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50 tons de direito: possibilidade do sexo como objeto do negócio jurídico no plano de validade

RC: 121181
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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

SOARES, Igor Clem Souza [1]

SOARES, Igor Clem Souza. 50 tons de direito: possibilidade do sexo como objeto do negócio jurídico no plano de validade. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 07, Vol. 03, pp. 152-177. Julho de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/negocio-juridico

RESUMO 

O presente estudo visa promover uma reflexão a partir da obra “50 Tons de cinza”, tomando como problemática o contrato de submissão sexual celebrado entre os protagonistas, em que o sexo foi posto como objeto do negócio jurídico no plano de validade. A partir da temática em questão, tem-se como objetivo elucidar a possibilidade jurídica de inserção de cláusulas sobre a regulação de comportamento na relação sexual entre pessoas e sua validade legal perante o ordenamento jurídico brasileiro. Extrai-se da narrativa literária a possibilidade de inclusão de cláusulas em contratos de namoro ou pactos antenupciais que disciplina o comportamento sexual dos celebrantes. Para o desenvolvimento da pesquisa foi adotado o método científico hipotético-dedutivo. Além disso, a pesquisa usada foi a exploratória-descritiva, através de levantamento bibliográfico e documental. A teoria Escada Ponteana (planos de existência, validade e eficácia) foi adotada como base argumentativa na investigação, cuja verificação é se o objeto sexo é elemento válido nos negócios jurídicos. No decorrer dos estudos, a imersão na teoria geral do direito foi fundamental para averiguar o papel da moral na análise de idoneidade do objeto sexo. Para isso, o Plano de Existência, Validade e da Eficácia, aplicadas na obra “50 Tons de cinza”, foram salutares na análise desenvolvida. A relação Direito e Literatura traz reflexões jurídicas acerca dos elementos apresentados na obra quanto ao Contrato de Submissão, demonstrando que na legislação brasileira é possível aquele tipo de contrato, visto que assim como o casamento, o Contrato de Submissão, que tem o objeto sexo como cerne, é válido, desde que não infrinja a legislação brasileira. Assim, tomando o sexo como objeto para o negócio jurídico, sua validade está dentro dos princípios da moral e do direito. Compreende-se, portanto, que há comprovação da possibilidade jurídica da inserção do sexo como objeto dos negócios jurídicos, inclusive em novas modalidades contratuais que versem sobre a união entre pessoas.

Palavras-chave: Negócio Jurídico, Escada Ponteana, Sexo como objeto de contrato.

1. INTRODUÇÃO

O sexo como objeto de contrato se mostrou evidente na obra “50 Tons de Cinza”, da autora E. L. James. A repercussão causada pela obra ao longo dos últimos oito anos motivou pesquisadores e estudiosos a investigar quanto à possibilidade jurídica do contrato celebrado pelas personagens Christian Grey e Anastasia Steele ser validado no Brasil. Assim, ter-se-á como mola propulsora do presente estudo, a possibilidade de o sexo ser ou não objeto de negócio jurídico.

A trama na obra “50 Tons de cinza” se desenvolve a partir do momento que os protagonistas firmam o contrato de submissão sexual. Logo, é possível o sexo ser objeto do negócio jurídico no plano de validade?

A escolha da temática surge não só pela possibilidade apresentada na obra citada, mas também pela necessidade de se estabelecer parâmetros impostos pela globalização e as novas formas de relacionamentos que vem ganhando espaço nos últimos anos. Nesta perspectiva, a obra apresenta um cerne problemático quanto à validade do objeto do contrato de submissão sexual celebrado entre as partes, assim como a licitude de inclusão de cláusulas da mesma natureza em contratos diversos permitidos pelo ordenamento jurídico pátrio.

Para elucidar a proposta e alcançar uma solução a problemática manifestada, tem-se como objetivo averiguar a possibilidade jurídica de inserção nos negócios jurídicos de cláusulas sobre a regulação de comportamento na relação sexual entre pessoas e sua validade legal perante o ordenamento jurídico brasileiro. Extrai-se da narrativa literária a possibilidade de inclusão de cláusulas em contratos de namoro ou pactos antenupciais que disciplinam o comportamento sexual dos celebrantes.

Como método científico para o desenvolvimento do presente estudo, partiu-se do método hipotético-dedutivo, de pesquisa exploratória-descritiva, utilizando materiais bibliográficos e documentais que contemplem a presente reflexão. No decurso utilizar-se-á a teoria da Escada Ponteana, que serviu de base argumentativa no processo de investigação científica, mediante os planos de existência, validade e eficácia, servindo como ponto de partida para a verificação do objeto sexo como elemento válido nos negócios jurídicos. A imersão na teoria geral do direito foi fundamental para averiguar o papel da moral na análise de idoneidade do objeto sexo.

Os argumentos explicativos quanto à teoria geral do direito se manifestam por meio das obras de Paulo Nader, Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce, os quais fundamentaram, precipuamente, a análise do problema ligado ao objeto do negócio jurídico e sua repercussão no universo jurídico. Diversos outros doutrinadores foram consultados para melhor compreensão do problema da validade do objeto do negócio jurídico, especialmente quando o objeto é o sexo não pago e consensual.

Diante do exposto passar-se-á a tratar do negócio jurídico e os elementos que o compõem. Na sequência, os reflexos da globalização na esfera do comportamento humano a partir da obra “50 Tons de Cinza”. No terceiro tópico tratar-se-á da influência promovida pela referida obra no campo jurídico. Para finalizar os estudos, será apresentado uma reflexão teórica acerca da possibilidade de se ter o sexo como objeto do negócio jurídico.

2. OS ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

 O negócio jurídico decorre de uma relação jurídica, pois há um fato humano caracterizado pela vontade. Logo, se há vontade entre as partes, ocorrerá uma relação jurídica. Antônio Junqueira de Azevedo (2002 apud TARTUCE, 2018, p. 238) afirma que,

o negócio jurídico constitui a principal forma de exercício da autonomia privada, da liberdade negocial: in concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que todo o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.

 Assim, surgem os requisitos que determinarão a classificação do negócio jurídico. Daí o porquê é o ponto principal da Parte Geral do Código Civil. Entretanto, não é algo simples.  A complexidade que permeia o negócio jurídico no Brasil implica em um aprofundamento sobre os elementos que o integram, tendo em vista as diversas posições doutrinárias sobre o tema. Dentre as posições, prevalecem, majoritariamente, os ensinamentos de Pontes de Miranda com a criação da Escada Ponteana, citado em diversas obras de Direito Civil.

A Escada Ponteana mensura, através de ‘degraus’, os requisitos necessários para que o negócio tenha validade e, que assim, torne-se perfeito. Para isso, classifica-se os elementos estruturais do negócio jurídico em três planos distintos: o plano de existência, o plano de validade e o plano de eficácia. Sobre esses planos, Pontes de Miranda (1974 apud TARTUCE 2018, p. 246) explicita que,

Existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas podem ser, valer e não ter eficácia (H. Kelsen, Hauptprobleme, 14). o que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é.

