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Negócios jurídicos processuais e seus reflexos na atuação judicial

RC: 110635
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/atuacao-judicial

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SCHMIDT, Gabriel Manuel Gonçalves [1], HARTMANN, Guilherme Kronemberg [2]

SCHMIDT, Gabriel Manuel Gonçalves. HARTMANN, Guilherme Kronemberg. Negócios jurídicos processuais e seus reflexos na atuação judicial. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 04, Vol. 05, pp. 05-69. Abril de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/atuacao-judicial, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/atuacao-judicial

RESUMO

Com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, o instituto dos negócios jurídicos processuais passou a ter mais destaque, especialmente pela cláusula geral trazida no caput do artigo 190, que possibilitou a celebração de convenções processuais atípicas. Diante disto, o presente trabalho aponta que deve haver um equilíbrio entre a autonomia da vontade privada e o eminente caráter publicista do processo civil para que, então, os negócios jurídicos processuais sejam utilizados da melhor forma possível. Neste contexto, tem-se como questão norteadora: Quais seriam os limites e os principais reflexos dos negócios jurídicos processuais na atuação jurisdicional? E como objetivo analisar os principais aspectos e reflexos na relação entre os negócios jurídicos processuais e a atuação jurisdicional. Para responder a este questionamento, adotou-se como metodologia a pesquisa explicativa, desenvolvida através do método bibliográfico e comparativo, sendo realizado um levantamento das fontes, análise e interpretação das informações encontradas. Analisou-se de forma crítica algumas consequências oriundas dessa nova fase do instituto e suas implicações na atuação judicial com base, principalmente, no exame de certos limites do controle judicial dos acordos processuais, bem como no exame de negócios jurídicos processuais destacados, sendo possível concluir que deve prevalecer uma relação equilibrada e harmônica entre a vontade privada e o eminente caráter publicista do processo civil, pautada, especialmente, no princípio do respeito ao autorregramento da vontade e no princípio da cooperação. Portanto, certos requisitos gerais devem ser preenchidos para que uma convenção processual atípica exista, seja válida e eficaz. Devem, também, serem respeitados determinados limites em sua celebração com o intuito de preservar direitos e interesses maiores. Por fim, constatou-se que não importa se o magistrado é ou não parte de um negócio jurídico processual, visto que ele poderá interferir quando necessário, de forma que haja uma harmônica convivência entre o publicismo processual e a autonomia das partes, sendo respeitadas todas as prerrogativas do magistrado.

Palavras-chave: Negócio Jurídico Processual, Controle Judicial, Atuação Judicial.

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa científica discute primordialmente sobre a possibilidade do exercício do controle judicial aos negócios jurídicos processuais. Tendo como questão norteadora: Quais seriam os limites e os principais reflexos dos negócios jurídicos processuais na atuação jurisdicional? E, como objetivo, analisar os principais aspectos e reflexos na relação entre os negócios jurídicos processuais e a atuação jurisdicional.

Para tanto, abordam-se as posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito dessas questões de modo a conseguir discutir o instituto dos negócios jurídicos processuais à luz do Código de Processo Civil de 2015, especialmente no que tange à sua cláusula geral trazida pelo caput do artigo 190 do referido diploma legal (BRASIL, 2015). Ressalta-se, ainda, a grande utilização de enunciados de orientação de várias instituições como base do trabalho, uma vez que se trata de um tema razoavelmente recente.

Dessa forma, a partir da criação desta cláusula geral passou-se então a ser permitida, além dos negócios jurídicos processuais típicos, que são aqueles pontualmente previstos na legislação, a celebração de convenções atípicas entre as partes cujo objeto pode envolver tanto o procedimento em si, quanto às situações processuais das mais variadas hipóteses.

O instituto ganhou uma nova perspectiva e peso no ordenamento jurídico processual brasileiro. Assim, surgem, portanto, inúmeras questões a serem debatidas e resolvidas a partir do momento em que é dado às partes maior liberdade na elaboração de acordos processuais sem, no entanto, retirar as prerrogativas do magistrado.

Para melhor compreensão do tema, o primeiro capítulo se inicia discutindo até que ponto se pode dizer que a cláusula geral dos negócios jurídicos processuais é eminentemente privada, tendo em vista o fato de que o atual Código de Processo Civil mantém um forte caráter público.

Nesse sentido, perpassa-se pelo suposto embate entre a autonomia da vontade privada e o publicismo processual, analisando também a importância do princípio do respeito ao autorregramento da vontade e do princípio da cooperação, visto que deve haver uma cooperação entre as partes, assim como entre elas e o juízo para que se alcance o melhor desfecho.

No segundo capítulo, passa-se ao estudo dos requisitos gerais para a celebração de um negócio jurídico processual, como também de seus principais limites em relação ao seu objeto, não havendo, no entanto, a intenção e nem sendo possível exaurir completamente todos os limites existentes.

Em seguida, no terceiro capítulo, questiona-se acerca da possibilidade de ser realizado um controle judicial na celebração de um negócio jurídico processual e em quais termos este controle se daria.

Propõe-se, além disso, entender como se dá a relação do magistrado com as convenções processuais por meio da análise de questões como, por exemplo, se o juiz é ou não parte da convenção e se o mesmo está a ela vinculado ou não. Examina-se ainda a situação das partes vulneráveis e a relação existente entre o controle judicial e o instituto da arbitragem.

No quarto e último capítulo, adentra-se na principal questão do trabalho, visando abordar algumas situações de relevo de certos negócios jurídicos processuais, sobretudo os atípicos, e destacar os possíveis reflexos na atuação judicial do magistrado. Investiga-se, portanto, a relação entre o juiz e as convenções processuais apresentadas com destaque e expressam-se algumas soluções para questões pontualmente evidenciadas.

A pesquisa foi desenvolvida com o intuito de apurar as causas dos fenômenos investigados. Além disso, foi desenvolvida pelo método bibliográfico e comparativo, visto que foi feito um levantamento das fontes, análise e interpretação das informações encontradas, se utilizando, portanto, de certa comparação entre o diploma processual civil de 1973 com o atual.

Para tanto, a abordagem do objeto desta pesquisa jurídica é necessariamente qualitativa, porquanto o pesquisador pretendeu se valer da bibliografia pertinente à temática em foco, analisada e fichada na fase exploratória da pesquisa, para sustentar a sua tese.

2. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

O presente capítulo tem por objetivo apresentar, discutir e analisar um instituto que ganhou uma nova perspectiva e importância a partir da promulgação do CPC/15 (BRASIL, 2015), qual seja, o negócio jurídico processual.

Isso se deve principalmente pelo fato de que uma das maiores inovações trazida pelo CPC/15 (BRASIL, 2015) ter sido a possibilidade de celebrar negócios jurídicos processuais atípicos por meio de uma cláusula geral de negociação processual, a qual será objeto de estudo no capítulo que se apresenta.

Com essa novidade o instituto dos negócios jurídicos processuais ganhou força e importância no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, atualmente, além dos negócios jurídicos processuais típicos (aqueles pontualmente previstos na legislação), é possível a celebração de negócios processuais exclusivamente oriundos da vontade das partes.

Assim, um interessante aspecto se refere ao convívio harmônico entre a cláusula geral dos negócios jurídicos processuais eminentemente privados e o forte caráter público do Direito Processual Civil. Nesse sentido, importa passar pela discussão acerca do embate do publicismo processual com a autonomia da vontade privada, muito presente na celebração de negócios jurídicos processuais atípicos, principalmente.

Em razão dessa relevante autonomia da vontade, torna-se fundamental mencionar o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no Direito Processual Civil, o qual está intrinsecamente relacionado com os negócios jurídicos processuais.

Ademais, as partes que buscam a celebração de negócios jurídicos processuais devem obedecer ao princípio da cooperação, ou seja, devem cooperar entre si e com o juízo para que a melhor solução seja obtida, fazendo valer, assim, o modelo cooperativo de processo trazido pelo CPC/15 (BRASIL, 2015).

Diante de todo o cenário exposto, apresentam-se diversas questões a serem estudadas e nesse capítulo inicial algumas delas serão debatidas com mais cuidado conforme se verificará a seguir.

2.1  PUBLICISMO PROCESSUAL X AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES

A grande questão que se apresenta inicialmente no estudo dos negócios jurídicos processuais, sob a ótica do CPC/ 15 (BRASIL, 2015), é se estes seriam compatíveis ou não com o publicismo processual evidenciado no ordenamento jurídico brasileiro. Este suposto embate se dá em razão da autonomia da vontade das partes existente nos negócios jurídicos processuais, especialmente nos atípicos.

É bem verdade que não mais vige a ideia de um publicismo processual absoluto que tinha o juiz como peça central e onipotente do processo, enquanto as partes não possuíam quase que autonomia nenhuma. Contudo, atualmente, além de as partes serem espectadores, elas possuem um importante papel na formação e no desenvolvimento da relação processual.

A maior participação das partes no processo, segundo Cabral (2018, p. 156), se fundamenta em dois princípios, quais sejam: o princípio dispositivo e o princípio do debate.

O princípio dispositivo possui base constitucional e, em resumo, se refere à possibilidade de a parte iniciar o processo retirando a jurisdição da inércia, limitar o objeto que será apreciado pelo magistrado e dispor integralmente da questão litigiosa. Em relação ao princípio do debate, esse se refere ao desenvolvimento do processo e valoriza o papel das partes no sentido de permitir que elas aleguem fatos e produzam provas durante o decorrer da relação processual, por exemplo.

Nesse contexto, conforme bem leciona Schlosser (apud CABRAL, 2018, p. 156), se “extrai da autonomia das partes no processo a máxima in dubio pro libertate, uma pressuposição em favor da liberdade de conformação do procedimento à vontade das partes”. Onde o ordenamento jurídico brasileiro permite que haja liberdade convencional entre os sujeitos do processo.

Nesse sentido, faz-se imperiosa a discussão em tela, em razão do disposto na cláusula geral de negócios jurídicos processuais que endossa essa possível liberdade convencional.

Esse dispositivo inovou no sentido de permitir os chamados negócios jurídicos processuais atípicos, de modo que privilegiou a autonomia da vontade das partes quando da celebração dessas convenções processuais, gerando dúvidas acerca de sua compatibilidade com o publicismo do Direito Processual Civil. No entanto, essa previsão vai ao encontro do maior papel exercido pelas partes da relação processual, não havendo o que se falar em desrespeito ao publicismo.

Existem ainda argumentos no sentido de que não seriam compatíveis os negócios jurídicos processuais com a natureza pública da relação jurídica processual, pois o Estado, representado pelo magistrado, perderia poderes e ingerência sobre os processos judiciais. Entretanto, o processo civil deve ser pautado pelo equilíbrio existente entre a atividade das partes e os poderes jurisdicionais, funcionando os supramencionados princípios como limites impostos à atividade do magistrado (CABRAL, 2018, p. 161-162).

O fato de se desenvolver um processo mais equilibrado e colaborativo entre as partes e o magistrado não implica um juiz enfraquecido e coadjuvante. Pelo contrário, havendo essa união de esforços, será mais fácil alcançar a solução mais adequada para o litígio em questão.

Resta bem claro que não há espaço para pensamentos no sentido de desconsiderar por inteira a participação efetiva e a vontade privada das partes. Em que pese o processo civil pertencer ao ramo do direito público, não significa que nele não existam interesses privados, sendo estes verificados especialmente em litígios que envolvam direitos disponíveis dos particulares (CABRAL, 2018, p. 169-170).

Conforme bem exposto por Godinho (2015 apud CABRAL, 2018, p. 171), não deve haver “nem uma exclusão das partes que pareça um autoritarismo estatal, nem uma exclusividade da vontade que se confunda com indiferença estatal”. Portanto, o que se deve buscar é o equilíbrio entre os dois preceitos, quais sejam: o publicismo do Código de Processo Civil e a autonomia da vontade das partes.

Nesta feita, não pode ser constitucionalmente coerente um processo absolutamente privatístico ao ponto de ser “coisa das partes”, e nem tampouco se pode aceitar um publicismo tão exacerbado que traga a aparência de ser um processo sem partes, ou seja, “coisa sem partes” (GODINHO, 2015 apud CABRAL, 2018).

Ainda no sentido de se buscar um equilíbrio entre o publicismo processual e a autonomia da vontade das partes, Almeida (2015, p. 89) pontua que:

é equivocada a postura radical de que pouco importam as pretensões envolvidas na relação jurídica processual, desde que se atue a vontade da lei. É da mesma forma exagerada a concepção segundo a qual o processo é coisa exclusiva das partes, ignorando-se o ordenamento jurídico quando elas se rearmonizam. Compete ao Estado-juiz concretizar tanto interesses públicos como atender àqueles privados inerentes ao conflito.

Assim, a atividade jurisdicional deve se desenvolver respeitando as garantias das partes envolvidas, além de viabilizar a consecução dos interesses públicos em questão (ALMEIDA, 2015, p. 93).

Além disso, conforme bem expõe Redondo (2017, p. 396), o CPC/15 não caminhou para a “contratualização” ou “privatização” do processo, uma vez que:

as partes não se substituem ao legislador quando convencionam sobre suas próprias situações processuais. O Direito Processual Civil brasileiro passou, apenas, a reconhecer que as partes são as efetivas titulares de determinadas situações processuais e, por essa razão, devem desfrutar de maiores poderes de regulamentação (disposição lato sensu) sobre as mesmas.

Portanto, não há nem mesmo que se falar em embate entre o publicismo processual e a autonomia da vontade das partes, uma vez que ambos convivem em perfeita harmonia. É necessário que se observe o equilíbrio entre eles para que não haja prejuízo e para que seja possível o desenvolvimento da relação jurídica processual, no sentido de se obter o melhor provimento jurisdicional.

2.2  OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 E A CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL

Vencida essa questão preliminar, entende-se que o negócio jurídico processual pode ser definido como o fato jurídico voluntário, no qual o sujeito envolvido possui a capacidade de estabelecer e regular determinadas situações jurídicas processuais e até mesmo o próprio procedimento, sempre respeitando os limites oriundos do ordenamento jurídico (DIDIER JR., 2016).

Os negócios jurídicos processuais podem ser classificados, como: (i) unilaterais, os quais nascem pela manifestação de apenas uma vontade; (ii) bilaterais, os quais são divididos em contratos, quando as vontades dos sujeitos dizem respeito a interesses divergentes, e acordos ou convenções, quando as vontades dos sujeitos se unem para um objetivo comum; e (iii) plurilaterais, os quais são formados pela vontade de mais de dois sujeitos, que é o que ocorre com os negócios processuais celebrados com a participação do magistrado, por exemplo (DIDIER JR., 2016).

Ainda no sentido de conceituar o instituto em questão, Cabral (2018, p. 52) entende que:

é o ato que produz ou pode produzir efeitos no processo escolhidos em função da vontade do sujeito que o pratica. São, em geral, declarações de vontade unilaterais ou plurilaterais admitidas pelo ordenamento jurídico como capazes de constituir, modificar e extinguir situações processuais, ou alterar o procedimento.

Outra importante divisão que se faz necessário destacar é a separação entre os negócios jurídicos processuais típicos e atípicos.

Os negócios jurídicos típicos são aqueles previstos expressamente em lei, estando sua regulação já estabelecida. Podem ser comissivos ou omissivos (é o caso da prorrogação e competência territorial por inércia do réu prevista no artigo 65 do CPC/15 (BRASIL, 2015a)) e unilaterais, bilaterais ou plurilaterais, conforme menciona Cunha (2017, p. 54-56), o qual segue afirmando que:

os negócios jurídicos típicos produzem efeitos imediatos. O único que não produz efeito imediato é a desistência da ação; esta só produz efeitos depois de homologada pelo juiz (CPC-1973, art. 158, parágrafo único). A exigência de homologação não subtrai da desistência da ação sua natureza negocial. Trata-se apenas de uma condição legal para a produção de efeitos. O negócio já existe com a manifestação da vontade e, se já apresentada a contestação, com a concordância do réu; apenas seus efeitos só se produzem com a homologação.

Em relação ao tratamento dado pelo CPC/15 (BRASIL, 2015) aos negócios jurídicos processuais típicos, esse diploma legal manteve diversos dos negócios jurídicos típicos já previstos pelo CPC/73 e, ainda, ampliou o rol com a previsão de novas possibilidades.

São exemplos de negócios jurídicos típicos mantidos pelo CPC/15 (BRASIL, 2015), a possibilidade de as partes elegerem o foro competente (artigo 63), convencionarem sobre a suspensão do processo (artigo 313, II), negociarem o adiamento da audiência (artigo 362, I), acordarem sobre a distribuição diversa do ônus da prova (artigo 373, §§3º e 4º) e convencionarem que a liquidação da sentença seja por arbitramento (artigo 509, I) (BRASIL, 2015).

No que tange à ampliação dos negócios jurídicos processuais previstos expressamente, as principais novidades introduzidas pelo CPC/15 (BRASIL, 2015) são as hipóteses de redução de prazos peremptórios (artigo 222, §1º), instituição de um calendário processual (artigo 191), escolha consensual do perito (artigo 471), audiência de saneamento e organização em cooperação com as partes (artigo 357, §3º), acordo de saneamento ou saneamento consensual (artigo 364, §2º) e desistência de documento cuja falsidade foi arguida (artigo 432, parágrafo único) (CUNHA, 2017, p. 63-68).

