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A Mulher Diante Da Violência Obstétrica: Consequências Psicossociais

RC: 23090
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CONTEÚDO

ENSAIO TEÓRICO

MAIA, Janize Silva [1], SANT’ANNA, Giovanna Stefanini [2], MENEGOSSI, Fernanda Souza [3], ZANNINNI, Juliana Sant’Anna [4]

MAIA, Janize Silva. Et al. A Mulher Diante Da Violência Obstétrica: Consequências Psicossociais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 11, Vol. 07, pp. 54-68 Novembro de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

Introdução: A gestação é um evento biologicamente natural, que representa uma fase importante na vida de qualquer mulher que passa pela experiência, marcada por diversas alterações psicofisiológicas, de modo que todo o processo e o contexto em que a mulher está inserida desde a concepção até a hora do parto, exercerá influência no desenvolvimento e na percepção da gestante perante esse evento. A violência obstétrica pode favorecer o aparecimento de em transtornos psicossociais posteriores a essa violação. Objetivo: descrever as consequências psicossociais em mulheres que sofreram violência obstétrica. Método: revisão integrativa da literatura de estudos científicos publicados no período de 2012 a 2018, cujas etapas foram fundamentadas em protocolo previamente estabelecido, visando a manutenção do rigor científico e metodológico, resultando na integração da literatura no quadro demonstrado ao longo do estudo, a partir da questão norteadora “Quais os transtornos psicossociais que a mulher que sofreu violência obstétrica pode desenvolver?” A busca bibliográfica das publicações indexadas ocorreu na base de dados Lilacs, SciELO e Medline, a partir dos seguintes descritores: parto obstétrico, violência, tocologia e dos critérios de inclusão – pesquisas originais, revisões de literatura e relatos de experiência publicados entre 2012 e 2018, em língua portuguesa e inglesa, disponíveis na íntegra. Foram selecionados 100 inicialmente e, após análise dos critérios de inclusão, selecionados 34 artigos, dos quais 10 responderam efetivamente ao objetivo. Resultado: transtornos comportamentais, de adaptação e ansiedade são as consequências psicossociais mais comuns presente entre as mulheres que sofreram violência obstétrica. Conclusão: A violência obstétrica é uma ação cotidiana na prática assistencial do profissional de saúde que a aplica. Muitas vezes passa desapercebida, sem a compreensão de que aquela ação pode desenvolver transtornos psicossociais. A maioria das mulheres também não reconhece a violência e nem os seus direitos, sendo de suma importância a orientação das mesmas para que busquem informações e manifestem suas opiniões, minimizando possíveis consequências no pós-parto, retomando assim o seu protagonismo, diante do parto e das escolhas e valores de vida.

Palavras-chave: parto obstétrico, violência, tocologia.

INTRODUÇÃO

A violência, compreendida como um problema de saúde pública, significa o ato de violar outros ou a si mesmo. Qualquer ato contrário à liberdade e à vontade de alguém, seja de força física ou abuso de poder, contra si ou qualquer outra pessoa/grupo, que possa resultar em sofrimento, morte, danos físicos, danos psíquicos e/ou prejuízos ao desenvolvimento, integra o conceito de violência1.

Esta violação possui diferentes formas de ação, dentre elas a violência obstétrica, definida como a conduta violenta e sem consentimento cometida por profissionais da saúde, que a gestante se torna vulnerável desde o pré-natal até o puerpério, incluídos os maus tratos físicos, morais, psicológicos, negligenciais e verbais2.

Alguns dos procedimentos são realizados de forma compulsória e sem necessidade justificável também são interpretados como uma prática violenta, dentre eles o uso de medicamentos para agilizar o nascimento, o uso de manobras não consentidas pela parturiente, bem como a realização do parto cesariano desnecessário, que atualmente, segundo dados do DATASUS representam 98,08% dos partos realizados nos serviços de saúde³.

A violência obstétrica, além de infringir os direitos da mulher, ainda descumpre os preceitos da Política Nacional de Humanização (PNH), cuja finalidade é produzir mudanças e melhoras na qualidade da gestão e do cuidado, a partir da atenção assistencial, da coordenação da unidade, da saúde e da comunicação efetiva entre gestores, trabalhadores e usuários4.

