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Avaliatividade, metáfora e argumentos factuais para a construção de ponto de vista e ideologia

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

NUNES, Camila Matos Venesiano [1]

NUNES, Camila Matos Venesiano. Avaliatividade, metáfora e argumentos factuais para a construção de ponto de vista e ideologia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 04, Vol. 04, pp. 61-85. Abril de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/letras/avaliatividade-metafora

RESUMO

Este estudo examina um editorial do jornal O Estado de S. Paulo, veiculado em 28/12/2019, em que foi produzida uma análise de duas retrospectivas jornalísticas internacionais, igualmente publicadas em mídia impressa e digital, a saber: New York Times e Financial Times, sobre os recentes fatos relativos à Amazônia. Para a análise deste editorial, a Linguística Sistêmico-funcional fornece o aparato teórico para a verificação da avaliatividade e a Linguística Crítica, para a análise das metáforas, considerando igualmente a Análise do Discurso Crítica para o estudo da ideologia. As perguntas de pesquisa: (a) como o gênero editorial apresenta a ideologia em seus estágios e finalidades? ; (b) que papel exercem a avaliatividade na construção das metáforas que percorrem este editorial? e (c) quais relações podem ser estabelecidas entre ideologia e Avaliatividade e metáforas neste editorial? permitem a análise da ideologia na micro e na macroestrutura do texto, apesar de os argumentos serem predominantemente compostos por dados factuais. Em todas as direções, notamos a construção de um ponto de vista e da ideologia apoiados igualmente em argumentos factuais e Avaliatividades para a Amazônia, demonstrando a importância dos estudos de cunho crítico.

Palavras-chave: Linguística sistêmico-funcional, argumentação, metáfora, ideologia.

1. INTRODUÇÃO

O editorial selecionado para análise trata das questões políticas e midiáticas a respeito das queimadas e desmatamentos na Amazônia, assim como os discursos do Presidente Jair Bolsonaro sobre o assunto. Para a análise, faremos incursões tanto na micro quanto na macro estrutura do texto, com a finalidade de responder a três perguntas de pesquisa:

(a) como o gênero editorial apresenta a ideologia em seus estágios e finalidades?

(b) que papel exercem a avaliatividade na construção das metáforas que percorrem este editorial?

(c) quais relações podem ser estabelecidas entre ideologia e Avaliatividade e metáforas neste editorial?

A Linguística Sistêmico-funcional (LSF) (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTIESSEN, 2004), inserida no quadro das pesquisas de cunho crítico, fornece o aparato teórico e metodológico, com os seguintes pressupostos, conforme Eggins (2004): todo e qualquer uso que os falantes fazem da língua são funcionais; a língua tem como função principal elaborar significados e esses mesmos significados são mediados pelos contextos social e cultural e, por fim, são as escolhas realizadas que produzem os significados.

Em escopo ampliado, a Análise Crítica do Discurso, a ideologia e a Linguística Cognitiva (DIRVEN; POLZENHAGEN e WOLF, In: GEERAERTZ e CUYKENS, 2007) concorrem para a construção do método e dos procedimentos de análise.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A pesquisa e análise do editorial selecionado culminam na discussão da validade dos argumentos factuais em conjunto com as metáforas, a fim de produzir um ponto de vista e fortalecer uma ideologia a respeito das políticas ambientais para a proteção e uso da floresta amazônica.

Para tanto, a proposta teórico-metodológica da Linguística Sistêmico-funcional (LSF) é a base para toda a discussão. Noções de persuasão, envolvendo a metáfora e o implícito, assim como a função interacional da linguagem, tratando da Modalidade e da Avaliatividade. A metáfora é objeto de estudo em diversas correntes e nos ateremos às que conduzem esse tipo de processo pelo viés pragmático e discursivo, como será detalhado a seguir.

3. LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL

A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) (HALLIDAY, 1978, 1994; HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2004) descreve a língua como estruturalmente capaz de, simultaneamente, elaborar três significados ou as chamadas metafunções: Ideacional (Experiencial + Lógico), Interpessoal e Textual, a fim de entender o mundo e o outro.

Para Eggins (1994, p. 20), essa simultaneidade permite descrever a língua como “uma abordagem semântico-funcional”, explicando como as pessoas fazem uso da língua nos mais diversos contextos socioculturais.

As três metafunções, a ideacional, a interpessoal e a textual (HALLIDAY, 1994; MARTIN, 2000) atuam conjuntamente e permitem a classificação por tipos e significados gerados pelos atores sociais em situações originais de comunicação.

Martin e White (2005, p. 7) explicam e ampliam, “a LSF é um modelo multi-perspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a interpretação da língua em uso”. Para Eggins (1994), a LSF considera como objeto de análise os textos produzidos em situação original de interação, ou seja, aqueles produzidos em situação real de comunicação, produtos autênticos das interações sociais, sob a forma de textos orais, escritos ou multimodais.

3.1 MODALIDADE E AVALIATIVIDADE (APPRAISAL)

Halliday (1994) descreve como recursos interpessoais os sistemas de avaliatividade e, no caso da análise de um editorial, texto essencialmente interpessoal por conta da expressão da opinião, mostra-se como um aparato teórico capaz de dar suporte à interpretação dos enunciados. O sistema de Avaliatividade, conforme Martin (1997, 2000), White (1998, 2004) e Martin e White (2005), refere-se à subjetividade expressa nas inflexões linguísticas identificadas nos textos como Atitude Subjetiva, marcados pelo Compromisso e Gradação.