Por outro lado, os negócios jurídicos processuais atípicos ocorrem quando são pactuados pelas partes negócios que não se encaixam nos tipos legalmente previstos, estruturando-os conforme as suas conveniências e necessidades, não havendo detalhamento na legislação acerca do negócio engendrado pela(s) parte(s) (CUNHA, 2017, p. 56).

Portanto, são negócios processuais criados e elaborados pelas próprias partes do processo, dando margem a inúmeras possibilidades.

O tratamento dado pelo CPC/15 foi no sentido de generalizar o já existente instituto dos negócios jurídicos (NEVES, 2017, p. 389). Nesse sentido, o referido diploma legal trouxe uma verdadeira cláusula geral de negócios jurídicos processuais em seu artigo 190, sendo essa uma das maiores novidades introduzidas pelo CPC/15 (BRASIL, 2015a).

Conforme explica Neves (2017, p. 389):

o art. 190, caput, do Novo CPC, prevê em seu caput a possibilidade de as partes, desde que plenamente capazes e em causa que verse sobre direitos que admitam a autocomposição, estipularem mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.

(…);

Diferente do diploma legal revogado, o Novo Código de Processo Civil passou a prever de forma expressa uma verdadeira cláusula geral de negócio jurídico processual, de forma a permitir, além das hipóteses específicas de negócio processual típico, que continuam entre nós, a celebração de acordo entre as partes de forma geral, envolvendo tanto o procedimento como as suas situações processuais.

Um exemplo de aplicação desse dispositivo trazido por Câmara (2016, p. 126) diz respeito à “um negócio processual através do qual as partes convencionassem que só se admitirá o depoimento de testemunhas que jamais tenham sido empregadas de qualquer das empresas celebrantes do negócio”. Nesse caso, as partes estariam livremente convencidas sobre a produção de prova testemunhal em determinado processo.

Ademais, é importante mencionar também a existência dos Enunciados nº 19[3] e nº 21[4] do FPPC que apresentam alguns exemplos de negócios jurídicos processuais atípicos admissíveis, sem, no entanto, os exaurir (BRASIL, 2017).

Já no que tange aos negócios processuais atípicos que não são admissíveis, o Enunciado nº 20 do FPPC indica que:

20. Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância, acordo para afastar motivos de impedimento do juiz, acordo para criação de novas espécies recursais, acordo para ampliação das hipóteses de cabimento de recursos (BRASIL, 2017).

Em que pese o aspecto positivo que gera maior participação, possibilidades e liberdade processual das partes, há que se mencionar que exatamente por ser uma cláusula geral, a vagueza de seu texto e a perspectiva de uma abertura interpretativa podem estabelecer um sistema de difícil aplicação prática (CABRAL, 2018, p. 167-168).

Inclusive essa vagueza toda acaba gerando um certo desconforto e receio por parte dos sujeitos processuais, visto que toda novidade normalmente já produz certa desconfiança, ainda mais uma cláusula tão geral quanto essa aqui estudada.

Cabral (2018, p. 168) prossegue ainda no sentido de que “há relevante preocupação em termos de segurança jurídica porque o ordenamento processual deve ser previsível, e quanto mais vago e genérico o texto legal, menor a cognoscibilidade da norma”.

São grandes os desafios para aplicar essa cláusula geral. As possibilidades de aplicação são várias e deve-se atentar sobre os limites, o objeto e os parâmetros dos negócios criados, conforme se analisará com mais detalhe no decorrer da presente pesquisa.

2.3 PRINCÍPIO DO RESPEITO AO AUTORREGRAMENTO DA VONTADE NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

A autonomia da vontade das partes foi prestigiada no CPC/15 ao ponto de justificar a criação de um novo princípio, qual seja, o princípio do respeito ao autorregramento da vontade (BRASIL, 2015).

Diferentemente do Código de Processo Civil de 1973, em que o magistrado possuía um contundente protagonismo na relação processual e, portanto, a autonomia da vontade das partes no processo era muito limitada, o CPC/15 trouxe maior importância a esta autonomia, sendo esta uma de suas maiores inovações (BRASIL, 2015).

O direito à liberdade é fundamental e está previsto no caput do artigo 5º da CRFB/ 88 (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o direito ao autorregramento está no conteúdo do direito à liberdade, sendo um subprincípio oriundo do princípio da liberdade. Didier Jr. (2017, p. 32) apresenta a seguinte definição de autorregramento:

o direito que todo sujeito tem de regular juridicamente os seus interesses, de poder definir o que reputa melhor ou mais adequado para sua existência; o direito de regular a própria existência, de construir o próprio caminho e de fazer escolhas. Autonomia privada ou autorregramento da vontade é um dos pilares da liberdade e dimensão inafastável da dignidade da pessoa humana.

Ainda com o objetivo de definir o que seria esse autorregramento, Ascensão (1999, p. 78-80) entende que ele se define como um complexo de poderes que podem ser exercidos pelos sujeitos de direito, em níveis de amplitude variada, de acordo com o ordenamento jurídico.

Para Ascensão (1999, p. 78-80) são quatro as zonas de liberdade em que o autorregramento da vontade pode ser encontrado, quais sejam:

a) liberdade de negociação (zona das negociações preliminares, antes da consumação do negócio); b) liberdade de criação (possibilidade de criar novos modelos negociais atípicos que mais bem sirvam aos interesses dos indivíduos); c) liberdade de estipulação (faculdade de estabelecer o conteúdo do negócio); d) liberdade de vinculação (faculdade de celebrar ou não o negócio).

Assim, percebe-se que, ainda que o Direito Processual Civil seja do ramo do Direito Público, este também é regido a partir do CPC/15 (BRASIL, 2015).

Em que pese seja verdade a afirmação anterior, deve-se ter em mente que a aplicação do princípio da autonomia da vontade se dá de forma mais contida na esfera processual, tendo em vista que no Direito Processual Civil há o envolvimento do exercício de uma função pública, qual seja, a jurisdição, sendo, portanto, a negociação processual mais restrita (ASCENSÃO, 1999, p. 78-80).

Portanto, Godinho (2014, p. 87) sustenta a forma como deve ser realizada a autonomia da vontade no Processo Civil:

há que se trabalhar com a autonomia das partes não mais no sentido privatístico clássico, mas, sim, dentro de uma perspectiva constitucional e de uma teoria dos direitos fundamentais que autoriza e ao mesmo tempo impõe limites às manifestações de vontade.

Nesse sentido, a partir do CPC/15 os limites dessa autonomia das partes foram ampliados, fazendo com que surgisse o princípio aqui estudado (BRASIL, 2015). Princípio este que convive normalmente com a figura dos magistrados, principalmente pelo fato de não ser ilimitado, conforme se verificará melhor ao longo do presente trabalho.

Interessante e esclarecedor raciocínio é o de que se em todos os demais ramos do Direito existem limites para a autonomia da vontade, não faria sentido algum se fosse diferente no Direito Processual Civil (BETTI apud DIDIER JR., 2017, p. 34). Portanto, segue-se a mesma linha de pensamento no sentido de que a autonomia da vontade existe e possui sim limites ao seu alcance.

Ademais, não há que se falar no princípio do autorregramento da vontade das partes sem mencionar o princípio maior do devido processo legal. Isso porque o primeiro é garantido por meio da efetiva aplicação do segundo.

Didier Jr. (2017, p. 33) expõe que “um processo que limite injustificadamente o exercício da liberdade não pode ser considerado um processo devido. Um processo jurisdicional hostil ao exercício da liberdade não é um processo devido, nos termos da Constituição brasileira”

Dessa forma, a autonomia da vontade das partes deve conviver em harmonia com o Direito Processual Civil.

Em relação ao objetivo do princípio em pauta, Didier Jr. (2017, p. 34-35) entende que:

o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo visa, enfim, à obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de autorregular-se possa ser exercido pelas partes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas. De modo mais simples, esse princípio visa tornar o processo jurisdicional um espaço propício para o exercício da liberdade.

Além do próprio princípio, existe ainda um verdadeiro microssistema de proteção do exercício livre da vontade no processo, sendo a vontade das partes muito relevante e merecedora de respeito (DIDIER JR., 2017, p. 35).

Para a comprovação da existência desse microssistema são diversos os exemplos que podem ser trazidos, quais sejam: (i) o CPC/15 é estruturado de forma a estimular e incentivar a autocomposição como meio de solução de conflitos, sendo esta uma das maneiras de exercício do poder de autorregramento; (ii) a vontade da parte é a responsável por delimitar o objeto litigioso do processo e do recurso; (iii) a consagração do princípio da cooperação no artigo 6º, CPC/15 (BRASIL, 2015a), conforme se verificará no decorrer do trabalho; (iv) a valorização da arbitragem; e (v) principalmente, a previsão de diversos negócios jurídicos processuais típicos e, ainda, da cláusula geral de negociação processual trazida pelo artigo 190, CPC/15 (BRASIL, 2015a), a qual surge como a mais importante concretização do princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil (DIDIER JR., 2017, p. 35-37).

A partir da análise conjunta do já mencionado artigo 190 e o artigo 200[5], do CPC/15 (BRASIL, 2015), é possível entender a existência do princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes, o qual estabelece que o magistrado deve, em regra, observar e considerar a vontade das partes, pois é imediata e independente de homologação judicial a eficácia dos negócios processuais celebrados (REDONDO, 2017, p. 396).

Finalmente, há ainda que se mencionar o Enunciado nº 404 do FPPC que orienta que “nos negócios processuais, atender-se-á mais à intenção consubstanciada na manifestação de vontade do que ao sentido literal da linguagem” (BRASIL, 2017).

Portanto, ante todo o exposto faz-se necessário conhecer o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no Direito Processual Civil na sistemática do CPC/15.

2.4 MODELO COOPERATIVO DE PROCESSO E OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

Outro aspecto importante do CPC/15 a ser destacado no estudo dos negócios jurídicos processuais é o modelo cooperativo de processo que o atual Código de Processo Civil apresenta, pautado principalmente no princípio da cooperação (BRASIL, 2015).

O CPC/15 consagra o princípio da cooperação em seu artigo 6º, no qual dispõe que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (BRASIL, 2015a).

Assim, o processo não deve mais ser centrado na figura do magistrado apenas, mas sim ser administrado e conduzido pelas demais pessoas que participarem do mesmo, como por exemplo as partes e o Ministério Público, além, é claro, do próprio magistrado. Portanto, o processo deve ser comparticipativo e policêntrico, sendo todos seus participantes igualmente importantes (CÂMARA, 2016, p. 11).

Certamente esse princípio não significa que as partes “entrariam de mãos dadas no tribunal” e nem que uma ajudaria a outra a alcançar o resultado desejado na demanda (CABRAL, 2018, p. 209). É de essência processual que as partes entrem com interesses opostos e não tenham em princípio interesse na cooperação.

Entretanto, o intuito do legislador pátrio é de que os envolvidos na relação processual unam esforços para que seja obtido o melhor resultado possível.

Nesse sentido, Câmara (2016, p. 11-12) muito bem pontua que:

os sujeitos do processo vão, todos, em conjunto, atuar ao longo do processo para que, com sua participação, legitimem o resultado que através dele será alcançado. Só decisões judiciais construídas de forma comparticipativa por todos os sujeitos do contraditório são constitucionalmente legítimas e, por conseguinte, compatíveis com o Estado Democrático de Direito.

Esse princípio pode ser ainda entendido como uma nova roupagem ao já consagrado princípio constitucional do contraditório, isso porque o processo deve ser pautado com a participação das partes, sendo essa característica própria do contraditório e do regime democrático de um Estado Democrático de Direito (CUNHA, 2017, p. 57-58).

O diálogo das partes entre si e com o magistrado passa a ser valorizado na busca pela solução mais justa e adequada ao litígio. O processo passa a ser considerado uma “comunidade de trabalho” em razão desse esforço conjunto dos envolvidos na relação processual e uma “comunidade de comunicação” pela maior necessidade de diálogo para alcançar o fim desejado (CUNHA, 2017, p. 58).

Conforme bem leciona Mitidiero (2009, p. 101-103) “há, na verdade, a cooperação das partes com o tribunal, bem como a cooperação do tribunal com as partes”.

Posto isso, em relação ao modelo cooperativo, nesse o magistrado ainda possui seus poderes, entretanto, ele passa a ter a responsabilidade de obedecer aos deveres oriundos do princípio da cooperação.

Dessa forma, deve sempre que necessário esclarecer, prevenir, auxiliar e consultar as partes processuais. O modelo cooperativo deve respeitar a dignidade da pessoa humana e ajudar na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (MITIDIERO, 2009, p. 101-103).

Todo esse cenário contribuiu para que os negócios jurídicos processuais ganhassem importância no contexto atual. Isso porque a colaboração entre as partes gera um círculo virtuoso de cooperação espontânea (AXELROD apud CABRAL, 2018, p. 217), proporcionando todo um cenário favorável para que sejam discutidos e celebrados os negócios jurídicos processuais.

Nesse sentido, ainda que exista discordância e, até mesmo uma certa rivalidade entre os litigantes em relação ao direito material discutido, é possível que seja alcançado um ponto em comum a respeito das matérias processuais (CABRAL, 2018, p. 217).

Ademais, os negócios jurídicos processuais estão em sintonia com os princípios do contraditório e da colaboração, sendo uma das melhores formas de demonstrar a existência do modelo cooperativo de processo (CABRAL, 2018, p. 217).

Por fim, é importante também mencionar o Enunciado nº 06 do FPPC, o qual dispõe que “o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação” (BRASIL, 2017).

Tem-se demonstrada a importância e a força do princípio da cooperação, o qual deve orientar os negócios jurídicos processuais celebrados. Consequentemente, não faria sentido a celebração de uma convenção processual sem que essa obedecesse a cooperação entre as partes, visto que o objetivo primordial é exatamente fazer com que o processo seja adequado e eficiente para ambos os litigantes.

Portanto, os negócios jurídicos processuais devem caminhar ao lado do princípio da cooperação, sendo os dois institutos elementos fundamentais para a realização do modelo cooperativo de processo apresentado pelo CPC/15 (BRASIL, 2015).

3. REQUISITOS GERAIS E LIMITES PARA A CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

No presente capítulo, serão abordados os aspectos mais relevantes acerca dos requisitos gerais para a celebração de um negócio jurídico processual, bem como dos principais limites em relação ao seu objeto.

Ademais, é importante asseverar que não há pretensão de esgotar o tema referente aos limites, sendo destacados apenas os de maior importância.

3.1 A AUTONOMIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS E SEU MOMENTO DE CELEBRAÇÃO

No que tange à celebração de um negócio jurídico processual, faz-se necessário pontuar a sua independência e autonomia perante o instrumento de direito material ao qual está relacionado. Isso significa que os acordos processuais devem ser analisados independentemente dos acordos materiais.

Esse raciocínio é oriundo do entendimento de que a autonomia das partes para celebrar um acordo processual não é um mero complemento da liberdade que possuem em relação ao direito material, não sendo acessória, secundária e subordinada às regras do direito privado (CABRAL, 2018, p. 284).

Os negócios jurídicos processuais são independentes dos negócios jurídicos materiais em razão da vontade das partes, ou seja, celebra-se um acordo processual com objetivos e expectativas completamente diferentes daqueles que ensejaram o acordo de direito material.

Raciocínio semelhante encontra-se positivado no artigo 8º, da Lei nº 9.307/96 que dispõe sobre a arbitragem e a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato que a prevê (BRASIL, 1996).

Há que se destacar ainda o Enunciado nº 409 do FPPC que dispõe que “a convenção processual é autônoma em relação ao negócio em que estiver inserta, de tal sorte que a invalidade deste não implica necessariamente a invalidade da convenção processual” (BRASIL, 2017).

Naturalmente essa distinção apresenta efeitos práticos, conforme analisa-se a seguir.

De início, uma eventual nulidade do direito material não implicará necessariamente em nulidade do negócio jurídico processual. Conforme bem preceitua Almeida (2015, p. 118), “na ação na qual se discute a eventual nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, aplicar-se-ão as normas contratuais por eles estabelecidas no acordo processual pactuado no mesmo contrato”.

Assim, se a cláusula nula puder ser isolada do todo, não afetará as demais, que permanecerão válidas, inclusive as que disciplinam regras processuais (GOMES, 2007, p. 195).

Para que seja firmado um negócio processual não é imprescindível que exista um negócio material subjacente. O acordo processual deve se referir a um processo atual ou iminente e não a um contrato de natureza material (CABRAL, 2018, p. 285).

Nesse contexto, é interessante notar que o oposto é plenamente possível, ou seja, pode ser declarada nula a cláusula processual e todo o referente ao direito material permanecer válido, comprovando mais uma vez a autonomia existente.

Entretanto, os negócios jurídicos processuais não são abstratos ao ponto de ignorar o direito material (CABRAL, 2018). Nesse sentido:

por vezes as peculiaridades do direito substancial impactarão os requisitos de validade dos acordos sobre o processo e também seus limites, porque não se poderia permitir que, através de um pacto de natureza processual, as partes obtivessem um resultado que lhes fosse vedado pelo direito material (CABRAL, 2018, p. 285).

Portanto, pode ocorrer do vício de direito material ser tão grave a ponto de prejudicar o teor do negócio processual.

Em que pese essa episódica interseção, deve vigorar na relação entre negócios processuais e materiais a regra da independência das convenções processuais em relação ao direito material (CABRAL, 2018, p. 285).