A gestação é um evento biologicamente natural, que representa uma fase importante na vida de qualquer mulher que passa pela experiência, marcada por diversas alterações psicofisiológicas, de modo que todo o processo e o contexto em que a mulher está inserida desde a concepção até a hora do parto, exercerá influência no desenvolvimento e na percepção da gestante perante esse evento5.

O consenso cultural da submissão e vulnerabilidade da mulher, que ainda persiste nos dias atuais, acarreta muitas vezes em desconhecimento das mesmas à vista de seus direitos e o menosprezo alheio de suas vontades e escolhas6.

Tendo em vista que os procedimentos desnecessários e a comunicação inadequada podem interferir no desenvolvimento da gestante, é importante que os profissionais da saúde atuem com cautela, delicadeza e empatia desestigmatizando o processo do parto normal como um processo doloroso, ruim e desnecessário7. Este estudo tem como objetivo descrever as consequências psicossociais em mulheres que sofreram violência obstétrica.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura de estudos científicos publicados no período de 2012 a 2018. As etapas desta revisão foram fundamentadas no rigor científico e metodológico: 1) elaboração da pergunta de pesquisa; 2) definição dos critérios de inclusão de estudos e seleção da amostra (busca ou amostragem na literatura); 3) representação dos estudos selecionados em formato de tabela, considerando todas as características em comum (coleta de dados, dispostas em capítulos); 4) análise crítica dos estudos incluídos, identificando diferenças e conflitos; 5) interpretação/discussão dos resultados; 6) apresentação da revisão integrativa de forma clara e objetiva das evidências/dados encontrados.

Para responder à questão norteadora da revisão Quais os transtornos psicossociais que a mulher que sofreu violência obstétrica pode desenvolver?” realizou-se a busca bibliográfica das publicações indexadas na base de dados Lilacs, SciELO e Medline, a partir dos seguintes descritores: parto obstétrico, violência e tocologia.

Os critérios de inclusão dos estudos foram: pesquisas originais, revisões narrativa, integrativa ou sistemática da literatura e relatos de experiência publicados entre 2012 e 2018, em língua portuguesa e inglesa, disponíveis na íntegra. Os critérios de exclusão considerados foram duplicidade dos artigos, editoriais e estudos de caso. Foram selecionados 100 inicialmente e, após análise dos critérios de inclusão, selecionadas 34 referências, das quais 10 responderam efetivamente ao objetivo.

Um instrumento foi elaborado para a coleta e análise dos dados dos estudos que respondem ao objetivo, demonstrado ao longo do estudo. Neste instrumento foram registradas as seguintes informações: autoria, ano de publicação, periódico, título do estudo, objetivo do estudo e os desdobramentos psicossociais da violência obstétrica.

RESULTADOS

DESCRIÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DOS ESTUDOS

As publicações selecionadas para a identificação dos transtornos psicossociais decorrentes da violência obstétrica, estão disponíveis na tabela 1.

O processamento dos dados foi de abordagem qualitativa, buscando apontar as possíveis consequências psicossociais da violência obstétrica.

Tabela I – apresentação da síntese da literatura que demonstra os desdobramentos psicossociais da violência obstétrica.

Ano Autores Título Periódico Objetivo Desdobramentos psicossociais da violência obstétrica
2012 Soares

et al

Transtornos de adaptação no pós-parto decorrentes do parto: estudo descritivo e exploratório Revista OBNJ Verificar a presença de sinais de TA (transtorno de adaptação) em mulheres que se encontram no período pós-parto e sua possível relação com a experiência do parto. Transtorno de adaptação, prejuízo do funcionamento social e da relação mãe-bebê.
2015 Diniz

et al

Abuso e desrespeito na assistência ao parto como questão de saúde pública no Brasil: origens, definições, impactos na saúde materna e propostas para sua prevenção Revista de Cresci- mento Humano e Desenvol-vimento Introduzir o leitor no debate de forma a auxiliá-lo na busca sobre aspectos específicos que podem ser abordados como temas de pesquisa e intervenção. Transtornos de ansiedade e recusa da mulher em procurar o serviço de saúde em caso de morbidades decorrentes de complicações no parto
2015 Guima-