Para o autor, os elementos são ‘harmônicos’ entre si, tendo em vista que para se efetuar um, é necessário a existência do outro e, assim, o negócio tornar-se-á eficaz e válido. Mas, é certo que nem sempre é possível tal harmonização entre eles. “É perfeitamente possível que o negócio seja existente, inválido e eficaz, caso um negócio jurídico anulável que esteja gerando efeitos” (TARTUCE, 2018, p. 247).

2.1 PLANO DE EXISTÊNCIA

É fato que o negócio jurídico regula os direitos e deveres de acordo com os interesses das partes. Mas, para tanto, é necessário respeitar os pressupostos (classificação) que estruturam o negócio. Para Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 345), a classificação do negócio deriva do Direito Romano, dividindo-o em elementos essenciais, naturais e acidentais, onde vislumbrava-se a existência do negócio, para então, adentrar aos seus efeitos e, por último, acrescer os acessórios possíveis. O autor ainda complementa que,

No plano da existência não se indaga da invalidade ou eficácia do negócio jurídico, importando apenas a realidade da existência. Tal ocorre quando este sofre a incidência da norma jurídica, desde que presentes todos os seus elementos estruturais. Se faltar, no suporte fático, um desses elementos, o fato não ingressa no mundo jurídico: é inexistente. Nele podem, porém, ingressar todos os fatos jurídicos, lícitos e ilícitos.

Nota-se do fragmento acima que, só é possível perceber validade e efeitos do negócio jurídico se antes este existir, afinal, os elementos de existência são condicionantes para que comecem a resultar efeitos esperados no plano jurídico.

Com arrimo nas perspectivas de existência, é possível analisar hipoteticamente a incidência dos seus elementos. Então, imagina-se que um pastor de igreja evangélica celebra casamento entre homem e mulher. Contudo, a mulher, então noiva, mesmo presente no Ato Religioso, acreditava estar participando de um culto. Portanto, em nenhum momento praticou ato de aceitação do matrimônio, mesmo assim o religioso os declara casados. Após 15 (quinze) dias, o homem ingressa com ação judicial de Divórcio, sem partilha de bens ou fixação de alimentos. Depreende-se do exemplo citado que não há no pleito judicial possibilidade jurídica, haja vista que não houve vontade exteriorizada, elemento essencial no plano de existência para que o casamento existisse e ocasionasse efeitos na esfera jurídica.

Não há uma harmonia doutrinária ao elencar os elementos existenciais do negócio jurídico, pois parte dos doutrinadores argumentam que o código civil não os trouxe por meio de artigo elencado na lei. Todavia, é majoritário o posicionamento no sentido de que servem didaticamente para sua compreensão. Os elementos de existência são o agente, objeto, a forma e vontade exteriorizada, asseverando que tais elementos condicionam a existência do negócio jurídico, de maneira que a ausência de algum destes o torna inviável (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 598).

É no plano da existência que o fato entra na esfera jurídica e ocorrerá um estudo para averiguar se tal fato será relevante ou não para o Direito.

2.2 PLANO DE VALIDADE

Ao entrar na esfera jurídica, o fato pode ou não apresentar todos os requisitos para sua validade. Averiguada a existência do negócio jurídico, passa-se a constatar os elementos de validade, quais sejam: capacidade, liberdade, licitude e adequação. Os elementos no plano de validade resultam de uma lógica que constata sua realidade, conforme os elementos do plano de existência já assinalados (TARTUCE, 2018, p. 257). No mesmo sentido, Gonçalves (2010, p. 355) discorre que, “Para que o negócio jurídico produza efeitos, possibilitando a aquisição, modificação ou extinção de direitos, deve preencher certos requisitos, apresentados como as de sua validade”. Caso haja ausência de algum dos elementos resultará na invalidade do negócio jurídico, sendo este nulo ou anulável.

Evidencia-se que o Código Civil, em seu artigo 104, descreve o agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não proibida em lei, como sendo elementos de validade do negócio jurídico. No elemento capacidade do agente, é possível abstrair a ideia de que há um sujeito que manifesta sua vontade e, para tanto, é necessário que ele seja capaz de praticar os atos da vida civil, conforme exige a legislação.

A prescrição legal é enfática ao estabelecer três situações distintas e obrigatórias a serem observadas em relação ao objeto, sendo que a primeira está vinculada a sua licitude. Neste sentido, o legislador, de forma abrangente, insere a obrigatoriedade de que o objeto do negócio jurídico não contrarie a legislação de uma forma geral. Logo, para a concretude da licitude, é obrigatório que o objeto esteja em consonância com o ordenamento civil, penal, constitucional etc.

Mas, não apenas a licitude deve ser observada, impondo-se atentar para a validade do objeto, sendo ainda necessário analisar sua possibilidade. No entendimento de Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 359), a possibilidade deve ser analisada no aspecto físico e jurídico, sendo esta a hipótese de inexistência de amparo legal para validade e, aquela, a situação que não há possibilidade natural ou física para que venha a ser praticada.

Quanto à determinação do objeto, esta recai sobre a possibilidade de sua indicação pelo menos, pelo gênero e quantidade. Não sendo possível fazê-lo, haverá invalidade do negócio por óbvia ofensa ao artigo 104, inciso II, do Código Civil.

A forma do negócio jurídico é apresentada por Maria Helena Diniz (2008, p. 501), como a exteriorização da vontade do indivíduo no negócio celebrado, sendo esta exteriorização a maneira que o negócio produzirá seus efeitos. Segue afirmando que a forma é livre, desde que não haja na legislação modo específico para o negócio jurídico.

Essa sistemática liberal observada pelo Código Civil quanto à forma do negócio jurídico, facilita a adequação da lei aos casos que vão surgindo conforme a sociedade modifica seus costumes e atos negociais.

Notadamente, após a percepção dos resultados da globalização, assim como pela vasta evolução nas comunicações, os negócios que antes eram subordinados a uma localidade específica, agora expandem-se suas fronteiras de forma surpreendente.

As cláusulas gerais possibilitam que o Código Civil permaneça atualizado em grande parte, pois a mutação dos costumes sociais irradia de forma a transcender aos que antes ensejaram sua criação.

A exteriorização da vontade de forma livre nos negócios jurídicos já resultou em inúmeros novos tipos de negócios, sendo um deles o contrato de namoro, onde as partes acordam em documento formal que a vontade de ambos não consiste em constituir família, situação que poderia caracterizar a União Estável. Nota-se, claramente então que, aquele costume que antes era em sua totalidade informal, agora, ante a possibilidade amparada pela lei, resulta em novas formas de negócios jurídicos.

2.3 PLANO DA EFICÁCIA

O fato jurídico produzirá seus efeitos – juridicamente protegidos – caso sejam preenchidos os fatores do plano da eficácia.

Seguindo a ideia da Escada Ponteana, Flávio Tartuce (2018, p. 247), acrescenta que no plano da eficácia é possível abstrair os seguintes elementos: condição, termo, consequências do inadimplemento negocial (juros, multas, perda e danos) e outros elementos (efeitos do negócio).

Grande parte das doutrinas nacionais elencam três elementos acidentais do negócio jurídico, dividindo-os em condição, termo, encargo ou modo, onde Maria Helena Diniz (2008, p. 521), assinala que seu papel principal é o de alterar os efeitos naturais do negócio jurídico.