Outro importante aspecto a ser analisado se refere ao momento de formação da convenção processual. Dessa forma, dispõe expressamente o caput do artigo 190, do CPC/15 que a convenção processual pode ser celebrada antes ou durante o processo (BRASIL, 2015a).

O negócio jurídico processual realizado antes da instauração de um processo é denominado de prévio ou pré-processual. Trata-se da inserção de uma cláusula negocial processual em um contrato qualquer, já regulando um eventual processo futuro relacionado com àquela negociação (DIDIER JR., 2016).

Um exemplo mencionado por Didier Jr. (2016) é o pacto de mediação obrigatória, no qual as partes decidem que se submeterão a uma câmara de mediação, antes de resolver a questão no judiciário.

O negócio jurídico prévio possibilita que sejam previstas cláusulas relativas à solução futura de um litígio que ainda está em estágio de potencial desenvolvimento (CADIET apud CABRAL, 2018, p. 83). Para que isso seja possível devem ser observados os requisitos da precisão e da determinabilidade.

A precisão exige que o acordo seja referente a uma situação jurídica individualizada e concreta (PLANCK apud CABRAL, 2018, p. 87), ou seja, as condutas e as regras estipuladas devem ser especificadas em gênero, espécie, quantidade e, se for o caso, caracteres individuais das prestações de parte a parte (CABRAL, 2018, p. 87).

Em relação à determinabilidade, importa dizer que o objeto do acordo deve ser ao menos determinável, ou seja, ainda que falte precisão em sua qualidade ou quantidade, essa indeterminação deixará de subsistir no momento de efetivação do negócio. Se eventualmente as cláusulas processuais forem genéricas, devem ser consideradas nulas (CABRAL, 2018, p. 87).

Há que se destacar ainda, em relação aos negócios jurídicos processuais prévios, que estes são bastante úteis e utilizados na prática. Isso porque antes da instauração da lide processual, normalmente as partes possuem maior discernimento e consciência para deliberar em busca da solução mais justa para um eventual processo jurídico.

Por outro lado, quando o negócio jurídico processual é celebrado com o processo já em andamento, trata-se de um negócio jurídico processual incidental. Nesse caso, a liberdade contratual das partes é menor, estando mais restrita em razão dos interesses públicos envolvidos, conforme se verificará ao longo desse capítulo.

3.2 REQUISITOS GERAIS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS

Prosseguindo com o estudo da formação do negócio jurídico processual, é imperioso notar que este é uma espécie de negócio jurídico, ou seja, deve ser-lhe aplicada a teoria geral dos negócios jurídicos disciplinada no Código Civil.

Serão então respeitados os requisitos gerais dispostos no artigo 104 do Código Civil, quais sejam: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei (BRASIL, 2002).

Em sintonia com esse raciocínio está o teor do Enunciado nº 403 do FPPC que prevê estar a validade do negócio jurídico processual condicionada ao preenchimento dos requisitos do mencionado artigo 104 (BRASIL, 2017).

Entretanto, nem todas as regras de direito material poderão ser sempre e sem restrições transportadas para o direito processual. Isso porque aos negócios processuais devem também ser aplicadas regras específicas disciplinadas na lei instrumental (CABRAL, 2018, p. 286).

Nesse sentido, muito bem leciona Cabral (2018, p. 286-287) sobre a compatibilização dessas normas:

ora, observe-se, de um lado, que não há como suprimir ou ignorar o regramento da teoria geral dos negócios jurídicos porque os acordos processuais podem ser prévios ao surgimento do processo (e por vezes se destinam mesmo a evitá-lo), e, portanto, podem nunca vir a ser aplicados ou interpretados judicialmente. Nesse caso, é natural que sua validade e eficácia sejam analisadas também pelas disposições da teoria geral dos negócios jurídicos.

Por outro lado, a ideia de subordinação das regras do direito privado àquelas de direito público representaria a vitória da concepção de que o indivíduo e a esfera privada seriam sempre hierarquicamente inferiores, e assim deveriam submeter-se à prevalência do Estado e da esfera pública, o que tampouco se justifica no ordenamento jurídico.

Portanto, o que se deve ter é uma corregulação entre as normas materiais e as normas processuais, que devem se combinar na normatização dos negócios jurídicos processuais (CABRAL, 2018, p. 287).

Isto posto, passa-se a seguir ao estudo dos requisitos gerais dos negócios jurídicos processuais e seus principais e mais relevantes aspectos.

3.2.1 DO CONSENTIMENTO E DA CAPACIDADE DAS PARTES

Da mesma forma que os atos jurídicos em geral, os negócios jurídicos processuais também podem ser analisados em três planos, quais sejam, existência, validade e eficácia.

No que se refere ao plano da existência, verifica-se que o consentimento das partes (encontro de vontades convergentes (CABRAL, 2018, p. 292) é um pressuposto de existência da convenção processual, o qual uma vez viciado pode resultar na anulação do acordo processual (CABRAL, 2018, p. 325).

Nesse sentido, o Enunciado nº 132 do FPPC assevera que “além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do artigo 190” (BRASIL, 2017).

Sendo assim, é importante que as partes efetivamente desejem os efeitos oriundos do negócio jurídico processual celebrado.

Inclusive, segundo Betti (apud CABRAL, 2018, p. 294), esse consentimento pode se dar de forma tácita quando “veiculada por um comportamento sem função manifestativa direta, mas que permita desumir uma tomada de conduta negocialmente orientada”.

Posto isso, ainda em relação ao consentimento dado de forma tácita, esse não significa necessariamente que será realizado por meio de uma conduta omissiva. Pode ocorrer no caso concreto de haver uma proposta referente à celebração de um acordo e a contraparte iniciar a execução do mesmo, nesse caso, a manifestação de vontade é tácita, mas resultante de uma atitude comissiva, qual seja, a atividade efetivamente desempenhada pela contraparte (ROPPO apud CABRAL, 2018, p. 294).

Seguindo raciocínio similar referente ao consentimento está o Enunciado nº 402 do FPPC, o qual indica que para a eficácia de um negócio jurídico processual para aquele que dele não fez parte é necessária à sua anuência quando o mesmo lhe puder causar prejuízo (BRASIL, 2017).

No tocante ao requisito da capacidade das partes, a falta da mesma também configura certo vício na manifestação de vontade. O caput do artigo 190, do CPC/15 se refere às partes plenamente capazes, mas sem especificar a que capacidade diz respeito.

Em razão dessa imprecisão legislativa, a doutrina se divide em diferentes opiniões.

No entendimento de Didier Jr (2016), o requisito de validade exigido para a prática dos negócios jurídicos processuais atípicos é a capacidade processual negocial, isso porque, ainda que a convenção seja pré-processual, o negócio visa produzir efeitos em um processo, mesmo que futuro.

Dessa forma, para Didier Jr (2016), não há problema se uma das partes for relativamente incapaz ou absolutamente incapaz de celebrar um negócio processual, desde que devidamente assistido ou representado, respectivamente. Isso se justifica, pois ainda que incapazes civilmente, como se trata de negócios processuais, basta que possuam capacidade processual.

Na mesma linha de raciocínio, Ataíde Júnior (2015) entende que o requisito se refere apenas à capacidade processual disposta e regulada pelos artigos 70 a 73 do CPC/15.

Em sentido oposto, Câmara (2016, p. 124) e Yarshell (2017, p. 85-86) entendem que o dispositivo é claro no sentido de ser possível a celebração de negócios processuais apenas às partes plenamente capazes. Assim, não há que se falar em celebração por incapazes, ainda que assistidos ou representados.

Nota-se que esse entendimento se encontra alinhado com o Enunciado nº 38 da ENFAM que dispõe que “somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica” (BRASIL, 2015b).

Para Almeida (2015, p. 129-130), em relação aos negócios celebrados antes do processo, a capacidade será regida pelo direito material. Por outro lado, para os negócios jurídicos incidentais a capacidade exigida será a processual.

E finalmente para Cabral (2018, p. 285-288), deve-se aplicar a já mencionada corregulação, devendo ser verificada a capacidade à luz da combinação entre o direito material e o direito processual. O autor analisa a capacidade nos acordos processuais a partir da capacidade de ser parte (aptidão genérica para adquirir direitos), da capacidade de estar em juízo e da capacidade postulatória.

Também há que se mencionar, em relação à capacidade das partes, que os Enunciados nº 253 e nº 256 do FPPC indicam ser possível a celebração de negócio processual pelo Ministério Público e pela Fazenda Pública (BRASIL, 2017).

Inclusive, no que diz respeito ao Ministério Público, o Enunciado nº 112 da II Jornada de Direito Processual Civil promovida pelo Conselho de Justiça Federal e pelo STJ preconiza que sua intervenção como fiscal da ordem jurídica não inviabiliza a celebração de convenções processuais (BRASIL, 2018).

Outro importante Enunciado da mencionada Jornada é o de nº 114 que dispõe que mesmo os entes despersonalizados como, por exemplo, a massa falida e o espólio, podem ser parte em um acordo processual (BRASIL, 2018).

Por fim, em que pese não estar a validade do negócio jurídico processual condicionada à presença de um advogado, visto que não se trata da prática de um ato processual, entende-se que a presença do mesmo é no mínimo desejável (YARSHELL, 2017, p. 88).

A assistência do advogado é importante inclusive para garantir que o consentimento da parte tenha sido exercido de forma livre e ciente de todos os riscos e consequências envolvidas.

Sobre o tema, destaca-se o Enunciado nº 18 do FPPC que prevê a existência de “indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica” (BRASIL, 2017).

3.2.2 DA FORMA

O segundo requisito a ser analisado é a forma do negócio jurídico processual.

Para os negócios jurídicos processuais, de forma geral, não foi estabelecida na legislação nenhuma forma específica. Desse modo, devem ser aplicadas as regras gerais do artigo 104, III, do Código Civil (BRASIL, 2002) e do artigo 188, do CPC/15 (BRASIL, 2015a).

Portanto, em regra, aplica-se o modelo de liberdade das formas, tendo que ser utilizada a forma prescrita ou não defesa em lei, desde que a lei não disponha em sentido diverso e discipline um formato específico para determinada situação jurídica (ALMEIDA, 2015, p. 131).

Entretanto, a questão que gera divergência é saber se é possível ou não a celebração de acordos processuais na forma oral.

Yarshell (2017, p. 77) defende que a declaração de vontade que confere existência ao negócio processual deve ter necessariamente a forma escrita. Mesmo no caso dessa vontade ter sido manifestada oralmente em audiência, deverá ser reduzida a termo ou registrada em um suporte que possibilite a sua reprodução.

Em raciocínio semelhante, Neves (2017, p. 395) entende “ser preferível exigir-se a forma escrita em razão da previsibilidade e de segurança jurídica que devem nortear o negócio jurídico processual”.

Por outro lado, Didier Jr. (2016) e Cabral (2018, p. 329-330) entendem ser possível o negócio processual oral, em razão da forma ser livre, com exceção de determinadas situações como, por exemplo, do foro de eleição em que a lei expressamente exige a forma escrita (artigo 63, §1º, do CPC/15).

Almeida (2015, p. 132) assevera que o negócio processual verbal, embora seja lícito, possui naturais limitações referentes à dificuldade de prova de sua celebração. Assim, é mais difícil de comprovar o que foi estabelecido oralmente, podendo comprometer inclusive a segurança jurídica e a previsibilidade desejada.

Em relação aos casos de negócio jurídico que contenha tanto regras de direito material quanto regras de direito processual (negócios jurídicos mistos), Cabral (2018, p. 330) é pontual:

nessa hipótese, deve ser verificado se o contrato ou acordo foi celebrado fora do processo ou na pendência da relação processual. Para as convenções pré-processuais que sejam firmadas em conjunto com disposições materiais (ainda que não no mesmo instrumento), a forma prevista na lei material deve ser observada. Todavia, se a convenção for celebrada separadamente, externalizada, portanto, em um ato exclusivamente processual, as formalidades a serem observadas são aquelas do direito processual. É o que geralmente ocorre com os acordos firmados durante o processo.

Importa destacar também que não há por que não se aplicar o princípio da instrumentalidade das formas aos negócios jurídicos processuais.

Nesse sentido, devem ser válidos os atos processuais, ainda que a forma não esteja em consonância com a disposição legal, quando atingirem seus objetivos. Almeida (2015, p. 135) assevera que:

as convenções processuais não fogem à regra, porquanto celebradas com o intuito de adequar o instrumento (processo) às peculiaridades do caso concreto ou aos interesses e necessidades dos contratantes. Desse modo, se a forma eleita por eles contém alguma invalidade, mas o pacto alcança seu objetivo sem causar prejuízo às partes ou aos interesses públicos mais relevantes (ordem pública processual), não é lícita a decretação de sua nulidade.

Sobre a problemática debatida é imprescindível mencionar o teor do Enunciado nº 39 da ENFAM que assevera não ser válida a convenção pré-processual celebrada de forma oral (BRASIL, 2015b).

Assim, percebe-se que há divergência no sentido de aceitar ou não um negócio processual oral. Todavia, em prol da segurança jurídica e da previsibilidade, torna-se mais razoável, adequado e prudente a celebração sob a forma escrita.

3.2.3 DO OBJETO

O último dos requisitos gerais dos negócios jurídicos processuais a ser apresentado é seu objeto.

De acordo com o teor do Enunciado nº 403 do FPPC (BRASIL, 2017), o objeto do negócio jurídico processual deve observar a previsão geral do artigo 104, II, do Código Civil (BRASIL, 2002), ou seja, o objeto tem que ser lícito, possível e determinado ou determinável.

Caso não obedeça a norma do dispositivo supramencionado, o artigo 166, II, do mesmo diploma legal dispõe que será nulo o negócio jurídico quando seu objeto for ilícito, impossível ou indeterminável (BRASIL, 2002).

No que tange à ilicitude do objeto, o Enunciado nº 37 da ENFAM diz que são nulas as convenções processuais que violam as garantias constitucionais do processo, e cita exemplificativamente as que autorizam o uso de prova ilícita; limitam a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; modificam o regime de competência absoluta; e dispensam o dever de motivação (BRASIL, 2015b).

Especificamente no que se refere aos negócios jurídicos processuais, o caput do artigo 190, do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais (BRASIL, 2015a).

As partes possuem autorização legal para convencionar sobre suas próprias posições no processo, mas não para dispor acerca da posição processual do magistrado (CÂMARA, 2016, p. 125).

Câmara (2016) menciona como exemplo de negócio jurídico processual lícito o pacto de não recorrer, ou seja, as partes celebrarem de forma a retirar sua faculdade de recorrer no processo. Por outro lado, é ilícito o negócio jurídico processual para proibir o magistrado de controlar o ofício de valor dado à causa quando esse não estiver estabelecido por critério prefixado na legislação, visto que nesse caso há interferência na posição processual do juiz.

Para Cabral (2018, p. 331), as situações jurídicas processuais são divididas em três grupos, quais sejam: (i) as situações de vantagem; (ii) situações de desvantagem; e (iii) situações neutras.

As situações jurídicas de vantagem compreendem direitos e poderes, sendo ambos atributos da vontade, mas implicando o poder em domínio da vontade alheia. Já a situação jurídica neutra seria a faculdade, ou seja, a possibilidade de agir no campo da autonomia, sendo o ato facultativo permitido, mas não obrigatório (CABRAL, 2018, p. 331-332).

Para Cabral (2018, p. 333), em ambos os casos (situação de vantagem ou neutra) é possível que sejam celebrados negócios jurídicos processuais tanto com o intuito de incrementar a esfera jurídica quanto para abdicar de uma determinada situação vantajosa.

Por fim, as situações de desvantagem estão comumente ligadas à sujeição, ao dever e ao ônus.

A sujeição seria a “impossibilidade de querer com eficácia, uma situação passiva ligada ao poder jurídico que implica uma necessidade de obedecer” e não são admissíveis negócios jurídicos processuais que tenham como objeto situações de sujeição (CARNELUTTI apud CABRAL, 2018, p. 333).

Os deveres são restrições à vontade e deve-se apenas se atentar para o fato de que não é possível celebrar negócios processuais para afastar deveres processuais legalmente estabelecidos, como é o caso do dever de lealdade, por exemplo (CARNELUTTI apud CABRAL, 2018, p. 334).

A diferença do ônus para o dever é que no primeiro o interesse a ser satisfeito é o do próprio agente, enquanto no segundo o interesse a ser satisfeito é do alheio. Assim, como os deveres, não há qualquer problema em convencionar um negócio processual sobre determinado ônus como, por exemplo, os negócios jurídicos processuais sobre o ônus da prova (MÜLLER apud CABRAL, 2018, p. 334-335).

Ademais, o objeto da convenção processual pode, ainda, prever outros deveres e sanções para o caso do descumprimento da própria convenção pactuada, conforme dispõe o Enunciado nº 17 do FPPC (BRASIL, 2017).

Finalmente, há ainda que se destacar que os negócios jurídicos processuais somente poderão dispor sobre direitos que admitem autocomposição. No entanto, essa questão merece ser estudada com maiores detalhes no tópico seguinte.

3.3 DIREITOS QUE ADMITEM AUTOCOMPOSIÇÃO

Parte-se inicialmente da análise do limite objetivo expressamente previsto no caput do artigo 190, do CPC/15, qual seja, a necessidade de o processo versar sobre direitos que admitem autocomposição (BRASIL, 2015a). Assim, não basta que o objeto do negócio jurídico processual seja lícito, possível e determinado ou determinável, mas além disso deve admitir a autocomposição.