rães

et al

Transtornos de ansiedade: um estudo de prevalência sobre as fobias específicas e a importância da ajuda psicológica Revista Ciências Biológicas e da Saúde Identificar a existência de fobias específicas em universitários, a importância da ajuda psicológica na superação da mesma, bem como identificar a possibilidade de ocorrência de transtornos de ansiedade. Alterações fisiológicas, afetivas, comportamentais e cognitivas: pânico, fobia, TOC e estresse pós-traumático.
2016 Barbo-za e Mota Violência obstétrica: vivências de sofrimento entre gestantes do Brasil Revista Psicologia, Diversidade e Saúde Realizar uma revisão de literatura sobre as práticas de violência obstétrica que ocorrem nas maternidades no momento do parto, suas implicações no bem-estar subjetivo das mulheres e as relações sociais que estruturam estas práticas. Adoecimento físico e psíquico.
2017 Porto

et al

Aspectos Psicossociais da Depressão Pós-Parto: Uma Revisão Sistemática Revista Multidisci-

plinar e de Psicologia

Realizar uma Revisão Sistemática da Literatura sobre os aspectos psicossociais da depressão pós-parto no período de 2011 a 2016. Transtornos depressivos: depressão pós-parto, disforia puerperal e psicose puerperal.
2017 Silva

et al

Sentimentos Causados pela Violência Obstétrica em Mulheres de Município do Nordeste Brasileiro Revista Prevenção de Infecção e Saúde Apreender sobre sentimentos causados pela violência obstétrica em mulheres residentes na cidade de Alagoa Grande, estado da Paraíba. Sentimentos negativos (angústia, revolta, receio e sofrimento) e o aparecimento de transtornos emocionais.
2017 Nasci-

mento

et al

Relato de puérperas acerca da violência obstétrica nos serviços públicos Revista de Enferma-gem UFPE online Desvelar as formas de violências obstétricas sofridas durante a gestação e o parto a partir de relatos de puérperas. Interferência na relação da puérpera com o próprio recém-nascido, amigos e parentes, sociedade;

Interferência na procura da mulher à um serviço de saúde;

Interferência na relação da mulher com uma possível próxima gestação

2017 Rocha; Grisi Violência Obstétrica e suas Influências na Vida de Mulheres que Vivenciaram essa Realidade Revista Multidisci-plinar e de Psicologia Analisar as consequências da violência obstétrica através dos relatos de mulheres que passaram por essa experiência, bem como a percepção que as mesmas têm diante da situação vivenciada, e os sentimentos desencadeados ou possíveis traumas gerados Transtornos de comportamento
2017 Estu-

mano et al

Violência obstétrica no Brasil: casos cada vez mais frequentes Revista Recien Analisar o resultado de pesquisas, sobre as reflexões acerca da violência obstétrica, enfatizando a percepção das parturientes acerca da violência e as principais formas de violência obstétrica sofrida pelas mulheres brasileiras. Transtornos comportamentais;

Ansiedade

2017 Barreto G Violência obstétrica no Brasil JUS Navigandi Compreensão da violência obstétrica como prática inserida em um processo histórico. Quadros depressivos; Transtornos de ansiedade; Fobias;

Compulsão alimentar;

Distúrbios do sono

Tabela 1 – Integração das literaturas utilizadas na revisão. São Paulo, Brasil, 2018.

As publicações selecionadas para a identificação dos transtornos psicossociais decorrentes da violência obstétrica, mediante o ano de publicação, estão disponíveis na figura 1.

Figura 1 – Distribuição das publicações por ano. São Paulo, Brasil, 2018.

Fonte: autor

Os resultados desta revisão apresentam-se em três categorias: Violência obstétrica; A mulher enquanto sujeito social e; Papel do enfermeiro na assistência preventiva da violência obstétrica.

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A violência obstétrica envolve todo e qualquer ato violento por qual uma mulher passa durante o período gestacional, parto e/ou pós-parto, exercido por profissionais da saúde8.

Tais atos violentos variam desde a negligência e discriminação até a agressão infligida por meios físicos, verbais, psicológicos e sexuais, ou seja, toda conduta demasiada, sem consentimento ou desnecessária, muitas vezes prejudicial e que pode influenciar na esfera física e psicossocial da mulher9.

Enema, jejum prolongado, episiotomia sem necessidade, tricotomia, utilização do fórcipe, cesáreas eletivas, negligência da escolha da parturiente para o melhor posicionamento, exames de toque frequentes são exemplos de violência obstétrica. O excesso de intervenções e procedimentos invasivos tornaram-se hábitos recorrentes ao final do século XIX, permitindo que o parto deixasse de ser um evento fisiológico, passando a ser uma prática médica e hospitalar, resultando na submissão das as mulheres à normas e atitudes rígidas de alguns profissionais3.