A estrutura didática do negócio jurídico abre um leque imensurável na diversificação de possibilidades de negócios. Tal fato muito enriquece a prática habitual dos indivíduos em sociedade.

É sabido que o gênero negócio jurídico tem várias espécies, sendo os contratos uma das mais comuns. Entretanto, há no ordenamento negócios formais previstos no Código Civil que não integram as tipificações elencadas na parte específica dos contratos, como por exemplo, o casamento e o testamento. Compreender estes elementos do negócio jurídico possibilita ao operador do Direito, bem como a qualquer membro da sociedade civil, inovar e proteger juridicamente seus interesses por meio da celebração de negócios jurídicos atípicos, conforme o contrato de namoro citado alhures.

Tais elementos acidentais apresentam grande importância para a diversificação dos negócios jurídicos. Todavia, a condição, o termo e o encargo em nada influenciam quanto à existência e validade dos negócios, apenas diversificam seus efeitos ao gosto das partes que integram o contrato.

De maneira clara, a condição vincula-se a acontecimento futuro e incerto, podendo ser suspensiva ou resolutiva. Por sua vez, o termo está ligado a evento futuro e certo, sendo clara sua função em delimitar o marco inicial e o marco final. Enquanto o encargo nada mais é que uma forma pela qual o beneficiário de um negócio tem que assumir ante o benefício percebido (DONIZETTI; QUINTELLA, 2016, p. 355).

Assim, é possível por meio dos diversos meandros doutrinários alicerçar o negócio jurídico sob três aspectos principais, quais sejam: o primeiro, no plano de existência, fundamental ao surgimento do negócio jurídico, para então, após constatada sua existência, seja possível averiguar sua validade no mundo jurídico, por meio de análise dos elementos de validade. Uma vez válido, o Direito possibilita a modificação dos efeitos do negócio jurídico por meio de inserção das cláusulas acidentais.

3. “50 TONS DE CINZA” E O REFLEXO DA GLOBALIZAÇÃO NA ESFERA DO COMPORTAMENTO

Ao refletir sobre o negócio jurídico e seus elementos, uma hipótese surge: afinal, a globalização e seus efeitos na sociedade resultam em mudança, inclusive no comportamento negocial entre as pessoas? Não há dúvida que toda evolução tecnológica (leia-se: informática) resultou em uma imediata mudança em diversas outras áreas, inclusive na área jurídica. Assim, os costumes praticados pelas pessoas em sociedade afetarão o Direito, pois ele é mutante e suas alterações estão ligadas a esses costumes.

Há previsão no ordenamento jurídico que o costume é fonte de direito na resolução dos conflitos, destacando que uma conduta praticada com constância e uniformidade em sociedade poderá ser considerada fonte jurídica (NADER, 2008, p. 158).

Quando a literatura desmistifica comportamentos por meio de obras que ultrapassam os limites territoriais de um país, certamente consequências jurídicas podem ser observadas a partir do momento que o comportamento social começa a ser alterado. Sobre isso, é importante destacar que o comportamento sexual/contratual apresentado pela ficção serve como base para a inovação na proteção jurídica deste novo comportamento.

Portanto, a lógica de construção jurídica requer que as pessoas comecem a praticar determinado comportamento de forma constante e uniforme, para que assim, tal hipótese comece a alicerçar a base para a construção do meio legal apto para proteger os indivíduos.

Paulo Nader (2008, p. 160) descreve os costumes contrários à lei, costumes que concordam com a lei e os costumes praticados na falta da lei, deixando claro que o costume praticado na inexistência de norma ou de acordo com a norma servem de arcabouço legal para justificar a proteção daquele comportamento.

Evidencia-se que a disposição por meio cláusula de comportamento sexual entre pessoas não encontra óbice legal, podendo ser, inclusive, enquadrado como fonte legal ante a inexistência de lei específica.

3.1 A OBRA “50 TONS DE CINZA”

A obra “50 Tons de Cinza”, de E. L. James, narra a história de uma jovem estudante de literatura, inexperiente, que se envolve com um jovem e bem-sucedido empresário. Após o envolvimento, Anastasia hesita em manter o relacionamento, pois Christian impõe como condição para a continuidade do romance que ela se submeta a diversos fetiches sexuais elencados em um contrato de submissão.

A despeito do que é apresentado na trama da obra “50 Tons de Cinza”, resta evidente que a possibilidade de inserção de cláusulas que versem sobre comportamento sexual na relação entre pessoas em muito poderia contribuir na construção do Direito. As possibilidades ultrapassam a hipótese fictícia abordada na obra, podendo servir para a regulação do comportamento sexual entre os casais, por meio de cláusulas no pacto antenupcial ou, até mesmo, figurar nas disposições no contrato de namoro.

Como o sexo ainda é um tabu, não há uma fonte científica que sirva como base para mostrar com exatidão o comportamento sexual entre os casais no país. Porém, sua prática existe e provavelmente vai muito além do suposto “papai e mamãe”, tendo em vista que, segundo Vieira e Corsato Neto (2016, p. 254) “As variações da sexualidade humana têm sido socialmente mais aceitas nas últimas décadas. Os cinquenta tons de cinza demonstram algumas nuances dessa variedade, podendo alterar ou não de conformidade com o momento ou etapa da vida”.

4. A OBRA LITERÁRIA “50 TONS DE CINZA” E SUA INFLUÊNCIA NA CIÊNCIA JURÍDICA

Após a leitura da obra, a inquietação é latente quanto à possibilidade de realização de um contrato que verse sobre comportamento sexual entre um casal. Questionamentos como a possibilidade de inserir cláusulas que disponham sobre a forma de praticar sexo, as datas para os encontros, os locais específicos para sua prática, os fetiches, etc. Inúmeras possibilidades comportamentais podem ou não ser protegidas pela norma jurídica, mas somente por meio da ciência jurídica é possível chegar a essas respostas.

4.1 DIREITO E LITERATURA

A literatura era apenas um meio para que os autores expusessem suas críticas, seja de cunho social, político ou econômico e, a depender da época, necessitavam iludir a censura, como ocorreu em vários países, inclusive no Brasil. É também, nesse contexto que, Direito e Literatura se “aproximam”, principalmente no meio acadêmico apresentando-se “[…] como uma proposta crítica ao atual paradigma de crise do ensino jurídico e de fuga ao modelo de aprendizado predominante baseado no normativismo-positivista ou legalismo […]” (RAIOL; ALENCAR, 2018, p. 21).

O estudo do Direito através de obras literárias, no Brasil, é algo muito novo. Entretanto, várias reflexões acerca de temas jurídicos encontram-se nas obras clássicas escritas durante a história moderna. Exemplos recorrentes para o estudo do Direito estão em Antígona, de Sofócles, Robison Crusoé, de Daniel Defoe, O Processo, de Franz Kafka, além das inúmeras obras shakespearianas.