Sobre a interação na escrita, há diversas contribuições no âmbito do modelo da Linguística Sistêmico-funcional (THOMPSON; THETELA, 1995; MYERS, 1999; HYLAND, 2000, 2005; AI-SHARIEF, 2001; THOMPSON, 2001; HOEY, 1988, 2001) nas quais diversos aspectos da Modalidade e da Avaliatividade são contemplados, sem, no entanto, relacionar integralmente às expressões metafóricas e suas implicações no quadro teórico dos estudos sobre a cognição e a metáfora.

Martin (2003) realiza contribuição fundamental para a interpretação da opinião do falante e o faz pela oposição bom/mau. Essa oposição é observada em léxicos avaliativos e o sistema é nomeado por Appraisal (Avaliatividade).

O sistema da Avaliatividade se enquadra na Linguística Sistêmico-Funcional e é dividido em três subsistemas: o Engajamento, a Atitude e a Graduação. O Engajamento reflete a Negociação, se há Negociação, temos o Engajamento Heteroglóssico: Talvez esta seja a estrada. No caso de não haver Negociação, temos o Engajamento Heteroglóssico: Esta é a estrada. O subsistema Atitude identifica a atitude do falante frente ao léxico escolhido e pode se dar de três formas: por Afeto (Amei este apartamento); por Julgamento (Ele tomou a melhor decisão); por Apreciação (O apartamento é lindo); por Avaliação Social (O país está descontrolado). O subsistema da Graduação é dividido em Força e Foco, sendo a Força por Aumento (Acabaram com tudo) ou por Diminuição (Comeu pouco), ao passo que o Foco ou Aguça (Uma profissional de verdade) ou Suaviza (Mais ou menos dois itens). (MARTIN, 2003)

3.2 LINGUÍSTICA CRÍTICA

Os estudos linguísticos, particularmente os dedicados à estrutura e ao texto, como a Linguística Textual, permitiam uma margem para a interpretação e a necessidade de teorias que conjugassem campos como ideologia, discurso e relações de poder foram redefinindo o quadro teórico, constituído a Linguística Crítica. Desde 1970, os estudos linguísticos e do Discurso têm sido campo da Análise Crítica do Discurso A Linguística Cognitiva, a ideologia e a Análise Crítica do Discurso foram fortemente influenciadas pela Gramática Funcional, em especial, a Gramática Sistêmico-funcional desenvolvida por Halliday (1985). (DIRVEN; POLZENHAGEN e WOLF, In: GEERAERTZ e  CUYKENS, 2007)

Várias obras e autores concorreram para uma eficiente composição de padrão de análise reunindo a Linguística Sistêmico-funcional e a análise crítica. A Análise do Discurso Crítica reúne os trabalhos de Fowler et al (1979, 1991), o estudo de Fairclough sobre linguagem e poder (1989, 1992ª, 1992b), a corrente da Análise Crítica do Discurso, de Pechêux (1982)  e as abordagens sobre linguagem e gênero (CAMERON, 1985, 1990, CALDAS-COUTHARD; COUTHARD, 1996). Esse processo culmina na abordagem denominada Linguística Critica, que foi desenvolvida por um grupo de estudiosos na Universidade de East Anglia, na década de 1970, segundo Fowler et al., 1979; Kress; Hodge, 1979. Esse momento torna-se importante, pois em um mesmo quadro teórico foram associadas as teorias da análise linguística textual com a análise política e ideológica dos textos, sempre recorrendo à Linguística Sistêmico-Funcional. (HALLIDAY, 1994)

Para a análise de um editorial, é considerado padrão pelos estudiosos a compreensão do veículo como um todo, em seus aspectos sociais e semióticos. A questão da representação é central e, para Fowler (1996), na esteira da Linguística Sistêmico-funcional, qualquer aspecto da estrutura linguística carrega significação ideológica, seja pela seleção lexical, pela construção gramatical etc. e qualquer escolha feita, sempre representa uma escolha ideológica. Para qualquer representação, há uma opção que foi definida como a melhor, assim, ocorrem as distinções ideológicas.

Por outro lado, o questionamento dessas relações entre signo, significado e o contexto sócio-histórico que governa a estrutura semiótica do discurso é o interesse central da Linguística Crítica (doravante LC) (FOWLER et al., 1991). A LC, portanto, envolve a análise ideológica do conteúdo textual implícito, e baseia-se na visão de que textos não são neutros como parecem; isso porque os processos sociais que determinam as escolhas, sejam lexicais, gramaticais ou de qualquer outra ordem, são opacos nas realizações linguísticas e dependem de interpretação e análise.

A metáfora é, então, uma dessas escolhas linguísticas que escondem processos sociais subjacentes, e a análise da metáfora pode ajudar a identificar o conteúdo textual implícito. A propósito, Charteris-Black (2004) diz que a análise da metáfora deveria ser um componente central da análise crítica, e propõe a Análise Crítica da Metáfora. Isso porque as metáforas são usadas persuasivamente para expressar avaliação. Com isso em mente, o autor afirma que a metáfora é vital na criação da apresentação da realidade; é o que Fairclough (1995, p. 71) descreve como “a configuração total das práticas discursivas de uma sociedade ou uma de suas instituições”.

Um estudo importante que comprova a importância da análise da metáfora para a análise crítica do discurso é o de Semino (2002). Ela apresenta uma análise das metáforas usadas em relação ao euro, numa seleção de jornais britânicos e italianos. A análise mostra que há diferenças importantes no modo pelo qual padrões compartilhados são realizados em cada língua, e é possível identificar muitas metáforas que são específicas apenas aos dados italianos ou aos dados ingleses. Os dados também sugerem que novas expressões metafóricas tendem a ser usadas retoricamente em ambas as línguas para dar suporte a visões particulares da união monetária.