Esse comportamento foi moldado diante do contexto histórico-social pós Revolução Industrial, onde a população estava em constantes mudanças com novas tendências e tecnologias, visando sempre a produção, agilidade e lucratividade10.

Com o intuito de revisar e mudar essa prática surgiu o Movimento Social pela Humanização do Parto e do Nascimento, no final da década de 80, com propostas de estímulo ao parto vaginal; amamentação; alojamento conjunto; presença de acompanhante; redução de intervenções desnecessárias e participação de enfermeiras obstetras durante o processo3.

Na década de 90, intensificaram-se os movimentos feministas e as mulheres passaram a desenvolver mais autonomia, buscando conhecimento diante da gestação, reconhecendo seus direitos, retomando seu protagonismo. No entanto, atualmente ainda existem muitas mulheres que não possuem essas informações e acabam sendo privadas de suas escolhas sofrendo violência, mesmo sem saber10.

Segundo informações prestadas em 2016 pela Coordenação Geral de Saúde das Mulheres, a violência obstétrica é pouco registrada, muitas vezes justificadas pela falta de reconhecimento tanto das vítimas, que participam de forma passiva do ato quanto dos próprios profissionais de saúde, que não se vêem como praticantes da violência8.

A pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC (Serviço Social do Comércio), mostrou que as agressões mais recorrentes durante o trabalho de parto exercida por profissionais da saúde são: exame de toque de forma dolorosa, negação ou ausência do oferecimento de algum alívio para dor, gritos com a mulher, ausência de informações sobre os procedimentos, recusa de atendimento e atos de humilhação ou xingamentos à paciente11.

Após tantas mudanças, o governo e as organizações de saúde buscaram aperfeiçoar o atendimento individualizado e baseado na humanização, sempre colocando em pauta os direitos das mulheres, mas também não esquecendo do direito dos profissionais12.

Com o intuito de melhorar a qualidade na assistência à gestante e reduzir os casos de violência, foi instituído em 2000 o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, com o objetivo de garantir à mulher o direito e o poder de escolha e a atuação ética e humanizada dos profissionais de saúde, por meio do respeito aos desejos e valores de cada mulher com um olhar individualizado13.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) assegura às mulheres o direito a uma assistência de saúde digna e respeitosa durante a gravidez e o parto, sem sofrer violência e discriminação, independente de raça, escolaridade, renda e localização sociodemográfica. Portanto, qualquer ato desrespeitoso, abusivo ou de maus tratos equivale a uma violação dos direitos fundamentais das mulheres, garantidos na Constituição Federal vigente no Brasil9.

A MULHER COMO SUJEITO SOCIAL

A desigualdade de gênero é vista através da naturalização das disparidades entre os sexos, por meio de categorias hierárquicas construídas ao longo da história, que colocam as mulheres em posição de submissão em relação ao sexo masculino, desqualificando-as como cidadãs14.

Nas décadas de 1960 a 1970, devido a vários fatores econômicos relacionados à expansão do capitalismo, a mulher começou a garantir seu lugar na sociedade. Nesta mesma época, o movimento do feminismo começava a reivindicar a igualdade entre os sexos e principalmente o direito à escolha e ao trabalho, com o intuito de concretizar os direitos das mulheres15.

Como consequência da movimentação feminista e suas propostas aos poderes públicos, foi criada a primeira delegacia especializada de atendimento às mulheres, cujo objetivo era o amparo à mulher perante todas as formas de violência sofrida por ela, por meio da escuta e auxílio da fala feminina, sem preconceitos16.

A violência contra a mulher, definida como atos ou condutas, realizadas exclusivamente contra o sexo feminino, causando dor e sofrimento em aspecto físico, sexual, ou psicológico, ou morte é um grave fenômeno social, que ganhou caráter endêmico, se fazendo presente de modo universal, sem discriminação racial, etária ou social8.

A cultura brasileira de submissão parte do princípio em que a mulher sempre foi submissa ao homem, seja no trabalho, na vestimenta, nos diálogos, no poder, dentro de casa, no voto, na escolha da profissão, dentre tantos outros exemplos. E é devido a esse fato que os movimentos feministas são voltados principalmente ao enaltecimento do empoderamento feminino, de forma a valorizar o poder interior da mulher, sendo esta, capaz de controlar suas relações com tudo que está a sua volta, e defender seus próprios direitos17.