Está claro que os agentes que compõem o Poder Judiciário e o meio acadêmico, ao inserir a Literatura em seus trabalhos, estarão mais qualificados, pois vivenciarão situações nunca experimentadas, desenvolverão visão crítica sobre o Direito frente aos casos práticos, além do que, ampliarão a visão de mundo, tão importante para que não se endureçam, já que o Direito traz isso. Portanto,

é um campo de estudo que proporciona, por meio do viés emancipatório da Literatura, um olhar crítico sobre o Direito e seus enredos, narrativas e personagens que estão inseridos na dinâmica do processo e da construção social do imaginário jurídico-literário, e por fim, também se apresenta como uma alternativa ao projeto epistemológico do positivismo jurídico. (RAIOL; ALENCAR, 2018, p. 25)

Logo, as ponderações que o leitor deve fazer sobre o Direito através das obras é essencial para as mudanças necessárias e, assim, fomentar a humanização que a Literatura traz ao Direito e seus agentes. Em entrevista concedida a Henriete Karam, para a Revista Anamorphosis, Lenio Streck (2018, p. 617) é enfático sobre isso. Ele argumenta que,

A literatura ajuda a existencializar o direito. Por isso, o que está sempre mais próximo da literatura é a hermenêutica. A angústia, para ser “tratada”, exige intermediação. […] Agora estamos frente a frente com nós mesmos. Com nossos fantasmas. Com a existência nossa e dos outros. Deus morreu, e agora é que não podemos fazer tudo. Ou qualquer coisa.

Pois o direito trata dessa nossa relação com o mundo, com as coisas. Democracia, direitos sociais, cidadania: isso ocorre como uma conquista intermediada. Literatura faz intermediação existencial. Hermenêutica, no sentido que a trabalho na Crítica Hermenêutica do Direito, também. […]

Foi essencial repensar o Direito através da literatura, pois trouxe discussões jurídicas relevantes para os profissionais da área, além disso, os estudos jusliterários tornaram-se uma ferramenta crucial para compreender e aplicar o direito material. “Na verdade, a premissa […] pode ser formulada do seguinte modo: algumas narrativas literárias são mais importantes para o estudo do direito do que a grande maioria dos manuais jurídicos” (TRINDADE, 2014, p. 6)[2].

Mencionar Direito e Literatura é transmutar-se a novos conhecimentos percorrendo várias ciências. A Literatura é fonte para o Direito. Nela, encontram-se vários temas através da obra literária. Assim,

Na intersecção entre o Direito e a Literatura também figura a interpretação do próprio fenômeno jurídico, donde resta possível verificar as mudanças ideológicas que afetam ao Direito, na linha temporal histórica.

Outro fruto virtuoso dessa interação é a abertura de horizontes do Direito para a realidade social – que é a verdadeira destinatária não apenas das normas, mas também da aplicação delas –, distanciando-se um pouco do estrito dogmatismo, porém, não perdendo seu caráter científico.

Essa conexão surge como uma nova perspectiva, qual seja, a de mitigar a ratio positivista, agregando o fenômeno jurídico aos demais fenômenos sociais, vencendo assim a teoria kelseniana de um suposto Direito Puro, sem intervenção de outras ciências […]. (PARODI; MESSAGGI, 2011, p. 54-55)

Deste modo, pode-se dizer que as obras literárias se apresentam como fonte inesgotável de valores socioculturais e históricos, atrelados aos costumes, valores éticos e morais de uma determinada sociedade. De tal modo, o Direito surge em prol da sociedade e, nada mais coerente do que compreender as leis a partir da própria sociedade. Dessa forma, as obras literárias de ficção carregam em seu bojo o processo mimético entre o que é real e o ficcional. Seguindo esta linha, ao ser feito a fusão Direito e Literatura ultrapassa-se os limites do simples olhar para a sociedade, chegando a compreender a sociedade em toda a sua amplitude.

Verifica-se o quão é importante a inter-relação entre ambas, pois “[…] a literatura é capaz de sofisticar a nossa compreensão de problemas morais e sociais contemporâneos. Talvez a literatura não faça de nós pessoas melhores, mas ela incrementa a nossa capacidade de perceber a complexidade de questões morais que merecem reflexão cuidadosa” (SHECAIRA, 2018, p. 358). A partir disso, certamente, as práticas jurídicas seriam mais dinâmicas e compreensíveis para os leigos. Exerceria o bom-senso, evitando os jargões jurídicos, leis obsoletas, por exemplo. Mas, isso só será possível se os agentes do Poder Judiciário estiverem dispostos. Segundo Robin West (1988 apud SHECAIRA, 2018, p. 362), “a literatura é capaz de humanizar o jurista. O advogado que entre em contato com a literatura será menos oportunista. O juiz, menos frio. O promotor, menos insensível ao sofrimento do réu. E assim por diante”.

É notório que humanizar vai além do sentenciar por sentenciar, do acusar por acusar, é tentar reconhecer o ser humano com suas falhas, erros, tentando buscar a justiça para sanar uma dor, um prejuízo, uma reparação. Que valores éticos são extraídos e como aplicá-los juridicamente? A literatura possui esses valores. Além de adquirir cultura, melhorar a eloquência, as obras literárias têm, em abundância, lições sobre direito. Embora nem todas as obras tratem do direito,

[…] mas aquelas que exploram temas jurídicos são capazes de nos fazer refletir com cuidado sobre características gerais do sistema jurídico. Essas obras também são capazes de nos fazer refletir com cuidado sobre nossas obrigações éticas enquanto advogados, juízes, promotores, professores de direito etc. (SHECAIRA, 2018, p. 375)

A literatura trabalha com a linguagem e é uma das representações da realidade. Portanto, é uma expressão da realidade, mesmo sendo uma ficção. Ela fornece argumentação racional, fazendo com que a obra se conecte com a realidade. É interessante mencionar que, mesmo que a obra seja de um, dois séculos atrás, os temas abordados são atuais, fazendo parte da realidade social. Assim, a literatura reflete contextos pessoais, fatores socioeconômicos retratados em uma época anterior, mas que cabem muito bem a época atual. Logo, é uma fonte inesgotável para as ciências sociais, por isso eles têm muito em comum, permitindo que se haja uma visão complexa e crítica da vida humana e de suas circunstâncias.

Como fato reconhecido pode-se citar a obra O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, que vem a tratar sobre um contrato de empréstimo. Nele, há uma cláusula cujo teor diz que, caso o mercador não pague sua dívida no prazo devido, terá como penalidade cortar uma libra de carne do corpo da personagem que está pegando o empréstimo, conforme trecho abaixo:

SHYLOCK – Quero dar-vos prova dessa amizade. Acompanhai-me ao notário e assinai-me o documento da dívida, no qual, por brincadeira, declarado será que se no dia tal ou tal, em lugar também sabido. a quantia ou quantias não pagardes, concordais em ceder, por eqüidade, uma libra de vossa bela carne, que do corpo vos há de ser cortada onde bem me aprouver.