3.3 O GÊNERO EDITORIAL

O gênero, conforme definido por Bakhtin (1997), é constituído por enunciados de estabilidade relativa e elaborados de acordo com as esferas de circulação dos textos. Para Martin (1992, p.25), o gênero é “uma atividade organizada em estágios, orientada para uma finalidade na qual os falantes se envolvem como membros de uma determinada cultura”. Porta (2002) constrói um modelo para análise de textos constituído por estágios e finalidade, assim sequenciados: (a) Situação; (b) Problema; (c) Hipótese de Solução; (d) Argumentos e (e) Tese/Avaliação.

O gênero editorial exige o questionamento de uma situação ou cenário da vida social e a identificação do Problema e suas possíveis soluções carregam carga ideológica derivadas da balança do poder discursivo e político das sociedades.

3.4 METÁFORA E IDEOLOGIA

O termo ideologia é objeto de estudo e uso em diversas correntes teóricas e , nos estudos do Discurso e da Cognição, encontraram território amplo na Análise do Discurso Crítica (ADC) (DIRVEN; POLZENHAGEN e WOLF, p. 1223. In: GEERAERTZ; CUYKENS e DIRVEN, 2007. FRANK e ILLIEC, 2001. DIRVEN; FRANK e PUTZ, 2003). Um dos campos de estudo da metáfora envolve sua função persuasiva e Luchjenbroers e Aldridge (2007) relacionaram persuasão aos frames motivados pelas escolhas lexicais, identificadas por escolhas dadas como possivelmente negativas ou positivas, de acordo com o contexto.

Para esse estudo, eles utilizaram a fundamentação proporcionada pela Linguística Cognitiva e as noções de metáfora (LAKOFF; JOHNSON, 1980; LAKOFF 1987, 1993) e de frame semântico (FILLMORE, 1985; MINSKY, 1975). Nesses estudos, e de forma abrangente, os autores relacionam as escolhas lexicais componentes das expressões metafóricas aos estereótipos culturais, os quais podem ser descritos pelos frames motivados por essas mesmas escolhas lexicais. Esse percurso de análise nos permite descrever a atitude do falante e sua atitude frente aos fatos, o que na análise de um editorial adquire relevância.

É mérito da Linguística Cognitiva a comprovação de que a metáfora não é somente uma expressão linguística (LAKOFF, 1993), uma forma de adornar o texto ou de demonstrar outras possibilidades de compreensão dos significados sugeridos, mas é uma forma de pensamento, em que há, basicamente, dois domínios cognitivos: um domínio de origem e um domínio alvo, em que um é entendido pelo outro (LAKOFF e JOHNSON, 1980). A referência para a composição teórica das metáforas conceptuais é o nosso corpo como representação metafórica do mundo que nos cerca, assim, o que está atrás é cognitivamente compreendido como metáfora de algo negativo, ao passo que o que está à frente, é representação corporal cognitiva de algo positivo. Em nossa cultura, as expressões metafóricas elaboradas para a amizade, por exemplo, podem recorrer a “Não olhe para trás” ou “Siga em frente”, remetendo, respectivamente, ao passado e ao futuro.

4. METODOLOGIA

A metodologia definida para esta análise segue os padrões propostos pela Análise do Discurso Crítica e pela Linguística Sistêmico-Funcional, examinando os movimentos ideológicos e expressões metafóricas derivados das escolhas léxico-gramaticais, em nível micro e macro presentes em um editorial do jornal O Estado de S. Paulo.

4.1 DADOS

O texto escolhido para esta análise é um editorial veiculado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 28/12/2019 e intitulado “Água na fervura”.

4.2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Para responder às perguntas de pesquisa:

(a) como o gênero editorial apresenta a ideologia em seus estágios e finalidades?

(b) que papel exercem a avaliatividade na construção das metáforas que percorrem este editorial?

(c) quais relações podem ser estabelecidas entre ideologia e Avaliatividade e metáforas neste editorial?

Os procedimentos seguirão a seguinte ordem:

I. Verificação dos estágios e finalidade de gênero (componente interativo).

II. Análise da modalidade e da avaliatividade presente nos editoriais (componente interpessoal);

III. Análise das expressões metafóricas e sua composição cognitiva fonte/alvo.

5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise do editorial segue o seguinte padrão: à esquerda, está transcrito o texto, dividido em estágios e, à direita, a identificação do Estágio e Finalidades. Abaixo de cada quadro, síntese da discussão. As expressões metafóricas úteis à análise estão anotadas em itálico. O léxico avaliativo está sublinhado.