São notados os primeiros sinais de empoderamento em casos de violência, quando a mulher deixa de lado paradigmas ultrapassados, demonstra a vontade de mudança e ganha poder para realizar o rompimento da situação violenta. Estes sinais foram encontrados em grandes nomes como Joana D’Arc, Catarina de Médici, Marquesa de Santos, dentre tantas outras que lutaram para que a mulher se tornasse um sujeito socialmente aceito18.

Diante da premissa cultural de que a mulher é submissa, frágil e biologicamente vulnerável, esta, muitas vezes não é conhecedora de seus direitos, e tem suas vontades e escolhas negadas, sem o poder de recusa, indo assim, contra os princípios dos movimentos feministas e do empoderamento6.

No contexto do parto, a mulher encontra-se com medo muitas vezes por não ser orientada da maneira correta, tornando-se submissa à figura do médico, desde o pré-natal até o parto por achar que ele que detém o poder e o conhecimento, caindo então na cultura brasileira de submissão, aumentando sua vulnerabilidade. Neste cenário, o empoderamento deve ser encorajado no âmbito psicológico, no qual a mulher adquire a capacidade de tomar suas próprias decisões e ter o controle de sua vida, realizando assim, somente suas próprias vontades em relação aos procedimentos obstétricos18.

DESDOBRAMENTOS PSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A gestação e o nascimento de um filho são eventos importantes e que causam intensas mudanças na vida dos familiares e principalmente da mãe. Durante estes períodos ocorrem alterações fisiológicas e hormonais em grandes proporções para que haja uma adaptação do organismo19.

Por tal razão, a mulher deve expressar-se livremente e receber atenção, esclarecimento, respeito e empatia, pois quando essas atitudes não estão presentes, o desfecho desses eventos acaba tornando-se desfavorável, acarretando em um adoecimento físico e psíquico20.

A realização desnecessária de procedimentos invasivos como episiotomia, tricotomia, manobra de Kristeller, uso de ocitocina, diminuição do Ph do sangue do cordão umbilical e do desprendimento cefálico abrupto, bem como hiper-medicalização, amniotomia, exames de toques ecessivos e, cesárias eletivas, podem ocasionar complicações para a mãe e para o bebê e contribuem com a dor e o sofrimento durante o processo do parto e pós-parto9.

Limitar a posição da gestante no leito; restringir a ingesta hídrica e alimentar; proibir a presença de acompanhante; afastar o bebê saudável da mãe e usar de linguajar impróprio e/ou desrespeitoso são fatores que levam à intensificação dos sentimentos de medo, insegurança, angústia e constrangimento, oportunizando o aparecimento dos transtornos emocionais21.

A vulgarização das formas de violência vivenciadas pelas mulheres durante o momento do parto pode torná-las reféns do medo da morte, da perda do filho, do silêncio frente ao sentimento de coação, razão pela qual, não denunciam, desistindo frente as ameaças ou violências concretas ou mesmo por não terem conhecimento sobre os seus direitos e sobre as formas de violência obstétrica22.

Em função disso, todos os tipos de violência obstétrica podem promover impacto na taxa de morbimortalidade materna 23, por isso, uma mulher que recebe pouco ou nenhum suporte ou é violentada durante o processo da gestação, corre maior risco de desenvolver quadros depressivos; transtornos de ansiedade; fobias; compulsão alimentar; distúrbios do sono e outros tipos de sintomas psicossomáticos24.

Os transtornos psiquiátricos envolvem toda e qualquer situação em que o funcionamento da mente se encontra alterado, situação esta, que pode ser influenciada pelas circunstâncias emocionais e sociais as quais o indivíduo encontra-se submetido25.

O transtorno de adaptação no pós-parto surge após um evento estressor e é caracterizado pelo desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentais, que levam ao prejuízo significativo no funcionamento social, interferindo nos cuidados com o bebê, na amamentação, no estabelecimento de vínculo e no desenvolvimento do recém-nascido, podendo evoluir para distúrbios comportamentais mais complexos26.

Desencadeada por situações estressoras e falta de suporte, os transtornos depressivos, como a depressão pós-parto e disforia puerperal são episódios depressivos que acometem as mulheres após o parto. Inclui os sintomas de choro, as alterações de humor, sensibilidade excessiva de rejeição, empatia exacerbada, interferindo assim na funcionalidade da mulher em relação às atividades rotineiras e a interação binômio mãe-bebê27.