ANTÔNIO – Palavra, aceito! Assinarei a dívida e declaro que um judeu pode ser até bondoso. (SHAKESPEARE, 2019, p. 29)

Como é possível notar, o contrato se apresenta como elementos primordiais de acordos asseverados entre pessoas ou instituições, no caso da obra trata-se do acordo firmado entre Shylock e Antônio. Como pode ser observado, mesmo indagando a ideia de amizade, os Negócios devem ser mantidos no campo da legalidade, ou seja, lavrar judicialmente o que se pretende. Percebe-se que no contrato é possível estipular os as regras sobre o negócio, neste caso da obra O mercador de Veneza, o não cumprimento do contrato custará uma libra de carne do devedor. Mas como tudo que tange a legalidade, o contrato deve ser claro e livre de ambiguidades ou elementos impossíveis de ser cumprido, caso que não ocorre na obra,

PÓRCIA – Um momentinho, apenas. Há mais alguma coisa. Pela letra, a sangue jus não tens; nem uma gota. São palavras expressas: “Uma libra de carne”. Tira, pois, o combinado: tua libra de carne. Mas se acaso derramares, no instante de a cortares, uma gota que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas leis de Veneza, para o Estado passarão por direito. (SHAKESPEARE, 2019, p.117)

Observa-se que no contrato existem elementos que torna o contrato nulo, ou seja, a nulidade do contrato está justamente no que foi solicitado pelo Shylock, pois, ao extrair a libra da pele, haveria perda de sangue e, tal consequência não faz parte do contrato firmado entre as partes. Esse exemplo mostra como a Literatura tem relação direta com os eventos sociais e jurídicos de uma sociedade.

As obras de Shakespeare sempre são citadas por autores estudados no Curso de Direito como, por exemplo, Max, Von Ihering, Foucault que,

[…] buscam no poeta e dramaturgo inglês referencial teórico que possibilitem não só a compreensão do Direito, sua filosofia e o funcionamento da estrutura judicial como também a própria realidade econômica, histórica e cultural que os estruturam. (OLIVO, 2005, p. 20)

Outro exemplo encontra-se na obra Senhora de José de Alencar. De acordo com Antônio Cândido (2006, p. 14-15):

Como todo livro desse tipo, ele possui certas dimensões sociais evidentes, cuja indicação faz parte de qualquer estudo, histórico ou crítico: referências a lugares, modas, usos; manifestações de atitudes de grupo ou de classe; […]

Mas acontece que, além disso, o próprio assunto repousa sobre condições sociais que é preciso compreender e indicar, a fim de penetrar no significado. Trata-se da compra de um marido; […] o casamento por dinheiro. Ao inventar a situação crua do esposo que se vende em contrato, mediante pagamento estipulado, o romancista desnuda as raízes da relação, isto é, faz uma análise socialmente radical, reduzindo o ato ao seu aspecto essencial de compra e venda. Mas, ao vermos isto, ainda não estamos nas camadas mais fundas da análise, — o que só ocorre quando este traço social constatado é visto funcionando para formar a estrutura do livro.

Durante a narrativa é possível detectar traços sociais ligados à realidade humana, onde há fortemente uma cultura da época e as relações comerciais. Tais relações estão imbuídas no casamento por dinheiro, uma das características do período em que a obra foi escrita.

Deste modo, pode-se dizer que as obras literárias são fontes primárias para compreensão do fazer jurídico, mesmo que a obra pertença a outro momento da história da humanidade. Sempre haverá um tema atual promovendo a reflexão da teoria em relação à prática jurídica. Essa reflexão ampliará a visão de mundo do profissional do Direito, pois este deixará de ser um leitor passivo, tornando-se um crítico quanto à utilização de argumentos na construção de um texto jurídico, carregados de significados que, outrora, não faziam muito sentido para ele.

Diante do exposto anteriormente, discorrer sobre Direito e Literatura é elevar-se A novos conhecimentos, porque ao se debruçar sobre elas, há vários temas dos quais se pode analisar. Assim,

[…] entre o Direito e a Literatura também figura a interpretação do próprio fenômeno jurídico, donde resta possível verificar as mudanças ideológicas que afetam ao Direito, na linha temporal histórica.

Outro fruto virtuoso dessa interação é a abertura de horizontes do Direito para a realidade social […], distanciando-se um pouco do estrito dogmatismo, porém, não perdendo seu caráter científico.

Essa conexão surge como uma nova perspectiva, a de mitigar a ratio positivista, agregando o fenômeno jurídico aos demais fenômenos sociais, superando a teoria kelseniana (1934) de um suposto Direito Puro, sem intervenção de outras ciências. (MESSAGGI; PARODI; POPP, 2012, p. 92)

Complementando o exposto, Lima (2012, p. 281) menciona que “a literatura possui o poder de transmitir valores, discutir conceitos, despertar novas interpretações, […]. A leitura dessas obras não remete a uma ideia pronta, mas sim à liberdade de interpretação […]”. Ela está presente em todos os períodos da humanidade, ora de forma falada e, posteriormente, de forma escrita, retratando o homem, ser social que é e, portanto, possuidor de direitos. Também, por estar atrelada à educação, logo é um direito fundamental, tem sua importância jurídica e deve ser reconhecida por isso.

Nesse contexto, Lima (2012, p. 282) esclarece que “a literatura também formata o direito, à medida que fornece metáforas e narrativas que se constituem em elementos aceitáveis para a explicação de ideias e paradigmas jurídicos […]”.

A literatura muito enriquece o trabalho científico, ressalvando que na presente pesquisa, a obra “50 Tons de Cinza” forneceu a inquietação que motivou a análise do contrato celebrado na ficção, especificamente seu objeto e possível validade no direito brasileiro.

A consciência de que a obra de ficção em diversos momentos cita a invalidade do negócio celebrado pelas partes perante o sistema legal, não inviabilizou a pesquisa para uma melhor compreensão de sua possível existência e validade no ordenamento pátrio.

O tema é tão atual que além de diversos artigos escritos em páginas da internet, também foi objeto de trabalho científico publicado na Revista de Direito, Arte e Literatura, de autoria de Tereza Rodrigues Vieira e Fernando Corsato Neto (2016), com o título: “50 Tons de Cinza”, Sexualidade e Contrato de Prestação Sexual.

No XXIV Encontro Nacional do CONPEDI – UFS, a questão contratual decorrente da obra “50 Tons de Cinza” foi objeto de análise no artigo científico intitulado: “Análise jurídica dos contratos de submissão (e dominação): considerações sobre os direitos de liberdade e dignidade da pessoa humana – o direito contratual em cinquenta tons de cinza (2015)”. Em suma, nota-se o grande efeito da globalização por meio da literatura que, como já demonstrado por meio dos artigos acima citados, influenciam no comportamento social que irradia efeitos no mundo jurídico.

4.2 ASPECTOS NEGOCIAIS EXTRAÍDOS DO CONTRATO DE SUBMISSÃO NA OBRA “50 TONS DE CINZA”

É inegável que a obra literária em estudo atraiu a curiosidade do leitor, afinal a repercussão mundial de sua publicação intrigou por conta do tema que a autora abordou e, rapidamente, vendeu muitos exemplares, tornando-o um dos mais vendidos na atualidade. O resultado desse sucesso acabou possibilitando a edição de filme com o mesmo título do livro, sendo este, também, um grande sucesso em bilheteria em vários países, incluindo o Brasil. É fato que houve certa relutância do leitor em submergir na ficção da obra, devido ao conteúdo abordado, mas com o decorrer da leitura, o leitor se deparou em uma agradável viagem.