Gênero e modos textuais Estágios e Finalidades
(1) Água na fervura
Logorreia antiambientalista de Bolsonaro inflama artificialmente a opinião internacional e ameaça o dínamo econômico do País: a agropecuária
Título e subtítulo
Tese

Discussão: o título Água na fervura é de escopo de significação ampla, não antecipando ao leitor qualquer informação a respeito do assunto. É comporto por uma expressão metafórica de uso corrente e popular, cuja significação remete a um ambiente e/ou pessoas em situação crítica e que precisam acalmar os ânimos ou tranquilizar o ambiente, pois quando se coloca água em uma fervura, o calor baixa. O interessante é que não se diz baixar o fogo, mas colocar mais água, deslocando, na significação metafórica, do eixo acalmar os ânimos para acalmar o ambiente. Ao longo das discussões a seguir, essa expressão metafórica confirmar-se-á adequada. O subtítulo sintetiza e apresenta o tema a que se refere a expressão metafórica do título, apresentando claramente a Situação e o Problema. A escolha  do léxico Logorreia é de uso pouco pouco comum, mesmo em editoriais do veículo em questão, e provoca já de início algum estranhamento no leitor, convocando-o à leitura atenta e compreensão do significado no contexto. O significado de Logorreia em dicionários de uso comum remete à caracterização negativa do sujeito, de modo pejorativo, como aquele que diz frases inúteis e/ou sem sentido. Ainda há referências no campo da psicopatologia, descrevendo a Logorreia como uma “compulsão para falar, loquacidade exagerada que se nota em determinados casos de neurose e psicose […]”, marcando a Avaliatividade no subsistema do Engajamento Monoglóssico, sem negociação; de Atitude por Avaliação Social negativa e por Graduação da Força em Aumento, ou seja, o subtítulo marca, sem qualquer atenuação, o ponto de vista do editorial a respeito das falas antiambientalistas do presidente Bolsonaro. Quanto à ideologia, tanto a seleção lexicalmente quanto os diferentes níveis de formalidade, informal e formal, colaboram para a construção de um ponto de vista negativo para o sujeito referenciado no enunciado, extrapolado para o frame relativo a doenças mentais. Trata-se, assim, de um início poderoso para orientar o leitor no sentido de que há algo errado no discurso antiambientalista do Presidente e não, necessariamente, nos problemas de conservação ambiental, antecipando alguns dos argumentos que virão adiante. A força persuasiva e ideológica deste subtítulo segue nas escolhas lexicais utilizadas nas expressões metafóricas: “Bolsonaro inflama artificialmente”e “ameaça o dínamo econômico do País”, pois, no primeiro caso, o léxico inflama está em oposição direta à metáfora presente no título, Água na fervura, oferecendo continuidade de sentidos e demonstrando o quanto os discursos antiambientalistas do Presidente representam a Avaliatividade pela Graduação por Força, aumentando consideravelmente os problemas existentes referentes ao meio ambiente. Já na segunda expressão metafórica, ameaça o dínamo econômico do País, a Avaliatividade pelo Engajamento Heteroglóssico permite a reflexão sobre uma solução para o problema, não assumindo uma postura ideológica de fechamento, que seria o caso se o veículo se opusesse frontalmente à continuidade do Presidente em seu cargo, permitindo a negociação interpessoal com o leitor. A escolha do léxico dínamo na composição da metáfora é mais um caso de escolha adequada ao contexto, pois a agropecuária é vista como um sistema autorregulável, como um dínamo, e o Presidente deveria fortalecer, com seus discursos, as relações econômicas internas e externas. A cuidadosa seleção do léxico, da composição das expressões metafóricas e o jogo entre os sentidos opostos confluem para a determinação do editorial como favorável ideologicamente ao fortalecimento da agropecuária no cenário internacional e que o Presidente use de moderação em seus discursos.

(2) Em clima de retrospectiva de fim de ano, o New York Times e o Financial Times publicaram, coincidentemente no mesmo dia 5, matérias especiais sobre a Amazônia. Os títulos são sugestivos. A matéria nova-iorquina, repleta de imagens impactantes, abre com a chamada “A Amazônia está completamente sem lei: a floresta tropical após o primeiro ano de Bolsonaro”. O caderno de quatro páginas londrino anuncia: “Espectro de devastações dispara batalha feroz pelo fundo da Amazônia”, e especifica: “Chefões do crime visam ao lucro rápido com a busca por desenvolvimento e votos do presidente”. Situação
Visão internacional

Discussão: o léxico avaliativo em clima de retrospectiva de fim de ano retrata um Julgamento de valor ético atribuindo valor negativos às duas matérias especiais, seja londrina ou a nova-iorquina, sobre a Amazônia. Duas expressões metafóricas colaboram na construção do cenário, mesmo sendo tradução dos títulos originais, os quais não foram transcritos. O fato de o leitor não ter acesso imediato aos títulos originais em inglês representa igualmente uma escolha ideológica importante, pois não há como o leitor se posicionar quanto aos títulos originais e deverá confiar nas traduções e que as metáforas aqui presentes sejam realmente as melhores escolhas. A primeira metáfora está expressa em dispara batalha feroz e ativa os frames relativos a guerra, em dispara e batalha, e força animal, em feroz. A segunda, Chefões do crime, ativa frame direcionado ao mundo do crime, a algum tipo de máfia. Os dois títulos são compostos por metáforas orientadas negativamente e retratam um país sem preocupação ambiental e capaz de favorecer o crime e a contravenção, com o objetivo de obter benefícios financeiros. É um enquadre ideológico negativo para o desenvolvimento pautado em lucros e sem atenção à crise climática e necessidade de o mundo preservar o planeta. O posicionamento ideológico desses dois editoriais é oposto ideologicamente ao editorial de O Estado de S. Paulo, considerando somente as traduções dos dois títulos comparativamente à discussão do título e subtítulo (1).

