REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

Conscientização acerca dos erros da tradução

RC: 74633
668
4.5/5 - (2 votes)
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/letras/erros-da-traducao

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CAMPELLO, Mônica Conte [1]

CAMPELLO, Mônica Conte. Conscientização acerca dos erros da tradução. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 02, Vol. 02, pp. 126-144. Fevereiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/letras/erros-da-traducao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/letras,/erros-da-traducao

RESUMO

A falta de conhecimento da língua materna e da língua estrangeira assim como a falta de domínio sobre o assunto a ser tratado pode gerar um transtorno no exercício da tradução, produzindo um resultado insatisfatório. É mister, portanto, que o tradutor esteja familiarizado com o léxico e todas as propriedades das respectivas línguas a fim de desenvolver satisfatoriamente o trabalho de tradução.  Em vista disso, este artigo propõe-se a conscientizar os profissionais da tradução quanto à necessidade de conhecimento tanto da língua materna quanto da língua estrangeira no que concerne ao léxico, aspecto sociocultural, à gramática, ortografia, semântica, como aspectos linguísticos que corretamente interligados contribuem para a coesão e a coerência textual como produto final para um perfeito resultado do trabalho de modo que todo o seu conteúdo seja inteligível. A falta desse comprometimento com a correção das línguas em questão implica em negligência que não corresponde à seriedade com que o trabalho de tradução deve ser desenvolvido. Se, porventura, há falta de formação ou informação suficientes, a consciência da responsabilidade profissional deve se manifestar no sentido de prover todo o conhecimento necessário que condiga com a prática tradutória. A fim de alcançar este objetivo de conscientização, far-se-á uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo com base nos interrogantes relacionados aos erros da tradução sobre “como” ocorrem e “de onde” provêm, quanto a tópicos de suma relevância que serão focados através de exemplos de regras linguísticas, ilustrações de erros comuns e devidas correções para melhor compreensão acerca do que se pretende ressaltar. Como resultado, será possível reconhecer as medidas necessárias para o alcance de uma tradução fidedigna sob os tópicos de relevância no processo da tradução como vocabulário pertinente, adaptação entre as línguas, revisão textual, que ao final produzam um texto de boa qualidade que apresente um equilíbrio relacional sintático e semântico capaz de comunicar claramente a sua mensagem.

Palavras-chave: Tradução. Erros. Línguas. Léxico. Texto.

1. INTRODUÇÃO

Em trabalhos de tradução, a falta de conhecimento da língua materna e da língua estrangeira é um elemento nocivo ao seu desenvolvimento pleno e eficaz. A tradução é uma ferramenta linguística que exige um conhecimento sobremodo excelente das línguas envolvidas nesse trabalho. O seu perfeito desenvolvimento dependerá da familiarização não apenas com o léxico das línguas, mas com o seu teor cultural, seus costumes, seus níveis de aplicabilidade, sua gramaticalidade; enfim, com todos os seus aspectos intrínsecos a fim de transmitir informações ao seu público leitor/ouvinte de modo inteligível. Aquilo que se pretende significar não pode ser contorcido por palavras, frases etc., aplicados inadvertidamente. Faz-se mister um conhecimento prévio e abastado acerca de todos os requisitos para a execução satisfatória e eficaz desse trabalho: desenvolvimento do tema, apresentação da ideia básica, delimitação do foco da pesquisa, situação do tema dentro do contexto de sua área de trabalho.

O tradutor deve ter domínio sobre o assunto a ser tratado, ter um bom conhecimento da língua do autor do texto, ser capaz de identificar e diferenciar elementos gráficos e sônicos entre as palavras dos idiomas em uso que tendem a levar a uma aplicabilidade correta do sentido que se pretende transmitir, reconhecer as propriedades ortográficas, sintáticas e gramaticais de ambas as línguas para poder formar estilos frasais diversificados pertinentes à sua estrutura formal. Ou seja, um tradutor deve ter a consciência de que seu trabalho requer um exercício polivalente em que ele chega a reconhecer-se como um professor, um revisor, um gramático, um redator apto a criar textos os mais variados possíveis – ensaios, relatórios, composições, artigos etc. – a partir do texto original. Um tradutor não é apenas um tradutor.

2. OBJETIVOS

O objetivo do presente trabalho é conscientizar o profissional de tradução quanto à necessidade de se aprimorar no conhecimento global de sua língua nativa e da língua que irá traduzir. Para isso, interessante é situá-lo dentro de uma perspectiva específica da área de tradução: os erros da tradução. Como estes ocorrem? De onde provêm? Traduzir um simples e diminuto texto não é tarefa tão simples assim. Na maioria das vezes, uma frase de apenas duas palavras pode gerar uma imensa dificuldade ao se tentar traduzi-la.

Figura 1 – High Five

Fonte: WIRED (2008)

Por exemplo: “High five”. Há uma tendência muito grande em se traduzir textos ao pé da letra. A expressão High five tem por base as noções de High – (no) alto, e five –(representando) os cinco dedos da mão. Uma ilustração sanaria qualquer dúvida com relação ao real significado dessa expressão. Observe a figura de Jason Lee: O high five é uma variação de Give me five o que signifca que uma pessoa ofereça os cinco dedos da mão juntamente com a palma para tocar na mão espalmada da outra que previamente se encontra levantada à espera do toque; assim, as mãos elevadas ao ar se tocam num gesto de comemoração por alguma conquista. Logo, a melhor tradução segundo o Português brasileiro popular seria: “Toca aqui!”. É mister que se tenha um conhecimento acerca de regionalismos – tendências culturais, dialetos, gírias. Uma tradução ao pé da letra não é algo que (pelo menos é o que se espera) se aplica a tradutores profissionais. Entende-se, portanto, que antes mesmo de se pensar em traduzir é de suma importância conhecer as estruturas das línguas envolvidas nesse processo e aprender a empregá-las.

