecida, visto que, a maioria dos doentes permanecem a vida toda sem quaisquer sintomas. As estimativas mais confiáveis na literatura, variam de 1.2%-3% e 0.3-4% segundo dados de autópsias e evidência intraoperatória (BRAGA; BERNARDES, 2015).
A caracterização do DM possui uma longa trajetória histórica, o primeiro a descrevê-lo foi o cirurgião alemão Wilhelm Fabricius Hildanus, em 1598, como “um divertículo pouco comum”. Mais tarde, em 1671, o cirurgião alemão Lavater registrou um dos primeiros casos da presença de um divertículo anômalo localizado no íleo terminal. Em meio à inúmeros avanços no estudo do DM, surge sua primeira ilustração detalhada, em 1707, feita por Ruych, além de Alexis Littré, que na mesma época, descreveu um divertículo no íleo e o atribuiu à um fenômeno de tração. Em 1742, este mesmo autor descreve um divertículo semelhante, porém, no intestino delgado estrangulado em uma hérnia inguinal que foi consagrada e atualmente conhecida como “hérnia de Littré” (BRAGA; BERNARDES, 2015).
No decorrer do século XVIII, houveram relatos de divertículos em diversas localizações (duodeno, íleo, reto), mas ainda com lacunas a serem preenchidas, principalmente em relação a sua origem/existência. Apenas em 1809, Johann Friedrich Meckel publicou a teoria embrionária que explicou a gênese desta estrutura, sendo relacionada a uma obliteração incompleta do ducto vitelino. E assim, aquele que por vários anos permaneceu na sombra do conhecimento científico é batizado de “Divertículo de Meckel” (BRAGA; BERNARDES, 2015).
Atualmente, sabe-se que tal anomalia é resultante da obliteração incompleta do ducto onfalomesentérico, sendo considerado um divertículo verdadeiro, pois apresenta todas camadas da parede intestinal, localizando-se na borda antimesentérica do íleo, geralmente nos 100cm distais do intestino delgado (FIGURA 1). Entretanto a maioria dos pacientes permanece assintomático por toda a vida. O surgimento de sintomas sugere complicações como hemorragia digestiva e fenômenos obstrutivos, inflamatórios ou neoplásicos. Estima-se em 4-6% a probabilidade da doença se tornar sintomática em algum momento da vida (ARAÚJO et al. 2014)
FIGURA 1. Representação esquemática do divertículo de Meckel e todas suas camadas, demonstrando ser um divertículo verdadeiro.
Os DM possuem tamanho que variam de 1-10cm, casos de divertículos gigantes (acima de 5cm) são raros e associados a formas mais graves de obstrução. Até metade dos casos de DM sintomáticos serão apresentados nos primeiros 2 anos de vida e a maioria das complicações desenvolvidas antes dos 10 anos. O tipo de complicação também varia com a idade do paciente, como a hemorragia e obstrução, que predominam nos mais jovens e a obstrução e sinais inflamatórios, mais comum em adultos (ALMAAWI; DAVULURI; YOUSSRY, 2017).
Excluídos os achados incidentais durante exames e cirurgias, o diagnóstico de DM depende da ocorrência de complicações e baseia-se fundamentalmente em exames de imagem como ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada de abdome, cintilografia e angiografia abdominal, que se tornam ideais diante da suspeita diagnóstica de diverticulite, invaginação/intussuscepção intestinal, obstrução e sangramento digestivo. Dentre todos os métodos diagnósticos a cintilografia é considerada o padrão-ouro (ARAÚJO et al. 2014).
A obstrução intestinal é observada em 20-25% dos doentes com DM sintomáticos. O diagnóstico nem sempre é estabelecido no pré-operatório, na maioria dos casos ocorre durante a exploração cirúrgica. Tal dificuldade baseia-se na presença de sintomatologia inespecífica, já que a história clínica, exame físico e laboratoriais não são suficientes para delinear totalmente o diagnóstico sendo, primariamente, apendicite aguda a hipótese diagnóstica pré-operatória mais comum nos casos de DM complicado. Outros mecanismos incluem a torção do divertículo, ou a própria estrutura pode ser ponto de partida para uma obstrução íleo-ileal com subsequente invaginação ileocólica (BRAGA; BERNARDES, 2015).