(3) As matérias ilustram dois fenômenos opostos que não se excluem, ao contrário, se retroalimentam. Por um lado, a imprudência do presidente Jair Bolsonaro em relação às preocupações ambientais, que, oscilando entre a indiferença e a hostilidade, está não só estimulando infrações, como arruinando a imagem do País junto à opinião pública internacional. Por outro lado, a extrema suscetibilidade desta opinião. Situação/Problema
Os opostos

Discussão: neste Estágio, a Situação é representada pela síntese das duas matérias detalhadas por seus títulos em (2) como fenômenos, o que os distancia da realidade provável. O Problema, igualmente sintetizado, é apresentado sob a forma de diversas Avaliatividades sobre os dois chamados fenômenos. O primeiro fenômeno é referente aos discursos e ações do Presidente e faz uso de léxicos negativos em uma representação ideológica de alguém ineficiente em suas palavras e ações, provocando mais dificuldades, além das já existentes. Isoladamente, cada Avaliatividade lexical apresenta Engajamento Monoglóssico, ao passo que, em conjunto, e relacionadas aos dois fenômenos opostos e que se retroalimentam, adquirem feição Heteroglóssica, suavizando o perfil ideológico. O Julgamento Ético aparece em imprudência, indiferença, hostilidade e, de modo distinto, e com foco na situação e não no sujeito, em suscetibilidade, ao invés de “suscetível”. A Avaliação Social negativa em estimulando direciona o leitor para as recentes notícias sobre o desmantelamento de diversas instituições públicas de proteção ambiental, notadamente no cerrado e na Amazônia. O subsistema Atitude é novamente visto em Avaliação Social negativa em arruinando, mas há um porém: essa Avaliação elabora uma negação implícita, pois a imagem do País é considerada ideologicamente boa pelo editorial.

(4) Comparativamente, o País tem índices respeitáveis de proteção ambiental. Na Amazônia, a lei determina que 80% das propriedades devem ser preservadas. Além disso, as terras indígenas e unidades de conservação respondem a 24,2% do território nacional. Tudo somado, mais de 66% do território é de vegetação nativa. A lavoura ocupa 7,6% das terras brasileiras. No Reino Unido, por exemplo, são 63,9% e na Alemanha, 56,9%. Ainda assim, o Brasil é o segundo maior exportador agropecuário do mundo, em vias de se tornar o maior. Nas últimas duas décadas, a área plantada cresceu apenas 30%, mas a produção de grãos dobrou. Argumento
Indicadores de proteção ambiental

Discussão: Neste Estágio, são oferecidos argumentos factuais em que a autoridade e validade dos números apresentados estão sem fonte indicada. As comparações entre os índices de proteção ambiental brasileiro e dois externos são produzidas com a intenção de conduzir o leitor à conclusão de que a proteção ambiental e a agropecuária brasileiras estão em perfeita condução econômica, ao contrário do Reino Unido e da Alemanha, conforme os exemplos citados. Os dados referentes à preservação ambiental nativa podem ser encontrados no site da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – e são de 2017. Não há dados atualizados sobre a preservação ambiental brasileira de áreas nativas após as recentes queimadas e desmatamentos de setembro/2019 a janeiro/2020 e projetos de lei para a aprovação da atuação do agronegócio em áreas de preservação ambiental. A Avaliatividade neste Estágio reforça a positividade dos indicadores de proteção ambiental em favor do crescimento da economia, com o uso do meio ambiente. O Engajamento privilegia a negociação Heteroglóssica nas ocorrências, em que se destacam a Atitude por Apreciação em respeitáveis; a Graduação por Força que aumenta em Tudo somado e maior e maior e, por fim, a Graduação por Foco Suavizando em apenas. No quadro geral das Avaliatividades, as escolhas lexicais e argumentos listados fortalecem e enfatizam a ideologia de que o Brasil é um dos maiores protetores do meio ambiente.

(5) Conquistas como estas, que colocam o Brasil na vanguarda ambiental e agrícola, têm sido obnubiladas, contudo, por um excesso de insensibilidade – por parte do governo brasileiro – aliado a um excesso de sensibilidade – por parte da opinião pública internacional. Argumento
Crise internacional

Discussão: Este Estágio da argumentação promove uma oposição interessante: todos os públicos selecionados para a defesa da tese: o Presidente e os governos estrangeiros, estariam errados em suas concepções e discursos sobre a proteção ambiental brasileira e as ações do agronegócio. A Avaliatividade é dominada por um discurso de Engajamento Monoglóssico, o que soa pertinente, já que os argumentos anteriores são corroborados na reflexão proposta nesta etapa. O subsistema de Atitude por Avaliação Social aparece em Conquistas e vanguarda, o que é significativo, pois contraria a opinião generalizada e veiculada em diversas mídias e, neste ponto, o editorial pretende oferecer um outro ponto de vista para os fenômenos sociais da proteção ambiental e agropecuária. A Graduação por Força que Diminui está presente em obnubiladas e a Graduação por Força que Aumenta está em duas ocorrências: excesso de insensibilidade e excesso de sensibilidade. Os dados, por si só, não foram suficientes para chamar a atenção da opinião pública para o erro de julgamento, conforme o editorial conduz sua argumentação e a Avaliatividade, mais uma vez, é fundamental para a construção ideológica que pretende oferecer um ponto de vista diferente e contrário ao que a mídia internacional e nacional têm veiculado e chamado a atenção com frequência sobre os recentes crimes ambientais, alguns provocados e outros, naturais.

