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A Admissibilidade da Carta Psicografada como Meio de Prova no Processo Penal

RC: 15181
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/admissibilidade-da-carta-psicografada

CONTEÚDO

DANTAS, Luciana de Moraes [1], FONSECA, Kelly Serejo [2]

DANTAS, Luciana de Moraes; FONSECA, Kelly Serejo. A Admissibilidade da Carta Psicografada como Meio de Prova no Processo Penal. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 05, Vol. 01, pp. 147-178, Maio de 2018. ISSN:2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/admissibilidade-da-carta-psicografada, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/admissibilidade-da-carta-psicografada

RESUMO

O estudo ora exposto tem como propósito demonstrar a importância da admissibilidade da carta psicografada, dentro do ordenamento jurídico pátrio, como meio probatório documental no processo penal. As provas são de extrema magnitude para persuadir o magistrado a formar a sua convicção e definir a sentença, em especial no processo penal, posto que versa sobre direitos indisponíveis, especialmente a liberdade, doutrinariamente classificado como de primeira geração. Com a utilização da metodologia bibliográfica, prioriza-se neste estudo o desdobramento de alguns casos emblemáticos da justiça brasileira, nos quais a aceitação de cartas psicografadas influenciaram a absolvição dos réus. São estudados também o conceito de prova, seus princípios, em especial o princípio da verdade real, o conceito de espiritismo, de psicografia, da perícia grafotécnica e seu papel determinante para a validade da psicografia; e, por fim, a relevância do presente tema na evolução social do Direito Processual Penal. Conclui-se que, ad futurum, a legitimidade de recepção dessas provas seja indiscutível, principalmente quando o conteúdo delas for compatível com as demais provas apresentadas e delas depender o direito à liberdade do réu, que é um direito fundamental previsto constitucionalmente.

Palavras-Chave: Espiritismo, Perícia Grafotécnica, Prova Documental, Psicografia.

Considerações Iniciais

Busca-se nesta análise explanar a aceitação da psicografia como prova documental no processo penal, visto que, não obstante a extensa regulamentação sobre provas em nosso ordenamento jurídico, nada consta sobre prova psicografada, em que pese se tratar de um tema polêmico e que gera controvérsias sobre a sua validade.

Por inexistir qualquer proibição na justiça brasileira quanto à utilização de tais documentos como provas no processo penal, é pertinente dizer que tal alternativa torna-se possível, em observância ao princípio da liberdade de provas, nos termos do artigo 369 do CPC, que consagra que “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos, em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”.

A doutrina majoritária depreende que o rol de provas previstos na legislação é meramente exemplificativo, não restrito, como por exemplo o rol do artigo 212 do Código Civil, que elenca: confissão, documento, testemunha, presunção e perícia. Dessa forma, é razoável entender que, desde que a legislação não proíba determinada prova, algo infrequente pode ser aceito.

É oportuno frisar que nossa Carta Magna, que guarda os alicerces fundamentais de todo o sistema jurídico, consagra em seu artigo 5º, LV, o direito à prova no devido processo legal, dispondo que é assegurado o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos inerentes, aos litigantes em processo judicial, possibilitando aos réus trazer aos autos quaisquer meios de prova, excluindo-se as ilícitas, para preservar a sua presunção de inocência.

Em virtude do sistema do livre convencimento motivado, o juiz poderá valorar ou não este tipo de prova, de acordo com a sua persuasão. Nada impede, pois, a sua admissão. A prova psicografada apenas não está explicitada em nosso ordenamento jurídico, mas não fere as normas constitucionais, nem a lei, a ética, a moral e os bons costumes, não podendo ser considerada, pois, prova ilícita, tampouco ilegítima.

Este estudo não tem por escopo entrar no mérito religioso. A psicografia aqui demonstrada é apenas um dos ramos presentes na parapsicologia, uma ciência reconhecida mundialmente.

Para concretizar o objetivo desta pesquisa, será enfocado, primeiramente o conceito de provas, em seguida a sua classificação formal, os princípios constitucionais e penais relativos ao direito de prova, enfatizando-se o princípio da verdade real. Além dos conceitos de perícia, como uma ciência forense essencial para se alcançar a verdade dos fatos alegados; os conceitos de espiritismo e psicografia, a explanação de casos emblemáticos ocorridos no Brasil em que a prova psicografada foi aceita como prova e, por fim, a evolução histórica do processo penal.

1. DAS PROVAS

O termo ‘‘prova’’ é originário da palavra probatio, do latim, que significa verificação, inspeção, exame, confirmação (NUCCI, 2016).

Segundo Aury Lopes Jr. (2014, p. 552):

O processo penal tem uma finalidade retrospectiva, em que, através das provas, pretende-se criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado, sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença.

O direito à prova integra o devido processo legal, visto que as provas constituem um dos temas mais importantes da persecução processual, seja civil ou penal. É o alicerce que visa reconstruir o fato que envolve a lide da forma mais próxima possível da realidade, para persuadir o julgador sobre a veracidade das alegações apresentadas pelas partes e legitimar as suas pretensões.

Na concepção de Renato Marcão (2014, p.419):

Este tema constitui matéria da mais expressiva relevância, também porque em razão da existência ou inexistência de prova no processo, e, na primeira hipótese, de sua consistência – vale dizer: dos elementos de convicção que dela se extraem – é que se determinará o destino da ação penal, que então poderá ser julgada procedente ou improcedente, com sensíveis repercussões na sociedade e na vida do réu.

Através das provas, que são a alma do processo, o magistrado ou o júri formará a sua convicção e decidirá sobre a inocência ou culpabilidade do acusado.

Desde que não estejam em discordância com o nosso ordenamento jurídico, não há limitações quanto aos meios de provas, inexistindo quaisquer impedimentos sobre a prova psicografada em si, em detrimento ao sistema de persuasão racional.

Imperioso ressaltar que no processo penal não há uma hierarquia preestabelecida das provas, em razão de a valoração ser dada pelo livre convencimento do juiz, que analisará todo o conjunto probatório e entregará sua prestação jurisdicional devidamente motivada, de acordo com sua experiência, convicções e conhecimento.

Assim ressalta Eugênio Pacelli (2014, p. 343):

Como regra, não se há de supor que a prova documental seja superior à prova testemunhal, ou vice-versa, ou mesmo que a prova dita pericial seja melhor que a prova testemunhal. Todos os meios de prova podem ou não ter aptidão para demonstrar a veracidade do que se propõem. […] Nossa jurisprudência é farta em reconhecer a inexistência de hierarquia de provas no processo penal, sustentando, em regra, sem maior profundidade, que qualquer meio de prova poderá provar a verdade dos fatos.

Os meios de prova constituem o mecanismo utilizado no processo para verificar e demonstrar a verdade dos fatos e influir de maneira convincente o julgador acerca da existência ou não do crime alegado. Podemos destacar, em suma, a perícia, a juntada de documentos, oitivas, reconhecimentos e objetos.

1.1 Classificação das Provas

Dentre as várias classificações das provas existentes na doutrina processual brasileira, vale ressaltar neste estudo a classificação formal do doutrinador Fernando Capez (2016) que divide em testemunhal, documental e material.

A prova testemunhal resulta das oitivas das testemunhas, informantes, vítimas e demais envolvidos no processo, além da acareação, e sua aceitação, por si só, é insuficiente para demonstrar a realidade dos fatos. A testemunha pode, inclusive, contrariar algo já dito em depoimento anterior, o que torna o testemunho algo contestável e cerceando a credibilidade da confissão. Em consequência disso, a confissão possui valor relativo na esfera penal, não constituindo prova cabal.