Há situações muito sérias relacionadas à área de tradução que podem prejudicar a reputação de determinada instituição devido a uma má-interpretação de palavras soltas ou frases completas, expressões idiomáticas, em que haja um mau emprego vocabular correspondente na segunda língua. Primordial que se tenha habilidade para rebuscar variados significados que possam encaixar-se perfeitamente com o contexto sem ferir a ideia do que se pretende transmitir. A seguir, um trecho que destaca um incidente marcante na área de tradução simultânea:

“Se donner un coup de pied aux fesses”. Nunca antes na história do Brasil uma expressão francesa causou tanta repercussão como a utilizada pelo secretário-geral da Fifa, Jèrôme Valcke, para dizer que o país precisa avançar nas obras para a Copa do Mundo de 2014. Traduzida ao pé da letra, as palavras do dirigente seriam como “dar um pé na bunda”, e o próprio Valcke fez questão de dizer que sua frase foi mal interpretada. […] “Trata-se de uma expressão idiomática. Não dá para traduzir palavra por palavra. Se tentar assim seria ‘dar-se um chute na bunda’. A expressão idiomática, porém, significa ‘se esforçar’. No contexto que ele usou, ‘acelerar o ritmo’ cai bem”, explicou a professora. (Rádio Estadão ESPN, 2012)

Igualmente, profissionais da área de legendagem devem ter o máximo de cuidado com a qualidade das traduções e com as técnicas utilizadas para a sua aplicabilidade. As legendas devem ser simplificadas, considerando-se sua sincronia perfeita e devem funcionar como uma adaptação dos diálogos para um perfeito entendimento da trama. Veja os erros de tradução em legendas de um canal pago:

“Grounded For Life”, na Fox

Fala Original: Get that done!

Tradução Adequada: Termine isso!

Tradução do Canal: Pegue a boneca!

(Detalhe: os personagens estão no meio da rua carregando canos e não há nenhuma boneca na cena.)

A tradução provavelmente foi feita de ouvido, sem script para acompanhar, e o tradutor entendeu “doll” em vez de “done”. O lapso de audição não seria tão sério se o tradutor não tivesse cometido o erro, muitíssimo mais grave, de não desconfiar de que aquilo não faz sentido no contexto. De fato, nada justifica isso. [sic] (CARVALHO, 2007)

3. TRADUÇÃO FIDEDIGNA REQUER FORMAÇÃO BASILAR PRÉVIA

Um tradutor responsável deve ter consciência da necessidade do conhecimento global da língua materna e, para isso, deverá previamente ter se dedicado a um estudo exaustivo seja através de cursos livres, cursos de extensão ou graduação e ainda de pós-graduação que o direcionem ao seu interesse específico. Nesse sentido, deve conhecer a língua em toda a sua estrutura morfológica, sintática, semântica, linguística, e da mesma forma conhecer a língua para a qual traduz a fim de desenvolver um trabalho de tradução fidedigno.

Segundo Silveira, um tradutor destituído dos conhecimentos essenciais à perfeita execução de seus trabalhos encontra-se no nível da mediocridade, podendo, nesse grau de inteligência, chegar a traduzir um best-seller popular, mas somente um tradutor competente será capaz de conservar o sabor de clássicos como Balzac, Dickens, Tolstói. “O êxito de tal tradução dependerá do grau de conhecimento que tenha da sua própria língua materna e da sua habilidade em encontrar, nela, as expressões coloquiais e idiomáticas correspondentes às com que tenha de se haver no texto estrangeiro” (Silveira, 2004, pp. 26, 37).

Almeida (2004), diz que “algumas traduções são tão mal feitas que a impressão que o leitor tem é a de que o tradutor não tem nenhum conhecimento de nossa língua”, tomando como base o livro técnico PCWorld Excel© 4.0 para Windows, de John Walkenbach e David Maguiness que foi traduzido por um tradutor da área de informática:

Opções de comando em um menu suspenso com elipses (três períodos) após produzir um quadro de diálogo se você seleciona este comando. Desde quadros de diálogos estejam predominantes no Excel, é útil a você por enquanto entender como trabalhar com eles eficientemente.

A tecnicidade de um texto não justifica qualquer ininteligibilidade, pois até mesmo profissionais inseridos na referida área conhecedores do programa em questão não poderiam compreender o texto em destaque no qual há uma prova cabal de que o respectivo tradutor desconhece a língua meta. Consequentemente, a tendência certa para esse tipo de profissional é desaparecer do mercado de trabalho perdendo, assim, a oportunidade de ser convidado para prestar outros serviços afins.

Figura 2 – As dificuldades do mau e do bom tradutor

Fonte: Almeida (2004)

Ainda segundo Almeida (2004), “a maioria dos erros de tradução facilmente detectados são causados pela falta do que seria um dos ingredientes mais essenciais a um tradutor: o conhecimento da língua fonte”. Ele ilustra essa realidade a partir de uma charge republicada pela Folha de São Paulo em 1996 em que apareciam a Princesa Diana e Lisa Marie Presley sentadas em uma sala de espera da Corte de Separação Judicial, pois estavam prestes a se separarem de seus respectivos maridos o Príncipe de Gales e Michael Jackson. A figura mostra o diálogo entre as duas personagens da charge. A Princesa Diana suspira e diz: “It’s not easy living with a queen”, ao que comenta Lisa Presley: “Tell me about it”. Nos seguintes termos foi feita a tradução: “É duro viver com uma rainha”, tendo como resposta a seguinte frase: “Fale-me sobre isso”. O humor da charge residia exatamente na palavra “queen” que denotativamente significa “rainha” e conotativamente significa “homossexual” de modo que a palavra utilizada por ambas tinha sentidos diferentes – literalmente a rainha sogra da Princesa Diana e figurativamente rainha o marido às avessas de Marie Presley – cada uma revelando seus sentimentos com relação à dificuldade em conviver com uma rainha, sendo as palavras de Marie Presley uma expressão de verdadeira ironia. O objetivo da charge em manifestar comicidade não pôde ser alcançado porque o tradutor não conhecendo a expressão idiomática “Tell me about it” que mais se aproxima da nossa interjeição “Eu que o diga”, e nem mesmo se preocupando em certificar-se da tradução que fazia devido à falta de sentido que ela evidenciava.