A ficção desenvolvida na obra “50 Tons de Cinza” é protagonizada por uma jovem universitária, Anastasia Steele, que está prestes a se formar em Literatura e, por um jovem e bem-sucedido empresário, Christian Grey. Após o encontro entre eles, é desencadeada uma série de fatos que os levam ao envolvimento amoroso. Contudo, tal relação é marcada pela inexperiência amorosa e sexual por parte de Anastasia, em contrapartida, Christian além de experiente, tem hábitos sexuais excêntricos. Todavia, o que realmente destaca na trama são as exigências impostas por Christian à Anastasia. Dentre elas, está a confidencialidade, marcada pela necessária análise e posterior assinatura do contrato entre eles. Outro ponto marcante, é que o contrato, têm cláusulas de submissão sexual, sendo a aceitação dos termos contratuais e sua posterior assinatura, condição para que haja relacionamento entre ambos. Percebe-se claramente, o entrelaçamento entre o ficcional (a literatura) e o real, através de um negócio jurídico celebrado entre os protagonistas da obra. A hipótese não parece descabida do ponto de vista jurídico, haja vista que o sistema de Leis no Brasil já possibilita a realização de negócio jurídico entre homem e mulher para constituir sociedade, incluindo obrigatoriedade quanto à fidelidade, habitação em comum, dentre outros quesitos. Tal contrato é conhecido como casamento e está previsto no Código Civil a partir do artigo 1.511 da Lei nº 10406 de 10 de janeiro e 2002, que estabelece: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (VADE MECUM COMPACTO DE DIREITO RIDEEL, 2016, p. 273).

Como pode ser observado, o casamento, na forma que está elencado em Lei, não apresenta de forma explícita a existência do sexo como condição para o contrato, mas, é pacífico na doutrina que, se um dos cônjuges alega a falta do sexo sem motivo justificado da parte que se recusa, há possibilidade de dissolução do casamento. Outro ponto observável é que inexiste no Código Civil ou em Legislação, uma descrição de como o sexo deve ser feito entre os casais. Sendo assim, a maneira de se fazer é uma liberdade consensual entre as partes.

Na obra, objeto de estudo, o protagonista especifica com exatidão a forma que será praticado o sexo, sendo possibilitado à Anastasia manifestar sua inconformidade em relação aos atos que a desagradem. Ela chega a fazer uma pesquisa sobre a validade jurídica do contrato, concluindo que não haveria base jurídica para sua exigência pela via judicial.

[…] talvez eu deva negociar o que quero. Ler aquele contrato ridículo linha por linha e dizer o que é aceitável e o que não é. Em minha pesquisa, descobri que o contrato é legalmente inexequível. Ele deve saber disso. Imagino que assiná-la simplesmente estabeleça os parâmetros da relação. Ilustra o que posso esperar dele e o que ele espera de mim – a submissão total. […] (JAMES, 2012, p. 270)

De acordo com o enxerto, o contrato entre as partes, neste caso, os protagonistas é um negócio jurídico válido e, portanto, não há nenhuma ilegalidade prevista em seu conteúdo.

Já envolvida sentimentalmente com Christian, Anastasia manifesta seu consentimento quanto à prática dos atos sexuais descritos no apêndice do contrato, após fazer algumas ressalvas e solicitar exclusão de algumas cláusulas (práticas).

No apêndice 3 do contrato há descrição de práticas sexuais como, masturbação, felação, sexo anal, etc. Também, a possibilidade de utilização de acessórios sexuais como vibradores, consolos, plugs anais e outros brinquedos vaginais. Especificamente neste apêndice, as partes negociam o que um poderá fazer no outro e que produtos/objetos serão usados pela submissa. Tais acessórios e até mesmo algumas práticas sexuais não são temas abertos no meio social brasileiro, haja vista que o sexo ainda é um tabu moral. O mesmo apêndice segue descrevendo que a submissa aceita surras, chicotadas, palmadas, surras de vara, grampos de mamilo, gelo, cera quente etc. (JAMES, 2012, p. 233).

Apesar de impactar o leitor mais tímido, tais práticas nada mais são que uma forma de satisfação sexual peculiar ao gosto do indivíduo. Mesmo o assunto não sendo abordado com liberdade, o tema sexo em algumas ocasiões também é resultado de uma postura ética. Para José Renato Nalini (2015, p. 88), algumas pessoas encontram a felicidade no prazer, sendo este resultado do gozo no sexo, ou o prazer extraído de alguma outra atividade praticada pelo indivíduo. A busca pelo prazer é um comportamento hedonista e tal conduta é característica da sociedade contemporânea.

Evidente que o contrato celebrado na ficção, objeto de estudo, não é algo comum, embora sob o aspecto da legislação brasileira, tais disposições poderiam ser válidas, desde que não infringissem normas da esfera penal, como por exemplo a Lei Maria da Penha.

Analogicamente o contrato de submissão apresentado na obra abrange um acordo de vontades entre seus signatários para que haja uma forma de praticar o sexo de maneira preestabelecida, diverso do negócio jurídico previsto no Código Civil, o casamento. Mas, assim como o casamento, o contrato da ficção tem como objeto o sexo que por si só não o torna inválido. O sexo não pode ser objeto de negociação mediante pagamento, entretanto, não há óbice em sua inserção como um acordo de vontades, desde que o consenso impere.

Em determinado momento da obra é possível extrair questionamento a Christian sobre a legalidade do acordo, sendo sua resposta no sentido de que a validade não importa, prevalecendo apenas a vontade de ambos em seguir ou não o acordo descrito no contrato.

Na trama escrita por E. L. James, denota-se que a fantasia permeou sua criatividade, mas os detalhes que rodeiam o negócio jurídico são bem lúcidos e possíveis na realidade jurídica pátria.

A globalização e suas diversas consequências mundo afora, também motivam a libertação sexual, característica evidenciada na obra, afinal uma jovem virgem passa a interagir sexualmente com um homem que não era seu namorado ou esposo. Há poucas décadas, sequer seria possível uma obra de conteúdo sexual alcançar tantos leitores ao ponto de resultar em tamanho sucesso.

Em determinado ponto da trama é possível observar prática sexual entre os protagonistas, sendo este ato chamado de “sexo baunilha”, por Christian. O ato se assemelha ao que, popularmente, se conhece como sexo “papai e mamãe”, onde o homem, durante o sexo, permanece deitado sobre o corpo da mulher. Para os adeptos do sadomasoquismo, o exemplo “papai e mamãe” já causaria certa repulsa, pois o nível de interação – sexo, prazer, parceiro(a) – está aquém do prazer corriqueiro para milhões de pessoas. Desse modo, o tema sexo não é objeto comumente debatido entre a maioria das famílias, gerando o tabu e, como é corriqueiro entre a sociedade, aquilo que não é conhecido causa temor e preconceito. Mesmo assim, constata-se na trama que a maneira de satisfação sexual entre os protagonistas não impediu o surgimento do afeto e mútuo respeito, sendo estas as características importantes para um relacionamento harmonioso e, quem sabe o desejo de contrair matrimônio, posteriormente. Foi o que ocorreu entre eles. É nos atos constitutivos do matrimônio que o Estado intervém, mas não tem o poder de impor às pessoas como se comportar em sua intimidade, incluindo nesta seara a prática sexual. Contudo, pode proibir condutas que de alguma forma venham a prejudicar a sociedade, como por exemplo, o sexo praticado contra a vontade ou que implique em mutilação física. Na obra em comento, o contrato impõe diversos deveres a ambos os contratantes, mas também assevera a liberdade de negação por parte daquele que não mais queira se sujeitar aos atos preestabelecidos.