Sobre o assunto, infere Pacelli (2014, p. 413): “Nada obstante, reconhecida que seja a fragilidade, em tese, da prova testemunhal, a maior parte das ações penais depende de sua produção”.

Na cognição de Badaró (2016, p. 468):

A testemunha é o indivíduo que, não sendo parte nem sujeito interessado no processo, depõe perante um juiz sobre fatos pretéritos relevantes para o processo e que tenham sido percebidos pelos seus sentidos […] a prova testemunhal é aquela produzida perante o juiz, em contraditório.

Já as provas escritas são mais robustas, permitindo ser formalizadas como documentos e anexadas no processo, podendo ser lidas por todos e apreciadas pelo magistrado. O caput do artigo 232 do Código de Processo Penal elucida que: “consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”.

Nesse contexto, a carta psicografada é semelhante a um documento escrito particular, tendo em vista que contém uma declaração de um fato ou de uma vontade, seguindo assim o que dispõe o caput do artigo 408 do Código de Processo Civil, in verbis: “As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário”.

Como comprovar a veracidade dessas cartas e suas assinaturas? O artigo 235 do Código de Processo Penal determina que, quando for contestada a letra e a firma de documentos particulares, deverão ser submetidos a exame pericial. A carta psicografada, como prova documental, deve submeter-se à verificação de autenticidade, principalmente quando a parte prejudicada pela prova documental julgar necessário, observando assim o princípio do contraditório.

No referido Código, encontramos também incidente processual próprio para falsidade, elencados nos artigos 145 e seguintes, dentre os quais podemos destacar o artigo 147, pelo qual o juiz pode proceder de ofício a verificação da falsidade; e o artigo 145, IV, que dispões que se a falsidade for reconhecida por decisão irrecorrível, o juiz deverá desentranhar a prova e remeter ao Ministério Público, junto aos autos do processo incidente.

Não havendo elementos suficientes para concluir se o documento é ou não verdadeiro, a dúvida leva o magistrado a não apreciá-la como prova. Todavia, desde que comprovadamente autênticas e verídicas, as provas documentais são provas por excelência.

No que diz respeito às provas materiais, são aquelas obtidas por meio físico, químico ou biológico, ou seja, através de vistorias, exames, corpo de delito, perícia, etc. (CAPEZ, 2014). Nesse sentido, encontramos duplo respaldo para os documentos produzidos psicograficamente.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO DIREITO À PROVA

A nossa Carta Magna elenca alguns princípios relacionados ao direito de prova, que, pelo status constitucional, devem servir de base para as demais leis, códigos e princípios do nosso ordenamento pátrio. Podemos destacar os princípios da ampla defesa, do contraditório, do livre convencimento motivado, do favor rei e da vedação à obtenção de provas ilícitas.

Defende Tourinho Filho (2013, p. 58):

O processo penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não representam senão postulados fundamentais da política processual penal de um Estado. Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como um notável instrumento a serviço da liberdade individual. Sendo o processo penal, como já se disse, uma expressão de cultura, de civilização, e que reflete determinado momento político, evidente que os seus princípios oscilam à medida que os regimes políticos se alteram.

2.1 Princípio da Ampla Defesa

É um princípio previsto no artigo 5º, LV da nossa lei maior, que assim determina: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela imanentes”’. O inciso LXXIV deste mesmo artigo ainda esclarece que é dever do Estado a prestação jurídica integral e gratuita aos que não possuírem recursos.

É o direito ao acusado tanto à autodefesa, exercida pessoalmente pelo acusado, podendo influir eficazmente no conhecimento do juiz, quanto à defesa técnica, executada pelo advogado, que é um profissional habilitado, com capacidade postulatória e conhecimento técnico, tornando a lide justa (BADARÓ, 2016) e à ampla produção de provas; assim como dever do Estado proporcionar que o acusado tenha a maior possibilidade de defesa (LOPES JR.,2014).

Entende-se que cabe ao réu um direito inerente em ter condições para exercitar seu pleno direito de defesa, quando acusado da prática de um crime, buscando a verdade dos fatos, possibilitando-lhe a preservação do seu estado de inocência e fazendo valer o seu direito de liberdade, direito este classificado como de primeira geração. Respaldando este entendimento, conclui Eugênio Pacelli (2014, p. 47): “Pode-se afirmar, portanto, que a ampla defesa realiza-se por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva e, finalmente, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado”.

Este princípio também encontra embasamento legal internacional pelo Pacto de San José da Costa Rica, que foi ratificado em 1992 pelo Brasil e transformado no Decreto Executivo nº 678. Em seu artigo 8º, 1, preleciona, in verbis:

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2.2 Princípio do Contraditório

Assim como a ampla defesa, este princípio está compreendido na noção do devido processo legal. Garante não só a possibilidade de resposta, mas também o emprego de qualquer meio de defesa admissível na legislação.

Nos dizeres de Tourinho Filho (2013, p. 73):

Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Assim, a defesa não pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, com os mesmos direitos, poderes e ônus, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão “superpartes”, para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, “dar a cada um o que é seu”.

A garantia constitucional do contraditório é baseada no binômio ciência e reação (LOPES JR.,2014, p.223). Em razão de o nosso âmbito processual penal ser acusatório, cabe primeiramente ao réu o direito de ter ciência da acusação que lhe é imputada, ser comunicado de todos os atos processuais – seja por citação, intimação ou notificação – e, assim, produzir as suas provas e promover a sua defesa para ser ouvido em juízo, antes de qualquer decisão judicial.

Para Capez (2014, p.60-61):

A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo, de modo que as partes, em relação ao juiz, não são antagônicas, mas colaboradoras necessárias. O juiz coloca-se, na atividade que lhe incumbe o Estado-Juiz, equidistante das partes, só podendo dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado à outra manifestar-se em seguida. Por isso, o princípio é identificado na doutrina pelo binômio ciência e participação.

No que tange à possível ofensa a este princípio com a admissão da prova psicografada, não resta configurada, dado que a prova pode ser contraditada quando da sua juntada aos autos e, como documento, pode ainda ser impugnado pela outra parte.

2.3 Princípio do Livre Convencimento Motivado

Dispõe a Carta Magna no artigo 93, IX que todos os julgamentos do Poder Judiciário deverão ser públicos e com todas as decisões fundamentadas, sob pena de nulidade.

O código de processo penal consagra expressamente no caput do artigo 155 que a convicção do juiz será feita pela livre apreciação da prova produzida no contraditório, ou seja, trata-se da persuasão racional. Cabe ao magistrado, deste modo, apreciar as provas e demais atos constantes no processo e, casuisticamente formar a sua convicção e motivá-la de maneira justa e adequada, sob pena de nulidade. Possui o juiz total liberdade de apreciação e poder de valorar a prova de acordo com a sua consciência, princípios e formação, podendo desprezar várias provas e decidir como base em apenas uma, desde que possua forte embasamento. Dessa forma, concebe-se livre a produção de provas no processo penal.

Segundo Polastri (2014, p. 447):

O princípio do livre convencimento motivado diz respeito ao poder do juiz de valorar a prova sem estar preso a valores previamente fixados em lei, mas devendo para tal motivar a sua conclusão na aferição probatória.