Por direitos que admitem autocomposição, deve-se entender por aqueles que comportam transação, renúncia ou submissão (YARSHELL, 2017, p. 81). Os direitos que admitem autocomposição fazem parte de uma categoria jurídica mais ampla que os direitos disponíveis, sendo a autocomposição entendida como o conjunto de técnicas pelas quais as partes podem atingir a solução do litígio sem que seja proferida uma decisão judicial sobre o(s) direito(s) envolvido(s) (HATOUM e BELLINETTI, 2016, p. 61).

Portanto, a lei corretamente não menciona a expressão “direitos indisponíveis”, mas sim “direitos que admitem autocomposição”. Existem situações em que apesar da indisponibilidade do direito material, podem ser realizados negócios processuais em relação à aspectos que admitem autocomposição (CÂMARA, 2016, p. 124).

Nesse sentido, é imperioso mencionar o teor do Enunciado nº 135 do FPPC, o qual dispõe que “a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual” (BRASIL, 2017).

Destarte, ainda que o processo trate sobre direito indisponível, será possível a autocomposição, não do direito material em si, mas sim das formas de exercício desse direito, como, por exemplo, os modos e momentos de cumprimento de determinada obrigação (NEVES, 2017, p. 395).

Tem-se, portanto, que o direito indisponível não se confunde com o objetivo da lei de indicar que o negócio jurídico processual deve tratar acerca de direitos que admitem autocomposição.

O direito aos alimentos e os direitos coletivos são exemplos de que, apesar de ser o direito material indisponível, há possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais (DIDIER JR., 2016).

Em relação especificamente aos direitos coletivos, vale destacar o Enunciado nº 258 do FPPC que admite a celebração de convenção processual coletiva (BRASIL, 2017).

Almeida (2015, p. 186) resume bem essa questão ao dizer que “a indisponibilidade material não pressupõe a indisponibilidade processual e vice-versa” e o que se segue:

a impossibilidade de disposição do direito material não afeta, em regra, a possibilidade de disposição de direito processual. O interesse em disputa pode ser indisponível, mas as partes permanecem livres a contratarem sobre alteração de foro, redistribuição de ônus da prova, escolha conjunta de perito, suspensão do processo, alteração da data de audiência etc. Do mesmo modo, conquanto seja disponível o direito material em jogo, é vedada a convenção processual que, por exemplo, diminua o prazo de contestação para dois dias, uma vez que acarreta em mitigação exacerbada ao direito de defesa do réu e, conseguintemente, afeta direito processual indisponível.

É possível, no entanto, que o direito material indisponível seja afetado indiretamente por um negócio jurídico processual que regule direito processual disponível.

Como exemplo, pode-se mencionar o cenário em que as partes celebram previamente um acordo processual para renunciar determinado meio de prova, o qual posteriormente se mostra ser o único meio de prova capaz de comprovar um direito material indisponível. Tem-se então que a indisponibilidade do direito material foi contaminada pelo negócio jurídico processual previamente celebrado e tal indisponibilidade tem o condão de tornar ineficaz o acordo processual em questão (ALMEIDA, 2015, p. 186-187).

Logo, as situações jurídicas processuais ou a estrutura do procedimento quando objetos de negócio jurídico processual, podem implicar na solução do mérito da causa (DIDIER JR., 2016).

Ademais, fazendo-se um paralelo com o instituto da arbitragem, observa-se que a expressão adotada pelo CPC/15 é mais ampla do que a expressão “direitos patrimoniais disponíveis” adotada pelo artigo 1, da Lei nº 9.307/96 (BRASIL, 1996). Dessa forma, os direitos autocomponíveis incluem também os direitos indisponíveis sujeitos à transação (CUEVA, 2017, p. 535).

A interpretação que se deve fazer é de que a convenção processual não fica restrita a litígios que envolvam direitos patrimoniais, diferentemente do que ocorre com a arbitragem (YARSHELL, 2017, p .82).

Por fim, cabe aqui apenas uma breve e rápida menção do Enunciado nº 494 do FPPC (BRASIL, 2017) que dispensa o requisito da autocomposição para a celebração do negócio jurídico expresso no artigo 191 do CPC/15, qual seja, o calendário processual.

3.4 A HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

No entender da grande maioria da doutrina processualista como, por exemplo, Didier Jr. (2016), Cabral (2018, p. 262), Neves (2017, p. 393) e Almeida (2015, p. 137), os negócios jurídicos processuais, em regra, não dependem de homologação judicial para que produzam efeitos.

Nesse sentido, é o artigo 200, caput, CPC/15 que dispõe que “os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais” (BRASIL, 2015a). Sendo assim, os acordos processuais são eficazes desde o momento de sua celebração.

Pelo fato de o negócio jurídico processual decorrer diretamente da autonomia das partes envolvidas no processo, ao condicionar a eficácia do mesmo à homologação judicial estar-se-ia indo de encontro ao necessário equilíbrio que deve existir entre o publicismo processual e a autonomia das partes. Essa condição significaria negar a autonomia na qual toda a negociação se lastreia, limitando o autorregramento da vontade em prol de um maior controle estatal (CABRAL, 2018, p. 263).

Um outro argumento apresentado, esse com viés mais prático, em prol da desnecessidade da homologação como regra geral é o fato de que seria inviável que todos os acordos celebrados em momento pré-processual fossem levados ao judiciário para serem homologados (CABRAL, 2018, p. 263).

Esse entendimento é corroborado pelo Enunciado nº 133 do FPPC, o qual indica que “salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do artigo 190 não dependem de homologação judicial” (BRASIL, 2017) e também pelo Enunciado nº 115 da II Jornada de Direito Processual Civil promovida pelo CJF e pelo STJ, o qual dispõe que “o negócio jurídico processual somente se submeterá à homologação quando expressamente exigido em norma jurídica, admitindo-se, em todo caso, o controle de validade da convenção” (BRASIL, 2018).

Da análise dos enunciados podem-se alcançar duas conclusões imediatas que merecem destaque.

A primeira diz respeito ao fato de que o Enunciado nº 133 é claro ao indicar que em alguns casos a lei expressamente irá prever a necessidade de homologação judicial. É o que ocorre, por exemplo, com o parágrafo único do artigo 200, CPC/15 que indica ser necessária a homologação por sentença para que o ato de desistência da ação seja eficaz, sendo, portanto, uma exceção à regra geral de não necessidade de homologação das convenções processuais (BRASIL, 2015a).

Outro exemplo que pode ser citado está no artigo 862, §2º, do CPC/15 (BRASIL, 2015a) que diz respeito à necessidade de homologação da convenção para escolher o administrador e disciplinar a forma de administração de empresa ou semoventes penhorados (CABRAL, 2018, p. 266).

E é por essa razão que o teor do Enunciado nº 260 do FPPC dispõe que “a homologação, pelo juiz, da convenção processual, quando prevista em lei, corresponde a uma condição de eficácia do negócio” (BRASIL, 2017). Assim, o ato de homologação é como um elemento integrativo do suporte fático da convenção processual, sendo uma condição legal que se apresenta no plano da eficácia, só produzindo os efeitos desejados após a homologação (CABRAL, 2018, p. 265).

Posto isso, a segunda conclusão baseada no Enunciado nº 115 supracitado se refere à admissão em todo caso do controle judicial de validade do negócio processual. O importante nesse momento é ressaltar que ainda que a homologação não seja obrigatória, ao magistrado reserva-se o poder-dever de controlar a validade da convenção pactuada, controle esse que será melhor abordado em capítulo posterior.

Interessante é o caso de uma homologação inserida de forma voluntária pelas partes como condição de uma convenção processual, ou seja, o condicionamento nessa hipótese decorre do próprio negócio jurídico (CABRAL, 2018, p. 267).

Em princípio não há óbice em estabelecer uma condição para um acordo processual e dentre as possíveis pode-se pensar em subordinar a eficácia do acordo à homologação judicial, a fim de que as partes consigam, assim, uma maior segurança jurídica na celebração dos termos negociais (CABRAL, 2018, p. 269).

Portanto, pode-se concluir que a regra do ordenamento jurídico brasileiro é a da não obrigatoriedade de o juiz homologar toda e qualquer convenção processual celebrada. Isso em razão tanto do necessário equilíbrio que deve haver entre os interesses públicos e privados no processo, quanto da própria norma expressa no artigo 200, caput do CPC/15 (ALMEIDA, 2015, p. 141). Dessa forma, um negócio jurídico processual só dependerá de homologação para ser eficaz quando houver previsão legal nesse sentido ou quando assim desejarem as partes.

3.5 DOS LIMITES ORIUNDOS DA ORDEM PÚBLICA PROCESSUAL

Os temas abordados e apresentados nos tópicos anteriores ao presente capítulo funcionam como limitações ao poder negocial das partes.

No entanto, existem muitos outros aspectos limitadores que merecem atenção e, ainda que a cláusula geral trazida pelo CPC/15 tenha ampliado a liberdade das partes, a existência de limites à atuação das mesmas é natural.

Não há qualquer consenso doutrinário e nem jurisprudencial acerca de quais seriam esses limites, sendo esse um dos maiores desafios atualmente no estudo dos negócios jurídicos processuais. Inclusive, Moreira (1984, p. 91) já havia salientado sobre a dificuldade de serem estabelecidos limites ao processo convencional.

Dessa forma, ao longo do tópico serão estudados e destrinchados alguns dos principais limites decorrentes da ordem pública processual.

Antes, porém, faz-se necessário conceituar o que seria essa ordem pública processual a ser adotada como parâmetro para os limites apresentados a seguir. Nesse sentido, bem explica Almeida (2015, p. 153):

a expressão ordem pública processual é utilizada para identificar, dentro da relação jurídica processual, interesses públicos inafastáveis, seja pela vontade do juiz, seja pela vontade das partes. Esses interesses variam de acordo com as mutações sociais decorrentes do lugar e do momento histórico que se está a analisar.

(…);

As regras de ordem pública representam, indubitavelmente, obstáculo à autonomia da vontade das partes em todos os ramos do direito, inclusive no processo.

Em sentido contrário há que se fazer menção à crítica doutrinária que entende ser o conceito de ordem pública processual muito vago, incerto e não sendo um bom limitador para os acordos processuais (CABRAL, 2018, p. 359).

Por fim, é importante destacar que a análise desses limites deverá sempre ser feita de forma casuística, vez que não se pode taxá-los como sendo absolutos (ALMEIDA, 2015, p. 153).

O limite objetiva proteger determinado direito ou interesse, portanto, a aplicação de um negócio jurídico processual somente poderá ser descartada se dela efetivamente houver prejuízo ao direito ou interesse. Não se constatando prejuízo, mesmo que teoricamente o negócio processual coloque em risco a ordem pública processual, deve-se prestigiar a vontade das partes (ALMEIDA, 2015, p. 154-155).

3.5.1 DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO CONTRADITÓRIO

O princípio do devido processo legal encontra-se previsto no artigo 5º, LIV da CRFB/88 (BRASIL, 1988) e deve ser entendido como o princípio do devido processo constitucional, conforme a doutrina mais moderna (CÂMARA, 2016, p. 7).

Esse princípio preconiza que o processo civil deve ser entendido a partir da Constituição, funcionando como uma porta de entrada do modelo constitucional. Nesse sentido, é dele que resultam os demais princípios positivados também pela Carta Magna, tais como os princípios da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, da duração razoável do processo, da motivação das decisões judiciais e do contraditório, o qual será analisado em breve.

Há que se ter, então, o princípio do devido processo legal como um supra-princípio, um princípio-base, responsável por nortear todos os demais que devem ser observados no processo (THEODORO JR., 2007, p. 28).

Percebe-se que em razão da importância do devido processo legal, na celebração de negócios jurídicos processuais atípicos há que se atentar não só aos mencionados princípios, mas também à preservação da sequência procedimental estabelecida pelos ritos processuais (ALMEIDA, 2015, p. 155).

Essa previsibilidade de ritos e forma dos atos processuais tem a finalidade de organizar o processo, delimitando poderes, deveres e faculdades dos sujeitos envolvidos na demanda (ALMEIDA, 2015, p. 156).

E a questão que se afigura nesse contexto é em relação à qual seria o limite de uma eventual modificação do procedimento ou da forma de um ato previsto em lei por meio de um negócio jurídico processual atípico.

Nas palavras de Almeida (2015, p. 159-160) encontra-se uma adequada solução:

a questão da previsibilidade é facilmente superada do ponto de vista do conhecimento pelas partes acerca do objeto da convenção. Essa faceta do devido processo legal exige um procedimento previsível, que evite surpresas aos litigantes, capazes de impedir ou tornar dificultoso o exercício do direito de ação e de defesa. Se a alteração do rito surpreende as partes e as impede de exercer livremente suas faculdades no processo, configurada estará a violação do desígnio constitucional e caberá a declaração de nulidade do processo desde o ponto em que a modificação procedimental produziu os efeitos contrários à cláusula do devido processo legal. No entanto, pela sua própria natureza, os acordos processuais não trazem surpresas ou sustos às partes, porquanto foram elas próprias que, de comum acordo e objetivando a aplicação de formato mais adequado às particularidades do conflito, estabeleceram as alterações. O novo rito ou a nova forma do ato processual são conhecidos dos litigantes e, por tal motivo, previsíveis.

Imperiosa agora é a análise do princípio do contraditório, o qual se encontra consagrado no artigo 5º, LV da CRFB/88 (BRASIL, 1988). O referido princípio é a garantia de que as partes tomarão ciência de todos os atos e fatos do processo que poderão manifestar-se sobre eles.

Atualmente, o contraditório é entendido por meio de três elementos, quais sejam: o direito de informação, o direito de manifestação e o direito à consideração dos argumentos. Assim, tem-se que o mesmo é o direito de participação com influência, não sendo mais uma mera garantia formal, mas sim um contraditório substancial e efetivo digno de um Estado Democrático de Direito (CÂMARA, 2016, p. 10-13).

Se as partes têm o direito de participar e exercer influência sobre o processo de construção da decisão, então essa precisa ser fruto de um procedimento do qual as partes tenham participado, logo, a decisão não pode surpreender as partes. Assim, o contraditório também é uma garantia de não surpresa (CÂMARA, 2016, p. 10-13).

No caso de a convenção celebrada não interferir de forma concreta e prejudicial ao exercício desse princípio, deve prevalecer a autonomia da vontade das partes e, consequentemente, o que foi pactuado por elas. Seria o caso, por exemplo, de cláusulas que delimitam apenas um meio de prova para a demonstração da verdade em determinada demanda ou ainda que redistribuem o ônus da prova. Se nesses exemplos a limitação não gerar prejuízo à uma das partes, em princípio a convenção será válida e eficaz.

Portanto, tem-se que o limite referente ao contraditório se dá no sentido de vedar o negócio jurídico processual que impossibilite ou torne extremamente difícil a manifestação ou o exercício de defesa por algum dos sujeitos processuais (ALMEIDA, 2015, p. 172), como seria o caso de um negócio jurídico que impedisse uma das partes de apresentar contestação, por exemplo.

3.5.2 DAS NORMAS COGENTES E DA RESERVA DE LEI

Por normas cogentes entende-se que são aquelas impostas pela lei aos sujeitos do processo, sendo irrelevante a vontade desses no caso concreto. Assim, são normas de aplicação obrigatória que não podem ser afastadas pela vontade das partes.

Exatamente por sua definição é que são consideradas como um limite à celebração de negócios jurídicos processuais, ou seja, a convenção processual não pode versar sobre uma norma cogente.

Corroborando com o exposto, Mello (2014, p. 79) assevera que vige no ordenamento jurídico brasileiro implicitamente o princípio da respeitabilidade das normas cogentes, o qual deve ser considerado para a celebração de acordos processuais.

Ademais, quando a matéria for de reserva de lei, a vontade das partes não é suficiente para que seja criada regra possível de derrogar uma norma legal (CABRAL, 2018, p. 362), demonstrando, consequentemente, que a reserva de lei é mais um aspecto limitador.

Nesse sentido, não são admitidos negócios jurídicos processuais, por exemplo, que versem sobre a admissão de prova ilícita (GAJARDONI, 2015, p. 617), para fixar prioridade de julgamento quando não previsto em lei (GAJARDONI, 2015, p. 629), para modificar regra de competência absoluta (CUNHA, 2017, p. 71) e para criar hipóteses de ação rescisória e de outras medidas tendentes a desconstituir a coisa julgada (YARSHELL, 2017, p. 84).

Deve ser considerada inválida também uma convenção que crie novos recursos ou amplie suas hipóteses de cabimento, uma vez que previsões como essas devem estar dispostas legalmente (CABRAL, 2018, p. 361).

Um último exemplo de negócio jurídico processual que não deve ser admitido em razão de infringir norma cogente é aquele que exclui a participação do Ministério Público quando a lei exige sua presença. Inclusive, há o Enunciado nº 254 do FPPC que indica ser “inválida a convenção para excluir a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica” (BRASIL, 2017).

Assim, os negócios jurídicos processuais devem respeitar o espaço de disponibilidade outorgado pelo legislador, não sendo possível interferir em situações reguladas por normas cogentes e nem sobre matéria reservada à lei (CUNHA, 2017, p. 71-72), sendo mais um limite ao autorregramento da vontade no processo civil.

3.5.3 DOS PRINCÍPIOS DA COOPERAÇÃO E DA BOA-FÉ OBJETIVA

Conforme já visto anteriormente, o CPC/15 trouxe em seu artigo 6º (BRASIL, 2015a) o princípio da cooperação e a ideia de modelo cooperativo de processo, ou seja, todos os sujeitos do processo devem atuar para que o mesmo atinja seu resultado, devendo cada um cumprir seu próprio papel.