4. TÓPICOS DE RELEVÂNCIA NO PROCESSO DE TRADUÇÃO

Expressões idiomáticas revelam muito dessa necessidade de se ter conhecimento do léxico formal e informal das línguas envolvidas no processo de tradução com suas características peculiares. Nesse aspecto se insere não somente a norma padrão da língua, mas também a norma popular à qual muitos tradutores não dão a devida importância por considerar apenas a primeira detentora de uma posição de status, desconsiderando que muitos textos desenvolvem a linguagem do povo que em sua maioria carece de conhecimentos acerca da gramática normativa ou da norma culta, justamente por não pertencerem a uma elite cultural; desenvolvem uma linguagem simples, do cotidiano, sem formalidades que não exige aplicação correta da língua desde que o que importa é comunicar-se e se consegue comunicar-se, não há necessidade de “enfeitar o pavão”, daí o argumento: “Deu pra entender? Então tá bom!”

Nesse parâmetro, a língua é rica em apresentar seu lado simples de maneira tão abrangente, como esclarece Araújo (2008, p. 4) sobre o “multidialetalismo de diversas ordens (social, geográfica, situacional, histórica)”, enfatizando a possibilidade da comunicação entre usuários diversificados de uma mesma língua. Se assim o é para efeito de comunicação entre falantes de uma mesma língua em que se um não conhecer as particularidades linguísticas do outro, não poderá haver comunicação lógica e perfeita, quanto mais se dirá de uma tradução em que povos diferentes de línguas diferentes precisam saber o que o outro quer comunicar.

Para tanto, há de se destacar aqui outro aspecto de grande vulto entre dois pares de línguas: os Falsos Cognatos ou Falsos Amigos. As ilustrações a seguir são referentes à tradução de textos da área médica, aludindo, portanto, à importância do estudo da terminologia que orienta no sentido de o tradutor inteirar-se do vocabulário específico da área do conhecimento com a qual vai operar.

Denominam-se falsos cognatos ou falsos amigos “palavras semelhantes em duas línguas, mas de sentidos totalmente diversos”. (…) Dentre as muitas dificuldades de tradução estão os falsos cognatos.  Vejamos alguns exemplos mais comuns de falsos cognatos da língua inglesa encontrados em traduções de textos médicos:

(…) Adherence – adesão e não aderência (ao tratamento)

Adhesion – aderência e não adesão (visceral)

Appoint (v.) – marcar e não apontar (consulta)

Injury – lesão e não injúria (dano a um órgão ou tecido)

Process – protuberância e não processo (anatomia)

Provocative – indutor e não provocativo (teste diagnóstico) (…)

Outra dificuldade das traduções reside na polissemia. Denomina-se polissemia a multiplicidade de significações para a mesma palavra. Se o tradutor não dominar o assunto que está traduzindo, cairá em verdadeiras armadilhas. (…). Alguns falsos cognatos já estão arraigados no vocabulário médico em suas pseudotraduções (…). (REZENDE, 2004)

Segundo Oliveira (2002, p. 5), os “Falsos cognatos”, como denominados academicamente, “são palavras que se assemelham na forma a palavras da língua portuguesa, porém diferem no significado ou sentido”. Ele explica que os “Falsos amigos” representam uma das heranças do Latim legada ao Inglês, sendo palavras que sofreram alterações em seus significados no decorrer dos séculos mediante aspectos sociais diversos, em detrimento de sua base semântica. Ademais, reputa-os como “verdadeiras armadilhas para o leitor brasileiro”, e exemplifica citando o caso do pedido de extradição do general chileno Augusto Pinochet em que um dos requerentes espanhóis se referiu a este último como um “formidable dictator”, que aparentemente significaria um “ditador formidável”, mas no presente contexto “formidable” deveria ser traduzido por “terrível”, “horrível” ou “desumano”. Deve-se, portanto, ter o máximo de cuidado ao empregar os “falsos amigos” porquanto abundantes na língua inglesa e possibilitando traduções enganosas que induzirão os leitores a interpretações errôneas que poderão macular a reputação do tradutor ou da empresa onde exerce essa função. Diante desses fatos, entende-se que assim como palavras mal empregadas levam a interpretações errôneas, traduções errôneas levam a interpretações errôneas. Um tradutor deve conscientizar-se de sua responsabilidade em transmitir mensagens cujo teor não venha a sofrer alterações.

Muito ilustrativo também é o livro de Jack Scholes (2001) em que apresenta de forma bastante descontraída expressões cotidianas em Inglês com equivalentes em Português e a história original de cada uma delas, explicando-as. Por exemplo: a) “To get someone’s goat” – Irritar ou enfurecer alguém (p. 58); b) “To pay through the nose” – Pagar excessivamente, pagar os olhos da cara (p. 86); c) “Warts and all” – Junto com os pontos positivos, incluir todos os defeitos ou fatos desagradáveis, sem esconder nada (p. 108); d) “Wet behind the ears” – Inexperiente, Imaturo, Ingênuo (p. 110); e tantas outras expressões que devem ser pesquisadas antes de serem traduzidas arbitrariamente. Tão-somente conhecer palavras soltas em uma língua não é suficiente para capacitar alguém à boa performance da tradução, um trabalho que exige competência. Não se deve atribuir tradução literal a expressões idiomáticas; isso seria como tentar fazer a versão da expressão “Ao pé da letra” para a língua inglesa e resultar em At the foot of the letter em vez de Word-for-word que seria a expressão adequada.

Mesmo a Bíblia Sagrada que é considerada “O Livro dos Livros” não está livre dos erros de tradução conforme afirma Couto (2007, p. 37) de que o escritor teólogo indiano Frederic William Farrar em seu livro History of Interpretation demonstra sua capacidade em identificar ao menos quinze tradutores na Septuaginta de onde provêm deficiências como idiomatismos hebraicos traduzidos ao pé da letra que “nem de longe transmitem a ideia do original”; a transliteração em vez da tradução das ideias; alguns livros que foram parafraseados, mas não traduzidos; alteração de sentimentos hebraicos a fim de coaduná-los com a mentalidade grega Alexandrina. Ações como essas tendem a ocasionar erros graves de tradução, justificando com o texto em Daniel 11 que apresenta as expressões “rei do Norte” e “rei do Sul” que foram traduzidas respectivamente por “rei da Assíria” e “rei do Egito”. Ademais, ainda pior que isso é o caso de traduções espúrias que intentam induzir seus leitores à má interpretação bíblica com o objetivo de afastá-los da palavra original, visando valer a sua própria como autêntica, usurpando a posição da Bíblia Canônica e para transformar em Deus o deus que eles apresentam:

