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Consequências Jurídicas e o Dever de Indenizar Frente a Falsa Comunicação de Crimes Contra a Dignidade Sexual

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CONTEÚDO

GUIMARÃES, Rafaelle Jhonathas de Sousa [1]

GUIMARÃES, Rafaelle Jhonathas de Sousa. Consequências Jurídicas e o Dever de Indenizar Frente a Falsa Comunicação de Crimes Contra a Dignidade Sexual. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 03. Ano 02, Vol. 01. pp 407-414, Junho de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO

Breve análise sobre os desdobramentos das falsas notificações de crimes contra a dignidade sexual às autoridades de persecução criminal, bem como seus desdobramentos na esfera cível.

Palavras-chave: Crimes Sexuais, Falsos Estupros, Síndrome da Mulher de Potifar, Denunciação Caluniosa.

1. INTRODUÇÃO

Do rol de crimes hediondos, os que atentam contra a dignidade sexual é um dos mais odiosos e que devastam a personalidade da vítima, aniquilando uma das garantias fundamentais do ser humano que é sua integridade e autodeterminação sobre seu corpo. Repercute não só fisicamente, mas em sua saúde como um todo, dizimando sua higidez mental e biológica, pois como consequência da violência não é raro acarretar distúrbio psicológico, doenças sexualmente transmissíveis de toda a sorte ou até mesmo em gravidez.

O ofensor se vale de meios violentos para encontrar sua satisfação sexual, exteriorizando muitas vezes ainda, sentimentos de sadismo, vingança e subjugação sobre suas vítimas. Lamentavelmente é compreensível que por medo e vergonha, ainda são tímidas as notificações de tal delito, diante à exposição e aviltamento aos quais são submetidas, colaborando assim, para as cifras negras de criminalidade.

Há também a problemática falta de padronização nas investigações e no atendimento às vítimas, pois nem todas as policias civis estaduais possuem delegacias especializadas de atendimento à mulher. O mais próximo que se tem a um patamar de qualidade, é o programa Bem-Me-Quer desenvolvido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que visa o atendimento às vítimas de crimes sexuais, dando apoio no atendimento policial, pericial, assistencial e profilático.

Ainda em sede pericial, o exame de corpo de delito afere a materialidade do crime discutido através de exames específicos e traumatológico. Mas nem sempre são deixados rastros pelo seu algoz ou os mesmos são perdidos por vários motivos. Por vezes a vítima demora a notificar a ocorrência por medo ou estado psicológico abalado, colaborando para que as evidências desapareçam.

Noutros casos, a vítima é encaminhada para a realização dos exames periciais, mas sequer chega a procurar o Instituto Médico Legal para sua efetivação, pois se submeter aos procedimentos é reacender os momentos de dor e sofrimento a que foi submetida. Ademais, algumas condutas por si só não deixam vestígios, como o toque lascivo, beijos etc. Capez complementa o raciocínio e explana:

“Na hipótese de tentativa, em que não chega a haver conjunção carnal, por exemplo, dificilmente restam elementos a serem periciados junto à ofendida, e, mesmo havendo consumação, os resquícios podem ter desaparecido com o tempo, ou podem nem sequer ter ocorrido como na hipótese de mansa submissão após o emprego de grave ameaça, ou ainda quando não há ejaculação do agente, verbi gratia. Podendo ainda estarem ausentes as marcas de resistência, tendo em vista por exemplo quando a pessoa atacada entra em choque. “ (CAPEZ, 2012, p. 39).

Assim como em outros crimes sexuais, o seu cometimento se dá de forma acobertada, e raramente é presenciado por testemunha ocular. Portanto, a palavra da vítima é admitida como valor probante e possui grande relevância para as investigações e o devido processo. Réu e vítima como sujeitos processuais terão oportunizado o direito de demonstrar sua verdade dos fatos de acordo com o que melhor lhe convier, colaborando suas declarações adstritas às demais prova juntadas aos autos na prolação da sentença mais justa possível.