(6) O retrocesso na preservação da floresta em 2019 é irrefutável. O desmatamento aumentou quase 30%, e justamente nas áreas federais protegidas cresceu, entre agosto de 2018 e julho de 2019, 84%. Enquanto isso, entre janeiro e setembro, as autuações por crimes florestais caíram, em comparação com o mesmo período de 2018, 40%. Mas, por mais preocupantes e reprováveis que sejam esses números para o governo, é preciso considerar que, historicamente, o País vem reduzindo consistentemente o desmatamento. Entre 2002 e 2004, por exemplo, a média anual de área desmatada foi de 24,6 mil km2. Desde 2009, contudo, a média está na casa de 6,4 mil km2. Argumento
Desmatamento é fato

Discussão: O subsistema da Avaliatividade pelo Engajamento Monoglóssico é utilizado em ponto importante da argumentação: em irrefutável. Aqui, não há negociação interpessoal no Estágio em que se encontra, no entanto, na estrutura dos Estágios textuais, ocorre o oposto: é apresentado o argumento de que há retrocesso na preservação ambiental, o que, ideologicamente, funciona como içar o leitor novamente para a tese, caso tenha opinião contrária ao que é proposto pelo editorial. O subsistema da Atitude por Julgamento Ético é encontrado em três ocorrências. Na primeira, justamente, conduz o leitor à confirmação de que há problemas, apesar de o Brasil ser considerado um grande protetor ambiental, de acordo com os argumentos apresentados anteriormente. A Avaliatividade presente em justamente mostra o que não deveria ocorrer: o desmatamento não poderia aumentar em áreas federais, o que desqualifica o governo nesse quesito. Na segunda, em por mais preocupantes e reprováveis, a Avaliatividade por Atitude de Julgamento confirma o ponto de vista ideológico de crítica às atitudes do governo, atenuadas por argumento factual subsequente, quando aponta a redução histórica do desmatamento entre os anos de 2002 a 2004. A construção ideológica do cenário continua a fazer uso de dados estatísticos referentes a períodos distintos, com o intuito de minimizar os recentes fatos sobre as queimadas e desmatamentos favorecidos pelos discursos do Presidente. Ainda sobre o que o percurso ideológico elabora neste Estágio, a única forma de desconstruir a Avaliatividade por Engajamento Monoglóssico é buscar outras fontes e dados estatísticos e construir uma nova leitura dos fatos. A terceira, em retrocesso, sinaliza, logo no início do Estágio, o subsistema de Atitude por Julgamento Ético e assume uma posição na narrativa interpessoal de incluir um possível leitor, cujo posicionamento ideológico contrário ao apresentado no editorial possa ser modificado ao longo da argumentação. A Avaliatividade por Graduação de Força que Aumenta em aumentou e cresceu confirma por argumentação factual os argumentos de inclusão e de contraponto à tese. Em reduzindo consistentemente, a Avaliatividade por Graduação de Força que Diminui confirma a redução do desmatamento, elaboração ideológica produzida pelos dados factuais. Já em caíram, a Graduação por Força que Diminui é escolhida para descrever a diminuição das autuações por crimes florestais.  Em contudo, há um caso de Avaliatividade por Graduação com Foco que Suaviza os dados comparativos relativos às áreas desmatadas. Nessas ocorrências, a Avaliatividade é demonstração das escolhas lexicais para a confirmação da ideologia expressa pelo editorial.

(7) O desmatamento da Amazônia é grave e deve ser combatido com rigor. Mas se é insensatez ser cético em relação às mudanças climáticas, é ainda mais não ser cético em relação ao seu uso demagógico. A preservação da Amazônia é um capital importante. Quando, por exemplo, o presidente francês Emmanuel Macron se vale de uma imagem sentimental como “nossa casa em chamas” para insinuar uma intervenção internacional ou o bloqueio ao livre comércio, ele não só capitaliza votos com os jovens ambientalistas à esquerda, mas com os velhos agroindustriais à direita. Argumento
Combater o desmatamento

Discussão: A argumentação arrolada neste Estágio apresenta um Engajamento Monoglóssico simples e direto, além de outros, em A preservação da Amazônia é um capital importante e, além de impedir a negociação na interlocução, esclarece a ideologia de considerar o meio ambiente como matéria prima para a economia e negócios, sem identificar qualquer outra possibilidade de significação ao longo de todo o editorial. Em grave, a Avaliatividade do subsistema de Atitude por Julgamento Ético corrobora o posicionamento ideológico de confirmação de que há desmatamento e o combate é necessário – combatido com rigor, no entanto, os limites para esse combate ao desmatamento é produzido por duas metáforas e Avaliatividades elaboradas a partir do Engajamento Monoglóssico apontado acima. Tanto as metáforas quanto as Avaliatividades seguintes estão posicionadas em um exemplo utilizado para confirmar a ingerência de governos exteriores nas políticas ambientais brasileiras. As metáforas nossa casa em chamas e capitaliza guiam a ideologia para o raciocínio de que alguém, o governo francês, quer ganhar com a causa ambiental brasileira, sem que sejam explicados os motivos ou resultados. Por fim, as duas Avaliatividades por Graduação com Foco que Aguça presentes em jovens ambientalistas à esquerda e velhos agroindustriais à direita reconstroem o discurso de senso comum de que os jovens são ambientalistas e de atuação política de esquerda, ao passo que os velhos seriam agroindustriais, ou seja, sem preocupações ambientais, e de atuação política de direita, situando o editorial em uma suposta posição política de equilíbrio de centro como um movimento ideológico de apartar os opostos e conciliar produção de riqueza e proteção ambiental. Em insensatez e não ser cético, temos duas Atitudes por Julgamento Ético, nas quais há uma crítica tanto aos que não creem na crise climática quanto aos que sejam contrários ao uso do meio ambiente como fonte de riqueza para a agropecuária, renovando o posicionamento de conciliação proposto pelo editorial.