Pacelli (2014, p. 340) completa:

Por tal sistema, o juiz é livre na formação de seu convencimento, não estando comprometido por qualquer critério de valoração prévia da prova, podendo optar livremente por aquela que lhe parecer mais convincente. Um único testemunho, por exemplo, poderá ser levado em consideração pelo juiz, ainda que em sentido contrário a dois ou mais testemunhos, desde que em consonância com outras provas.

Exceções à regra existem. A primeira delas encontra-se no Tribunal do Júri, onde os jurados decidem a causa livremente, sem apresentar suas razões, pois a votação é sigilosa e eles permanecem incomunicáveis até o fim da sessão (NUCCI, 2016, p. 62).

Destarte, nos casos que vão para o tribunal do júri, o que vigora é a “íntima convicção”, porquanto os jurados não precisam motivar a decisão tomada.

2.4 Princípio do Favor Rei

Este princípio é doutrinariamente conhecido por favor innocentiae, favor libertatis ou in dubio pro reo. Decorre do princípio da presunção de inocência e defende que somente a certeza da culpa justifica uma condenação (BONFIM, 2014).

Está previsto no Artigo 5º, LVII da Constituição Federal, que assim estabelece: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Sempre que houver dúvidas, o acusado será beneficiado e deverá ser mantido seu estado de inocência. Em outras palavras, quando a insuficiência de provas deixar dúvidas quanto à culpabilidade do réu, prevalecerá o jus libertatis do acusado em face do jus puniendi do Estado.

Assim, esse princípio institui que, em casos que apresentem possibilidades discrepantes de interpretação de uma norma, prevalecerá a que for mais favorável ao réu, uma vez que, na dúvida, sempre prevalece o interesse do réu no processo penal (POLASTRI LIMA, 2014).

Podemos observar como exemplos de mecanismos jurídicos concedidos apenas ao acusado o reformatio in pejus, a proibição de revisão criminal pro societate e a verificação da eficiência de defesa pelo magistrado, podendo desconstituir o advogado constituído pelo réu (NUCCI, 2016).

2.5 Princípio da Vedação à obtenção de Provas Ilícitas

No processo penal, são admissíveis quaisquer provas, desde que não sejam ilícitas. O artigo 157 assim dispõe, in verbis: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

Neste sentido, o artigo 5º, LVI da Constituição Federal regulamenta que: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Verifica-se, ao analisar o contexto da norma, que o legislador constituinte considera um conceito amplo de ilicitude.

Entende-se por provas ilícitas as que são produzidas não observando preceitos do direito material. Em sentido estrito, temos as que violam diretamente a lei; em sentido amplo, as que violem a moral, a ética, a dignidade humana, os bons costumes e os princípios gerais do direito (NUCCI, 2016).

Já as provas ilegítimas, são as que são produzidas com violação de uma regra processual (LOPES JR., 2014). É considerado pela doutrina como ilicitude formal. Neste caso, não ocorre crime, apenas a nulidade do ato, gerando apenas efeito processual.

3. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

É um princípio próprio do processo penal. Na busca do cumprimento do princípio da verdade real na lide penal, o juiz poderá ser também produtor de provas, sempre que considere que o conjunto probatório trazido por autor e réu não sejam suficientes para a sua convicção a respeito da veracidade dos fatos, para que possa tomar uma decisão justa.

Sobre o tema, Fernando Capez (2014, p.71), elucida: “[…] No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos”.

Este princípio deriva do princípio da liberdade de provas e baseia-se na não aceitação da limitação quanto à busca aos meios probatórios, devido à gravidade das questões penais, que versa sobre direitos indisponíveis. Isto posto, cabe também ao juiz buscá-las, não mais se admitindo que aja como um mero observador e se limitando apenas às provas formais apresentadas pelas partes nos autos, para saber genuinamente, o mais próximo possível da realidade, como os fatos ocorreram no momento da consumação do crime. Em vista disso, seria contrassenso a não possibilidade de empregar também a prova psicografada como uma das provas judiciais.

Mougenot (2014, p. 92) explica que:

O dever de produção de provas não é apenas das partes, portanto. Havendo interesses maiores em discussão, as provas são produzidas em favor da sociedade. Para tanto, além das próprias partes, também o órgão julgador deverá diligenciar na busca de todos os elementos que permitam a reconstrução dos acontecimentos levados em juízo. Nesse sentido, o juiz, por expressa previsão legal, poderá determinar a produção de provas que repute relevantes.

Com base no artigo 369 do código de processo civil, é expresso o direito as partes em provar a verdade dos fatos utilizando todos os meios legais e os moralmente legítimos, mesmo que não especificados no código, para influir eficazmente na convicção do juiz.

O doutrinador Guilherme Nucci (2016, p.57) nos ensina: “O princípio da verdade real significa, pois, que o magistrado deve buscar provas, tanto quanto as partes, não se contentando com o que lhe é apresentado, simplesmente”. Neste sentido, o Código de Processo Penal alude em seu artigo 156, II que poderá o juiz determinar, de ofício, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, que se realizem diligências para suprir dúvidas sobre qualquer ponto relevante.

E, ainda, corrobora com este princípio o artigo 234, que assim se manifesta: “se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível”.

Em caso de inércia da parte em ação penal pública, o juiz deve determinar de ofício que as partes produzam as provas necessárias para a instrução da ação, sempre com o intuito da busca da verdade real. Por este princípio, podemos constatar, portanto, que o juiz não pode deixar de solucionar e motivar a lide alegando que o conjunto probatório não foi suficiente para formar a sua convicção.

4. A PERÍCIA GRAFOTÉCNICA

A perícia caligráfica é também conhecida como grafoscopia, grafotécnica ou documentoscopia. Possui como esteio ciências e disciplinas afins, tais como a caligrafia, a criptografia e a paleografia. A base da perícia grafotécnica é a confrontação do escrito em questão com outro muito semelhante, com a finalidade de comprovar a veracidade ou falsidade de documentos.

Na legislação brasileira, a perícia é tida como um meio de prova. Porém, em verdade, vai mais além. Ela tem papel de extrema magnitude, situando-se diretamente entre a prova e a sentença.

No entendimento de Gustavo Badaró (2016, p.438): “Perícia é um exame que exige conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos e que serve ao convencimento judicial”. A perícia caligráfica integra o rol de exames periciais solicitados pelos magistrados, tendo que vista que estes não possuem a capacitação técnica necessária para a realização deste tipo de exame, principalmente em casos mais difíceis.

Cabe ao perito apresentar um laudo ou um parecer explicando fatos e fazendo sua interpretação a partir dos seus conhecimentos, tendo a sua avaliação peso técnico e até mesmo jurídico, pois através das interpretações das provas o juiz formará o alicerce que servirá de base para as suas convicções e, consequentemente, determinar a sentença. Sendo assim, pode-se afirmar sem sombra de dúvidas que os exames científicos e periciais e os laudos técnicos explicitam detalhes substanciais para o descobrimento de verdades, provavelmente inalcançáveis sem este trabalho meticuloso.

Ainda na percepção de Gustavo Badaró (2016, p.438), reputa-se que:

Característica fundamental da perícia é que o perito emite um juízo de valor sobre os fatos, externando a sua impressão sobre a possibilidade de terem sido causados por outros acontecimentos e de explicarem, justificarem ou virem a produzir outros […] enquanto a prova testemunhal se decompõe em observação e declaração, a perícia é constituída de observação, avaliação e declaração.