Os sujeitos processuais devem colaborar entre si e com o magistrado, para somente dessa forma obter uma solução de mérito efetiva, justa e em tempo razoável. Assim, resta claro que essa regra tão importante para o atual sistema processual não pode ser afastada pela vontade das partes que celebram determinado negócio jurídico processual.

No que se refere ao princípio da boa-fé objetiva, esse vem disciplinado no artigo 5º, CPC/15 (BRASIL, 2015a) e trata-se de um “comportar-se”, ou seja, um padrão de comportamento, diferentemente da boa-fé subjetiva que é um atuar com a intenção de não causar dano.

O modo como qualquer pessoa se comporta gera nos outros uma legítima expectativa e isso vale para os sujeitos processuais, isto é, os padrões de comportamento devem ser respeitados e caso não sejam, devem ser protegidos os que nele confiaram.

Diante disso, corretamente preceitua o Enunciado nº 6 do FPPC ao indicar que “o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação” (BRASIL, 2017).

Insta destacar ainda o teor dos Enunciados nº 405 e 407 do FPPC (BRASIL, 2017), os quais indicam, respectivamente, que “os negócios jurídicos processuais devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” e que “nos negócios jurídicos processuais, as partes e o juiz são obrigados a guardar nas tratativas, na conclusão e na execução do negócio o princípio da boa-fé”.

Finalmente, percebe-se inclusive que o Enunciado nº 407 faz menção implicitamente ao fato de que as partes e o magistrado devem trabalhar de forma cooperativa segundo a boa-fé, ou seja, conforme sugere o princípio da cooperação.

Logo, na celebração de um negócio jurídico processual as partes deverão agir conforme os referidos princípios, uma vez que os mesmos atuam como limitadores da autonomia da vontade dos sujeitos processuais.

4. O CONTROLE JUDICIAL DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

O presente capítulo discorre sobre os aspectos mais importantes relacionados ao exercício do controle judicial dos negócios jurídicos processuais, apresentando como um dos focos principais a relação do magistrado com as convenções processuais.

Além disso, perpassa ainda pela situação das partes vulneráveis e pela relação do controle judicial com o instituto da arbitragem.

4.1  A RELAÇÃO DO MAGISTRADO COM OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

Como bem-visto anteriormente, deve haver um equilíbrio entre a vontade das partes e o caráter público do direito processual civil. Por esse ângulo, tem-se que uma convenção processual não envolve apenas as partes, mas também o próprio juízo, ou seja, o magistrado responsável por solucionar o litígio.

Destarte, é imperiosa a análise de como alinhar os interesses das partes com a atividade jurisdicional sem que haja uma liberdade ou uma limitação excessiva. Para tal, serão dissecados alguns importantes pontos a seguir, quais sejam: se o magistrado efetivamente é parte ou não da relação negocial, se ele se vincula ao negócio jurídico processual celebrado e ainda se o mesmo pode ou não modificar o acordo processual.

A partir dessa breve apresentação, passa-se imediatamente ao exame das mencionadas questões e suas mais expressivas particularidades.

4.1.1 O JUIZ É PARTE DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL CELEBRADO?

A primeira grande questão que se manifesta no presente capítulo é saber se o magistrado pode ou não ser parte da celebração de determinado negócio jurídico processual, ou seja, se o mesmo possui ou não capacidade negocial.

Parte da doutrina, capitaneada por Almeida (2015, p. 143) e Didier Jr. (2016), entende que o juiz tem capacidade negocial sim e, portanto, pode ser parte de um negócio jurídico processual, somando-se sua vontade com a dos demais interessados, sendo este essencial à negociação processual.

Argumenta-se que não se vislumbra qualquer prejuízo ao acordo celebrado, resultando a participação do juiz em uma fiscalização imediata e mais eficaz da validade do negócio jurídico processual e, ainda, quem pode o mais, pode o menos, isso é, já que é permitido negociar sem a participação do juiz, não haveria óbice algum em permitir a negociação com a presença desse (DIDIER JR., 2016).

Para essa corrente doutrinária, um dos casos em que o magistrado atua na posição de parte do negócio jurídico processual é na hipótese do artigo 191, CPC/15 (BRASIL, 2015a), qual seja, o calendário processual, sendo sua concordância indispensável para a eficácia da convenção. Nesse contexto, o raciocínio é de que, já que as partes determinam certas datas para a prática de atos processuais, inclusive para os quais há que se ter a presença e a participação do juiz, o próprio magistrado deve, portanto, aquiescer com o que foi ajustado (ALMEIDA, 2015, p. 143).

No entender de Yarshell (2017, p. 79), com exceção da particular hipótese do calendário processual, o juiz não é parte no negócio jurídico processual, nem mesmo quando a discussão ocorre em sua presença, uma vez que do magistrado não emana declaração de vontade constitutiva do acordo processual.

Já para Cabral (2018, p. 252-255), o juiz não possui capacidade negocial em nenhum caso. Isso porque a capacidade negocial não é própria da função jurisdicional, sendo um poder jurídico outorgado às partes processuais para que elaborem normas jurídicas individuais (KELSEN apud CABRAL, 2018, p. 252).

Nesse sentido, somente as partes que possuírem algum interesse na demanda é que gozarão de capacidade negocial para definir regras do procedimento ou criar, modificar e extinguir situações jurídicas processuais (KELSEN apud CABRAL, 2018, p. 252).

Ademais, o fato de o magistrado ser parte em um negócio jurídico processual seria incompatível com o exercício de sua função de controle exercida em face da validade dos negócios jurídicos processuais (CABRAL, 2018, p. 253).

No que diz respeito ao calendário processual, mesmo que o magistrado o estimule, tem-se apenas um ato consensual das partes que é apresentado ao juiz para que decida a respeito, não negociando termo algum do que foi acordado (CABRAL, 2018, p. 253).

Em que pese não haver um consenso doutrinário em relação ao magistrado ser parte ou não da convenção processual, o mesmo não precisa ser considerado parte para atuar e interferir nos negócios jurídicos processuais celebrados. É possível inclusive que o juiz participe como fiscal e incentivador dos acordos processuais, conforme se analisará ao longo deste capítulo.

Por conseguinte, não se faz necessária uma resposta definitiva quanto ao magistrado ser ou não parte, uma vez que na prática os efeitos e as consequências serão os mesmos, independentemente de qual vertente doutrinária escolhida.

4.1.2 O JUIZ SE VINCULA AO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL CELEBRADO?

As partes de um negócio jurídico processual estão vinculadas em razão da manifestação de vontade decorrente do exercício de sua autonomia negocial, pois se foram decididos conjuntamente os termos do acordo, estes devem ser respeitados. As obrigações devem ser assumidas de forma voluntária, havendo na verdade uma autovinculação.

No que diz respeito ao magistrado, sua vinculação ao negócio jurídico processual decorre da chamada heterolimitação da atuação judicial que incide sobre os atos e as formalidades do processo, uma vez que as partes atuam de forma legítima e baseadas na autonomia da vontade que o próprio ordenamento jurídico lhes assegura (CABRAL, 2018, p. 256).

O juiz, então, possui o dever de aplicar a norma que foi convencionada pelos sujeitos, isso porque ele não respeita e aplica apenas à norma legislada, mas também à norma convencional estipulada no limite da autonomia privada (COSTA JR., 1994, p. 46). Se a possibilidade de celebrar negócios jurídicos processuais está prevista expressamente no Código de Processo Civil, em princípio não há razão para que o magistrado não esteja vinculado ao que for pactuado. Dessa forma, ainda que não seja considerado como parte do negócio jurídico processual, o magistrado se encontraria vinculado aos termos do que houver sido estipulado.

Corroborando nesse sentido, dispõe o artigo 191, §1º, CPC/15 que o calendário processual vincula não somente as partes, mas também o juiz, sendo os prazos somente modificados excepcionalmente e de forma justificada. Isso é razoável, pois caso o magistrado não se vinculasse ao calendário, não haveria razão alguma em sua elaboração, uma vez que o mesmo restaria impraticável.

Ocorre que essa vinculação não é absoluta a todo e qualquer negócio jurídico processual (ALMEIDA, 2015, p. 142). Conforme já analisado anteriormente, a autonomia da vontade das partes não é ilimitada e deve respeitar, por exemplo, a ordem pública processual e os limites que dela emanam.

Caso não haja respeito aos limites existentes, o magistrado não estará vinculado ao objeto da negociação processual e o mesmo estará sujeito ao seu controle, prerrogativa esta que será estudada com mais detalhes em tópico posterior.

No entanto, na ocasião de ser válido o negócio jurídico processual e estarem cumpridos todos seus requisitos legais, não é possível que o magistrado impeça o exercício da autonomia das partes, estando vinculado aos termos do acordo.

Assim, tem-se que mais uma vez a solução é o equilíbrio entre a autonomia da vontade das partes e o publicismo processual. O juiz em princípio estará vinculado sim ao negócio jurídico processual, no entanto, não há qualquer impedimento para que exerça sua função fiscalizadora na ocasião de haver algum vício no negócio firmado.

4.2 O CONTROLE JUDICIAL DE VALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS EM CASO DE NULIDADE

A hipótese de controle judicial que se afigura no presente tópico se refere a decretação pelo magistrado de invalidade do negócio jurídico processual no caso de nulidade e encontra-se disposta no parágrafo único do artigo 190, CPC/15 (BRASIL, 2015a).

Nesse contexto, é oportuno ressaltar mais uma vez que o negócio processual é independente do negócio material no caso concreto, sendo possível, portanto, que a nulidade de um seja declarada altivamente da do outro.

Passa-se agora à análise de alguns aspectos e comportamentos que o juiz deve ter ao invalidar determinado negócio jurídico processual.

O aspecto inicial que deve ser levado em consideração pelo magistrado é o respeito ao já mencionado princípio do in dubio pro libertate na análise da relação entre o publicismo processual e a autonomia da vontade das partes. Nesse sentido, o magistrado somente irá decretar nula uma convenção processual após ter argumentos efetivos e concretos para tal, uma vez que de início a vontade das partes deve ser respeitada.

Tem-se também a necessidade de se observar as regras da instrumentalidade das formas e a de que não há nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief). A primeira se refere à verificação sobre se o negócio jurídico processual atingiu ou não seu objetivo, ainda que contenha algum vício, enquanto a segunda indica que somente haverá o reconhecimento de uma nulidade se houver prejuízo à alguma das partes do processo, ou seja, aproveita-se um ato processual defeituoso desde que ele tenha atingido sua finalidade.

Nesse sentido, destaca-se o Enunciado nº 16 do FPPC que expressamente dispõe sobre a aplicação da regra de que não há nulidade sem prejuízo ao indicar que “o controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo” (BRASIL, 2017).

Assim, o juiz irá aproveitar, quando possível, as partes do acordo processual que não tenham sido contaminadas pela invalidade, decretando apenas sua nulidade parcial (CABRAL, 2018, p.422), conforme bem preconiza a redação do Enunciado nº 134 do FPPC que prevê que o “negócio jurídico processual pode ser invalidado parcialmente” (BRASIL, 2017).

Sob a mesma linha de análise da instrumentalidade, Cabral (2018, p. 422-423) defende que se deve aplicar ainda a regra da conversão ou fungibilidade, aproveitando a manifestação de vontade externa pelas partes processuais para que sejam preservados os negócios jurídicos processuais.

Dessa forma, a fungibilidade é aproveitar o suporte fático deficiente de um negócio processual para a produção de efeitos de outro negócio processual, uma vez que neste o suporte fático é suficiente.

Um exemplo defendido por Cabral (2018, p. 425) de aplicação da fungibilidade aos negócios jurídicos processuais é no caso de haver um defeito formal na hipoteca (como por exemplo a ausência de poderes específicos no mandato), em que poder-se-á aproveitar a manifestação de vontade das partes, por meio da fungibilidade, e restar configurado um acordo processual atípico sobre a penhorabilidade do bem.

No entanto, é imperioso preservar a vontade das partes e o resultado por elas buscado, caso contrário o negócio jurídico processual convertido poderia implicar em efeitos contrários àqueles desejados pelas partes (CABRAL, 2018, p. 423).

Ademais, em que pese haver alguma afinidade entre a convenção processual praticada e aquela convertida, produzindo efeitos a vontade das partes, qualquer que seja o nome atribuído ao negócio jurídico, ao aplicar a fungibilidade não deve ser obrigatória uma total correspondência entre os efeitos de ambos os negócios jurídicos, uma vez que estar-se-ia limitando de forma indevida a fungibilidade (CABRAL, 2018, p. 423-424).

Um último aspecto a ser levado em consideração pelo magistrado na decretação de invalidade de um negócio jurídico processual é a realização de um contraditório prévio.

O que se procura evitar, principalmente, são as decisões surpresas de invalidação de um negócio jurídico processual em respeito ao disposto nos artigos 7º, 9º e 10º, do CPC/15 (BRASIL, 2015), os quais tratam do dever de exercer o princípio do contraditório pelo Estado-juiz. É por isso que as decisões que invalidam uma convenção processual devem se originar de um debate amplo e irrestrito às partes (CABRAL, 2018, p .425).

Mais uma vez faz-se necessário destacar um enunciado do FPPC, qual seja, o Enunciado nº 259 que dispõe que “a decisão referida no parágrafo único do artigo 190 depende de contraditório prévio” (BRASIL, 2017).

Outro enunciado do FPPC relacionado com o controle judicial dos negócios jurídicos processuais é o de nº 413[6], que reitera que não há qualquer óbice à sua celebração nos juizados especiais e que os mesmos também estão sujeitos ao controle judicial na forma do parágrafo único do artigo 190, CPC/15. Nesse caso, há que se ter uma análise especial à compatibilidade da convenção processual com os princípios norteadores dos juizados especiais disciplinados no artigo 2, da Lei nº 9099/95 (BRASIL, 1995).

Finalmente, é imprescindível a análise do Enunciado nº 36 da ENFAM cujo teor há de ser destacado integralmente:

a regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei (BRASIL, 2015b).

O enunciado diz respeito à orientação no sentido de serem estabelecidos alguns limites à negociação das partes em função de situações que afetariam poderes e deveres do magistrado.

Estas limitações estão diretamente conectadas com os limites derivados da ordem pública processual analisados anteriormente, bem como com a harmônica convivência entre a o publicismo processual e a autonomia da vontade das partes.

As limitações relacionadas com a atuação do magistrado são razoáveis e contribuem para o bem-estar processual, uma vez que não haveria propósito de uma convenção processual interferir indiscriminadamente na atividade jurisdicional.

Assim, ante o exposto, faz-se necessário que o magistrado observe determinados princípios e parâmetros na decretação de nulidade de uma convenção processual, especialmente no que diz respeito ao in dubio pro libertate e à máxima de que não há nulidade sem prejuízo.

4.3 DA PROTEÇÃO ÀS PARTES VULNERÁVEIS E OS CONTRATOS DE ADESÃO

Outras situações em que o magistrado exercerá seu controle judicial e não aplicará a convenção processual são nos casos de alguma das partes estar em manifesta situação de vulnerabilidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão, conforme preconiza o parágrafo único do artigo 190, CPC/15 (BRASIL, 2015a).

Tem-se que ambas as situações se referem à manifestação de vontade das partes, assim, a hipótese de contratos de adesão também se resume na existência de vulnerabilidade, fazendo com que seja possível o estudo conjunto.

De início, há que se destacar que por sua própria natureza, em regra, os negócios jurídicos processuais demonstrarão certa desigualdade entre as partes. Isso porque as mesmas são diferentes e possuem interesses diversos, sendo, portanto, algo natural. Nesse sentido, pode-se afirmar que em princípio esse desequilíbrio não será causa de invalidação da convenção (ALMEIDA, 2015, p. 162).

O problema se apresenta quando esse desequilíbrio se torna tão evidente e danoso a ponto de carecer uma intervenção do magistrado. Tem-se, então, que deverá haver uma limitação à autonomia da vontade dos contratantes. Faz sentido, portanto, a afirmação de Greco (2008, p. 293) ao dispor que “a igualdade das partes deve ser concreta, e não apenas formal, o que exige um juiz vigilante para suprir, em caráter assistencial, as deficiências defensivas do mais fraco em relação ao mais forte”.

Essa interferência do magistrado na relação privada das partes possui uma relação direta com a função social do contrato, conforme assevera Almeida (2015, p. 165):

a interferência do Estado vai ao encontro da função social do contrato quando tem por escopo impedir que o maior poderio de um dos contratantes coloque o mais fraco em posição de demasiada fragilidade sem que, certas vezes, ele pudesse perceber no momento de contratação – por ignorância, despreparo ou falta de clareza das condições que impeça sua percepção – ou sem que tivesse a opção entre contratar ou deixar de fazê-lo. Porém, não alcançaria a mesma finalidade quando servisse ao contratante mais fraco como forma de fugir de suas responsabilidades debaixo das asas do Estado.

Assim, não se busca o equilíbrio perfeito nos negócios jurídicos processuais, mas sim um ajuste quando o natural desequilíbrio da relação negocial restar excessivo e abusivo e for capaz de afetar negativamente outros direitos e garantias processuais.