      1. Cl 1:15-17 – A palavra “outro” é inserida quatro vezes. Isto não está no original grego e nem está implícito. Esta é uma seção onde Jesus é descrito como o criador de todas as coisas. Desde que a organização da T.J. acredita que Jesus é um ser criado eles inseriram a palavra “outro” para mostrar que Jesus era ates de tudo “outras” coisas, implicando que Ele também fosse um ser criado.
      2. A) Existem duas palavras, no Grego, traduzidas como “outro”: heteros e allos. O primeiro significa outro de uma coisa diferente, ou seja, de natureza diferente. O segundo significa outra coisa da mesma natureza ou do mesmo tipo. Nenhum dos dois é usado nesta seção da Escritura. As T.J. mudaram a Bíblia para torná-la adequada à sua teologia aberrante.
      3. Hb 1:8 (…) Já que as T.J. não concordam com isso, de novo, eles alteraram a Bíblia para que ela se adequasse à sua teologia. (…) Para justificar a tradução do N.T eles atualmente também trocaram a tradução do Antigo Testamento!
      4. A) Tradução do Novo Mundo é horrível. Ela mudou o texto para se adequar à sua própria teologia em muitos lugares. (SLICK, [s.d.])

Há pessoas que usam sua inteligência para o mal. Esse é um tradutor do mal. Esse tipo de profissional sabe que apenas por uma palavra pode destruir a reputação de uma escritura de renome, assim como a imagem de uma empresa e sua credibilidade, e pode usar seus talentos por mera vingança, por interesses egoístas ou por qualquer outro motivo antiético. Esta pode surgir como uma área perigosa no ramo da tradução ao que também se deve prestar maior atenção – os subversores da tradução.

5. IMPRESCINDIBILIDADE DE REVISÃO TEXTUAL

5.1. COLOCAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE PALAVRAS INVARIÁVEIS

Tradução requer revisão e correção textuais mediante os devidos conhecimentos linguísticos. Uma língua é composta de elementos característicos essenciais que colaboram para o seu desempenho comunicacional. Em comunicação escrita é imprescindível que haja a preocupação quanto ao emprego correto das regras convencionais da língua, pois essa habilidade exige obediência aos variados estilos de textos e seus componentes haja vista ela ser conceituada como norma padrão ou norma culta da língua conforme o contexto social em que ela é empregada.

5.1.1. OBSCURIDADE DE SENTIDO PELA OMISSÃO

Considere-se a comunicação escrita no tocante às normas gramaticais. Há uma tênue diferença entre conhecê-las e aplicá-las. Por exemplo, a frase: “A moça que falei é aquela ali”. “Que falei”? Num contexto meramente situacional, a frase é consideravelmente inteligível porque tanto o emissor da mensagem quanto o receptor conhecem o assunto em questão. Logo, esse tipo de construção em linguagem cotidiana é comum e passível de entendimento entre as partes envolvidas no processo da comunicação (oral). Portanto, linguisticamente correta e aceitável. Entretanto, observe-se a mesma frase de forma redacional: “A moça que falei é aquela ali”. Soa ambígua – “A moça de que(m) falei” ou “A moça com que(m) falei”? A frase está sintaticamente incorreta porquanto o verbo está indevidamente empregado, carecendo de um elemento diferencial: a preposição que esclarece a sua transição. O emprego necessário de uma destas duas preposições – “de” e “com” – denotam sentidos completamente distintos e por isso devem ser usadas pertinentemente em respeito àquilo que se quer transmitir. Note-se o sentido da frase com a primeira: “A moça de que(m) [de que pessoa] falei é aquela ali”, isto é, o interlocutor falou sobre a moça; com a segunda: “A moça com que(m) (a qual) [com que pessoa] falei é aquela ali”, isto é, o interlocutor conversou com a moça.

Subentende-se, ainda, um evento circunstancial no contexto da comunicação respectivo às preposições empregadas nas frases acima. No caso do uso da preposição “de”, em que a ênfase recai sobre o resultado de falar, há uma ação indireta concernente à terceira pessoa em face do interlocutor já que a manifestação da segunda pessoa pode ser enfatizada, pois pressupõe um possível julgamento de sua parte, o que confere à preposição um caráter transitivo; no caso do uso da preposição “com”, em que a ênfase recai sobre o ato de falar, há uma ação direta concernente à terceira pessoa em face do interlocutor já que a manifestação da segunda pessoa não é enfatizada, pois não requer obrigatoriamente o seu julgamento, o que confere à preposição um caráter intransitivo.

5.1.2. DIFERENCIAÇÃO DE SENTIDO PELA ACENTUAÇÃO:

Tomando a crase como meio de ilustração, pode-se observar a diferença que ela causa entre duas frases aparentemente iguais: 1) “Disse a moça: Sou virgem”; 2) “Disse à moça: Sou virgem”. No exemplo 1, “A moça” é o sujeito da frase, pois se pergunta: Quem disse que é virgem? Resposta: A moça disse. Há simplesmente uma inversão da posição do sujeito com o verbo que não lhe altera a função sintática. No exemplo 2, “À moça” é o objeto indireto da frase, pois o verbo “Dizer” atua como verbo transitivo direto e indireto, o que exige dois termos complementares que são o objeto direto e o objeto indireto, sendo “Sou virgem” o objeto direto. O sujeito está oculto, podendo ser um substantivo próprio como um nome masculino ou feminino ou pode ser um pronome pessoal do caso reto em terceira pessoa do singular. No primeiro caso, a moça executa a ação de dizer; no segundo, uma terceira pessoa além da moça, não descrita, executa a ação. A mudança dos sujeitos nas duas frases só pode ser evidenciada pelo uso da crase; caso contrário, elas teriam o mesmo sentido.

5.2. COLOCAÇÃO DE PONTUAÇÃO E SUA INTERPRETAÇÃO

5.2.1. DIFERENCIAÇÃO DE SENTIDO PELA POSIÇÃO DA PONTUAÇÃO

Há um bom tempo, circula na Internet a seguinte frase: “Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro a sua procura”, sugerindo que se coloque uma vírgula após a oração subordinada que pode se estender até a palavra “mulher” ou até o verbo na sua forma conjugada “tem”. Através da colocação da vírgula, o sentido da frase é totalmente alterado: 1) “Se o homem soubesse o valor que tem a mulher, andaria de quatro a sua procura”; 2) “Se o homem soubesse o valor que tem, a mulher andaria de quatro a sua procura”.