Na compreensão de Carlos Augusto Perandréa (1991, p.23), criminólogo renomado, perito credenciado pelo poder judiciário em documentoscopia desde 1965 e professor de Identificação Datiloscópica e Grafotécnica da Universidade Estadual de Londrina desde 1974, a grafoscopia possui a seguinte significação: “[…] um conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação da autenticidade gráfica e da autoria gráfica” (DUBUGRAS, [1991?]).

Perandréa elaborou mais de setecentos laudos técnicos em toda a sua vida profissional, e nenhuma contestação sobre eles. Iniciou seus estudos com Chico Xavier, depois expandiu para outros médiuns, seguindo todos os parâmetros exigidos pela ciência grafoscópica, analisando documentos originais da pessoa em vida, assim como a escrita dos próprios médiuns, confrontando as grafias (DUBUGRAS, [1991?]).

O leigo costuma deduzir que um escrito é verdadeiro quando o desenho das letras é semelhante, onde mínimos detalhes não têm nenhum significado, pois desconhece um universo de pormenores informativos. Considera-se que grafias semelhantes são como irmãos gêmeos, que apesar de parecerem iguais e possam ser facilmente confundidos, se olhados com atenção, é factível perceber que cada um apresenta as suas particularidades. É importante ter em mente que é irreal que escritos traçados por diferentes mãos possuírem gênese gráfica idêntica.

Com a prática da escrita e o desenvolvimento pessoal de cada um, impulsionado por coeficientes como habilidade artística, tônus muscular e maneirismos, cada indivíduo cria a sua escrita única e singular, que torna-se um hábito automático enraizado ao cérebro (PERÍCIA…2012).

Convém observar ainda a existência de duas forças básicas – vertical e horizontal – que delimitam a nossa escrita: a vertical, que é a pressão do instrumento escritor contra o suporte, e a horizontal, que é o movimento, retilíneo ou circular, do instrumento escritor sobre o suporte (MONTEIRO, 2007).

O grafismo possui quatro leis, elencadas pelo estudioso e tratadista francês Edmond Solange Pellat em seu livro “Les Lois de L’ecriture” (1927) , cujo postulado geral é: “A escrita é individual e inconfundível, e suas leis independem do alfabeto utilizado para a sua produção”. Tal postulado e leis são explicados pelo professor e perito judicial Ricardo Caires dos Santos (FUNDAMENTOS…2014):

Leis da escrita:

1ª lei:  “O gesto gráfico está sob a influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão escritor se este funciona normalmente e se encontra suficientemente adaptado à sua função.”

2ª lei: “Quando se escreve, o ‘eu’ está em ação, mas o sentimento quase inconsciente de que o ‘eu’ age passa por alternativas contínuas de intensidade e de enfraquecimento. Ele está no seu máximo de intensidade onde existe um esforço a fazer, isto é, nos inícios, e no seu mínimo de intensidade onde o movimento escritural é secundado pelo impulso adquirido, isto é, nas extremidades”.

3ª lei: “Não se pode modificar voluntariamente em um dado momento sua escrita natural senão introduzindo no seu traçado a própria marca do esforço que foi feito para obter a modificação”.

4ª lei: “O escritor que age em circunstâncias em que o ato de escrever é particularmente difícil, traça instintivamente ou as formas de letras que lhe são mais costumeiras, ou as formas de letras mais simples, de um esquema fácil de ser construído”.

As leis da escrita são imprescindíveis para o trabalho dos peritos. Com base nelas, fica evidente que cada pessoa possui uma grafia sui generes, sendo impossível de ser modificada pelo próprio indivíduo, posto que intensidade, direção e sentido estão relacionados a características individuais. Conforme ressaltado, o ato de escrever ocorre a partir do movimento natural do cérebro, que domina o sistema motor composto por ossos, músculos e nervos, cuja tonicidade e controle varia de pessoa para pessoa. A escrita inicia através de um comando, todavia prossegue por um instinto natural. É o cérebro que norteia os músculos e forma as letras e demais símbolos sem a intervenção de tremores, paradas súbitas, sobrecarga de tinta, desvios, tampouco alterações em relação à dinâmica, direção, pressão ou progressão (MONTEIRO, 2007).

A grafotécnica detecta exatamente a unidade gráfica que é emitida pelo movimento involuntário do cérebro e que determina o movimento dos punhos, ou seja, qualquer mudança voluntária alterará o grafismo, sendo possível descobrir um falsário, já que ele nunca conseguirá reproduzir, em parte ou no todo, a gênese gráfica de outra pessoa (MONTEIRO, 2007).

Defende Monteiro (2007, p.20) que:

Sempre que o indivíduo tentar macular sua escrita esta sofrerá alterações, acarretando um esforço se empregado de forma diferenciada. Quando o escritor não emprega esforço oriundo do movimento voluntário do cérebro, sua escrita se dá de forma genuína.

O grafologista tcheco e fundador da Sociedade de Grafologia Profissional da Holanda, Robert Saudek (1929, p.101), esclarece que: “[…] ninguém é capaz de imitar, ao mesmo tempo, cinco elementos do grafismo: riqueza e variedade de formas, dimensão, enlaces, inclinação e pressão”.

Em 1930, o médico francês, Jules Crepieux-Jamin, na sua obra “ABC de la Graphologie” (PUF 1930), constatou que “[…] nenhuma escrita é idêntica a outra. Cada indivíduo possui uma escrita característica, que se diferencia das demais e que é possível reconhecer”.

Ainda neste sentido, Federico Carbonel afirma que: “Assim como não existem duas pessoas com exata fisionomia, também não existem dois escritos traçados por distintas mãos com idêntica ou exata fisionomia.”

Nessa conjuntura, ignorar a credibilidade da perícia e toda a sua comprovação científica quanto aos quesitos técnicos analisados e pareceres, é negar este preciso, sério e em alguns casos, indispensável auxiliar do judiciário, acabando com o respaldo jurídico que representa no processo judicial. A análise de gêneses gráficas é discriminatória, tal como a íris, a impressão digital e o teste de DNA, sendo um instrumento precioso para a produção de prova material.

5. O ESPIRITISMO E A PSICOGRAFIA

O espiritismo surge com os escritos de Hippolyte Léon Denizard Rivali – que adotou o pseudônimo de Allan Kardec – no século XIX, com uma tríplice vertente: como uma ciência, religião e filosofia, baseado nos estudos do magnetismo. Tentava explicar o que não era visto, mas que podia ser sentido pelos homens (MELO, 2012).

Os estudos de Kardec encontraram aceitação entre burgueses e aristocratas, no Brasil e na Europa. Inicialmente, uma versão muito mais científica que religiosa.

Kardec defendia categoricamente o espiritismo como ciência, podendo seus fenômenos serem investigados, debatidos e experimentados, tendo por objeto de estudo a existência de vida após a morte, da alma e de sua imortalidade e a separação entre corpo e alma; que a morte era apenas a perda do corpo, permanecendo a alma. Em uma época em que havia uma crença muito maior na ciência, a religiosidade se transforma.

A questão da reencarnação também é um dos pontos fundamentais do espiritismo. E é fundamentada na lei da ação e reação, da física, seja no plano dos espíritos ou dos homens. Por esse entendimento, a alma passa por diversos corpos, diversas vidas, de acordo com o seu merecimento, até a evolução completa do espírito (KARDEC, 2006). Isto posto, nota-se que o espiritismo kardecista é fortemente racional e científico, baseando-se nas leis da física quântica, do magnetismo e na divisão do corpo e alma.