Em relação aos vulneráveis, a vulnerabilidade nesse caso deve ser entendida como a processual (NEVES, 2017, p. 398), podendo decorrer de vários fatores de natureza social, cultural, técnica (inclusive jurídica), tecnológica ou econômica, por exemplo, devendo a parte ter celebrado a convenção processual em manifesta situação de vulnerabilidade.

A vulnerabilidade não enseja a automática nulidade do negócio jurídico processual, devendo ser comprovado no caso concreto que o acordo trouxe prejuízos à parte vulnerável, tendo imposto um sacrifício injustificado à mesma.

Um parâmetro a ser utilizado pelo magistrado para analisar se a convenção é válida ou não é verificar se o negócio jurídico processual no caso concreto tornou-se benéfico ao vulnerável como, por exemplo, um acordo que tenha ampliado os prazos processuais. Assim, se o resultado final for positivo para o vulnerável, o acordo processual pode ser considerado válido, ainda que haja alguma desigualdade intrínseca entre as partes. Por outro lado, se o acordo processual prejudica o vulnerável, o magistrado o decretará como inválido (CABRAL, 2018, p. 374-375).

Ademais, um caso em há uma presunção de vulnerabilidade é quando a parte celebra o acordo processual sem assistência jurídica, ou seja, sem a presença de um advogado, conforme dispõe o já mencionado Enunciado nº 18 do FPPC (BRASIL, 2017).

No que diz respeito aos contratos de adesão, a pretensão de igualdade nem mesmo existe, uma vez que um contratante impõe as regras aos outros. No entanto, os acordos processuais podem ensejar disposições processuais sem que nenhum dano seja gerado ao aderente, não devendo existir nenhuma presunção de prejuízo (ALMEIDA, 2015, p. 167-168).

O maior exemplo de negócio jurídico processual em contratos de adesão é a cláusula de eleição de foro (artigo 63, CPC/15 (BRASIL, 2015a)) que é amplamente aceita pela jurisprudência do STJ. O entendimento da Corte Especial é que, em princípio, a cláusula de eleição de foro é válida, precisando ser afastada apenas no caso de realmente dificultar o acesso à justiça ou no caso de hipossuficiência de uma das partes, devendo a análise se dar de forma casuística, conforme decidiu a Terceira Turma no Recurso Especial nº 1707855/SP (BRASIL, 2018a) e a Quarta Turma no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1178201/SP (BRASIL, 2018b).

a jurisprudência do STJ tem se orientado pela indispensável demonstração de prejuízo ao exercício do direito de defesa do consumidor para restar configurada a nulidade da cláusula de eleição de foro. Esta posição intermediária protege a parte vulnerável e hipossuficiente e, ao mesmo tempo, permite o desenvolvimento equilibrado e harmônico da relação de consumo, sempre com vistas às concretas e particulares realidades que envolvem as pessoas do consumidor e do fornecedor.  Acaso comprovada a hipossuficiência do consumidor ou a dificuldade de acesso ao judiciário, o magistrado está autorizado a declarar a nulidade da cláusula de eleição e remeter o processo à comarca do domicílio do consumidor. Na hipótese, primeiro e segundo graus de jurisdição foram uníssonos ao registrar que não há prejuízos à defesa do recorrente. (…). Preserva-se, portanto, a validade da cláusula de eleição de foro.

Dessa forma, o próprio artigo 63, §3º, do CPC/15 expressamente dispõe que o magistrado, antes mesmo da citação do réu, poderá de ofício decidir pela ineficácia da cláusula de eleição de foro caso a considere abusiva (BRASIL, 2015a).

Assim, resta nítido que os negócios jurídicos processuais tendem a ser muito mais úteis e utilizados em contratos negociados com maior igualdade de direitos e deveres. Por outro lado, nos contratos de adesão, em razão da não negociação de suas cláusulas, tende a ser mais limitado o desenvolvimento de alguma cláusula processual, uma vez que nesses casos o magistrado deverá interferir em prol da parte vulnerável caso seja necessário.

Nesse sentido, apresenta-se correto o ensinamento de Almeida (2015, p. 169) de que “quando a vontade do mais forte impõe a disposição de direito processual indisponível, como o direito de defesa, por exemplo, a convenção deverá ser invalidada e não surtirá efeito no processo. A desigualdade de forças originou o vício”.

Diante do exposto, caberá ao magistrado a análise casuística de uma eventual nulidade de negócio jurídico processual em contrato de adesão, sendo a previsibilidade de normas isonômicas, que tratem de forma igual o aderente e a parte que elaborou o contrato, um indício de que a convenção é válida (NEVES, 2017, p. 397).

Por fim, é imprescindível mencionar o teor do Enunciado nº 408 do FPPC (BRASIL, 2017), o qual dispõe que “quando houver no contrato de adesão negócio jurídico processual com previsões ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”, estando em consonância com a redação do artigo 423 do Código Civil (BRASIL, 2002), bem como com o disposto no CPC/15 no que tange à proteção das partes aderentes à contratos de adesão abusivos, ambíguos ou contraditórios.

4.4 DA POSSIBILIDADE DE O JUIZ MODIFICAR OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS EM RAZÃO DE DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE

Finalmente, o que se apresenta à discussão no presente item é acerca da possibilidade de o magistrado alterar um negócio jurídico processual por provocação de uma das partes caso sinta-se prejudicada, ou seja, por meio de um pedido de revisão judicial do negócio celebrado.

O juiz deverá balancear os limites da autonomia da vontade com os interesses públicos envolvidos e com o efeito vinculante oriundo da celebração do acordo, ou seja, irá sopesar se há de fato um desequilíbrio negocial e se o mesmo justifica algum ajuste ou não.

De início merece destaque um instituto do direito contratual desenvolvido por Schreiber (apud CABRAL, 2018, p. 400-401), qual seja, o dever legal de renegociação, que seria como um dever anexo ao da boa-fé objetiva, considerado como um dever de comportamento. Este dever preconiza que as partes devem tentar chegar a um acordo de revisão contratual extrajudicialmente antes de ingressar na esfera judicial.

Nesse sentido, nas palavras de Schreiber (2018), o dever legal de renegociação se desdobra em dois aspectos fundamentais, quais sejam:

(a) para quem sofre o desequilíbrio, o dever de renegociar impõe informar prontamente o desequilíbrio contratual ao outro contratante, formulando um pleito de revisão do contrato; (b) para quem se beneficia do desequilíbrio, o dever de renegociar impõe analisar, com seriedade, o pleito eventualmente apresentado pelo outro contratante e respondê-lo, ainda que para negá-lo – o que, ao menos, indicará ao contratante que sofre a excessiva onerosidade qual o caminho a adotar.

Assim, no caso de um eventual desequilíbrio na relação negocial, a parte prejudicada deve informar à outra imediatamente para que ambas realizem uma renegociação dos termos de forma consensual.

O dever de renegociar também deve ser aplicado aos negócios jurídicos processuais, uma vez que vai ao encontro dos princípios da cooperação e da boa-fé processual. Nessa concepção, a ausência da tentativa de renegociação extrajudicial seria interpretada como uma falta de interesse de agir e, consequentemente, culminaria na extinção da demanda revisional em questão sem julgamento de mérito (SCHREIBER apud CABRAL, 2018, p. 401).

Portanto, somente quando não alcançada a renegociação extrajudicial e após o impulso oficial é que deverá o magistrado se manifestar. Nesse caso, é imperioso ressaltar que será sempre mais interessante preferir pela eventual modificação do acordo a pela sua simples extinção, sendo esta sempre uma medida excepcional. O juiz, então, analisará se as circunstâncias do caso concreto ensejam a modificação do negócio jurídico processual ou não.

O acordo celebrado pode ser modificado em razão da ocorrência de eventos supervenientes. Dessa forma, faz-se necessário analisar a implicação dos institutos da cláusula rebus sic stantibus e da teoria da imprevisão[7] nos negócios jurídicos processuais.

Não há motivos para que não sejam ambos institutos aplicados aos negócios jurídicos processuais, especialmente em situações jurídicas proteladas no tempo, desde que satisfeitas suas condições, quais sejam: (a) alteração das condições iniciais de pactuação presentes no momento da negociação e (b) constituição de uma nova situação imprevisível e extraordinária (CABRAL, 2018, p. 405).

Nesse sentido, um exemplo de modificação possível de ser realizada pelo magistrado é no caso de determinado acordo processual referente ao custo do processo quando a situação financeira de uma das partes se altera posteriormente. Outra hipótese é quando o acordo processual se refere à renúncia de produção de prova testemunhal ou pericial, mas ocorre que a parte demonstra que o documento capaz de comprovar o alegado se perdeu sem sua culpa e após a celebração do referido acordo, podendo, portanto, o magistrado alterar o pactuado (CABRAL, 2018, p. 406).

Schreiber (apud CABRAL, 2018, p. 407) propõe ainda que seja utilizado como critério pelo juiz o princípio do equilíbrio contratual, ou seja, deve-se objetivar uma mínima proporcionalidade nas prestações de cada parte envolvida no negócio jurídico. Contudo, isto não significa que as prestações devam ser iguais, mas apenas busca-se impedir que uma das partes sofra um sacrifício econômico desproporcional.

Conforme o exposto, percebe-se que eventuais modificações realizadas pelo magistrado se apresentam muito mais comuns e necessárias em negócios jurídicos celebrados pré-processualmente, ou seja, anteriores à instauração da demanda. Isso porque a situação fática pode ser posteriormente alterada, gerando um desequilíbrio na relação prestacional das partes.

No entanto, é importante que o magistrado esteja atento ao fato de que os celebrantes do negócio processual estão sujeitos aos riscos normais oriundos da própria esfera negocial, os quais eram previsíveis ao tempo da negociação. O juiz não deve atuar no sentido de corrigir eventual atuação negligente da parte e nem para reparar um prognóstico mal estipulado (CABRAL, 2018, p. 406).

Além disso, é normal que haja algum grau de disparidade na relação negocial, sendo resultado de uma negociação livre e autônoma. Dessa forma, o magistrado deve conhecer bem as circunstâncias do caso concreto para não agir de forma contrária à vontade das partes e arriscar até mesmo quebrar o sinalagma negocial caso atue precipitada e inadvertidamente.

Por fim, com o intuito de evitar algo nesse sentido, o juiz pode-se valer do exercício de seus deveres de diálogo e consulta, os quais são oriundos dos princípios do contraditório e da cooperação, e assim questionar às partes sobre o que pretendiam com o negócio jurídico processual em análise.

4.5 OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS COMO UMA ALTERNATIVA À ARBITRAGEM

O instituto da arbitragem possui previsão expressa no CPC/15 em seus artigos 3, parágrafo 1º e 42, os quais preveem que a mesma é permitida na forma da lei, sendo um direito das partes a opção por instituir um juízo arbitral (BRASIL, 2015a).

Em relação à sua legislação específica, a arbitragem encontra-se regulamentada pela Lei nº 9.307/96 e se traduz como uma técnica de solução de conflitos, por meio da qual um terceiro imparcial e desinteressado irá compor um conflito, adjudicando a vontade das partes, desde que se trate de um direito patrimonial disponível. Portanto, tem-se na arbitragem uma alternativa muito mais célere ao processo judicial convencional.

Em um primeiro momento questionou-se a constitucionalidade da Lei nº 9.307/96, pois a mesma supostamente estaria infringindo o disposto no artigo 5, XXXV, CRFB/88, qual seja, a inafastabilidade da prestação jurisdicional (BRASIL, 1988). No entanto, essa eventual inconstitucionalidade foi afastada pelo STF em declaração incidental no julgamento da homologação de sentença estrangeira SE nº 5.206-7, sob o argumento de que a inafastabilidade é condicionada à vontade das partes, ou seja, o exercício da jurisdição na solução de um conflito é disponível, dependendo do interesse da parte envolvida (BRASIL, 1997).

Há ainda uma questão mais doutrinária no sentido de estabelecer se a arbitragem é um equivalente jurisdicional (o terceiro julgador não é um juiz de direito e seria admitida sua escolha, ferindo o princípio da investidura e do juiz natural) ou se é a própria jurisdição (a sentença arbitral é título executivo judicial, ou seja, possui status semelhante à sentença de juiz togado, além disso, o juiz togado não pode adentrar no mérito da sentença arbitral, somente podendo anulá-la por vício e não reformá-la[8]), a qual não se traduz como muito relevante para o presente trabalho e nem apresenta grandes implicações práticas (NEVES, 2017, p. 77-78).

Dessa forma, independentemente da natureza jurídica da arbitragem, percebe-se que é um mecanismo que exclui totalmente determinados desacordos da apreciação pelo Poder Judiciário.

A arbitragem, no entanto, é utilizada apenas por uma pequena parcela da população, em razão de seu elevado custo e por ser necessário que a disputa se refira a direitos disponíveis. Por outro lado, o processo estatal possui regras mais rígidas e se mostra mais moroso, apesar de ser muito mais acessível ao cidadão.

Portanto, é nesse contexto que se deve entender os negócios jurídicos processuais como uma medida intermediária entre a arbitragem e o processo judicial convencional. Devem as convenções processuais reunir os benefícios da arbitragem com os do processo judicial, alcançando assim um processo judicial mais efetivo.

Os acordos processuais possuem a flexibilidade da arbitragem com a manutenção da atuação estatal. Portanto, pode-se supor que na medida em que as convenções processuais tornem-se mais comuns, poderá haver uma natural redução da utilização da arbitragem como, por exemplo, em casos que não envolvam quantias tão altas (CABRAL, 2018, p. 236-237).

Sob a ótica desse mesmo raciocínio, Greco (2012, p. 301-302) leciona que:

se, respeitados certos princípios inderrogáveis, na arbitragem as partes podem ditar o procedimento a ser seguido pelos árbitros, porque não permitir que, perante os juízes profissionais, as partes possam dispor sobre o modo que consideram mais adequado de direção do seu processo, os prazos a serem observados, a escolha de comum acordo do perito a atuar na instrução da causa e tantas outras questões em que a lei atualmente é imperativa ou em que a margem de flexibilidade está entregue ao poder discricionário do juiz? Tudo isso, sem abrir mão da justiça estatal, ao contrário, prestigiando-a e fortalecendo-a, dela usufruindo o que ela tem de melhor, que é a sua experiência na composição dos conflitos e a sua estruturação hierárquica, que garante sempre ao vencido uma segunda oportunidade de julgamento por magistrados mais experientes.

Assim, no que diz respeito, especificamente, ao controle judicial dos negócios jurídicos processuais e sua relação com a arbitragem, pode-se fazer uma correspondência com o fato de que quanto maior for o controle judicial, mais propício será de as partes escolherem pela realização do procedimento arbitral ao invés de celebrarem uma convenção processual.

Isso porque se o controle for muito limitador da vontade das partes, o desejo por um procedimento mais flexível ensejará a busca pela arbitragem.

Portanto, caberá ao magistrado atuar sempre observando o melhor interesse das partes em conformidade com o publicismo processual. Desse modo, será possível viabilizar o instituto do negócio jurídico processual e, consequentemente, oportunizar aos jurisdicionados mais, melhores e efetivas condições processuais.

5. HIPÓTESES DE ESTUDO: NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS DESTACADOS E A RESPECTIVA ATUAÇÃO JUDICIAL

No capítulo que se apresenta são destacadas certas hipóteses de negócios jurídicos processuais, sobretudo os atípicos, que influenciam de alguma forma a atividade jurisdicional.

Nesse sentido, são demonstrados os principais reflexos na atuação do magistrado e como deve ser desenvolvida a relação entre o atuar do juiz e as convenções processuais apresentadas.

5.1 A CALENDARIZAÇÃO PROCESSUAL

O primeiro negócio jurídico processual a ser analisado com destaque é uma grande inovação trazida pelo CPC/15 e se refere a um negócio jurídico processual típico, qual seja, o calendário processual, o qual encontra-se disposto no artigo 191 do CPC/15 (BRASIL, 2015a).

O instituto nada mais é do que um calendário fixado para a prática dos atos processuais em determinada demanda, sendo estabelecido um cronograma sobre o procedimento. Inclusive, o calendário não precisa se ater somente até o momento da sentença, podendo dispor também em relação aos termos de eventuais recursos que se façam necessários (COSTA, 2017, p. 514).

É um negócio jurídico processual a ser celebrado entre o juiz e as partes e, sendo o caso, terceiros intervenientes ou ainda o Ministério Público na qualidade de fiscal da ordem jurídica, os quais deverão concordar com o proposto, salvo no caso do acordo não lhes gerar prejuízo (NEVES, 2017, p. 408).

Ademais, é imprescindível que haja consenso entre a vontade das partes e a do magistrado, conforme a própria redação do artigo 191 do CPC/15 que indica ser de comum acordo o estabelecimento do calendário processual.

Com o intuito de ilustrar, Câmara (2016, p. 126-127) apresenta o seguinte exemplo:

imagine que em um determinado processo as partes e o juiz tenham fixado o seguinte calendário: a partir da data da celebração do negócio processual, as partes terão trinta dias para juntar documentos; em seguida, disporão do prazo comum de dez dias para que cada uma se manifeste sobre os documentos juntados pela parte adversária; a seguir, o perito terá sessenta dias para apresentar seu laudo e, imediatamente após, os assistentes técnicos das partes disporão do prazo comum de quinze dias para a apresentação de seus pareceres críticos ao laudo. Trinta dias depois do término do prazo para apresentação dos pareceres dos assistentes técnicos será realizada uma audiência de instrução e julgamento e, em seguida, o juiz terá quarenta e cinco dias para proferir sentença.