(8) Vale lembrar que 80% do bioma amazônico no Brasil está preservado. Além disso, por mais dolorosas que sejam as imagens das queimadas e por maior que seja o seu efeito sobre o regime das chuvas, em termos de impacto ambiental não há comparação com as toneladas de gases tóxicos lançados na atmosfera pelos maiores poluidores do mundo: China, Estados Unidos, Índia e Rússia. Apesar disso, é o Brasil que, em 2019, fica com a fama de facínora ambiental planetário, sendo ameaçado de boicote por governos e empresas. Argumento
A culpa não é do Brasil

Discussão: O argumento neste Estágio incentiva a responsabilidade pela crise climática como sendo de outros países e, novamente, com a utilização de dados factuais, relacionando as queimadas com poluição provocada por indústrias. A falta de paralelo na construção do argumento é patente e de uso ideológico para a interlocução com o leitor, na significação interpessoal. A Avaliatividade por Atitude Afeto em dolorosas é uma síntese das expressões de repulsa e crítica aos discursos do Presidente frente à indignação de grande parte da população. As cenas veiculadas em redes nacionais e em redes sociais contagiaram pessoas e as respostas do Presidente foram sempre sarcásticas e sem comprometimento com a proteção ambiental. Em não há comparação, a Avaliatividade por Avaliação Social questiona quem seriam verdadeiramente os poluidores ambientais, mas utilizando parâmetros distintos, fortalecendo a ideologia expressa e enfraquecendo a argumentação. A metáfora em fama de facínora ambiental planetário é também uma Atitude por Julgamento Ético.

(9) Nada disso escusa a falta de políticas ambientais de Bolsonaro. Em certa medida, ainda mais reprovável é a sua logorreia antiambientalista – contra ONGs, popstars, chefes de estado, bispos católicos-, justamente porque inflama artificialmente, a troco de nada, a opinião internacional, cobrindo com espessas nuvens as virtudes ambientais do País, e ameaçando o seu dínamo econômico: a agropecuária. Tese/Avaliação
Desenvolvimento agropecuário e proteção ambiental

Discussão: A Avaliatividade por Atitude de Julgamento Ético em reprovável e Engajamento Heteroglóssico em ainda mais retomam a tese apresentada no subtítulo do editorial e em a troco de nada, a Avaliatividade por Engajamento Monoglóssico indica a falta de justificativa tanto para as falas do Presidente quanto para os discursos veiculados pelas mídias em geral a respeito de o Brasil ser um país sem preocupações ambientais, permitindo queimadas e desmatamentos. As mesmas metáforas do subtítulo são retomadas neste Estágio, com o acréscimo de cobrindo com espessas nuvens as virtudes ambientais, uma metáfora poderosa, pois reúne diversos domínios de origem em sua composição, a fim de sugerir modificações nos discursos presidenciais sobre a preservação ambiental.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O título deste artigo “Avaliatividade, metáfora e argumentos factuais para a construção de ponto de vista e ideologia” em um editorial expressa uma corrente teórica atual e na linha das análises críticas, conjugando aspectos políticos, culturais e ideológicos. Para o tempo em que vivemos, repleto de fake news e alterações das narrativas estabelecidas nos parece ser de suma importância aprofundar as análises desse tipo, fortalecidas pelos estudos da Linguística Critica, da Linguística Cognitiva e da Linguística Sistêmico-funcional.

Nesse sentido, nossa proposta foi a de responder a três perguntas de pesquisa:

(a) como o gênero editorial apresenta a ideologia em seus estágios e finalidades?

(b) que papel exercem a avaliatividade na construção das metáforas que percorrem este editorial?

(c) quais relações podem ser estabelecidas entre ideologia e Avaliatividade e metáforas neste editorial?

Considerando que as escolhas linguísticas integram um processo de construção dos significados e das ideologias, o editorial em questão foi profícuo na conjunção entre os Estágios do gênero e suas finalidades, pois o título e o subtítulo expressam imediatamente a tese a ser defendida, de forma que o Problema também possa ser identificado. Os Argumentos são predominantemente factuais, por vezes sem relação de suas naturezas, mas com forte apelo à racionalidade do leitor, confirmando as Finalidades a que se destinaram.

Na segunda questão, (b) que papel exercem a avaliatividade na construção das metáforas que percorrem este editorial?, as metáforas que sustentam o editorial estão posicionadas no início e no final do texto, sendo repetidas exatamente em suas formas, com o acréscimo de uma: cobrindo com espessas nuvens as virtudes ambientais, em que o apelo à emoção e sentimentos do leitor podem desviá-lo de um questionamento possível sobre a argumentação apresentada, mesmo sendo composta por dados factuais.As Avaliatividade s que acompanham essas mesmas metáforas são escolhas lexicais que produzem o efeito de acentuar as possíveis significações metafóricas.

O cerne desta pesquisa foi o de refletir sobre como a ideologia é construída, mesmo com a utilização de dados factuais, claramente dispostos para evitar qualquer outro questionamento. Para isso, elaboramos a terceira questão: (c) quais relações podem ser estabelecidas entre ideologia e Avaliatividade e metáforas neste editorial?

O exame das Avaliatividades e das metáforas nos permitiu tirar algumas conclusões sobre o posicionamento ideológico do editorial: é preciso que haja desenvolvimento econômico pela agropecuária, ainda que seja preciso desmatar ou promover queimadas, desde que dentro dos limites da lei, e isso, ao mesmo tempo em que o Presidente precisa destacar em seus discursos o quanto o País é protetor do meio ambiente, por suas leis e pela área ainda existente mata nativa. A crise climática não é negada, mas sua responsabilidade é atribuída a outros países e suas indústrias, isentando o Brasil de culpa e promovendo a ideologia de que o desenvolvimento é necessário e será preciso ir contra a corrente mundial de proteção ambiental, dentro de alguns limites.