Diante do sistema adotado pelo ordenamento processual penal, a livre persuasão racional, as provas não admitem valor tarifado, pois todas estão em patamar de equivalência ou hierarquia. No entanto, em se tratando de crime sexuais, há uma notória relativização e as declarações do ofendido possuem grande valor comprovante para a instrução penal, suprimida inclusive a nulidade por falta do Exame de Corpo de Delito, conforme entendimento dos tribunais superiores.

Não raro pode se constatar que em determinados casos, algumas das comunicações destes crimes são falaciosas ou fictícias. Falsas vítimas se utilizam desse embuste comas mais variadas motivações, seja para se vingar do ex-parceiro que a rejeitou, justificar uma gravidez indesejada e fruto de relação extraconjugal, retaliação por contendas familiares ou outros motivos egocêntricos. Não há números precisos quanto a proporção dos falsos estupros, mas essa é uma realidade latente e que pode ser observada na rotina das atividades de justiça criminal.

2. A PROBLEMÁTICA DOS FALSOS CRIMES SEXUAIS E SEUS EFEITOS PENAIS

O caso mais célebre e antigo de falsa violência sexual remonta às escrituras bíblicas, no qual José destacado homem de confiança do líder Egípcio, vem a rejeitar as investidas amorosas de Potifar, esposa de seu superior. Diante das negativas, Potifar resolve se vingar e o acusa falsamente de agressão sexual. Atualmente a criminologia moderna conceitua essa conduta como “Síndrome da Mulher De Potifar”, nada mais sendo a mulher que atribui falsamente ao homem, falso crime sexual diante de uma rejeição.

Em determinadas parcelas da sociedade, alguns indivíduos são idolatrados por suas atividades criminosas como o roubo, tráfico ou por integrar facção criminosa. O mesmo não ocorre com o criminoso sexual dada a reprovabilidade desse crime. São registrados casos em que os possíveis autores são hostilizados dentro e fora do sistema penitenciário, sofrendo linchamentos públicos, mutilações e exposição a tratamento degradante como forma de punição e também para desestimular o cometimento desses crimes. Há ainda os efeitos das exposições midiáticas que julgam, expõem e condenam suspeitos, colaborando ainda mais por aguçar a sede de vingança da população. Assim como no caso de José que foi falsamente acusado por Potifar, muitos outros “Josés” padecem das consequências egoísticas de denúncias caluniosas de crimes sexuais. Rogério Greco não poderia explanar de forma mais acertada:

“[..] em muitas situações, a suposta vítima é quem deveria estar ocupando o banco dos réus, e não o agente acusado de estupro. Mediante a chamada síndrome da mulher de Potifar, o julgador deverá ter a sensibilidade necessária para apurar se os fatos relatados pela vítima são verdadeiros, ou seja, comprovar a verossimilhança de sua palavra, haja vista que contradiz com a negativa do agente. ”  (GRECO, 2010, p. 473)

Na década de 90 ganhou os noticiários o caso “Escola de Base” no qual dirigentes da casa de ensino drogavam e abusavam sexualmente de alunos em suas dependências. A precipitação da polícia e o clamor popular massacraram e condenaram precocemente os acusados, sendo que a instituição foi destruída e teve suas atividades encerradas. Mas logo submergiu a verdade dos fatos e os indícios não foram sequer confirmados, ensejando na absolvição de todos os envolvidos.

Nessas hipóteses a conduta da suposta vítima, encontra adequação ao tipo penal de Denunciação Caluniosa que é fazer a comunicação falsa do cometimento de fato definido como crime, à autoridade competente para instauração de investigação policial, processo judicial, de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.