Além disso, das etiologias de abdome agudo obstrutivo, a intussuscepção representa menor incidência, decorrendo das suboclusões intestinais na presença de um DM de maior proporção em região ileocecal. (BATISTA; MAXIMIANO, 2009).
2. RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 18 anos deu entrada no Hospital de Emergência Oswaldo Cruz, Macapá-AP, com quadro clínico de dor abdominal em região hipogástrica e fossa ilíaca direita há 3 dias, referindo também febre, anorexia e vômitos. Ao exame físico apresentou distensão abdominal e dor à descompressão brusca. Foi solicitado a internação hospitalar, exames laboratoriais e ultrassonografia abdominal, além de avaliação da Cirurgia Geral, que indicou a abordagem cirúrgica de imediato.
Encaminhado à laparotomia exploradora, identificou-se uma alça de íleo em sofrimento, devido a intussuscepção e torção de 40cm à aproximadamente 10cm da válvula ileocecal, conjuntamente, visualizado no conteúdo invaginado um divertículo de Meckel (DM) de 15cm a 60cm da válvula ileocecal. Realizou-se uma enterectomia segmentar, com ressecção de 10cm a 70cm da válvula ileocecal e anastomose termino-terminal.
O pós-operatório (PO) evoluiu de maneira satisfatória, com melhora clínica, uso de sintomáticos, antibioticoterapia e dieta adequada. Entretanto, durante o quarto dia de PO, o paciente apresentou hematêmese, sendo realizada a estabilização clínica e a endoscopia digestiva alta (EDA), apresentando como achados esofagite grau C (Los angeles); Pangastrite endoscópica enantematosa moderada e úlceras duodenais A1 Sakita e Forest IIA.
3. DISCUSSÃO
O Divertículo de Meckel (DM) apresenta uma vascularização exclusiva, através da artéria vitelina, um ramo anormal da artéria mesentérica superior. Além disso, devido à origem de tecido embrionário, as células de seu revestimento conservam a sua pluripotência, portanto, podem originar tecido heterotópico que é encontrado em 50-60% dos DM, dos quais 60-85% contêm mucosa gástrica e 5-16% tecido pancreático (BRAGA; BERNARDES, 2015).
Entre os tipos de tecido heterotópico destacam-se os tecidos gástrico, pancreático ou ambos. Entretanto, há relatos de achados esporádicos de mucosa colônica, endometrial e tecido hepatobiliar, sendo maior a incidência de complicações nos divertículos com mucosa ectópica. (ARAÚJO et al. 2014)
Na faixa etária pediátrica, o sangramento é a complicação mais frequente (45-50%), seguido de obstrução e infecção. Já nos adultos, a obstrução é o achado mais comum e ocorre pela formação de enterólitos, hérnias internas, volvo, bridas, entre outros (ARAÚJO et al. 2014).
Destaca-se a importância da abordagem diagnóstica e terapêutica efetiva, devido a mortalidade decorrente das complicações do divertículo de Meckel, que situam-se em torno de 6%-7,5%, e as complicações pós-operatórias em aproximadamente 11% (MAIA et al., 2013).
O tratamento cirúrgico é sempre indicado na sintomatologia e/ou complicações, consiste na retirada do divertículo por meio de diverticulectomia simples ou ressecção ileal segmentar com anastomose termino-terminal. A decisão sobre a remoção do DM diagnosticado incidentalmente é controversa. Diversos autores que recomendam sua ressecção alegam ser impossível definir macroscopicamente a ausência de mucosa heterotópica ou uma possível complicação futura.Outros argumentam que devido a baixa probabilidade de o DM tornar-se sintomático, seriam necessárias muitas diverticulectomias a fim de evitar uma única complicação. (ARAÚJO et al. 2014)
A respeito da intussuscepção, há um achado significativo e sugestivo do diagnostico, a presença de uma massa abdominal a palpação, sendo que no caso referido não houve relato. Além disso, na faixa etária pediátrica a sintomática é inconstante, com quadro inicial mais frequente de vômitos ou apenas dor abdominal (ILIAS; KASSAB; CASTRO, 2012).