No Brasil, a vertente espírita que vigora é a de Jean-Batiste Rousteing, conhecida por “espiritismo brasileiro”, que absorve vários dogmas do cristianismo, especialmente da igreja católica. Outra característica do espiritismo no Brasil é o caráter do conforto espiritual, através de cartas de parentes mortos, que dão consolo aos vivos. Não é apenas a ciência que dá legitimidade a essas cartas, mas principalmente a confiabilidade do médium, dada pela sociedade.

Nesse contexto, impossível seria não citar o médium mineiro Chico Xavier, desencarnado em 30 de junho de 2002. Ele cresceu na pobreza, levou uma vida simples e dedicada à caridade, ao auxílio aos necessitados e aos espiritualmente abalados.

Chico Xavier era um médium mecânico (quando não possui consciência do que escreve); polígrafo (tem o dom de alterar a escrita de acordo com o espírito, ou reproduzindo exatamente a escrita do espírito quando em vida) e poliglota ou xenoglota (escreve em idiomas totalmente desconhecidos ao médium e até mesmo dialetos extintos, como o hebraico, sem nunca sequer ter estudado outra língua). Este último é o tipo mais raro que existe, capaz de convencer até os mais ímpios.

Chico Xavier psicografou incontáveis cartas, além de mais de 400 obras, sobre os mais diversos temas, traduzidos em 15 idiomas. Como um homem tão humilde seria capaz de escrever livros em alemão, francês e inglês, por exemplo, posto que não conhecia nenhum idioma estrangeiro? Como produziria obras como sociólogo, filósofo, poeta, romancista, cronista e historiador, se não tinha adquirido o mínimo conhecimento para tal?

A explicação era facilmente dada por ele: “Os livros não me pertencem. Eu não escrevi nada. Eles – os espíritos – escreveram. Eu sou um mero instrumento” (SOUTO MAIOR, 2010, p. 96).

Tanto que Chico Xavier jamais usou em benefício próprio o lucro que lhe caberia como autor de toda a sua produção literária. O valor arrecadado com a venda de mais de 30 milhões de exemplares sempre foi revertido integralmente à caridade, ás mais de 2000 instituições beneficentes que foram criadas, ajudadas ou mantidas com essa renda, como hospitais, asilos, orfanatos e creches (SOUTO MAIOR, 2010).

O termo psicografia origina-se da palavra grega psyché, que significa escrita da mente ou da alma.

Nas palavras de Kardec (2006, p. 36) temos que:

É a transmissão do pensamento dos espíritos por meio da escrita pela mão do médium. No médium escrevente a mão é o instrumento, porém a sua alma ou espírito nele encarnado é intermediário ou intérprete do espírito estranho que se comunica.

Embora o espiritismo tenha sido a única religião a explorar o tema, estudar e aprofundar o assunto, a psicografia sempre ocorreu ao longo dos tempos na humanidade, entre várias culturas, povos e independente de crenças, não sendo, portanto, fenômeno exclusivo da doutrina espírita. A mediunidade é um fenômeno intrínseco ao homem há milênios, não constitui privilégio e nem invenção de nenhuma religião ou crença. É um tema de grande interesse científico, principalmente para a física quântica.

Lúcio Constantino (2016) explana que:

Com relação à religiosidade, frise-se que a carta psicografada não se confunde com religião. Trata-se, sim, de uma consequência da espiritualidade que qualquer humano carrega consigo. Ora, o nosso Estado se funda na laicidade, não pertence a uma ordem religiosa, mas admite a espiritualidade, como se vê do preâmbulo da Constituição Federal.

As cartas psicografadas pelo médium aos familiares sempre impressionavam por conter riqueza de particularidades sobre a vida da pessoa, detalhes íntimos só conhecidos pelos mais chegados, inclusive nomes de parentes da vítima que esta nem chegou a saber da existência em vida, pois haviam desencarnado há décadas e que até parentes próximos ainda vivos também desconheciam e, ao consultar os mais antigos da família, descobriam sobre a relação de parentesco.

Em vários relatos de advogados e juízes que acompanharam os julgados, afirmam que se deslumbraram com a abundância de detalhes das cartas psicografadas que leram, pois continham informações que só o morto poderia informar, como revelações em pormenores recriando o momento da morte, sempre coincidindo com o depoimento dado pelo réu e com os pareceres da perícia (BASTOS, 2010).

O jornalista e maior estudioso da vida de Chico Xavier, Marcel Souto Maior (2010, p.16), que não é espírita, afirma que “qualquer cético ficaria impressionado com as cartas escritas a jato repletas de nomes, sobrenomes e apelidos de família e detalhes minuciosos sobre a circunstância da morte”.

6. CASOS REAIS DE CARTAS PSICOGRAFADAS NA JUSTIÇA BRASILEIRA

Os registros de uso da carta psicografada como meio de prova no processo brasileiro são antigos. O primeiro consta no processo civil, no ano de 1944 (caso Humberto de Campos). Porém, será focado neste estudo alguns casos emblemáticos ocorridos no nosso processo penal. Vamos a eles:

6.1 Caso Henrique Emmanuel Gregóris

O primeiro registro penal no Brasil foi o da morte do jovem Henrique Emmanuel Gregóris, à época com 23 anos, ocorrida em 10 de fevereiro de 1976, uma terça-feira, numa roleta-russa com o amigo João Batista França. Eles estavam em uma festinha com duas mulheres e um revólver e, em meio a distração e as bebidas, fazendo a “brincadeira” conhecida por roleta russa, João acidentalmente atira em Gregóris, que morre instantaneamente.

O réu foi pronunciado por homicídio culposo e o caso cai nas mãos do juiz Orimar de Bastos.

O magistrado (Jornal Opção, Junho, 2006) afirmou que era católico e tinha a total asseveração de que havia feito justiça. E diz que viveu algo surpreendente no momento que redigia a sentença, em 1979, no Fórum da pequena cidade de Piracanjuba. Ele havia datilografado as considerações iniciais à máquina, quando o relógio da cidade bateu exatamente às 21 horas e, até então, a sentença continha 3 páginas. A partir desse momento, algo estranho acontece: ele segue datilografando por mais 3 horas, sem, porém, se recordar de nada do que havia escrito ou feito até a meia-noite, quando o relógio soou alto novamente. Ele diz não saber se entrou em transe, porém, logo se deu conta de que a sentença já estava datilografada por completo, contendo 9 páginas.

Ao ler a sentença, no dia seguinte, ele realmente leva um susto, pois da quarta à nona página não havia um erro sequer de datilografia, o que era quase impossível quando se batia à máquina; enquanto que nas três primeiras, quando escrevera conscientemente, continham diversos erros.

A sentença do juiz Orimar decidiu não haver dolo ou culpa, inocentando João França, assassino confesso de Henrique.

A mãe de Henrique, insatisfeita com a decisão, pediu que o advogado Wanderley de Medeiros entrasse com recurso de apelação em Instância Superior. Apenas dois dias após a impetração do recurso contra a decisão que inocentava João França, Chico Xavier recebe, em Uberaba – MG, onde residia, uma mensagem de Henrique Emanuel Gregóris, solicitando que sua mãe – dona Augustinha – perdoasse o seu amigo, sendo que o médium desconhecia esse processo de homicídio, até então. Chico foi pessoalmente à cidade de Hidrolândia, em Goiás, e entregou à D. Augustinha o pedido de seu filho. Um trecho da carta inclui a seguinte súplica, in verbis: “Avise a mamãe para suspender o processo contra João frança. Ele é inocente e essa história tem prejudicado o meu crescimento”.