Procede com o dolo, ou seja, a vontade pura e consciente de mover o aparato estatal por meio da atividade policial ou judicial. O dissimulado faz chegar ao conhecimento da autoridade competente o ocorrido, sabendo do seu caráter calunioso. Impecavelmente, Nucci arremata as considerações acima:

“Trata-se de crime complexo em sentido amplo, constituído, em regra, da calúnia e da conduta lícita de levar ao conhecimento da autoridade pública – delegado, juiz ou promotor – a prática de um crime e sua autoria. Portanto, se o agente imputa falsamente a alguém a prática de fato definido como crime, comete o delito de calúnia. Se transmite à autoridade o conhecimento de um fato criminoso e do seu autor, pratica conduta permitida expressamente pelo Código de Processo Penal (art. 5.º, § 3.º). Entretanto, a junção das duas situações (calúnia + comunicação à autoridade) faz nascer o delito de denunciação caluniosa, de ação pública incondicionada, porque está em jogo o interesse do Estado na administração da justiça. Trata-se de crime comum, razão pela qual o sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa. ” (NUCCI 2012, p. 1230)

A pena para o delito em questão é de reclusão, de dois a oito anos, e multa. Ocorre que o titular da ação penal, Ministério Público, muita das vezes não chega a oferecer denúncia após a descoberta da conspiração, renegando a discussão dos fatos apenas sobre contexto de ação penal privada ou reparação civil. A reflexão que se faz é qual o preço ou pena merece o caluniador frente a quem já foi linchado, morto ou travestido por ser falsamente acusado de cometer um crime tão grave? Injusta as consequências jurídicas ao caluniador frente ao rigor dos crimes contra a dignidade sexual?

3. REPERCUSSÃO EM OUTROS RAMOS DO DIREITO

Como já mencionado, na antiguidade a falsa acusação de crime de agressão sexual acarretou na acusação de José, diante de um crime que não cometeu, dado histórico que ensejou a criação de expressão denominada “Síndrome da Mulher de Potifar”, vastamente utilizada nos dias atuais, diante das falsas comunicações de crimes contra a dignidade sexual, a pessoas de sabida inocência.

De modo a minimizar os danos que supostos autores de crime contra a dignidade sexual foram obrigados a suportar, diante da acusação egoística a qual foram submetidos, os juízes monocráticos da esfera cível atualmente, tem proferido decisões de total procedência ao pleito de reparação civil, fundamentadas nos dissabores e situações vexatórias aos quais os acusados por estes delitos que não ocorreram efetivamente são expostos, diante da ausência de previsão legal que comine pena especificadamente para falsa imputação de crime contra a dignidade sexual.

Tais decisões monocráticas também já estão sendo mantidas, bem como vêm firmando entendimentos entre os tribunais, como se pode observar no julgamento da apelação nº 0025883-52/2013.8.26.0564 de São Bernardo do Campo/SP, em que o Tribunal de Justiça manteve a condenação ao pagamento de indenização a título de danos morais ao acusado falsamente por crime de estupro por sua ex-namorada à época menor de idade, para que pudesse justificar aos genitores a gestação indesejada que desenvolveu.

“Ação de indenização por danos morais. Vítima de falsa acusação de estupro por menor de idade. Elementos dos autos que demonstram que a ré tinha plena ciência da ausência de crime praticado pelo autor. Ato ilícito configurado. Dano moral que decorre da inegável angústia e abalos psíquicos que suporta a pessoa vítima de inquérito. Valor da indenização adequadamente fixado em R$10.000,00. Sentença mantida. Recurso da ré desprovido”. (TJ-SP APL- 00258835220138260564 SP 00258835220138260564. Relator Ana Lucia Romanhole Martucci. Data do julgamento 26/03/2015, 6º Câmara Cível de Direito Privado. Data de publicação 29/03/2015).