De fato, a obra despertou curiosidade científica quanto à possibilidade de celebração de negócio jurídico que tenha como objeto o sexo, assim como sua validade perante o ordenamento jurídico brasileiro.

5. SEXO COMO OBJETO DO NEGÓCIO JURÍDICO

Partindo da ideia apresentada pela obra de ficção “50 Tons de Cinza”, cumpre elucidar a possibilidade de um negócio jurídico realmente poder conter sexo como objeto, de tal maneira que esta característica importe em sua invalidade. Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2016, p. 416), no plano de validade, o objeto deve reunir a licitude, ser possível, determinado ou determinável e mais,

A licitude traduz a ideia de estar o objeto dentro do campo de permissibilidade normativa, o que significa dizer não ser proibido pelo direito e pela moral.

Tal característica, vale dizer, por uma identidade de princípios, confunde-se com a própria possibilidade jurídica ou idoneidade do objeto.

Neste caso, o sexo como objeto do negócio jurídico, deve ser apreciado quanto à licitude e idoneidade. Como exemplo de objeto inválido, a hipótese de um acordo de vontades tendo o sexo como objeto, sendo este uma prestação de serviço mediante pagamento em dinheiro, é sempre ventilada pelas doutrinas civilistas como clara situação que contraria a licitude, haja vista que uma possível demanda judicial com intuito de cobrar ante o inadimplemento de uma das partes ocasionaria uma evidente demonstração de ofensa a moral.

Não é só no código civil que há impossibilidade jurídica do objeto sexo ser objeto de contrato de prestação de serviços mediante pagamento em dinheiro porque, no código penal brasileiro também, uma vez que há expressa tipificação da conduta que caracteriza exploração sexual. A Legislação Penal, mais que a Civilista, vem umbilicalmente ligada à moral, sendo sua constituição arraigada nos valores que permeiam a formação da sociedade. Por sua vez, a legislação civil, ao contrário das leis penais, tende a ter em seu conteúdo, uma menor influência da moral, privilegiando na maior parte de seus artigos, a individualidade e a liberdade. Já na Teoria Geral do Direito, o tema aquece os debates entre os estudiosos, pois, por meio de várias pesquisas, aprofundam os estudos no sentido de comprovar a real influência da moral na formação das leis.

5.1 A MORAL E O DIREITO

A vida em sociedade é dinâmica e mutante e, não é diferente com o direito. Este modifica suas normas de acordo com a sociedade. Se as pessoas vivem de acordo com os costumes e condutas pré-estabelecidas, estarão em consonância com as normas jurídicas e, portanto, pautadas na ética e moral. Em tempos remotos, os gregos, chineses e egípcios costumavam tratar religião e moral como uma só coisa, onde evidenciava o entrelaçamento entre o direito, a religião e a moral. Tais características são comprovadas nos antigos códigos daquelas civilizações (GUSMÃO, 2009, p. 69).

Gonçalves (2010, p. 21) explana que “A vida em sociedade exige a observância de outras normas, além das jurídicas. As pessoas devem pautar a sua conduta pela ética, de conteúdo mais abrangente do que o direito, porque ela compreende as normas jurídicas e as normas morais”. Está plenamente claro que a conduta ética será determinante para que as normas jurídicas e morais se mantenham como algo sancionador para quem não cumprir as regras. O mesmo autor assevera que as normas jurídicas e morais influenciam no comportamento humano, mas são distintas quando da aplicação da sanção que eles impõem.

As normas jurídicas e morais têm em comum o fato de constituírem regras de comportamento. No entanto, distinguem-se precipuamente pela sanção (que no direito é imposta pelo Estado para constranger os indivíduos à observância da norma, e na moral somente pela consciência do homem, traduzida pelo remorso, pelo arrependimento, porém sem coerção) e pelo campo de ação, que na moral é mais amplo. (GONÇALVES, 2010, p. 21)

Embora a conduta sexual seja de foro íntimo e, portanto, não interessa ao Estado, quando ele se torna objeto de negócio jurídico, o Estado automaticamente intervirá, pois é uma conduta não legalizada, proibida no Brasil. Então, no caso em discursão, não há sanção no foro da consciência. Haverá sim, uma condenação moral e jurídica. Assim, ambas as normas se complementam como instrumento do controle social, embora seja “certo que o princípio moral envolve a norma jurídica, podendo-se dizer que, geralmente, a ação juridicamente condenável o é também pela moral. Mas a coincidência não é absoluta” (PEREIRA, 2002 apud GONÇALVES, 2010, p. 21).

O resultado do estudo científico da relação entre a moral e o direito possibilitaram o estabelecimento de características que os distingue, como a bilateralidade do direito e a forma unilateral da moral. O direito é imposto, enquanto a moral provém da autonomia do indivíduo. A moral emana de sentimento e consciência interior, o direito, por sua vez, é exterior. A possibilidade de uso da força para impor o cumprimento de determinada conduta é conhecida como coerção, sendo esta uma possibilidade jurídica, enquanto a moral não permite o uso da força. Em última análise é possível constatar que a moral não é apresentada de forma organizada e escrita, enquanto o direito vem disposto em regras organizadas (NADER, 2008, p. 40).

Há também, os que não veem essa relação entre a moral e o direito. Lenio Streck (2019) discorre que,

[…] O que me importa mesmo é reafirmar que Direito não é moral. Que Direito não é política. Direito se abebera, é claro, destes elementos. Mas depois que está posto, pode sofrer interpretações a partir da aplicação a casos. O que o direito não pode é ser corrigido por argumentos políticos ou morais (“clamor das ruas” é argumento moral). Garantias e direitos constitucionais devem ser aplicados inclusive para os inimigos, se quisermos fazer uma afirmação retórica. Mas verdadeira. Alguém pode até dizer que, face ao estado de coisas em que estamos, já não se pode cumprir a Constituição e que essa só atrapalha.

Ainda que a lei civil estabeleça a licitude como requisito essencial de validade e, que esta licitude abranja a idoneidade do objeto, é certo que o arcabouço científico já comprovou que em algumas situações a moral não integra a norma jurídica. Desse modo, normas de conteúdo que contrariam a moral podem ser identificadas no próprio ordenamento civil. É a hipótese onde o credor de determinada quantia busca a via judicial para que o judiciário o substitua e use meios coercitivos para tomar o patrimônio do devedor e, ressalvadas as poucas hipóteses legais, este poderá ser levado a ruína financeira, se assim for a única forma de satisfazer o débito.