Ela então solicitou ao advogado que finalizasse cabalmente o caso e desistiu da apelação. João França foi peremptoriamente considerado pela justiça como inocente.

Tempos depois, o espírito de Henrique manifesta-se novamente através da carta, agradecendo à sua mãe por ter atendido seu pedido, consoante fragmento a seguir:

“…Véia, sou eu que peço que não esquente a cabeça. Tudo passou. Fico muito grato por seu esforço, esforço de não guardar ressentimento. Realmente seu filho estava brincando com a vida. Perdoe se isso aconteceu. Não tinha ideia de que o final seria aquele, foi uma zebra sem tamanho, que me surpreendeu, mas não há de ser nada. Mãe, não culpe a ninguém, peço. Eu agradeço o seu pedido ao nosso advogado, Dr. Wanderley. E peço que transmita aos nossos, principalmente ao nosso Mário, o amor, o carinho e respeito que me deram a paz…”.

O juiz Orimar (Jornal Opção, Junho, 2006), declara que a carta teve valor subsidiário, corroborando para a sua já convicção:

Nos autos constam provas, evidências de que o acusado não agiu, no meu entender, na análise das provas inseridas nos autos, nem com dolo, nem com culpa. Depois de analisar essas provas, de poder observar as perícias efetuadas pela polícia, nos deparamos também com aquela carta psicografada. Foi ela que nos deu um pequeno subsídio (…) A carta psicografada colidia exatamente com o depoimento do acusado prestado no interrogatório, e aquilo nos trouxe aquela convicção de que realmente o acusado falara a verdade no interrogatório.

6.2 Caso Maurício Garcez Henrique

Um caso emblemático e o de maior repercussão até hoje ocorreu em 8 maio de 1976. Foi o do réu José Divino Nunes, à época com 18 anos, acusado do homicídio de seu melhor amigo, então com 15 anos de idade, Maurício Garcez Henrique.

Maurício foi à casa de José buscá-lo para ir à aula. Eles estavam no quartinho de despensa que fica anexo à cozinha, ouvindo música e conversando. Maurício queria um cigarro, e abriu a pasta do pai de José para pegá-lo, mas acabou encontrando ocasionalmente a arma do pai do seu amigo, que era Oficial de Justiça. Assim que ele segurou a arma, as balas caíram. José pediu que o amigo guardasse a arma, mas, ao invés disso, foi para a frente do espelho e disparou duas vezes contra José, brincando, porquanto tinham visto as balas caírem. Maurício deixou a arma e foi buscar cigarro na cozinha. Nesse momento, José pega a arma para olhar e aponta para a porta, acreditando estar descarregada, sem supor que havia restado um cartucho engatilhado dentro do tambor, e dispara acidentalmente, acertando Maurício, que voltava naquele instante ao quarto. Apesar do socorro imediato da mãe do réu, Maurício morreu logo em seguida, já chegando ao hospital sem vida. Coube ao pai de José dar a notícia à família da vítima e em seguida escondeu o filho, para evitar o flagrante. José Divino só se apresentou à polícia quatro dias depois (BASTOS, 2010).

Inconformados com a morte do filho, os pais de Maurício vão ao cemitério diariamente durante um mês. Eles ainda estão em estado de choque quando recebem a visita de D. Augustinha, mãe de Henrique Emanuel Gregóris, o jovem morto com um tiro no motel três meses antes, que vai prestar sua solidariedade, levando livros espíritas para que os ajude a superar a perda, mesmo sabendo que eles eram católicos. Maurício tinha aulas de música com Márcia, irmã de Henrique.

Os pais de Maurício resolvem procurar Chico Xavier e vão a Uberaba. E, finalmente, após dois anos e dezenove dias da fatalidade, em 27 de maio de 1978, sábado, receberam a primeira mensagem assinada por seu filho, descrevendo as minúcias do acidente e corroborando:

O José Divino nem ninguém teve culpa em meu caso. Brincávamos a respeito da possibilidade de ferir alguém pela imagem do espelho. Sem que o momento fosse para qualquer movimento meu, o tiro me alcançou, sem que a culpa fosse do amigo ou minha mesmo. O resultado foi aquele. Estou vivo e com muita vontade de melhorar. (POLÍZIO, 2009)

As informações declaradas na carta enviada por Maurício se encaixavam perfeitamente com as declarações dadas em todos os depoimentos do réu, sem nenhum contrassenso.

Os peritos que realizaram a reconstituição dos eventos concluíram que a versão narrada por José Divino desde o primeiro depoimento, de que tudo foi uma imprevisível tragédia, era totalmente compatível com os dados técnicos e resultados periciais, incluindo a direção da bala e a forma de dar o tiro, inexistindo qualquer contradição (BASTOS, 2010).

Os pais de Maurício, Dejanira e José Henrique, após receberem a carta do filho, decidiram perdoar divino e cederam a carta para o advogado de defesa anexar aos autos. A prova foi de grande dimensão para o caso, já que não havia testemunhas. Não houve contradição entre as alegações do réu e os detalhes da carta psicografada pela vítima, tudo casava perfeitamente (BASTOS, 2010).

Isto porque a carta continha riqueza de detalhes sobre o momento do crime, incluindo informações da perícia, sobre as quais a família não tinha conhecimento, além de conter a assinatura exata do garoto morto, como constava no documento de identidade e confirmada pelos pais.

O Artigo 174 do Código de Processo Penal assim preleciona:

Art. 174. No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á o seguinte:

[…] II- para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu punho, ou sobre cuja a autenticidade não houver dúvida.

Nas palavras do doutrinador Hélio Tornagui (1997, p. 235) “[…] não somente os documentos podem servir para a comparação, mas qualquer papel escrito dela”.

Quase um ano depois da primeira carta, véspera do dia das mães, no dia 12 de maio de 1979, aconteceu uma nova declaração do filho Maurício, que “reafirma a presença das Leis de Deus no seu regresso à vida espiritual, isto é, não houve crime nem acaso, e sim consequências de leis cármicas, reflexos de vidas anteriores”.

O caso coincidentemente foi parar nas mãos do juiz Orimar de Bastos, o mesmo que havia recentemente absolvido outro réu a partir de mensagens psicografadas pelo médium Chico Xavier. Tendo por base a carta psicografada pelo mesmo médium, o magistrado, católico à época, irretorquível com a sua decisão e respaldado pelas provas que foram anexadas ao processo, impronunciou o acusado. Segue um trecho da sentença proferida: “No desenrolar da instrução, foram juntados aos autos recortes de jornal e uma mensagem espírita enviada pela vítima, através de Chico Xavier, em que na mensagem enviada do além relata também o fato que originou sua morte”.

Em uma segunda-feira, 16 de julho de 1979, ocorre o despacho do juiz Orimar de Bastos. Pela primeira vez na história brasileira – e talvez do mundo – determina, sem imaginar que estava iniciando uma guerra preambular no judiciário brasileiro – com o seguinte veredicto:

Julgamos improcedente a denúncia, para absolver, como absolvido temos, a pessoa de José Divino Nunes, pois o delito por ele praticado não se enquadra em nenhuma das sanções do Código Penal Brasileiro, porque o ato cometido, pelas análises apresentadas, não se caracterizou de nenhuma previsibilidade. Fica, portanto, absolvido o acusado da imputação que lhe foi feita.