Estudar a ideologia em textos opinativos é sempre uma tarefa árdua, pois ela não está explícita ou dita. É preciso usar de aparato teórico que nos permita descrever e identificar, com a maior precisão possível, quais escolhas foram feitas e em detrimento de quais outras. Somente assim o analista poderá incentivar a reflexão a respeito dos discursos que são oferecidos pelas mídias e propor outras formas de construir as opiniões e ideologias. Consideramos essa papel fundamental na vida em sociedade, pois toda palavra pode vir a ser ação.

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ANEXO

Água na fervura

Logorreia antiambientalista de Bolsonaro inflama artificialmente a opinião internacional e ameaça o dínamo econômico do País: a agropecuária

O Estado de S. Paulo

28 de dezembro de 2019, às 03h05

Em clima de retrospectiva de fim de ano, o New York Times e o Financial Times publicaram, coincidentemente no mesmo dia 5, matérias especiais sobre a Amazônia. Os títulos são sugestivos. A matéria nova-iorquina, repleta de imagens impactantes, abre com a chamada “A Amazônia está completamente sem lei: a floresta tropical após o primeiro ano de Bolsonaro”. O caderno de quatro páginas londrino anuncia: “Espectro de devastações dispara batalha feroz pelo fundo da Amazônia”, e especifica: “Chefões do crime visam ao lucro rápido com a busca por desenvolvimento e votos do presidente”.

As matérias ilustram dois fenômenos opostos que não se excluem, ao contrário, se retroalimentam. Por um lado, a imprudência do presidente Jair Bolsonaro em relação às preocupações ambientais, que, oscilando entre a indiferença e a hostilidade, está não só estimulando infrações, como arruinando a imagem do País junto à opinião pública internacional. Por outro lado, a extrema suscetibilidade desta opinião.

Comparativamente, o País tem índices respeitáveis de proteção ambiental. Na Amazônia, a lei determina que 80% das propriedades devem ser preservadas. Além disso, as terras indígenas e unidades de conservação respondem a 24,2% do território nacional. Tudo somado, mais de 66% do território é de vegetação nativa. A lavoura ocupa 7,6% das terras brasileiras. No Reino Unido, por exemplo, são 63,9% e na Alemanha, 56,9%. Ainda assim, o Brasil é o segundo maior exportador agropecuário do mundo, em vias de se tornar o maior. Nas últimas duas décadas, a área plantada cresceu apenas 30%, mas a produção de grãos dobrou.

Conquistas como estas, que colocam o Brasil na vanguarda ambiental e agrícola, têm sido obnubiladas, contudo, por um excesso de insensibilidade – por parte do governo brasileiro – aliado a um excesso de sensibilidade – por parte da opinião pública internacional.

O retrocesso na preservação da floresta em 2019 é irrefutável. O desmatamento aumentou quase 30%, e justamente nas áreas federais protegidas cresceu, entre agosto de 2018 e julho de 2019, 84%. Enquanto isso, entre janeiro e setembro, as autuações por crimes florestais caíram, em comparação com o mesmo período de 2018, 40%. Mas, por mais preocupantes e reprováveis que sejam esses números para o governo, é preciso considerar que, historicamente, o País vem reduzindo consistentemente o desmatamento. Entre 2002 e 2004, por exemplo, a média anual de área desmatada foi de 24,6 mil km2. Desde 2009, contudo, a média está na casa de 6,4 mil km2.

O desmatamento da Amazônia é grave e deve ser combatido com rigor. Mas se é insensatez ser cético em relação às mudanças climáticas, é ainda mais não ser cético em relação ao seu uso demagógico. A preservação da Amazônia é um capital importante. Quando, por exemplo, o presidente francês Emmanuel Macron se vale de uma imagem sentimental como “nossa casa em chamas” para insinuar uma intervenção internacional ou o bloqueio ao livre comércio, ele não só capitaliza votos com os jovens ambientalistas à esquerda, mas com os velhos agroindustriais à direita.

Vale lembrar que 80% do bioma amazônico no Brasil está preservado. Além disso, por mais dolorosas que sejam as imagens das queimadas e por maior que seja o seu efeito sobre o regime das chuvas, em termos de impacto ambiental não há comparação com as toneladas de gases tóxicos lançados na atmosfera pelos maiores poluidores do mundo: China, Estados Unidos, Índia e Rússia. Apesar disso, é o Brasil que, em 2019, fica com a fama de facínora ambiental planetário, sendo ameaçado de boicote por governos e empresas.

Nada disso escusa a falta de políticas ambientais de Bolsonaro. Em certa medida, ainda mais reprovável é a sua logorreia antiambientalista – contra ONGs, popstars, chefes de estado, bispos católicos-, justamente porque inflama artificialmente, a troco de nada, a opinião internacional, cobrindo com espessas nuvens as virtudes ambientais do País, e ameaçando o seu dínamo econômico: a agropecuária.

[1] Doutorado em andamento em Linguística Aplicada e Estudos de Linguagens pela PUC-SP. Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem PUC-SP. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Curso: Letras – Tradutor.

Enviado: Março, 2020.

Aprovado: Abril, 2020.

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Camila Matos Venesiano Nunes

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