Provocando alterações fisiológicas, comportamentais, afetivas e cognitivas, os transtornos de ansiedade, tais como pânico, fobia, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e estresse pós-traumático, iniciam-se após uma situação considerada desagradável, provocando medo, preocupação e/ou obsessões e compulsões28.

Ainda existe a psicose puerperal caracterizada por euforia, humor irritável, logorreia, agitação e insônia, acompanhados de delírios, ideias persecutórias, alucinações e comportamento desorganizado, desorientação, confusão mental, perplexidade e despersonalização27.

É perceptível que a maioria das mulheres que sofrem violência obstétrica e relatam sentimento de frustração, raiva, anseio e impotência diante da experiência negativa do parto, estão suscetíveis a desencadear algum transtorno21.

Todos os transtornos causam grande impacto físico e psicológico para a vida dessas mulheres, interferindo na relação com o próprio recém-nascido, com os parentes e amigos, com a sexualidade, com a procura à um serviço de saúde e com uma possível próxima gestação29.

PAPEL DO ENFERMEIRO NA ASSISTÊNCIA PREVENTIVA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A experiência violenta do parto pode desencadear danos, impactando negativamente na vida da mulher e sua percepção diante da gestação. Para que ocorra uma mudança desse cenário é necessário que a mulher tenha conhecimento acerca de seus direitos e de todo o processo por qual ela passará, garantindo sua autonomia sobre o ciclo gravídico9.

Na área da saúde, a violência não deveria existir por parte de nenhum profissional, pois o mesmo deve isentar-se de julgamentos e disponibilizar a assistência com qualidade e dignidade, propiciando satisfação, qualidade de vida e protagonismos aos pacientes30.

A Enfermagem compreende a arte do cuidar e este, por sua vez, a arte da ciência. De acordo com programa de humanização da Rede Cegonha de 2011, representa a categoria profissional mais preparada para a mudança do histórico de violência obstétrica e para a consolidação de um atendimento seguro durante o processo de parto e nascimento, em razão da proximidade dos profissionais desta área da saúde com os pacientes e seus respectivos valores31.

Uma série de medidas e políticas públicas que visam resguardar o direito das mulheres à saúde e à dignidade na gestação e no parto, foram adotadas pelo Ministério da Saúde, baseadas em quatro pilares: integridade corporal, autonomia pessoal, igualdade e diversidade32.

Considerando estas medidas, é importante a atualização dos profissionais de saúde, para que os mesmos sejam capazes de conhecerem e reconhecerem os direitos das parturientes. Desta forma o enfermeiro apresenta condições e preparo para o acolhimento destas, atuando de forma ética e respeitosa, garantindo proteção; orientação; efetividade na comunicação; uso adequado de protocolos e intervenções além de reduzir a mecanização do cuidado, conduzindo uma assistência humanizada, integral e holística21.

Neste cenário, as condutas terapêuticas de Enfermagem em relação aos transtornos psicológicos, envolvem ações solidárias focadas na promoção e enfrentamento da saúde mental, valorização e estimulação do autocuidado e envolvimento familiar e da equipe de saúde. Dinâmicas, técnicas e/ou grupos de apoio que promovam a confiança, orientação, discussão, motivação, acompanhamento e auxílio dessas mulheres são exemplos de terapêuticas que apresentam bom resultado33.

A contribuição humanizada dos profissionais de saúde antes, durante e no pós-parto, permite o acesso à informação, possibilitando as mulheres de exercerem sua cidadania e a redução de riscos desnecessários a ela e ao bebê, desencadeando um maior envolvimento com o processo da gestação e favorecendo sua experiência diante dos acontecimentos34.

O apoio e a motivação da equipe de Enfermagem favorecem a atitude da mulher em abandonar a submissão e retornar ao seu protagonismo, por meio do estímulo à confiança e o autocuidado. Sendo assim, apoio, orientação e respeito são as premissas que todos os enfermeiros devem seguir33.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência obstétrica é uma ação cotidiana na prática assistencial do profissional de saúde que a aplica. Muitas vezes passa desapercebida, sem a compreensão de que aquela ação pode desenvolver transtornos psicossociais na receptora de sua assistência.