O acordo de calendarização pode ser de iniciativa das partes, do magistrado ou de ambos em conjunto como, por exemplo, durante uma audiência de saneamento e organização do processo designada para tal. A fim de chancelar essa possibilidade está a redação do Enunciado nº 299 do FPPC que indica que “o juiz pode designar audiência também (ou só) com objetivo de ajustar com as partes a fixação de calendário para fase de instrução e decisão” (BRASIL, 2017).

Ainda no que tange ao momento para a celebração do calendário processual, o Enunciado nº 628 do FPPC dispõe que é possível que as partes celebrem negócios jurídicos processuais em audiências de conciliação ou mediação, o que inclui certamente a calendarização processual (BRASIL, 2017).

Nesse contexto, é importante ressaltar que em nenhuma das hipóteses será dispensado o consenso, ou seja, nem as partes podem impor sua vontade ao magistrado e nem o mesmo poderá impor um calendário a elas.

No caso de um calendário proposto pelos demandantes, o magistrado deverá homologá-lo caso concorde com os termos instituídos, sendo sua homologação elemento integrativo de eficácia do negócio celebrado (COSTA, 2017, p. 519). Caso não possua a anuência do magistrado, o calendário será inoponível ao mesmo.

Para o calendário ser aceito pelo juiz, esse observará por meio de critérios de razoabilidade a conveniência e a oportunidade de os atos poderem ser praticados nas datas propostas. Nesse sentido, será avaliada não só a gestão do processo individualmente, mas também a gestão dos demais processos do juízo (BANDEIRA, 2015).

Ao magistrado, portanto, caberá a incumbência de defender e proteger os interesses públicos em pauta (ALMEIDA, 2015, p. 212) e, conforme vem sendo apresentado ao longo do presente trabalho, a autonomia da vontade das partes deve ser mitigada pela supremacia da ordem pública, convivendo as duas em plena harmonia. Caso a opção seja por rejeitar o acordo, deverá a decisão ser fundamentada, conforme dispõe o artigo 11 do CPC/15 (BRASIL, 2015a).

Por outro lado, não é possível que o juiz imponha uma calendarização por conta própria, sob pena de ativismo judicial, ferindo consequentemente a isonomia das partes. Sendo assim, o que se tem como situação ideal é que o calendário seja proposto e celebrado por acordo em audiência, na qual é possível verificar uma gestão compartilhada dos atos processuais entre as partes e o juiz, respeitando e fazendo valer, dessa forma, os ditames da democratização participativa (COSTA, 2017, p. 520).

Há que se destacar ainda a hipótese prevista no artigo 357, §8º, do CPC/15 acerca da possibilidade de o próprio magistrado estabelecer um calendário na prova pericial, desde que observado o disposto no artigo 465 do mesmo diploma legal, o qual apresenta os termos deste calendário (BRASIL, 2015a). Entretanto, este não confunde o calendário processual como negócio jurídico processual típico.

Uma vez firmado um calendário processual, as partes e o magistrado estarão vinculados aos termos pactuados, conforme a redação do parágrafo 1º do artigo 191 do CPC/15 (BRASIL, 2015a), o qual indica que os prazos determinados só poderão ser modificados de forma excepcional e mediante prévia justificativa. Posto isso, é interessante notar que o Enunciado nº 414 do FPPC (BRASIL, 2017) preconiza que o disposto no referido parágrafo se refere ao juízo, indicando que a calendarização poderá ser efetuada nos Tribunais (SOUSA, MELO e COUTO, 2017).

No entanto, essa vinculação imposta ao juiz não significa que, no caso de não cumprir com um eventual prazo para sentenciar, por exemplo, estará o magistrado sujeito a alguma forma de sanção. Isso porque os seus prazos são considerados impróprios, ou seja, seu descumprimento não gera nenhuma consequência processual (COSTA, 2017, p. 519).

Apesar disso, o respeito aos termos e prazos convencionados proporciona melhores e mais efetivos resultados, além de maior credibilidade à atividade judicial, sendo muito importante o empenho do magistrado para que os objetivos do calendário sejam bem-sucedidos (ALMEIDA, 2015, p. 213-214).

Em razão dessa vinculação, o CPC/15 expressamente prevê no parágrafo 2º de seu artigo 191 sobre a desnecessidade de intimação das partes para praticar os atos processuais ou comparecerem às audiências que estejam devidamente estabelecidos no calendário processual (BRASIL, 2015a).

Entende-se, portanto, que esta é uma das principais vantagens do instituto, em razão de dar concretude ao princípio constitucional da razoável duração do processo, disposto no artigo 5º, LXXVIII, CRFB/88, bem como dar maior previsibilidade às partes acerca do andamento processual (BRASIL, 1988).

Isso porque, dessa forma, evitam-se os chamados “tempos mortos do processo”, ou seja, todo aquele período de espera pelos atos de comunicação procedimental, proporcionando maior celeridade ao feito e livrando o juiz e seus auxiliares de praticarem mais atos do que aqueles de fato necessários (CORREA, 2015, p. 81). Dessa forma, outra vantagem é o fato de a calendarização processual proporcionar mais segurança jurídica às partes, exatamente pela maior previsibilidade em relação à duração do feito (ALMEIDA, 2015, p. 213).

Almeida (2015, p. 215) apenas atenta ao fato de que, por razões óbvias, é necessária a intimação das partes dos termos do calendário processual, por meio do qual se informarão de todas as suas datas e prazos.

Ante o exposto, uma interessante decisão a ser mencionada e analisada é a que foi proferida no acórdão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na Apelação nº 00112116320168190003, conforme ementa a seguir:

[…] CALENDÁRIO PROCESSUAL FIRMADO PELAS PARTES PELO QUAL A CONTESTAÇÃO DEVERIA SER ENTREGUE EM 20/12/2016. PROTOCOLO DA PEÇA APENAS EM 23/01/2017, APÓS O RECESSO FORENSE. POSIÇÃO DA MAIORIA DESTA EG. CÂMARA NO SENTIDO DE RECONHECER SUA TEMPESTIVIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL QUE DEVE SER LIMITADO PELAS CHAMADAS EXTERNALIDADES QUE IMPÕEM CUSTOS A TERCEIROS. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA E ENUNCIADO no 36 DA ENFAM SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SUSPENSÃO DOS PRAZOS ENTRE O DIA 20 DE DEZEMBRO E 20 DE JANEIRO, NA FORMA DO ARTIGO 220 DA LEI ADJETIVA, QUE, POR INTEGRAR O PRÓPRIO FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS, NÃO PODE SER AFASTADO POR CONVENÇÃO DOS LITIGANTES. […] (BRASIL, 2017a).

A câmara cível optou, por maioria, em privilegiar a norma de ordem pública que estipula a data de início do recesso forense em detrimento do calendário processual celebrado pelas partes.

Entendeu-se ser necessário afastar o dispositivo da convenção processual que determinava o termo final de apresentação da contestação para o dia 20 de dezembro de 2016, pois o mesmo infringiu o próprio funcionamento do Tribunal. Portanto, prevaleceu o interesse público ante a autonomia da vontade das partes, sendo certo que eventual embate como o mencionado acima deve ser sempre explorado diante de cada caso concreto.

Cabe ainda uma breve reflexão sobre a compatibilização do calendário processual com a norma fundamental do artigo 12, CPC/15 que dispõe sobre a preferência dos juízes e tribunais pela ordem cronológica de conclusão para proceder com o julgamento da causa (BRASIL, 2015a).

Nesse sentido, Müller (2014, p. 155) apresenta dois possíveis caminhos a serem tomados como solução, quais sejam: atribuir ao calendário um caráter excepcional que o excluísse da aplicação da ordem cronológica; ou então excluir do calendário a estipulação de prazo para a sentença, podendo julgar o processo conforme a ordem cronológica, sendo esta uma sugestão mais razoável por não afastar uma norma fundamental do processo civil sem que haja previsão expressa nesse sentido.

Ante todo o exposto, tem-se, portanto, que o instituto do calendário processual é uma interessante técnica de aceleração processual (i) materializada por meio de um simples ato que preveja todo o cronograma do procedimento; (ii) que não depende de lei para ser aplicada; e (iii) que possui alta eficiência na medida em que contribui para a celeridade processual (COSTA, 2017, p. 526).

Ocorre que, apesar de todos os seus benefícios, são grandes os obstáculos a serem enfrentados, especialmente no que diz respeito à cultura processual existente no Brasil. Nesse sentido, atualmente é pouco o ativismo processual dos jurisdicionados, não muito praticado pelas partes (ALMEIDA, 2015, p. 215), o que torna difícil imaginar uma grande aplicação do calendário processual pelo menos nesses primeiros anos de vigência do CPC/15.

Ademais, deve-se considerar o quão tortuoso é para o magistrado adequar o instituto com sua gestão processual em razão do excesso de processos judiciais com que se encontra a maioria dos juízes brasileiros, sendo esta uma difícil realidade do judiciário nacional.

Nesse contexto, imagine-se, por exemplo, a difícil situação em que o magistrado deverá se atentar a diferentes prazos e procedimentos estabelecidos em diversos calendários processuais, compatibilizando com isso a coordenação de todos os outros processos que não possuem calendarização própria.

Então, não restam dúvidas de que para alguns jurisdicionados será uma excelente opção como, por exemplo, para grandes sociedades empresárias que optam pelo calendário processual ao invés da arbitragem, especialmente em causas de elevada complexidade.

No entanto, para a imensa maioria dos processos judiciais não deverá ter relevante utilidade pelo menos em um futuro próximo, em razão das dificuldades anteriormente mencionadas. Assim, o instituto dependerá de naturais evoluções e aperfeiçoamentos decorrentes de seu período de aplicação para que se torne mais popular e passe a ser frequentemente utilizado de forma efetiva e benéfica para todos os envolvidos.

5.2 A SUPRESSÃO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Diferentemente do calendário processual, a opção pela supressão do duplo grau de jurisdição se materializa na figura do pacto de não recorrer, o qual se fundamenta na cláusula geral do artigo 190, CPC/15, sendo, portanto, um negócio jurídico processual atípico (BRASIL, 2015a).

O pacto de não recorrer é uma convenção que restringe o trâmite processual apenas à primeira instância, ou seja, as partes decidem que em determinado processo não será possível a interposição de recursos.

Diante disso, há uma discussão inicial acerca da constitucionalidade do pacto de não recorrer, uma vez que infringiria o princípio do duplo grau de jurisdição, que é a possibilidade de reexame da causa.

Ocorre que tal princípio, conforme entendimento majoritário (NEVES, 2017, p.1583; MARINONI, 1999, p. 207-233), não possui natureza jurídica de princípio constitucional, não tendo sido previsto nem mesmo implicitamente na CRFB/88, como defendido de forma minoritária (PINTO, 2003, p. 85-87), não havendo, portanto, que se falar em inconstitucionalidade do negócio jurídico processual ora analisado.

Um exemplo em que o próprio legislador infraconstitucional estipulou o procedimento em instância única, demonstrando assim exceção ao princípio do duplo grau de jurisdição, encontra-se nas execuções fiscais em que o valor sendo igual ou inferior a 50 obrigações reajustáveis do tesouro nacional não será cabível apelação à instância superior (OLIVEIRA, 2017, p. 605), conforme disposto no artigo 34, da Lei nº 6.830/80 (BRASIL, 1980).

Já um exemplo de origem constitucional que excepciona o duplo grau de jurisdição é o caso de uma ação que seja de competência originária do STF, conforme preconiza o artigo 102, I da CRFB/88, servindo o STF como instância única (BRASIL, 1988).

Ainda pode-se pensar na teoria da causa madura prevista no artigo 1.013, §3º, I, do CPC/15 como mais um exemplo (BRASIL, 2015a). Isso porque, segundo a referida teoria, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando o processo já estiver em condições de imediato julgamento, mesmo que a matéria não tenha sido apreciada em primeiro grau de jurisdição, sendo uma exceção ao duplo juízo sobre o mérito da causa.

Assim, não estão as partes de uma demanda processual vinculadas constitucionalmente ao duplo grau de jurisdição, sendo possível a negociação processual em que se estabeleça a cláusula de não recorribilidade.

Ultrapassada essa questão inicial, existem outros aspectos a serem considerados a seguir que alcançam a mesma conclusão acima, quais sejam: a constitucionalidade e a licitude da supressão de instância decidida pelas partes.

O próprio conceito de recurso confirma essa tese. Recurso é o meio voluntário de impugnação de decisões judiciais capaz de produzir, no mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do pronunciamento impugnado.

Nesse sentido, o recurso é voluntário e não compulsório, não sendo o caso então de negar que as partes, de forma negociada, possam renunciar antecipadamente seus direitos de recorrer. Inclusive, o direito de recorrer é um direito potestativo processual, o qual objetiva alterar situações jurídicas, e, assim, não se pode impor às partes que não sejam capazes de dispensar esse direito (LIPIANI e SIQUEIRA, 2017, p. 634-635).

Além disso, a própria natureza jurídica do recurso de ser uma extensão do direito de ação implica no fato de que se ninguém é obrigado a ajuizar uma demanda, ninguém pode ser obrigado a recorrer, prolongando o seu direito de ação, ou seja, de fato o recurso é voluntário (LIPIANI e SIQUEIRA, 2017, p. 634-635).

Nesse contexto, a legislação processual civil dispõe no artigo 999 que a parte pode renunciar unilateralmente seu direito de recorrer, independentemente de aceitação pela outra parte (BRASIL, 2015a).

Ante todo o exposto, conclui-se pela plena possibilidade de as partes optarem pela supressão do duplo grau de jurisdição com fulcro na cláusula geral dos negócios jurídicos processuais.

Ainda, no que tange à legislação estrangeira, cita-se por exemplo que o pacto de não recorrer encontra-se expressamente previsto tanto na legislação francesa no artigo 41 do Code de Procédure Civile (FRANÇA, s.d.), quanto na legislação portuguesa no artigo 681º, 1 do Código de Processo Civil de Portugal (PORTUGAL, s.d.).

Um aspecto acerca da supressão do duplo grau de jurisdição que gera controvérsia doutrinária se refere à possibilidade ou não do recurso extraordinário per saltum.

Oliveira (2014, p. 506), por exemplo, sustenta ser possível sim o recurso extraordinário per saltum no caso de as partes terem convencionado apenas pela renúncia do recurso de apelação, não se manifestando sobre o recurso extraordinário. Nesse caso, a decisão de primeiro grau torna-se no caso concreto a última instância, permitindo então o recurso extraordinário para reforma ou invalidação da mesma e caracterizando o chamado recurso extraordinário per saltum.

Em sentido contrário, Lipiani e Siqueira (2017, p. 640-641 e 645) entendem não ser possível o recurso extraordinário per saltum, pois trata-se de matéria referente à organização judiciária que visa excepcionar os recursos que chegam ao STF, não havendo previsão para tal no ordenamento jurídico brasileiro e não podendo ser questão decidida pela vontade das partes.

Parece mais acertado o primeiro entendimento em razão do artigo 102, III da CRFB/88, que dispõe que o recurso extraordinário é cabível para causas decididas em única ou última instância (BRASIL, 1988). Assim, não haveria qualquer violação à CRFB/88 quanto à ocorrência do recurso extraordinário per saltum, uma vez que a competência constitucional do STF restaria preservada.

Já em relação a um eventual recurso especial per saltum, é unânime na doutrina que não há que se falar nesta hipótese, uma vez que conforme a previsão constitucional do artigo 105, II da CRFB/88, o recurso especial somente é cabível contra decisões proferidas por tribunais (BRASIL, 1988).

Na hipótese de não recorrer um acordo pré-processual, as partes podem estipular como exceção à renúncia recursal em casos que se objetive a invalidação da decisão proferida, e não apenas sua reforma, por ela ter incorrido em error in procedendo, ou seja, ter apresentado alguma falha no procedimento. Dessarte, tem-se uma convenção condicionada à inexistência de vícios capazes de invalidar a decisão pronunciada (LIPIANI e SIQUEIRA, 2017, p. 638).

Inclusive, no que se refere ao error in procedendo há que se mencionar que, mesmo que não haja condição estipulada para o caso de sua ocorrência, poder-se-ia utilizar-se da teoria da imprevisão mencionada anteriormente na seção 3.4. para contestar o erro em questão, uma vez que este não foi previsto na convenção pré-processual.

Dessa forma, é também interessante discorrer sobre a hipótese de negociação sobre o cabimento ou não dos embargos de declaração em determinada demanda.

Conforme leciona Oliveira (2014, p. 507), os embargos de declaração serão sempre cabíveis, pois possuem o intuito de aperfeiçoar e integrar a decisão judicial, e não o objetivo de reformar ou invalidar a mesma.

Em contrapartida, Lipiani e Siqueira (2017, p. 639) defendem que é possível sim que as partes optem pela renúncia também dos embargos de declaração. Entretanto, as autoras muito bem sugerem não ser indicado que assim seja feito, caso contrário, poder-se-ia impedir o aperfeiçoamento e a integração do provimento judicial em razão do negócio jurídico processual celebrado, sendo esta uma importante precaução que pode ser tomada pelas partes, evitando qualquer divergência desnecessária.

Além do mais, deve-se lembrar que eventuais abusos que possam ser identificados no caso concreto serão sempre passíveis de um controle pelo magistrado, conforme já minuciosamente analisado ao longo do presente trabalho.