Salienta-se que apesar de não haver um tipo penal específico para a conduta de imputar falsamente o cometimento de estupro a alguém considerado inocente, o Código Penal Brasileiro prevê como já mencionado, em seu artigo 339 definido como Denunciação Caluniosa, entretanto, tal conduta ilícita por diversas vezes não é imputada aquele que acusa falsamente alguém do cometimento de crimes contra dignidade sexual, dado as dificuldades na produção das provas e na ausência de padronização no tratamento das vítimas destes tipos de crimes, tendo os processos criminais se desenvolvido de forma a absolver o suposto autor do estupro ou até mesmo ser arquivado em sede de inquérito policial por decisão do juiz, cabendo a ele buscar a reparação ao tratamento hostil que recebeu por ser acusado de um fato de tamanha gravidade no âmbito civil, o que nitidamente não repara os constrangimentos a que o suposto autor do crime, agora vítima, foi submetido.

4. INOVAÇÃO LEGISLATIVA

O princípio da igualdade é fundamentado basilar que todos os indivíduos nascem iguais e desta forma devem possuir as mesmas oportunidades de tratamento. Buscando corrigir essa flagrante distorção e endurecer as penas para a falsa acusação de violência sexual a outrem, tramita junto ao Senado Federal a Sugestão Legislativa 7/2017 que em suma, vira o feitiço contra o feiticeiro, criando o tipo penal de denunciação caluniosa qualificada, quando se tratar de crime que envolva violência sexual, de caráter hediondo, inafiançável e com pena máxima no patamar de 10 anos, bem próximo ao aplicado ao crime de estupro, por exemplo.

CONCLUSÃO

Indubitável que os crimes que ofendem a dignidade dos indivíduos são asquerosos e devem ser duramente combatidos. O estado deve cada vez mais atuar em políticas públicas de acolhimento e assistência às suas vítimas, pois suas consequências são devastadoras, repercutindo nas esferas biológica, psicológica e social. Casos de suicídio, síndromes do pânico e desestruturação familiar são desdobramentos por elas suportados.

Com as devidas vênias às vítimas, o que se busca nesse artigo não é inverter o ônus da culpa ou desqualifica-las, longe disso. No entanto, não se pode fechar os olhos para os vários casos de falsas vítimas, estas sim, devem sofrer as consequências penais do seu egoísmo e maldade ao atribuir de forma desleal um crime tão grave a alguém que sabe que nada fez para agredir sua integridade sexual. O que se busca é alertar através deste sobre tal fenômeno e a dimensão que a acusação de um falso crime de estupro, por exemplo, pode acarretar a alguém sabidamente inocente, podendo este ser punido injustamente de diversas formas, dentre elas com sua própria vida, quando punido pela população e clamor público.

Cabe ainda às autoridades buscarem métodos de padronização na investigação dos crimes sexuais e maior cautela ao avaliar a palavra da vítima como sendo uma espécie de rainha de todas as provas, pois muitas delas se valem desse entendimento para acusar falsamente seus parceiros e devem responder à altura por seus atos egoístas e perversos.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial dos crimes contra a dignidade sexual e dos crimes contra a administração Pública 10ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Niterói: Impetus, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 0025883-52/2013.8.26.0564. 6º câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo 26 de março de 2015. Disponível em:  https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/178178061/apelacao-apl-258835220138260564-sp-0025883-5220138260564?ref=juris-tabs. Acesso em 01 de maio de 2017 às 17h04 min.

[1] Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, aprovado no XIX Exame de Ordem Unificado e Policial Civil do Estado de São Paulo. Atualmente desenvolve suas atividades junto à sede da Superintendência de Polícia Técnico-Científica, em atendimento a locais de crimes contra a pessoa ou que envolvam morte suspeita. Realizou diversos cursos de especialização pela Academia de Polícia Civil de São Paulo- ACADEPOL, Ministério da Justiça-SENASP e instituições coirmãs. Postulante ao cargo de Delegado de Polícia.

4.9/5 - (9 votes)
Rafaelle Jhonathas de Sousa Guimarães

2 respostas

  1. Bom texto, mas, me permita observar que Potifar NÃO era a mulher, mas o marido. A mulehr de Potifar foi quem acusou falsamente a José.

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