Além disso, a maioria das mulheres também não reconhece a violência e nem os seus direitos, sendo de suma importância a orientação das mesmas para que busquem informações e manifestem suas opiniões, minimizando possíveis consequências no pós-parto, retomando assim o seu protagonismo, diante do parto e das escolhas e valores de vida.

REFERÊNCIAS

1MODENA MR. Conceitos e formas de violência [recurso eletrônico]: Caxias do Sul, RS: Educs, 2016. Acesso em: 19/08/2018. Disponível em: <https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-conceitos-formas_2.pdf>.

2TESSER CD, et al. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade. Rio de Janeiro, 2015; 10(35):1-12.

3ZANARDO GLP, et al. Violência Obstétrica no Brasil: Uma revisão narrativa. Psicologia&Sociedade. São Paulo, 2017; 29(e155043):1-11.

4VIEIRA MCC, et al. A política de humanização do sistema único de saúde (SUS), e suas expressões na maternidade do hospital regional de Pombal-PB. INTESA (Pombal – PB – Brasil), São Paulo, 2014; 8(2):31-53.

5SILVA EAT. Gestação e preparo para o parto: programas de intervenção. O Mundo da Saúde, São Paulo, 2013; 37(2):208-215.

6LIMA LAA, et al. Marcos e dispositivos legais no combate à violência contra a mulher no Brasil. Rev. Enf., São Paulo, 2016; 4 (11):139-146.

7TEREZAM R et. al. A importância da empatia no cuidado em saúde e enfermagem. Rev Bras Enferm, São Paulo, 2017; 70(3):697-698.

8ANDRADE BP; AGGIO CM. Violência Obstétrica: a dor que cala. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas. São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/GT3_Briena%20Padilha%20Andrade.pdf> Acesso em 24/08/2018.

9ROCHA MJ; GRISI EP. Violência Obstétrica e suas Influências na Vida de Mulheres que Vivenciaram essa Realidade. Revista Multidisciplinar e de Psicologia, São Paulo, 2017; 11(38):623-635.

10OLIVEIRA VJ; PENNA CMM. O discurso da violência obstétrica na voz das mulheres e dos profissionais de saúde. Florianópolis. Texto e Contexto, 2017; 26(2):e06500015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017006500015. Acesso em: 24/08/2018.

11ARAUJO TEG. Os direitos das mulheres no Brasil: Uma análise sobre a Violência Obstétrica. Brasília. Universidade de Brasília, 2017. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/17886/1/2017_ThaniaEvellinGuimaraesdeAraujo_tcc.pdf> Acesso em 25/08/2018.

12GONZALEZ DF. Entre público, privado e político: avanços das mulheres e machismo velado no Brasil. São Paulo. Revista Cad. Pesq. 2014; 44(151):228-247.

13PAVANATTO A; ALVES LMS. Programa de humanização no pré-natal e nascimento: indicadores e práticas das enfermeiras. Rio Grande do Sul. Rev Enferm UFSM, 2014; 4(4):761-770.

14CORTES LF, et al. Cuidar mulheres em situação de violência: empoderamento da enfermagem em busca de equidade de gênero. Porto Alegre. Revista Gaúcha de Enfermagem. 2015; 36(esp):77-84.

15TELES MAA. Violações dos direitos humanos das mulheres na ditadura. Rev. Estudos. Feministas. São Paulo, 2015; 23(3):1001-1022.

16SILVA FC. A mobilização feminista no Brasil e suas conquistas para a visibilidade da violência em razão do gênero. Marília: Unesp – Campus de Marília. São Paulo, 2015. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/xiisemanadamulher11189/a-mobilizacao-feminista_flavia-candido-da-silva.pdf> Acesso em 29/08/2018.

17MOUTA RJO, et al. Plano de parto como estratégia de empoderamento feminino. Revista Baiana de Enfermagem. Bahia, 2017; 31(4):e20275.

18MORAIS MO; RODRIGUES TF. Empoderamento feminino como rompimento do ciclo de violência doméstica. Revista de Ciências Humanas. Viçosa, 2016; 16(1):89-103.

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[1] Doutoranda em Gestão e Informática em saúde, Mestre em Educação, Enfermeira

[2] Acadêmica de Enfermagem

[3] Acadêmica de Enfermagem

[4] Acadêmica de Enfermagem

enviado Outubro, 2018

Aprovado: Novembro, 2018

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Janize Silva Maia

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