Em virtude da enorme repercussão do caso na imprensa nacional e internacional, o Ministério Público recorreu da decisão e obteve provimento. Devido ao recurso a decisão foi reformada e o acusado foi pronunciado com fulcro no caput do artigo 121 do Código Penal (BASTOS, 2010).

Pouco antes do julgamento, foi juntada aos autos uma carta do pai de Maurício endereçada ao Presidente do Tribunal do Júri. Segue um trecho da carta enviada pelo senhor José Henrique, pai da vítima:

Somente após dois anos de afastamento de Maurício do nosso convívio, e visitando Uberaba uma média de oito vezes por ano, assistindo à psicografia de centenas de cartas, vendo famílias de diversos pontos do país e do exterior receberem comunicados dos “supostos mortos”, num clima de emoção, saudade, dor e alegria, é que conseguimos pela primeira vez, pelas mãos santas de Francisco Cândido Xavier, receber uma mensagem do nosso Maurício, que, meritíssimo, nos abalou as estruturas e comoveu pessoas que se acotovelavam no Grupo Espírita da Prece, na cidade de Uberaba, pela espontaneidade, pela sinceridade e pelo seu alto espírito de desprendimento e de justiça, ao vir em socorro de seu amigo, e esclarecendo a verdade dos fatos, e que até desconhecíamos, porque nunca tivemos coragem de ler o processo do caso.

Já no Tribunal do Júri, que foi realizado em 02 de junho de 1980, sob o comando do Excelentíssimo Senhor Geraldo Deusimar Alencar, o réu foi absolvido por seis votos a um, provavelmente com baseando-se nos mesmos motivos que levaram o juiz Orimar de Bastos a impronunciar anteriormente o acusado.

O promotor do caso, Dr. Ivan Velasco do Nascimento, afirmou que respeitaria a decisão soberana do júri e não recorreria. Porém, diante desta recusa, o Procurador-Geral de Justiça do Estado de Goiás, designou outro promotor para oferecer as razões de apelação (BASTOS, 2010).

As razões foram apresentadas em 23 de junho de 1980 e encaminhadas à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado, na pessoa do Procurador de Justiça, Dr. Adolfo Graciano Neto, que acolheu a decisão do Tribunal do Júri, encerrando definitivamente o caso (BASTOS, 2010).

6.3 Caso Gleide Maria Dutra

No ano de 1980, novamente cartas psicografadas pelo médium Chico Xavier são utilizadas para inocentar um acusado. João Francisco Marcondes de Deus, acusado de matar com um tiro no pescoço a sua esposa, Gleide Maria Dutra, ex-miss Campo Grande, foi pronunciado por homicídio doloso.

João de Deus possuía porte de armas, pois era tesoureiro de uma agência de créditos. Em primeiro de março de 1980, a fatídica noite, João tentava tirar o plástico que envolvia a arma, disparando acidentalmente. Gleide, que estava sentada na cama, acabou sendo atingida no pescoço. João saiu em desespero carregando a esposa e dirigiu-se a um hospital, onde a vítima ficou internada, vindo a falecer sete dias depois. Foi declarada a prisão preventiva do réu, que chegou a tentar o suicídio na cadeia.

O advogado do acusado, Ricardo Trad, consegui o habeas corpus de João, que recebeu uma carta psicografada por Maria Edwiges, diretora do hospital em que a vítima esteve internada em seus últimos momentos de vida, e após viajou a Uberaba, onde recebeu três mensagens psicografadas por Chico Xavier. Em todas as cartas, ela inocentava o marido. O espírito descrevia a vida conjugal do casal como feliz e fazia um pequeno relato da noite trágica, confirmando que o disparo do revólver fora acidental, conforme segue:

Sentara-me no leito, ia ficar a esperar por você por alguns instantes, quando notei que você retirava o cinto cuidadosamente para resguardá-lo. Não pude saber e compreendo que nem você saberia explicar de que modo o revólver foi acionado de encontro a qualquer obstáculo e o projétil me atingia na base da garganta. Somente Deus e nós dois soubemos que a realidade não é outra, recordo a sua aflição e de seu sofrimento buscando socorrer-me, enquanto eu própria debatia querendo reconfortá-lo sem possibilidade para isso. Depois um torpor muito grande me atingia, entretanto, nos restos de lucidez que ainda dispunha, roguei a Deus não me deixasse morrer sem esclarecer a verdade.

Em novembro do mesmo ano, outra carta psicografada do espírito Gleide foi recebida, com a seguinte mensagem:

Autuada a arma no cinto, João resolveu retirá-la do plástico que envolvia o revólver por inteiro e passou a afastá-lo de novo para esse fim. Nessa alteração é que o projétil se despencou da arma, atingindo-me e obrigando-me ao decúbito. João parecia louco de angústia quando consegui dirigir-lhe a palavra solicitando serenidade.

O advogado Ricardo Trad fez a seguinte declaração:

Em nenhum momento eu havia pensado em incluir as cartas no processo. Até que, conversando com dois desembargadores amigos meus, comentei sobre o caso. Como os dois eram espíritas, pediram para ver as mensagens. Eles ficaram impressionados e recomendaram que eu ajuntasse aquele material.

Além das mensagens psicografadas, a favor do réu também pesaram os testemunhos de quatro enfermeiros do hospital, que afirmaram que a própria Gleide havia defendido a inocência do marido enquanto esteve internada.

Em 1982, o réu foi absolvido por unanimidade pelo Tribunal do Júri. O julgamento foi anulado pela promotoria, uma vez que o próprio João confessou descuido na hora de manusear a arma e sob a alegação de que a prova espiritual foi decisiva para influenciar os sete jurados.

Novo julgamento foi marcado, já em 1990, mas dessa vez a acusação passou a ser de homicídio culposo. João foi condenado a um ano e meio de prisão, mas não chegou a ser preso, pois a pena já estava prescrita.

6.4 Caso Ercy da Silva Cardoso

Mais recentemente, Iara Marques Barcelos, 63 anos, foi acusada de ser a mandante do assassinato do tabelião Ercy da Silva Cardoso, seu ex-amante. O crime ocorreu em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre.

Ercy era cartorário, tinha 71 anos e foi alvejado com dois tiros em julho de 2003. As investigações apontavam como mandante Iara Barcelos, tendo o crime sido executado pelo caseiro da vítima, Leandro Rocha de Almeida (GERCHMANN, 2006).

O marido da acusada, Alcides Chaves Barcelos, que era amigo da vítima, procurou o médium Jorge José Santa Maria, na Sociedade Beneficente Espírita Amor e Luz e, em 2005, recebeu duas cartas psicografadas, uma endereçada a si e outra à ré. Nas cartas, a vítima afirmava não ser Iara a responsável por sua morte. Ambas foram utilizadas pelo advogado de defesa, Lúcio Santoro de Constantino, que as leu no tribunal. Uma delas dizia: “O que mais me pesa no coração é ver a Iara acusada desse jeito, por mentes ardilosas como as dos meus algozes (…) um abraço fraterno do Ercy” (GERCHMANN, 2006).