Jocosamente, a partir de tais colocações, conclui-se que tendo sido a vírgula colocada após a palavra mulher, certamente quem o fez foi uma mulher; em contrapartida, se a vírgula tiver sido colocada após o verbo na sua forma conjugada “tem”, certamente quem o fez foi um homem. A verdade é que a simples colocação da vírgula, qualquer que seja a posição, altera completamente o sentido do que se pretende transmitir, independente ou não de ação arbitrária.

5.2.2. DIFERENCIAÇÃO DE SENTIDO PELO USO DA PONTUAÇÃO

Tomando a vírgula (,) como meio de ilustração, pode-se observar a diferença que ela causa entre duas frases aparentemente iguais: “Não pode ir” e “Não, pode ir”. A vírgula possui várias regras de uso, mas o enfoque nesse caso se dá quanto à “mudança de sentido” que ela pode ocasionar. Contextualizando as frases acima, infere-se que há duas ocorrências distintas para as respostas aparentemente iguais, se não fosse pelo uso da vírgula:

– Dr. João, a reunião acabou. Devo permanecer aqui na sala?

– Não, pode ir.

– Dr. João, a reunião acabou. O secretário pode ir comigo ao saguão?

– Não pode ir.

No primeiro exemplo, “Não, (você) pode ir” subentende-se que o Dr. João não precisa mais de seu subalterno, falando diretamente com ele – a segunda pessoa do discurso; no segundo exemplo, “(Ele) Não pode ir” subentende-se que o Dr. João ainda precisa de seu subalterno, citando-o indiretamente – a terceira pessoa do discurso.

5.3 . RECONHECIMENTO DE EXPRESSÕES IMPERTINENTES

5.3.1. PLEONASMO COMO FIGURA DE LINGUAGEM

Na Bíblia Sagrada (1995), Edição Revista e Corrigida, o evangelho de João apresenta no versículo 43 do capítulo 11 a seguinte frase: “Lázaro, sai para fora”. Entende-se que o verbo “sair” já carrega consigo a noção de “ir para fora”, conforme se pode verificar em outras versões bíblicas: “Lázaro, vem para fora”. Logo, usar a expressão “para fora” soa redundante. Contudo, essa construção estilística reforça o contexto, o que só se aplica no âmbito da literatura em que reconhecida como figura de linguagem. A frase, no entanto, vai além de mero aspecto literário, configurando-se como necessária àquilo que correspondia à vontade de Jesus. Ele não queria apenas que Lázaro saísse do sepulcro, mas ao usar a expressão “para fora” ele pretendia enfatizar o lado de fora, o “estar fora” do sepulcro onde ele estaria livre da morte e livre para a vida; dentro do sepulcro ele não poderia desfrutar de vida e dessa libertação, mas continuaria encarcerado na morte. Então, quando ele diz “sai para fora” ele pretende significar: “saia da morte e venha para a vida” ou “saia para a vida”. Essa é a forma correta de interpretar o texto sem o estigma da incorreção textual. Ademais, há outros significados que já não são pertinentes a esse estudo, mas a outra área do conhecimento.

5.3.2.  PLEONASMO COMO VÍCIO DE LINGUAGEM

Um exemplo típico e corriqueiro porque comum à fala do povo brasileiro em geral é o emprego da palavra “atrás” quando desnecessária, e soa mal: “Ingressei no curso de tradução há cinco meses atrás”. O verbo “haver” na sua forma conjugada “há” faz referência a um tempo no passado, podendo ser substituído pelo verbo “fazer” em sua forma conjugada “faz”. Se o verbo já carrega consigo a noção de tempo passado, não há necessidade de se empregar uma palavra que também carrega consigo a noção de passado, porquanto faz referência ao que ficou para trás, isto é, no passado. Diante dessa obviedade, a redundância se configura por não produzir qualquer informação extra. Logo, seria desnecessário o seu emprego concomitantemente com o verbo, bastando dizer: “Ingressei no curso de tradução há cinco meses” ou “Ingressei no curso de tradução cinco meses atrás”. Esta última, no entanto, muito pouco utilizada. Erroneamente considerada como um reforço para causar expressividade, a palavra “atrás” na primeira frase seria um elemento descartável, pois acabaria gerando uma redundância configurada como “pleonasmo vicioso”.

Plenamente arraigada no campo da lógica, a tautologia, por sua definição, vem substituindo, principalmente na mídia e redes sociais, o conceito de “figuras de linguagem” pertencente ao campo da estilística. Parece eufêmico o emprego desse termo como forma de atenuar a presença da língua portuguesa como “ditadora de regras” conforme é vista e rechaçada por muitos. Destarte, as listas tautológicas estão fazendo sucesso e sendo adotadas esfuziantemente pela sociedade como um todo.

5.4. INADEQUAÇÕES ORTOGRÁFICAS E FÔNICAS

5.4.1. USO ADEQUADO DE PALAVRAS

Como parte integrante da gramática da língua portuguesa, a ortografia se incumbe de explanar a forma correta de se escrever a fim de evitar erros gráficos provenientes de falta de conhecimento gramatical ou provenientes de substituições fonêmicas inadequadas. Nesse âmbito, as palavras homógrafas, homônimas, homófonas, parônimas, entre outras, desempenham importante papel de modo que sejam empregadas corretamente tanto de forma oral quanto escrita conforme a sua definição. É mister conhecer o significado de uma palavra e sua grafia correspondente para empregá-la devidamente. A seguir, dois exemplos com erros:

  • “No cumprimento das regras para o registo de impostos e outras declarações financeiras, é essencial descriminar com exactidão os gastos com brindes ou entretenimento oferecidos no âmbito da sua atividade […] (DICIONÁRIO LINGUEE, 2020);
  • “Favela da Chatuba aonde bandidos se sentem senhores da situação”.