Como parâmetro para auxiliar o magistrado na verificação de um eventual abuso, por exemplo, está o Enunciado nº 406 do FPPC que preconiza que a renúncia a direitos processuais, ou seja, o direito de recorrer, são interpretados estritamente (BRASIL, 2017).

Outro interessante Enunciado sobre a temática em pauta é o de nº 20 também do FPPC e já mencionado em capítulo anterior (BRASIL, 2017). Aqui é relevante destacar que, diferente do que o enunciado dispõe, não é permitido acordo para supressão da primeira instância, pois o negócio processual em análise diz respeito à supressão do duplo grau de jurisdição.

Sendo assim, o enunciado de nº 20 objetiva impedir que uma determinada demanda, que não seja de competência originária de Tribunais, se inicie diretamente em um Tribunal por mera convenção das partes envolvidas. Enquanto, por outro lado, o acordo pela supressão do duplo grau de jurisdição importa apenas no fato dos litigantes decidirem pela não recorribilidade.

Especificamente no que interessa à atuação do magistrado, além de exercer um controle de validade quando necessário, o juiz pode se encontrar em uma situação em que há uma convenção na qual restou pactuada a cláusula de não recorribilidade, mas mesmo assim uma das partes recorreu da decisão proferida.

A solução dessa celeuma passa diretamente pelo teor do Enunciado nº 252 do FPPC que dispõe que “o descumprimento de uma convenção processual válida é matéria cujo conhecimento depende de requerimento” (BRASIL, 2017). Dessa forma, o órgão jurisdicional não poderá agir de ofício, mas apenas se houver iniciativa da outra parte lesada em função do descumprimento do negócio jurídico processual.

É sob essa perspectiva que bem elucidam Lipiani e Siqueira (2017, p. 643):

sendo assim, por exemplo, ainda que o juiz tenha conhecimento da existência de acordo de renúncia de instância, não poderá obstar o processamento de recurso interposto em descumprimento ao referido acordo sem que a parte contrária apresente manifestação neste sentido. A ausência de suscitação do acordo implicaria, nesse caso, sua revogação tácita, de modo que ao juiz não seria dado aplicá-lo. Do mesmo modo, o acordo que tem por objeto os requisitos de admissibilidade do recurso devem ser suscitados pela parte contrária em caso de descumprimento para que possa ser aplicado.

Logo, é função da parte recorrida alegar e comprovar o inadimplemento em caso de descumprimento da convenção, sob pena de preclusão da matéria, não podendo agir de ofício o magistrado (DIDIER JR., 2016).

Ante todo o exposto, a decisão pela não recorribilidade é um direito de escolha das partes, as quais levam em consideração fatores como a justiça que buscam da decisão, bem como o tempo e os custos consumidos durante o trâmite processual (LIPIANI e SIQUEIRA, 2017, p.639), os quais poderiam ser reduzidos em razão do término da demanda em primeira instância.

O objetivo desta espécie de convenção processual não é afastar uma determinada instância, uma vez que afastaria a competência absoluta dos tribunais, as quais encontram-se protegidas pela CRFB/88, mas sim de permitir que as partes, por uma opção voluntária, decidam pelo não exercício de uma faculdade processual, qual seja, recorrer de uma decisão judicial.

Por fim, é razoável ainda se pensar que exatamente por ser uma escolha dos jurisdicionados, os mesmos estarão mais conformados com a decisão final, em que pese ser ela irrecorrível. Ademais, pode-se mencionar como outro beneficiário dessa convenção processual o próprio Estado, uma vez que este terá menos gastos com a manutenção da lide, pois será ela reduzida (LIPIANI e SIQUEIRA, 2017, p. 639).

5.3 A CONVENÇÃO SOBRE PROVAS

A discussão acerca de um negócio jurídico processual envolvendo matéria probatória mais uma vez remonta à questão referente ao publicismo processual e à autonomia da vontade das partes. E assim como concluído anteriormente, a convivência no processo entre ambos deve ser também harmônica e equilibrada nas convenções processuais sobre provas.

Por envolverem matérias tradicionalmente consideradas cogentes como, por exemplo, a busca pela verdade no processo e a própria atividade do magistrado, há certa polêmica quanto à utilização dessas convenções.

De um lado entende-se que a busca da verdade é inafastável e impede a elaboração de negócios jurídicos processuais que obrigam à atividade judicante atuar por meio de meias verdades. No entanto, desde que não haja interferência na revelação adequada dos fatos, são lícitas e capazes de produzir efeito no caso concreto os acordos probatórios (ALMEIDA, 2015, p. 176).

Em contrapartida, essa espécie de acordo processual é apenas um meio das partes regularem o modo de produção da prova, sendo um efeito da autonomia privada no processo. De fato, haverá interferência na atividade do juiz, mas ocorre que essa não é exclusiva dessa espécie de convenção processual, uma vez que é consequência inerente e automática a todo e qualquer negócio jurídico processual o reflexo na atividade do magistrado (GODINHO, 2015, p. 195).

As provas não pertencem ao magistrado e nem às partes, mas sim ao processo, o qual objetiva conquistar elementos probatórios para diminuir ou eliminar o natural estado de incerteza que o habita em razão das partes comumente alegarem versões opostas, dificultando que se alcance a verdade do processo (GODINHO, 2015, p. 196).

Ocorre que o acolhimento das provas não é absoluto, sendo a atividade probatória em sua essência limitada. Nesse sentido, não há por que não permitir as convenções probatórias, uma vez que as eventuais limitações impostas pelas partes seriam apenas mais uma possibilidade autorizada pelo ordenamento, por meio da cláusula geral de negócios jurídicos processuais trazida pela CPC/15 (GODINHO, 2015, p. 196).

Seguindo essa mesma lógica, pode-se dizer que a convenção probatória não é um negócio jurídico processual que dispõe sobre a verdade, mas sim um que estabelece qual será o meio para se provar o fato em discussão. Assim, nada melhor do que as próprias partes indicarem quais os mais adequados meios de prova (SILVA, 2017, p. 571).

Inclusive, as partes já decidem de forma unilateral o que irão provar e como produzirão as provas, então não há sentido em não se permitir que as mesmas façam essa escolha em conjunto (SILVA, 2017, p. 572).

No entender de Greco (2008, p. 301), as convenções probatórias são admissíveis quando for disponível o direito material a ser atingido e desde que não seja reprimido o livre convencimento do magistrado e nem limitado o seu poder de atuar de ofício na produção das provas que entender necessárias ao caso concreto. Ademais, nega a possibilidade de convenções de restrição probatória, considerando que seria nula, por exemplo, o acordo no sentido de limitar a investigação à produção apenas de provas orais.

Há doutrina que corrobora esse entendimento sustentando que a ordem pública processual não permite acordos processuais que proíbam a determinação de provas de ofício pelo magistrado ou que o vinculam à aceitação de apenas um exclusivo meio de prova (TARUFFO apud ALMEIDA, 2015, p. 175.).

Em sentido oposto e com mais razão Câmara (2016, p. 125) defende que é válido sim um negócio processual em que as partes estabeleçam limites à instrução probatória, sugerindo também a solução para um possível transtorno que pode surgir, qual seja:

como fazer naqueles casos em que, tendo as partes celebrado negócio processual que veda a produção de certo meio de prova, o juiz considere o material probatório deficiente para o julgamento da causa? Pois nestes casos deverá o juiz decidir com apoio nas regras de distribuição do ônus da prova, decidindo contrariamente àquele sobre quem incidia o ônus da produção da prova não produzida.

Inclusive, as partes podem se convencionar acerca da inadmissibilidade de um determinado meio de prova como, por exemplo, a opção por não arrolarem testemunhas em um processo (CÂMARA, 2016, p. 125).

Um caso peculiar seria aquele em que se decidiu pela exclusão de uma espécie de prova e se convencionou que o ônus da prova seria de uma das partes apenas, ou seja, a parte restou com a obrigação de se desvencilhar do ônus probatório sem poder se utilizar da prova excluída no acordo processual.

Nessa hipótese, em princípio, parece evidente que há um desequilíbrio processual grande, o qual beira a abusividade. Assim, deverá o magistrado, caso realmente o observe no caso concreto, controlar a validade da convenção processual nos termos do parágrafo único, do artigo 190 e do artigo 373, §3º, II, ambos do CPC/15 (BRASIL, 2015a).

Esse último dispositivo indica exatamente que a distribuição do ônus da prova pode ser estipulada diversamente por convenção das partes, mas que não pode tornar excessivamente difícil a uma delas o exercício do direito, configurando uma prova diabólica, a qual é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro e, justificando, portanto, a intervenção judicial.

O magistrado tem o poder de estipular a produção de provas, mas o ônus da prova pertence às partes, bem como o ônus de praticar os atos necessários para tal finalidade. Dessa forma, no exemplo acima, o juiz pode até determinar de ofício a produção de prova testemunhal, mas se as partes convencionaram por não arrolarem testemunha essa determinação não terá efeito (CÂMARA, 2016, p. 125).

Os Enunciados nº 21[9] do FPPC (BRASIL, 2017) e nº 37 da ENFAM (BRASIL, 2015b) sugerem, respectivamente, que são admissíveis os negócios jurídicos processuais sobre prova, mas que será nulo por ilicitude do objeto aquele que autorizar o uso de prova ilícita. Do mesmo modo, deve ser nulo a convenção que admita como prova uma carta psicografada, por exemplo, pois ultrapassa a validade razoável de um acordo probatório (GODINHO, 2015, p. 199).

Igualmente interessantes e esclarecedores são alguns enunciados doutrinários aprovados por magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no “Ciclo de Debates sobre o CPC de 2015 – Primeiras Impressões de Juízes Cíveis acerca do Novo Código de Processo Civil”.

Destes, destaca-se primeiramente o de nº 40 dispondo que “a convenção das partes para a distribuição diversa do ônus da prova poderá se dar antes ou durante o processo, desde que até o saneamento” (BRASIL, 2015). Aqui se faz necessário mencionar o artigo 357, §2º, do CPC/15 (BRASIL, 2015a) que se refere ao saneamento consensual celebrado pelas partes e homologado pelo magistrado (GODINHO, 2015, 194).

O de nº 41 apresenta uma restrição à distribuição diversa do ônus da prova por acordo das partes quando se tratar de relação de consumo, tendo havido adesão do consumidor (BRASIL, 2015).

É mais uma restrição além das previstas no artigo 373, §3º, do CPC/15 (BRASIL, 2015a), quais sejam, não há que se falar em redistribuição convencional do ônus da prova quando tratar-se de direito indisponível da parte ou se tornar excessivamente difícil a uma das partes o exercício do direito. O presente enunciado objetiva respeitar o parágrafo único do artigo 190, CPC/15 (BRASIL, 2015a), que impede a inversão do ônus probatório em contrato de adesão, em razão da presunção de vulnerabilidade do consumidor.

Já na hipótese de ter sido celebrada uma convenção das partes para distribuir diversamente o ônus da prova, o magistrado deverá se pronunciar sobre sua validade, permitindo à parte se desincumbir do ônus a ela atribuído, sendo esse o teor do Enunciado nº 42 do Ciclo de Debates (BRASIL, 2015). Ou seja, conforme apresentado em tópico anterior, o magistrado sempre terá a prerrogativa e, nesse caso, o dever de exercer o controle de validade sobre os negócios jurídicos processuais estipulado pelas partes.

Por fim, o último Enunciado que merece destaque é o de nº 65 que sugere que “as restrições probatórias oriundas de negócio jurídico processual impedem a extensão da coisa julgada às questões prejudiciais”, sob o fundamento de garantir a segurança jurídica, uma vez que somente as questões prejudiciais de fato debatidas e decididas em processo de ilimitada cognição e produção probatória podem obter o respaldo da coisa julgada (BRASIL, 2015).

Ainda no viés de argumentar pelo cabimento de convenções probatórias atípicas, explicita-se o artigo 471, do CPC/15 que prevê um negócio jurídico processual típico, qual seja, a indicação consensual de perito (BRASIL, 2015a). Em que pese tratar-se de negócio típico, esse dispositivo demonstra mais uma vez o equilíbrio buscado pelo CPC/15 entre o publicismo e o privatismo.

Assim, ante todo o exposto, a convenção probatória é uma opção das partes e não interfere de nenhuma forma nos poderes instrutórios do magistrado, os quais restam preservados pelo ordenamento jurídico. Isso porque, assim como todo negócio processual, as partes deverão respeitar os limites legais, cabendo, inclusive, ao juiz controlar a validade do mesmo.

Dessa forma, tem-se a materialização de um processo que seja de fato participativo e democrático, sendo respeitado o publicismo processual e a autonomia das partes na celebração de uma convenção probatória (GODINHO, 2015, p. 197).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base em todo o exposto ao longo da pesquisa, resta evidente a importância que os negócios jurídicos processuais ganharam com a promulgação do CPC/15 (BRASIL, 2015). Isso se deve, principalmente, pelo fato de ter sido prevista uma cláusula geral que permitiu a plena elaboração de convenções processuais atípicas.

O objetivo geral deste artigo foi analisar os principais aspectos e reflexos na relação entre os negócios jurídicos processuais e a atuação jurisdicional, visando responder: quais seriam os limites e os principais reflexos dos negócios jurídicos processuais na atuação jurisdicional?

Diante do exposto, de início, constatou-se logo um possível imbróglio em razão de um conflito entre a autonomia da vontade privada das partes e o relevante caráter público do processo, ainda muito marcante na legislação processual civil. Com efeito, foi possível chegar à conclusão de que não há esse embate, devendo prevalecer uma relação equilibrada e harmônica, pautada especialmente no princípio do respeito ao autorregramento da vontade e no princípio da cooperação.

A partir desse equilíbrio foi possível concluir sobre a existência de certos requisitos gerais que devem ser preenchidos para que uma convenção processual atípica exista, seja válida e eficaz. Ademais, devem ser respeitados determinados limites em sua celebração com o intuito de preservar direitos e interesses maiores.

Quanto às questões trazidas pelo terceiro capítulo, esta pesquisa chegou ao entendimento de que não importa se o magistrado é ou não parte de um negócio jurídico processual, visto que poderá interferir no mesmo quando necessário. Além disso, inicialmente está o magistrado vinculado aos termos do acordo processual, podendo, no entanto, interferir em seu teor caso verifique-se algum exagero ou desrespeito em seu conteúdo.

Ao exercer o controle judicial das convenções processuais o magistrado deve observar o princípio do in dubio pro libertate e a regra de que não há nulidade sem prejuízo. Assim, uma vez mais privilegia-se a harmônica convivência entre o publicismo processual e a autonomia das partes, sendo respeitados todas as prerrogativas do magistrado.

A partir do controle judicial torna-se possível a proteção das partes vulneráveis, sendo, inclusive, permitido ao juiz, em determinados casos, modificar o conteúdo de um negócio jurídico processual, desde que não seja de forma arbitrária.

No quarto e último capítulo foram destacadas algumas hipóteses de negócios jurídicos processuais, quais sejam: a calendarização processual, a supressão do duplo grau de jurisdição e a convenção sobre provas. Nesse sentido, foram analisadas as principais discussões e os maiores reflexos na atuação do magistrado sob a ótica das convenções processuais destacadas.

Por fim, o entendimento a que chegou este pesquisador consubstancia-se na ideia de que em alguns casos poderão ser muito úteis a celebração desses acordos negociais, tanto para as partes quanto para o magistrado. No entanto, para uma maior utilização das convenções processuais, especialmente as atípicas, e consolidação na cultura jurídica brasileira desse instituto é imprescindível para adaptação e estabilização de certas questões, inclusive na jurisprudência pátria, não sendo somente com a inclusão da cláusula geral de negócios jurídicos processuais no CPC/15 que o mesmo será plenamente aproveitado.

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APÊNDICE- NOTA DE RODAPÉ

3. Nesse sentido dispõe o Enunciado nº 19 do FPPC: “São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal.”.

4. Nesse sentido dispõe o Enunciado nº 21 do FPPC: “São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.”.

5. Nesse sentido dispõe o artigo 200, CPC/15: “os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais. Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial”.

6. Nesse sentido, dispõe o Enunciado nº 413 do FPPC: “o negócio jurídico processual pode ser celebrado no sistema dos juizados especiais, desde que observado o conjunto dos princípios que o orienta, ficando sujeito a controle judicial na forma do parágrafo único do art. 190 do CPC”.

7. A cláusula rebus sic stantibus é entendida como a condição implícita ou tácita de que, em certos negócios jurídicos, o vínculo deva ser considerado subordinado à permanência do estado de fato existente ao tempo da celebração, e assim, no caso de haver modificação no complexo fático subjacente, a força obrigatória do negócio jurídico deve ser mantida, justificando-se a intervenção judicial para modificar o acordo. Já a teoria da imprevisão se traduz na possibilidade de revisão ou extinção do acordo quando a ocorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários alterarem a situação de uma das partes, fazendo com que o acordado fique exageradamente oneroso.

8. Nesse sentido dispõe o artigo 18, Lei nº 9.307/96 que o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário, ou seja, o mérito da sentença arbitral não fica sujeito à análise pelo juiz togado.

9. Nesse sentido dispõe o Enunciado nº 21 do FPPC: “São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.”.

[1] Pós-graduado na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro –EMERJ. Graduado pela Faculdade Nacional de Direito – UFRJ. ORCID: 0000-0003-0820-9098.

[2] Orientador.

Enviado: Março, 2022.

Aprovado: Abril, 2022.

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Gabriel Manuel Gonçalves Schmidt

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