É necessário certa sensibilidade na percepção da idoneidade do objeto quando este tem o sexo em seu cerne, afinal, práticas sexuais diferentes dos hábitos da maioria das pessoas, necessariamente não significa uma ofensa a moral e caso seja, nada obsta que as pessoas em sua intimidade o façam amparadas na proteção de sua intimidade, individualidade e liberdade.

Bem esclarece Paulo Dourado de Gusmão (2009, p. 71) quando afirma que a consciência e vontade da pessoa não são passíveis de controle por meio das normas jurídicas.

Paulo Nader (2008, p. 43) elucida a questão entre moral e direito apresentando algumas teorias representadas por círculos. A Teoria do Mínimo Ético é aquela que esclarece que o direito tem o mínimo de conteúdo moral exigível ao bem da coletividade. Neste sentido é a hipótese do contrato de submissão apresentado na obra, afinal, qual o interesse da coletividade em intervir no sexo praticado na intimidade do casal? Logo, é possível asseverar que o sexo pode ser objeto idôneo, desde que não seja uma prestação de serviço paga ou que seja praticada mediante violência, resultado de dolo.

O código civil reservou capítulo específico para falar sobre a invalidade do negócio jurídico, prescrevendo em seu artigo 166, incisos I ao VII, as hipóteses de nulidade. O inciso II, do artigo 166, reservou ao objeto a previsão de nulidade quando este for ilícito, impossível ou indeterminável. A previsão legal é uma complementação a previsão do artigo 104, deixando evidente a insustentabilidade do negócio jurídico quando este não tiver objeto considerado idôneo e lícito. Resta evidenciado que o contrato celebrado pelos protagonistas da obra “50 Tons de Cinza” não ofende a previsão dos artigos citados, pois seu objeto não é ilícito, é possível e determinado.

A Constituição Federal, prescreve a liberdade como sendo regra e sua privação, uma exceção, amparando o código civil e seus artigos que, ao serem interpretados pelo método sistemático, devem regular a conduta de maneira a preservar a liberdade dos indivíduos na celebração dos negócios jurídicos. No artigo 5o, inciso X, a Constituição Federal baliza de maneira expressa a proteção à intimidade e privacidade das pessoas, sendo esse regramento uma clara expressão da possibilidade de uso do sexo como objeto do negócio jurídico, sem, contudo, torná-lo inválido por ser interpretado como ofensa a moralidade. Obviamente o sexo integra a intimidade das pessoas, excetuando a hipótese de seu emprego na expressão cultural, que pode ocorrer em filmes ou teatros de conteúdo explícito. Mas, sua prática só é permitida na privacidade, respeitando os costumes sociais.

Alexandre Sanches Cunha (2012, p. 266), fala que a intimidade citada na constituição federal é a possibilidade de a pessoa preservar suas relações de ordem privada, sendo assim é possível compreender que o sexo é parte da intimidade, portanto, goza da proteção constitucional.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da literatura é possível expandir a imaginação e a realidade dos diversos povos e culturas. Perpassa-se as fronteiras territoriais, obtendo vários temas jurídicos através dos contos de fadas até obras mais complexas. Direito e Literatura possuem uma inter-relação ímpar, proporcionando ao leitor/pesquisador/operador do Direito uma fonte de trabalho inesgotável.

É fato que a literatura é um componente importante para o direito. Contudo, ainda muito timidamente utilizada. Não perceberam que as obras literárias não são meras narrativas, mas em suas tramas, há diversas áreas do conhecimento atreladas ao campo das Ciências Jurídicas. A exemplo disso, a obra “50 Tons de Cinza” tornou-se objeto de estudo para muitos e, aqui, não foi diferente. A influência dessas duas ciências corrobora minimizando o aspecto positivista ainda muito presente no Direito, como também nos profissionais envolvidos. Desse modo, o presente estudo através da obra “50 Tons de Cinza”, proporcionou reflexões e enriquecimento jurídico e pessoal, despertando para um futuro, outros objetos de estudo.

No estudo produzido partiu-se da indagação sobre a possibilidade de um negócio jurídico, tendo como objeto o sexo, ser validado, com a possibilidade jurídica de inserção de cláusulas sobre a regulação de comportamento na relação sexual entre pessoas, assim como de sua validade legal perante o ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, a de verificar a inclusão dessas cláusulas em contratos de namoro ou pactos antenupciais que disciplinam o comportamento sexual dos celebrantes.

Notadamente, após análise dos conteúdos constitucional, penal e civil, assim como, na Teoria Geral do Direito, perfazendo os caminhos relacionados a moral e ética, asseverou-se que o contrato da ficção celebrado entre Christian Grey e Anastasia Steele, contém objeto que pode ser considerado lícito. Tal percepção foi descoberta após a compreensão de que a legislação brasileira impõe limites de ordem pública ao objeto do negócio jurídico, quando este não está em consonância com a norma constitucional e suas derivações.

A proteção à intimidade das pessoas, bem como a liberdade, ocasiona a viabilidade da hipótese de que seja celebrado contrato entre pessoas que dispõem de cláusula que tenha o sexo como objeto. Porém, ressalva-se que, aquele não é considerado lícito quando extrapola a intimidade dos seus praticantes, quando também não é observado o consenso na sua realização. Na ficção literária, o sexo é consensual e íntimo, logo, sua inserção como objeto do negócio jurídico o torna lícito perante o direito brasileiro.

Mesmo não sendo hábito na maioria dos brasileiros celebrar pactos antenupciais ou contratos de namoro, resta comprovado, do ponto de vista jurídico, que há possibilidade jurídica de sua celebração, sem que o objeto sexo o torne inválido. Já há, no país, pessoas adeptas às práticas sadomasoquistas e, quem sabe, contratos já sejam firmados inspirados no filme. Tem-se aí, um novo objeto de estudo. Toda essa modificação de comportamento, deve-se ao avanço na comunicação decorrente da globalização possibilitando a expansão, ou modificação dos costumes sociais, fator que motiva a adequação das normas jurídicas ao novo comportamento das pessoas.

Em qualquer grande cidade, em suas áreas centrais, não é difícil se deparar com uma fachada de loja de material erótico. Em tal local é possível adquirir diversos acessórios que servem ao alcance do prazer por meio da realização de fetiches sexuais. A busca pelo prazer é característica da sociedade hedonista. O sexo é uma forma natural de relação entre pessoas e sua regulação, por meio de um acordo escrito, não torna o negócio jurídico inválido.

É presumível que as pessoas optem, por uma maneira jurídica, ampliar a proteção em suas relações, incluindo o sexo nas diversas modalidades de negócios existentes ou até mesmo, criando contratos atípicos, desde que respeitem os preceitos e princípios legais.

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APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Fragmento da entrevista concedida ao Ricardo Machado para a Revista do Instituto Humanitas Unisinos.

[1] Mestre em Direito. Especialista em Docência do Ensino Superior e MBA em Direito de Relações do Trabalho. Graduado em Direito. ORCID: 0000-0003-1366-5952.

Enviado: Setembro, 2021.

Aprovado: Julho, 2022.

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Igor Clem Souza Soares

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