O primeiro se encontra no referido dicionário on-line muito usado por tradutores. Mesmo com dicionários renomados, deve-se ter muito cuidado ao pesquisá-los. Entre outros exemplos com o mesmo verbo “descriminar”, o texto em destaque emprega esse verbo indevidamente, considerando seu significado denotativo “inocentar, absolver, descriminalizar, tirar a culpa de outrem” que não se adequa ao contexto; o verbo correto a ser empregado nesse caso é “discriminar” cujo significado denotativo é “diferenciar, distinguir, separar, listar, classificar, segregar”. O tradutor pode incorrer nesse erro de tradução a partir do mau emprego do verbo. É aconselhável que o tradutor compare vários dicionários de tradução para encontrar aquela que corresponde exatamente ao sentido do texto. O dicionário Word Reference (2020) apresenta corretamente a tradução para esses dois verbos parônimos: a) “Decriminalize”: descriminar, descriminalizar; b) “Discriminate”: discriminar. Igualmente oportuno é não aceitar um termo como correto baseando-se apenas no fato de alguém renomado empregá-lo. É o caso do segundo exemplo cujas palavras foram proferidas pelo Secretário de Segurança Jose Mariano Beltrame no RJ TV (TV Globo) em 14/09/2012. Uma tradução de um texto original com erros gramaticais não corrigidos previamente resulta em uma significação diferente da devida interpretação que o texto requer. Respectivamente, as palavras grifadas empregadas corretamente seriam: discriminar e onde.

É necessário, portanto, compreender a diferença de uso das palavras para poder traduzi-las apropriadamente. Segundo o dicionário Oxford (HORNBY, 1987, pp. 5, 344, 377), o termo Descriminar, usado com referência a pessoas, seria “Absolve (1)”: to state formally that somebody is not guilty or responsible for something. (declarar formalmente que alguém não é culpado ou responsável por algo); o termo Descriminalizar, usado com referência a substantivos, seria “Decriminalize”: to change the law so that something is no longer illegal. (mudar a lei para que algo não seja mais ilegal); o termo Discriminar, usado com referência a pessoas ou coisas, seria “Discriminate (1)”: to recognize that there is a difference between people or things. (reconhecer que existe uma diferença entre pessoas ou coisas). Muito corriqueiramente se tem usado o advérbio “aonde” em lugar de “onde” e vice-versa por desconhecer a regra de uso ou por julgá-lo mais enfático, por exemplo: Aonde você mora? Para efeito de tradução, essa frase poderia seguir o estilo textual em que foi utilizada como um diálogo popular, ou ser corrigida: Onde você mora? Sabendo-se que em Inglês a mesma palavra Where serve para ambos os advérbios; deve-se, portanto, observar a transitividade do verbo para uma perfeita tradução: Where do you live? e Where are you going? respectivamente: Onde você mora? e Aonde você vai?

5.4.2 EVITANDO A SILABADA E A CACOÉPIA

Contrariando a prosódia e a ortoépia, os costumeiros erros de pronúncia já consagrados pelos falantes de língua portuguesa são, por vezes, transferidos automaticamente para a escrita do modo como são executados oralmente, ocasionando erros de ortografia. Por exemplo: ínterim, que em Português costumeiramente se pronuncia “interim” cuja tonicidade recai sobre a última sílaba, oxitonando-a, em Inglês se escreve interim (não levando em consideração a pronúncia inglesa), o que possibilita ainda mais o erro ortográfico para efeitos de tradução por quem desconhece a grafia correta.

5.4.3. INÉPCIA NO EMPREGO DE FORMAS NOMINAIS VERBAIS:

Hodiernamente, há uma tendência a se reduzir ou a se alongar expressões talvez com o propósito de surtir um efeito estilo so no modo de se expressar. Gerundismos e Verbos Abundantes são empregados erroneamente devido à falta de conhecimento das regras de uso. Com relação ao primeiro, entende-se que soa mal quando utilizado para expressar uma ação que será realizada quando se fala por não admitir caráter progressivo. Por exemplo, “Aguarde um momento que vou estar passando a ligação”. Passar uma ligação é ato instantâneo e não progressivo. Daí, um aspecto vicioso do gerundismo. Por outro lado, ele pode ser perfeitamente aceitável se usado para expressar ações progressivas que se prolonguem por tempo indeterminado no futuro. Por exemplo, “Não me ligue depois do jantar porque vou estar dirigindo”. Logo, necessário se faz conhecer os verbos ou expressões verbais que denotem duração.

Com relação ao segundo, entende-se que soa mal quando se usa o particípio regular no lugar do irregular e vice-versa. Há uma regra clara que auxilia no emprego correto desses particípios. Os verbos “ser” e “estar” devem ser usados com as formas irregulares dos particípios verbais, enquanto os verbos “ter” e “haver” devem ser usados com suas formas regulares, as que são terminadas em –ado e –ido. Exemplos: 1) “O convite foi aceito”. “O convite está entregue”; 2) “Ele tinha/havia aceitado o convite”. “Ele tinha/havia entregado o convite”. Essas frases contêm verbos abundantes, ou seja, verbos que têm particípios regulares e irregulares. As frases do exemplo 2 encontram-se no tempo verbal “pretérito mais-que-perfeito composto” que equivale ao “pretérito mais-que-perfeito”, conforme as frases a seguir: “Ele aceitara o convite”. “Ele entregara o convite”.

Entretanto, apesar da existência dessas regras tão claras, há pessoas que não conseguem aplicá-las ou, por não as conhecer, preferem aplicar formas errôneas que vêm se popularizando mesmo em meios sociais de nível cultural bastante considerável. Exemplos: 1) “Ainda não havia chego quando ela me ligou”; 2) “Tenho trago lanche todos os dias”; 3) “O verbo foi empregue erradamente”. Esses verbos não são abundantes, admitindo apenas a forma regular do particípio, respectivamente: 1) chegado; 2) trazido; 3) empregado. Urge que se conheçam as regras gramaticais e ortográficas pertinentes aos tópicos relacionados nessa seção para evitar os erros que, inadvertidamente, podem ser empregados na tradução.