Tal dor abdominal é mais frequente em forma de cólica. Diarreia e constipação são raros. Como complicações do mecanismo da intussuscepção, podem ser observadas isquemia mesentérica, perfuração, peritonite e evolução à óbito caso não ocorram intervenções eficazes e de maneira precoce (BATISTA; MAXIMIANO, 2009).
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto é notado a importância do diagnóstico e tratamento precoces, visto que as possíveis complicações do DM necessitam de atenção especial, pois a apresentação clinica inicial inespecífica pode dificultar no diagnóstico e consequentemente interferir na conduta médica, podendo levar a um pior prognóstico, aumentando o risco de complicações e de morte do paciente.
5. REFERÊNCIAS
ALMAAWI, Abdul Rahman; DAVULURI, Ramakrishnaprasad; YOUSSRY, Hossam. Ileoileal intussusceptions in a 13 year boy due to giant Meckel’s diverticulum: a case report. Pakistan Journal Of Surgery, Saudi Arabia, v. 33, n. 4, p.315-318, 17 jul. 2017. Disponível em: <http://www.pjs.com.pk/journal_pdfs/oct_dec17/315.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2018.
ARAÚJO, Mendes, Luciana el al. Divertículo de Meckel: revisão de literatura. Rev Med Minas Gerais 2014; 24(1): 93-97, 2014.
BATISTA, Bernardo Nogueira; MAXIMIANO, Linda Ferreira. Intussuscepção intestinal em adultos jovens – relato de caso e revisão de literatura. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Rio de Janeiro, v. 36, n. 6, p.533-536, dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912009000600014>. Acesso em: 07 fev. 2018.
BRAGA, Joana da Silva; BERNARDES, António José Silva. Divertículo de Meckel: revisão e análise retrospectiva de uma casuística de 64 doentes operados. 2015. 71 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015. Cap. 1.
CAMPOS, Miguel; COSTA, Estevão. Divertículo de Meckel Sintomático em Crianças. Acta Pediatrica Portuguesa, Porto, v. 27, n. 1, p.399-402, 20 set. 1995.
DUMPER, Jaymi et al. Complications of Meckel’s diverticula in adults. Canadian Journal Of Surgery, Calgary, v. 49, n. 5, p.353-357, out. 2006. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3207587/>. Acesso em: 08 fev. 2018.
E.BARRY, Wesley et al. Small bowel intussusception secondary to inverted Meckel’s diverticulum. Journal Of Pediatric Surgery Case Reports, Los Angeles, v. 25, n. 1, p.49-51, out. 2017. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2213576617301975?via=ihub#!>. Acesso em: 08 fev. 2018.
ILIAS, Elias Jirjoss; KASSAB, Paulo; CASTRO, Osvaldo Antonio Prado. Intussuscepção intestinal. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 58, n. 4, p.404-405, ago. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ramb/v58n4/v58n4a06.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2018.
JÚNIOR CRN, TCBC-PR , Varaschim M, Naufel AMO, Perraro EIC. Divertículo de Meckel perfurado por palito de dente. Rev. Col. Bras. Cir.2016;(4):1-3.
MAIA, Daniel Santos et al . Obstrução intestinal por divertículo de Meckel. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo , v. 26, n. 3, p. 244-245, Sept. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202013000300018&lng=en&nrm=iso>. access on 09 Feb. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202013000300018.
[1] Acadêmico do 10º período do curso de medicina pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
[2] Acadêmico do 10º período do curso de medicina pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
[3] Acadêmico do 10º período do curso de medicina pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
[4] Acadêmica do 8º período do curso de medicina pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
[5] Médico, Cirurgião Geral.
[6] Médico, Cirurgião Geral e Vascular.
[7] Médico, Cirurgião Geral e Urologista Professor Msc. Da Universidade Federal do Amapá.
Enviado: Outubro, 2019.
Aprovado: Outubro, 2019.