Junto com as demais provas, em maio de 2006, a ré foi absolvida pelo conselho de sentença, por 5 (cinco) votos a 2 (dois). Não se pode afirmar exatamente qual o valor dado às cartas, em atenção à íntima convicção do júri, que não precisa fundamentar a sua decisão. Porém, Lúcio de Constantino disse que a carta foi uma prova relativa, que “somada às outras, firma o contexto probatório”, declarando ainda que:

Para quem desconhece, a carta psicografada consiste na escrita feita, em estado de inconsciência ou semiconsciência, por alguém dotado de terminada capacidade espiritual e que recebe mensagem enviada por outra já falecido. Tal poder, exercido pelo médium, revela-se em uma escrita automática e que não se confunde com telepatia (comunicação entre duas mentes vivas), nem com a clarividência (percepção extrassensorial).

Houve apelação da promotoria e do assistente de acusação, alegando que a carta psicografada era falsa, solicitando novo julgamento. Porém, em 11 de novembro de 2009, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso. Leandro foi condenado a quinze anos de reclusão.

Vale ressaltar que em todos os casos citados foi realizada perícia grafotécnica, confirmando a grafia psicografada na assinatura das cartas, quando confrontadas com documentos autênticos das vítimas, o que demonstra o caráter científico desses documentos, bem como a sua admissibilidade como prova documental judicial.

7. ARGUMENTOS A FAVOR DA ADMISSIBILIDADE DA PSICOGRAFIA

Sintetizando, a seguir serão apontados os principais argumentos pró-admissibilidade das cartas psicografadas, a saber:

  • Não existe vedação expressa no nosso ordenamento jurídico;
  • A doutrina espírita é também uma ciência, tendo explicações racionais;
  • Dizer que o Estado é laico significa dizer que ele não tem religião oficial, e não que ele não aceita a religião;
  • A carta psicografada pode ser considerada um documento, nos termos do art. 408 do CPP, podendo trazer à tona novos fatos e novas provas;
  • O conteúdo da psicografia deve ser confrontado com outras provas. É uma prova como outra qualquer, devendo ter sua autenticidade analisada;
  • A autoria do documento pode ser comprovada cientificamente pelo exame grafotécnico;
  • Permite o cumprimento do princípio da ampla defesa, nos termos da Constituição Federal;
  • É garantida a busca pela verdade real;
  • É assegurado ao juiz a livre apreciação das provas, devendo sua decisão ser motivada.

8. ARGUMENTOS CONTRA A ADMISSIBILIDADE DA PSICOGRAFIA

Os principais pressupostos apresentados pela doutrina que se manifesta pela inadmissibilidade de tais provas são:

  • Não está prevista na legislação pátria;
  • Como ciência, o Direito não pode admitir provas baseadas em religião;
  • Por ser um Estado laico, é inadmissível provas advindas de uma religião;
  • É uma prova ilícita ou ilegal;
  • Não é possível juramentar o “espírito” em um tribunal e nem sancioná-lo por falsidade documental;
  • A admissibilidade fere a segurança jurídica e o Estado de Direito.
  • A previsão de quem pode ser testemunha, disposta no art. 202 do CPP, não faz referência direta a espíritos.

9. EVOLUÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DO PROCESSO PENAL

O Direito, como ciência, não pode ser estático; deve ser um processo dinâmico, evoluindo de forma constante, com o intuito de disciplinar o modus vivendi da sociedade, adicionando formas atuais de obter justiça e verdade. Ao se deparar com uma situação jurídica nova, deve acompanhar os progressos sociais, da ciência, da tecnologia e dos costumes e perguntar qual a melhor maneira de resolver a lide apresentada; avaliar situações novas suscetíveis de gerar relações jurídicas deve ser uma constante para se alcançar uma evolução do processo, principalmente no que diz respeito à adoção de novos meios de prova, com o intuito de aproximar-se cada vez mais da verdade real, e solucionar a lide de forma justa e adequada.

No atual cenário da evolução do Direito, destaca-se como pioneira a nível mundial, a Constituição do Estado de Pernambuco, que foi promulgada em 5 de outubro de 1989 e que reconhece expressamente a existência de indivíduos com capacidades paranormais, ao estabelecer, em seu artigo 174, in verbis:

Os Estados e os Municípios, diretamente ou através de auxílio de entidades privadas de caráter assistencial, regularmente constituídas, em funcionamento e sem fins lucrativos, prestarão assistência aos necessitados, ao menor abandonado ou desvalido, ao superdotado, ao paranormal e à velhice desamparada.

O filósofo, poeta, escritor, parapsicólogo e professor Valter da Rosa Borges, na sua obra “A Parapsicologia e suas relações com o direito”, opina que:

Diga-se, de passagem, que a Constituição de Pernambuco é a única no mundo a reconhecer expressamente a paranormalidade, obrigando o Estado e os Municípios, assim como as entidades privadas que satisfizerem às exigências da norma constitucional a prestar assistência à pessoa dotada desse talento. Assim, ad futurum, os fenômenos paranormais que produzam consequências jurídicas poderão fundamentar decisões judiciais em qualquer área do Direito, com a admissão, inclusive, da utilização da paranormalidade nos trâmites processuais.

Impreterível salientar nessa perspectiva moderna a criação da Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas – ABRAME – fundada em 29 de outubro de 1999, com sede e foro em Brasília, Distrito Federal, a qual defende a fraternidade como necessidade e meta, com um judiciário mais receptivo a uma avaliação mais profunda da natureza e do comportamento humano, permitindo pelo instrumental espírita, tanto a nível individual como na projeção social, que se forneçam os elementos que servirão como base para a nossa realidade evolutiva judiciária e processual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo possibilitou evidenciar que a prova psicografada não viola as garantias constitucionais, especialmente os princípios da ampla defesa e do contraditório, como também não fere a moral e os bons costumes, nem qualquer norma processual. Como foi demonstrado, não se caracteriza, pois, como prova ilegal nem ilegítima.

Quando inserida no processo, o juiz é livre para apreciá-la e formar a sua convicção. E, como prova documental, sujeita-se a todas as restrições impostas pela legislação processual penal.

Obviamente, por si só, esta única prova não garante a verdade dos fatos. Ela não possui caráter absoluto, como, aliás, nenhuma prova possui. Cabe ao magistrado valorar com o peso que achar justo e analisar a relativização das provas em concordância com as demais provas apresentadas, para que cada prova individual seja analisada no âmbito macro do processo.

Além de tudo, deve ser confrontado o conteúdo da carta psicografada com os depoimentos, perícias, análises e demais provas envolvidas no caso. Sem esquecer, principalmente, que pode ser refutada e ser passível de exame grafotécnico.

A figura do perito, que realiza o exame grafotécnico nestes casos, é de extrema seriedade e valia. Sendo assim, desprezar a credibilidade da perícia e toda a sua capacidade técnica e científica, é acabar com qualquer respaldo jurídico desde indispensável auxiliar do judiciário e toda a sua importância no processo judicial, visto que situa-se diretamente entre a prova e a sentença.

Destarte, o Direito deve seguir dinâmico e evolutivo, objetivando acompanhar as transformações sociais e, por conseguinte, aceitando novos métodos probatórios, com o intuito da busca cada vez mais próxima da verdade real dos fatos, para que a justiça seja feita com total convicção, sem medo de absolver um réu inocente, bem como condenar um réu culpado.

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[1] Graduanda em Direito (Estácio – FAP).

[2] Professora orientadora de Ciências Criminais da Faculdade Estácio do Pará

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