6. ADAPTAÇÃO ENTRE AS LÍNGUAS NA ATIVIDADE TRADUTÓRIA

Sendo a tradução uma transposição textual entre duas línguas, o tradutor deve estar preparado para adaptar as particularidades de uma língua à outra língua ao realizar o seu trabalho. Se aquele que se diz tradutor não tem familiaridade com sua própria língua de modo que lhe permita desempenhar uma boa leitura e uma boa escrita, realizar uma tradução de ótima qualidade será algo impossível. Ele precisa dispor de dicionários, gramáticas, adquirir conhecimentos através de pesquisas, principalmente das áreas do conhecimento ligadas àquilo com que vai trabalhar, sendo, porém, perspicaz ao utilizar os sentidos denotativos e conotativos que obtiver a partir dessas ferramentas linguísticas. Mais do que atribuir simples definições encontradas em dicionários, a tradução deve ser feita respeitando as estruturas sintáticas, semânticas, estilísticas, fonéticas, ortográficas da língua para a qual se traduz de modo que seja compreensível ao que lê, ao que ouve, ao que interpreta. Por isso mesmo, jamais poderá ser feita ao pé da letra, mas levar em consideração os diversos significados textuais originais com relevância aos significados na língua materna.

As ricas estruturas da língua portuguesa nem sempre têm equivalentes em outras línguas, como no caso da língua inglesa. Por exemplo, na seção 3 deste trabalho, que trata da diferença de sentido pela acentuação, cabe ainda ressaltar um outro aspecto de extrema importância: a classificação e atuação do sujeito na frase. Sabe-se que em língua inglesa não há sujeito oculto, sujeito indeterminado ou inexistente, pois nessa língua, todas as frases obrigatoriamente possuem um sujeito, com exceção do modo imperativo dos verbos. Interessante observar que o sujeito indeterminado se assemelha ao agente desconhecido da voz passiva, como em The bank was robbed two weeks ago que poderia ser traduzida como: “Roubaram o banco há duas semanas”. Outro exemplo nesta seção “O convite foi aceito” equivalente em língua inglesa a The invitation was accepted (“Aceitaram o convite”). Subentende-se quem seja o agente da passiva devido ao contexto em que a frase seja aplicada. Esses são casos em que a voz passiva pode ser utilizada em língua inglesa.

Ainda na mesma seção, outros tópicos foram abordados sobre os quais se podem tecer alguns comentários concernentes ao seu uso na língua inglesa. Por exemplo, a pontuação em língua inglesa não é utilizada com a mesma frequência como o é na língua portuguesa. Normalmente, a língua inglesa utiliza mais pontos finais do que vírgulas, o que tende a diminuir a extensão das frases e faz com que seus elementos sofram uma troca de posição considerável.

A ordem de colocação das frases entre uma língua e outra é naturalmente alterada quando se realiza uma tradução. Em língua inglesa, costuma-se evitar o emprego de palavras ou expressões supérfluas, buscam-se assertivas mais objetivas que descartem ideias evasivas, tornando as frases mais transparentes do que se costuma ver em língua portuguesa quando se escreve muito a fim de impressionar o leitor com uma pretensa intelectualidade.

Há particularidades em uma língua que não podem simplesmente ser transferidas automaticamente para uma outra sem se observar suas características culturais. As regras da língua inglesa, por exemplo, excluem a possibilidade de surgir pleonasmos em suas construções frasais. Nesse caso, se um tradutor pretende usar esse tipo de recurso em uma tradução para a língua portuguesa deverá considerar o nível de relevância para sua aplicação, como no caso da referência bíblica citada de João 11:43 correspondentemente a Lazarus, come out! cuja referência pleonástica revelaria sua aplicação estilística, porquanto envolve um sentido além de meramente denotativo.

Ainda nessa linha de raciocínio referente aos vícios de linguagem, encontra-se o que tem se transformado em gerundismo na língua portuguesa que pode ser proveniente de uma tendência na sociedade como um todo a elitizar a fala, imitando o modo estrangeiro de expressar frases, no caso a língua inglesa, que exerce grande influência na cultura brasileira. A estrutura inglesa will + be doing possui pelo menos quatro formas de aplicação que devem ser conhecidas para se compreender seu uso correto, e não fazer usos equivalentes em língua portuguesa inadvertidamente. Veja-se o exemplo: We won’t be doing any work while you are not here (ADMIN, 2019), podendo ser traduzida “Não faremos nada enquanto você não estiver aqui”. Contudo, considerando-se a prática “gerundista” dos dias atuais, essa frase seria dita assim: “Nós não vamos estar fazendo nada enquanto você não estiver aqui”. Aqui, não se trata apenas de traduzir ao pé da letra porque nem mesmo assim o é, mas é o caso da grosseira tendência elitizante por falta de consideração (e, talvez, não apenas de conhecimento) à própria língua.

Notem-se, ainda, as palavras seat em língua inglesa e “banco” em língua portuguesa. Há, respectivamente, ocorrência de homônimos (1) e homógrafos (2):

  1. Seat (of government) = sede do governo; Seat = assento;
  2. Sede (do governo) = seat (of government); Sede (de água) = thirst (for water).

Os aspectos estruturais de uma língua são diversos, mas os que são apresentados aqui servem apenas para chamar a atenção sobre a necessidade de se aprimorar no exercício da função de tradutor pelo reconhecimento das palavras e expressões, sua perfeita aplicabilidade nos diversos tipos de textos assim como de toda a estrutura linguística em estudo.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os “tradutores” irresponsáveis, como afirma Silveira (2004), continuarão a existir, como sempre existiram. Como ervas daninhas, brotarão sempre ao lado da boa planta, confundindo-se com ela. Não serão jamais extirpados. Mas, de qualquer maneira, é preciso que alguém, de quando em quando, se refira, como séria advertência, ao mal que representam. No campo em que florescem as ideias, a sua existência é tão nociva, tão catastrófica, como uma erosão contra a qual não se tomasse providência alguma.

As traduções mal feitas têm o poder de impactar negativamente qualquer leitor. Há tradutores humanos que em muito se assemelham a alguns tradutores virtuais que são incapazes de interpretar características e estilos sintáticos e semânticos de uma segunda língua e acabam por alterar a mensagem original – os resultados de seus trabalhos são insuficientes, podendo causar prejuízos diversos.

Primeiramente é mister um conhecimento prévio das propriedades léxico-gramaticais de ambas as línguas no processo da tradução para que se evitem erros provenientes do emprego de palavras impertinentes ao assunto a ser desenvolvido ou que sejam escritas em desacordo com a ortografia ou cujos significados não correspondam à ideia central do texto por não se coadunarem com o tema de que se pretende tratar. A partir desse levantamento preciso se dará continuidade à busca de outros requisitos linguísticos de igual importância como as singularidades da língua: os dialetos, as expressões idiomáticas, as estruturas verbais – auxiliares, desinências, contrações, formas nominais, vozes –, colocações pronominais etc., para que sejam aplicados coerentemente de modo a manifestar a sua eficácia.

O bom tradutor é zeloso no sentido de primar pela boa qualidade do texto, evitando superfluidades que nada transmitem, mas tão-somente servem para rechear o texto com palavras vãs a fim de aparentar suficiência de conteúdo. Na verdade, essa suficiência provém de uma capacidade comunicativa do texto que é recebida através de aspectos textuais essenciais como continuidade que só pode existir mediante coesão que por sua vez deve andar junta com a coerência e ainda essas juntas com outros acessórios pertinentes à composição textual. Só assim será possível formar um todo harmonioso cujas unidades se interligam propiciando um equilíbrio relacional sintático e semântico.

Um tradutor idôneo faz sua tradução pensando no leitor, sobre como a mensagem chegará até ele, tornando-a inteligível. Para tanto, ele reconhece o tipo, o gênero ou a forma textual em que está inserida e adapta o seu conteúdo à língua de destino de modo que haja equivalência textual passível de transmitir com exatidão o sentido do texto original; isso nada tem a ver com a vã tentativa de adivinhar o que o autor queria dizer. Além disso, ele adequa a linguagem (verbal, não-verbal ou mista) ao seu público-alvo de acordo com o seu nível sociocultural.

Todos os tradutores e aspirantes afins devem se conscientizar da necessidade de aperfeiçoamento profissional através de cursos de atualização e de conhecimento amplo das línguas envolvidas no processo de tradução para não incorrerem em erros até mesmo elementares que acabarão por destruir sua reputação do profissional.

REFERÊNCIAS

ADMIN. English Grammar Secretes: Business English Grammar Will be doing. 22/09/2019. Disponível em: <https://englishgrammarsecrets.com/will-be-doing/business-english-grammar>. Acesso em: 30/12/2020.

ALMEIDA, Virgílio Pereira de. As dificuldades do mau e do bom tradutor. Centro de Ciências de Educação e Humanidades – CCEH. Universidade Católica de Brasília – UCB. Revista Humanitates. Vol. I – Número 1 – Setembro 2004. Charge republicada pela Folha de São Paulo em 1996. Disponível em:

<https://www.researchgate.net/publication/258223157_As_dificuldades_do_bom_e_do_mau_tradutor>. Acesso em: 28 dez. 2020.

ARAUJO, Silvana Silva de Farias. O Embate Norma Popular/ Norma Culta/ Norma Padrão: Implicações no trabalho com análise linguística para falantes do Português Rural Afro-brasileiro. 2008. Disponível em: <www.uesc.br/eventos/selipeanais/anais/silvanaaraujo.pdf>.

BÍBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida. 83ª impressão. Rio de janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1995.

CARVALHO, Carolina Alfaro de. A Arte da Tradução: Erros de tradução nas legendas de canais pagos. 06/03/2007. Disponível em: <http://artedatraducao.blogspot.com.br/2007/03/erros-de-traduo-nas- legendas-de-canais.html>. Acesso em: 28 dez. 2020.

COUTO, Sérgio Pereira. A incrível história da Bíblia. São Paulo: Universo dos Livros, 2007.

Dicionário Linguee. Descriminar. 2020. Disponível em:  <https://www.linguee.com.br/portugues-ingles/search?source=auto&query=descriminar+>. Acesso em: 29 dez. 2020.

DICIONÁRIO WORD REFERENCE. Decriminalize. 2020. Disponível em: <https://www.wordreference.com/enpt/decriminalize>. Acesso em: 29 dez. 2020.

DICIONÁRIO WORD REFERENCE. Discriminate. 2020. Disponível em: < <https://www.wordreference.com/enpt/discriminate>. Acesso em: 29 dez. 2020.

ESPN.com.br com Radio Estadão ESPN. ÁUDIO: Professora de francês diz que houve erro em tradução da frase de Valcke. 06/03/2012. Disponível em: <http://www.espn.com.br/noticia/244357_audio-professora-de-frances-diz-que-houve-erro-em-traducao-da-frase-de-valcke>. Acesso em: 28/12/2020.

HORNBY, A. S. Oxford Adavanced Learner’s Dictionary of Current English. Oxford, Oxford University Press, 1987. 1600p.

OLIVEIRA, Ronaldo Alves de. 280 erros comuns na tradução da língua inglesa: termos cujas traduções não são o que parecem. São Paulo: Edicta, 2002. 162p.

REZENDE, Joffre M. de. Linguagem Médica: Falsos Cognatos. 2004. Disponível emm: <http://www.jmrezende.com.br/falsoscognatos.htm>. Acesso em 29 dez. 2020.

SCHOLES, Jack. Inglês para curiosos: a origem, o significado e o uso de palavras e expressões do inglês cotidiano. São Paulo: Papier, 2001. 116p.

SILVEIRA, Brenno. A arte de traduzir. São Paulo: Melhoramentos; Editora UNESP, 2004 [1954].

SLICK, Mathew. Traduções Errôneas da Bíblia das Testemunhas de Jeová. [s.d.] Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/seitas_heresias/tj_traducoes.htm>. Acesso em: 29 dez. 2020.

WIRED. How to: High Five, Treat Beach Wounds, Use Your Computer Remotely. Illustration: Jason Lee. High-Five. Color. 23/06/2008. Disponível em: <https://www.wired.com/2008/06/st-howto-14>. Acesso em: 28 dez. 2020.

[1] Doutoranda em Educação Superior, Mestre em Ciências das Religiões, Especialista em Docência Superior, Especialista em Tradução, Bacharel em Teologia, Bacharel e Licenciada em Letras.

Enviado: Setembro de 2020.

Aprovado: Fevereiro de 2021.

4.5/5 - (2 votes)
Mônica Conte Campello

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita