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A relevância dos estudos de Max Weber para compreender a sociedade contemporânea

RC: 20135
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

VOLTZ, Carlos Eduardo Poerschke [1]

VOLTZ, Carlos Eduardo Poerschke. A relevância dos estudos de Max Weber para compreender a sociedade contemporânea. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 09, Vol. 04, pp. 261-274, Setembro de 2018. ISSN:2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/historia/sociedade-contemporanea

RESUMO

O objetivo deste ensaio é apresentar Max Weber e refletir sobre a relevância da obra desse autor para a construção do conhecimento científico na sociedade contemporânea. Serão investigados os elementos que inspiraram a teoria de Weber (família, formação e contexto histórico). Depois serão discutidos os aspectos ontológicos, epistemológicos e metodológicos do pensamento deste teórico, com o objetivo de entender sob que perspectiva de mundo ele construiu sua teoria. Por fim, serão realizadas reflexões sobre os estudos de Weber acerca da realidade social de sua época e como podem auxiliar na compreensão da sociedade atual.

Palavras chave: Max Weber, epistemológicos, sociedade,  teoria.

1. INTRODUÇÃO

“Exagerar é a minha profissão”. Essa expressão utilizada por Weber a um colega em um debate explica muito de sua vida e de sua obra. A paixão pelos problemas políticos de sua época, a busca incansável pelo conhecimento, pelo rigor metodológico, a dedicação à pesquisa, o desgaste pessoal até o colapso psíquico e a recuperação de sua capacidade criadora, tudo isso de forma intensa explica o exagero presente na vida e obra de um dos maiores teóricos das Ciências Sociais (COHN, 1989).

Max Weber nasceu em Erfurt (Alemanha) em 21 de abril de 1864, filho de pai industrial e deputado no Reichstag. Sempre em contato com grandes intelectuais e políticos da época, faz seus estudos superiores em Heidelberg e depois na faculdade de Göttingen onde defendeu sua tese em 1981 sobre história econômica. Aluno brilhante, se sentiu atraído pela política e também atuou como professor universitário até o ano de 1897, quando passou a sofrer de uma crise nervosa, não podendo realizar atividades de ensino até o ano de 1902. A partir de 1905 se dedicou aos estudos de sociologia e morreu em 14 de junho de 1920 em Munique (LALLEMENT, 2003).

De acordo com Marsal (2002, p.16), as principais preocupações de Weber são “o poder, ou seja, a política, a religião e o capitalismo, acompanhado tudo isso por um aparelho metodológico e científico que de modo algum pode separar-se daquelas preocupações valorativas substanciais”. Mas, o que suscitou os interesses de estudos desse autor? Percebe-se que a vocação política de Weber partiu de seu pai; os interesses religiosos de sua mãe, de quem recebeu uma educação marcada pelo rigor calvinista (RODOLPHO, 2005); e o interesse pelo capitalismo proveio de sua condição de alemão num momento em que o capitalismo industrial se expandia pela Europa, embora com certo atraso na Alemanha (SELL, 2006). A Alemanha, que ganhou o status de uma das maiores potências da Europa entre os anos de 1890 e 1920, viveu um tempo de avanços, com a implantação de grandes centros industriais, avanço do Estado e laicização das mentalidades. Enfim, tratava-se de “uma ordem social nova, em ruptura com todas as sociedades tradicionais, que Weber procura interpretar” (LALLEMENT, 2003).

Delimitado o contexto histórico que serviu como inspiração para as pesquisas, textos e reflexões acadêmicas de Weber, passarei à questão central que norteia este ensaio: qual a relevância da obra de Max Weber para a construção do conhecimento científico na sociedade contemporânea? Para isso, apresentarei a seguir a teoria do conhecimento na perspectiva científica desse teórico por meio da análise de seus aspectos ontológicos, epistemológicos e metodológicos.

2. O PENSAMENTO DE MAX WEBER

Nas Ciências Sociais, a base da construção do conhecimento passa pela compreensão de alguns conceitos básicos, entre os quais: ontologia, epistemologia e metodologia. Ontologia, no seu sentido mais simples, no da etimologia da palavra, significa a lógica do ser: derivada do grego “onthos” que denota ser e “logos”, lógica. Dessa forma, todos nós temos uma determinada ontologia, que nada mais é do que “uma visão e uma justificação da realidade que nós vivemos, quer dizer, uma visão da totalidade do real que nos circunda” (SIGRISTI, 1997, p.174). A leitura que fazemos da realidade, por conseguinte, é o que dá sentido à nossa vida e possibilita que saibamos como agir e interagir na sociedade. Ao pesquisador cabe tomar conhecimento e defender seu posicionamento ontológico, que responde à seguinte pergunta: qual a natureza da realidade social?

A epistemologia é uma das áreas da filosofia que se preocupa com a teoria do conhecimento, com as maneiras possíveis de conhecer determinado objeto de estudo. Derivada da palavra grega epistheme (ciência, conhecimento) e logos (lógica, razão), a epistemologia enfoca o processo de construção do conhecimento e o desenvolvimento de novos modelos teóricos. Segundo Sigristi, “epistemologia nada mais é do que a lógica de uma ciência. A lógica de uma ciência está na teoria científica que vai dar sustentação lógica às proposições que a compõem” (SIGRISTI, 1997, p.174). Assim, ao pesquisador cabe saber em que lugar está e a partir de que lugar está olhando o mundo para responder à seguinte pergunta sobre o objeto: o que é e como isso se apresenta a mim?

A metodologia, por sua vez, tem a tarefa de demarcar o que é e o que não é científico. De acordo com Demo (1981), metodologia significa o estudo dos caminhos, dos meios de uma teoria para se fazer ciência. O que se discute, então, é a forma como se estrutura o conhecimento que se pretende ser reconhecido como científico. Em outras palavras, a metodologia é o meio pelo qual o pesquisador vai adquirir conhecimento sobre seu objeto de estudo.

A definição dos conceitos de ontologia, epistemologia e metodologia são de fundamental importância para entendermos como uma perspectiva particular de mundo pode afetar todo o processo de construção do conhecimento. Assim sendo, a análise das inter-relações entre o que Max Weber pensa ser possível de ser investigado (posição ontológica), a sua cognoscibilidade (posição epistemológica) e o caminho que utiliza para obter as informações (posição metodológica) permite compreender as contribuições desse autor nos estudos sobre a realidade social.

2.1 ASPECTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS

Para Weber “a ciência põe naturalmente à nossa disposição determinado número de conhecimentos que nos permitem dominar tecnicamente a vida através da previsão, tanto naquilo que diz respeito à esfera das coisas exteriores quanto ao campo da atividade dos homens” (WEBER, 2011, p.52). A ciência proporciona também os métodos de pensamento e contribui para a “clareza” com relação ao que devemos fazer e como podemos organizar a nossa vida.

Em grande parte de sua obra, Weber define sua perspectiva sociológica numa proposta de compreensão, em que se associam o interesse pela realidade e a atenção aos limites do conhecimento. Acredita numa “ciência da realidade”, cujo ponto de partida é o interesse do investigador pelo real. Segundo ele,

Apenas as idéias de valor que dominam o investigador e uma época podem determinar o objeto de estudo e os limites desse estudo. No que se refere ao método da investigação – o “como” – é o ponto de vista dominante que determina a formação dos conceitos auxiliares de que se utiliza; e quanto ao modo de utilizá-los, o investigador encontra-se evidentemente ligado às normas de nosso pensamento (WEBER, 1986, p.100).

As peculiaridades da vida em que estamos situados devem ser compreendidas “para, por um lado, libertarmos as relações e a significação cultural das suas diversas manifestações na sua forma actual, e por outro, as causas pelas quais, historicamente, se desenvolveu precisamente assim e não de qualquer outro modo”(WEBER, 1991, p.88).

Weber analisa a realidade a partir de sua dimensão objetiva e subjetiva, pois considera que as ações possuem significado para os indivíduos. Isto é, acredita que para decodificar a realidade é necessário compreender as ações humanas do ponto de vista do sentido e dos valores, e não a partir das causas exteriores. Segundo Weber, “a objetividade do conhecimento no campo das ciências sociais depende antes do empiricamente dado estar constantemente orientado por idéias de valor que são as únicas a conferir-lhe valor de conhecimento” (WEBER, 1989).

Com isso percebemos uma crítica ao positivismo, que consiste em “ver para prever, em estudar o que é, a fim de concluir o que será, segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais” (COMTE, 1976, p.20). Comte acredita que a razão deve buscar as leis (relações constantes que existem entre os fenômenos observados) e estabelecer a ordem. Deve-se, então, submeter os fenômenos a essas leis. Para Weber, contudo, as relações entre os fenômenos dependem de valores e sentidos atribuídos pelos indivíduos, ou seja, os fenômenos não podem ser explicados unicamente por leis invariáveis.

A teoria de Weber tem como base o sujeito, o que representa uma revolução nas Ciências Sociais já que Comte e Durkheim tomavam o objeto como base na construção do conhecimento. Comte acreditava ter descoberto uma lei fundamental que explica a inteligência humana, lei que consiste em que “todas as nossas especulações estão inevitavelmente sujeitas, assim no indivíduo como na espécie, a passar por três estados teóricos diferentes e sucessivos, que podem ser qualificados pelas denominações habituais de teológico, metafísico e positivo” (COMTE, 1976, p.5). Em sua visão, o homem tem diferentes formas de explicar a realidade em cada uma dessas fases, de forma que é no estado positivo ou científico que o homem adquire sua maturidade e substitui a imaginação pela busca das leis dos fenômenos que o levarão ao conhecimento científico.

Durkheim por sua vez busca as categorias fundamentais do entendimento humano (tempo, espaço, gênero, número, causa, substância, personalidade, etc.), tomando como objetos de estudo fatos mais simples que permitirão o entendimento dos mais complexos. Segundo ele, ao buscar a explicação de uma coisa humana, como fez em seus estudos sobre religião, é preciso começar por remontar até sua forma mais simples ou primitiva e procurar as características que a definem para, pouco a pouco, perceber como foi se desenvolvendo e se tornando complexa (DURKHEIM, 2000).

Deste modo, ao contrário de Comte e Durkheim, que construíram suas teorias sociológicas alicerçadas na primazia do objeto, Weber acredita que é o sujeito quem elabora o processo de conhecimento. Esta concepção filosófica de Weber têm suas origens em Kant, que afirmava que o indivíduo ordena os dados da experiência por meio de categorias inatas. Isto é, há algo anterior no indivíduo que vai ordenar o real e conduzi-lo ao entendimento. Para Kant (1994), o conhecimento humano deriva das estruturas impressas na mente que vão ordenar as sensações. Essas estruturas seriam algo que está no objeto, mas pertence ao sujeito, que se apresenta na experiência mas não provém da experiência e sim da faculdade do sujeito. Algo que vai determinar a forma como o sujeito estrutura a própria possibilidade de ter uma experiência.

2.2 O MÉTODO COMPREENSIVO

Com relação aos aspectos metodológicos da teoria de Max Weber, estes se diferenciam dos estudos dos cientistas sociais em geral, de forma que ele permanece como uma figura solitária. De acordo com Ramos, Weber “rejeitou tanto o empirismo britânico e o naturalismo dos cientistas sociais, quanto o determinismo histórico, principal característica de influentes alemães” (RAMOS, 1989). Weber escolheu a resignação (a neutralidade axiológica), pois se recusou a dar uma sentença definitiva quanto ao método científico mais sólido. Isto é, para Weber o mundo social não está submetido às leis do determinismo, mas é extremamente complexo e, por isso, impossível abrangê-lo integralmente. A reflexão teórica e epistemológica, contudo, se tornaria estéril sem a prática, então Weber reconheceu a necessidade do trabalho de campo (LALLEMENT, 2003).

O método weberiano se baseia nos conceitos de ação social e compreensão. Para Weber, uma ação social é todo o comportamento humano cujo sentido é dado pelo sujeito ou sujeitos da ação de forma subjetiva. Com relação aos tipos de ação, podem ser: tradicional, que quando executada leva em consideração a tradição; afetiva, que se faz com sentimento; ação racional com respeito a valores, quando se age por valores socialmente compartilhados; e ação racional com respeito a fins, quando se age pôr um fim, como para adquirir algo.

Encontramos em Weber duas etapas para o entendimento dos fenômenos sociais: a etapa compreensiva, estabelecendo hipóteses acerca do sentido subjetivamente mentalizado pelos sujeitos; e a etapa explicativa, procurando demonstrar as conexões causais e históricas entre esses sentidos e o desenrolar da história. Ele acredita que a sociologia é uma ciência voltada para a compreensão interpretativa da ação social e para a sua explicação causal.

Para compreender as peculiaridades da realidade social, a qual é composta por uma diversidade quase inesgotável de elementos, Weber sugeriu que se trabalhasse com o auxílio de um instrumento conceitual que ele chama de tipo ideal. Segundo ele,

A absoluta infinidade dessa diversidade subsiste, e não menos intensamente, mesmo quando prestamos a nossa atenção, isoladamente a um único objeto – por exemplo, uma transacção concreta. E tal sucede logo que tentamos descrever de forma exaustiva a sua singularidade em todos os seus elementos constitutivos individuais, e muito mais ainda quando tentamos captar o seu condicionalismo causal. Assim, todo o conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado por um espírito humano, finito, se baseia na premissa tácita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade poderá constituir de cada vez o objeto da compreensão científica, e de que só ele será essencial no sentido de digno de ser conhecido (WEBER, 1991, p. 88).

De acordo com seus próprios critérios de seleção, o cientista atribui um sentido aos fragmentos da realidade que selecionou, destacando aqueles aspectos que lhe parece importante serem analisados. É a partir desse modelo de interpretação-investigação (tipo ideal) que o cientista consegue guiar-se nessa realidade infinita.

Os tipos ideais criados pelo cientista não são representações exatas do mundo nem hipóteses, mas quadros mentais que acentuam deliberadamente certos traços do objeto pesquisado e apontam o caminho para a formação de hipóteses. Esse quadro, por conseguinte, não pode ser encontrado empiricamente na realidade (WEBER, 1991). De acordo com Mizocsky e Moraes (2011, p.15) “a decorrência metodológica é a busca por “ver os possíveis para captar o real”. O pesquisador torna presente para si uma situação; mas o conhecimento existente permite fazer construções apenas daquilo que naquele momento é possível”.

Quanto aos limites da construção de tipos ideais, Quintaneiro (2009) cita a unilateralidade, a racionalidade e o caráter único. O quadro 1 apresenta a explicação de cada limite apresentado.

Quadro 1 – Limites do modelo de tipos ideais

Limites Explicação
Unilateralidade Em uma realidade infinita, parte-se de alguns elementos do objeto a ser interpretado que são considerados pelo investigador os mais relevantes para a explicação. Esse processo de seleção acentua certos traços e deixa de lado outros, o que confere unilateralidade ao modelo puro.
Racionalidade Os elementos causais são relacionados pelo cientista de modo racional, embora não haja dúvida sobre a influência, de fato, de incontáveis fatores irracionais no desenvolvimento do fenômeno real.
Caráter utópico O tipo ideal só existe como utopia e não é, nem pretende ser, um reflexo da realidade complexa, muito menos um modelo do que ela deveria ser.

Fonte: Quintaneiro (2009).

A discussão sobre os aspectos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da obra de Weber auxilia na apresentação da contribuição de seus estudos para a compreensão da sociedade de sua época. Também aponta para novos caminhos a serem percorridos pelos estudiosos de Weber e a análise da sociedade contemporânea.

3. POR QUE WEBER?

A questão central na obra de Weber é: compreender a natureza do mundo moderno. Buscando sempre uma resposta para essa questão, estudou as religiões, o direito, a organização econômica, as formas de poder e a estrutura das cidades, mostrando que a principal marca da modernidade é o surgimento de uma forma específica de racionalismo: o racionalismo da dominação do mundo. Weber acredita que o racionalismo ocidental que se relaciona com a economia capitalista e a burocracia do Estado trouxe ao homem a capacidade de dominar o mundo por meio da ciência e da técnica, mas também é responsável pela perda do sentido da vida e a perda da liberdade (SELL, 2006). A racionalização e a intelectualização crescentes acarretariam no desencantamento do mundo. Segundo Freund (2003, p.23),

com os progressos da ciência e da técnica, o homem deixou de acreditar nos poderes mágicos, nos espíritos e nos demônios: perdeu o sentido profético e sobretudo o do sagrado. O real se tornou o aborrecido, cansativo e utilitário, deixando nas almas um grande vazio que eles tentam preencher com a agitação e com toda espécie de artifícios e de sucedâneos. Entregues ao relativismo precário, ao provisório, e ao ceticismo tedioso, os seres tentam mobiliar sua alma com uma confusão de religiosidade, estetismo, moralismo e cientificismo, enfim, com uma espécie de filosofia pluralista que acolhe indistintamente as máximas mais heteróclitas de todos os cantos do mundo.

Marsden e Townley (2001) e Barbosa e Quintaneiro (2009) sustentam que os trabalhos de Marx e Weber servem como base para os estudos sobre organização, capitalismo e modernidade. Eles se aproximam por terem dedicado grande parte de seus estudos ao tema do capitalismo ocidental, sob as perspectivas histórica, econômica, ideológica e sociológica.

Marx (1986) enfatiza o papel determinante do fator econômico em seu trabalho, de forma que a vida social, política e intelectual são condicionadas pela maneira como se produz a vida material. Dessa forma, o homem moderno é produzido pelas novas formas de organizar a produção, em que o indivíduo encontra-se cada vez mais dependente dos outros. Weber complementa a análise de Marx e a amplia, explicando a questão da racionalização, o modo de agir do capital, o nexo que liga salário, propriedade privada, tecnologia, lei, mercado e Estado” (MARSDEN; TOWNLEY, 1999).

Thiry-Cherque (2009) explica que Weber demonstrou que a modernidade deriva não apenas dos fatores econômicos do capitalismo, mas também de uma reordenação racional da cultura e da sociedade. Para ele, a presença do pensamento de Weber é de grande utilidade nos estudos organizacionais e se dá a partir de três frentes principais: “a da absorção dos processos analíticos da sociologia interpretativa (verstehende soziologie), a discussão do formalismo burocrático e a dos sistemas de poder e sujeição internos às organizações” (Thiry-Cherque, 2009, p.898). Reed (1999) também ressalta a importância de Weber nos estudos organizacionais, mas enfatiza a sociologia da dominação e a análise da burocratização que derivam do trabalho desse autor como fundamento para o modelo de poder em análise organizacional.

Para Weber poder está relacionado com a dominação, isto é, “a possibilidade de encontrar obediência a um determinado mandato, pode fundar-se em diversos motivos de submissão” (WEBER, 1989a, p.128) Para ele, as três formas típicas de dominação são: dominação legal, que se baseia no direito abstrato e impessoal, relacionada não à pessoa mas à regra estatuída, que estabelece a quem e como se deve obedecer; dominação tradicional, que se baseia no caráter sagrado da tradição, em que aquele que ordena é o senhor enquanto os que obedecem são súditos; e dominação carismática, que se baseia na devoção afetiva à pessoa que possui dotes sobrenaturais (carisma), de forma que a obediência a esses chefes depende dos fatores emocionais que eles são capazes de provocar e manter nas pessoas (WEBER, 1989a).

Ao contrário de outras teorias que serviram para explicar a realidade social em um determinado contexto histórico e hoje apresentam sinais de crise, o pensamento de Weber permanece atual e de grande utilidade para a construção do conhecimento sobre a sociedade contemporânea. Wolfgang Schluchter, em entrevista concedida à revista Sociologia e Antropologia, explicou que a ideia central dos trabalhos de Weber, desde 1910-11, tem sido o processo de racionalização e o seu significado para o desenvolvimento do ocidente. Dessa forma, seus estudos podem ser de grande utilidade na sociedade atual, principalmente para os países emergentes “porque lá estão sendo iniciados processos de racionalização que podem ser analisados com seus instrumentos conceituais. É, portanto, bastante improvável que o programa de pesquisa weberiano desapareça da agenda sociológica no futuro próximo” (BÔAS, 2011, p.18).

No Brasil a obra de Max Weber repercutiu entre os cientistas sociais de várias gerações, com as mais variadas tendências. Segundo Dias (1974, p. 57),

Desde os sociólogos que praticam um conhecimento de cunho antropológico, até os interessados no conhecimento sociológico da política ou do próprio conhecimento, passando pelos interessados na transformação industrial – Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Octavio Ianni, Guerreiro Ramos, Juarez Brandão Lopes, Cândido Procópio Camargo, Viana Moog, Mário Wagner Vieira da Cunha, Emílio Willems, dentre muitos outros – debruçaram-se sobre a obra de Max Weber e dela retiram ensinamentos para discutir problemas teóricos ou fundamentar pesquisas. E isso em vários campos: sociologia do conhecimento, teoria sociológica, sociologia da administração, sociologia da estratificação, sociologia industrial, das religiões.

De acordo com Gosling et al (2018, p. 219),

são emblemáticos os trabalhos de Sérgio Buarque de Holanda e de Raymundo Faoro na discussão da formação histórica brasileira, com as figuras ideal-típicas do semeador- aventureiro, no caso do primeiro, e do patrimonialismo estamental, no caso do segundo. No caso específico dos estudos organizacionais, são trabalhos que dialogaram imensamente com 220 a análise weberiana, os de Maurício Tragtemberg, Fernando Cláudio Prestes Motta, Alberto Guerreiro Ramos e Luiz Carlos Bresser-Pereira. Com Tragtemberg, tem-se a tentativa de recuperação do Weber resignado com a opressão da máquina burocrática no capitalismo. Em Prestes Motta, enaltece-se a figura da burocracia em Weber como organização e forma de poder. Em Guerreiro Ramos, há um diálogo crítico sobre a racionalidade, demonstrada na oposição entre a racionalidade substantiva e a racionalidade instrumental herdeiras do mundo moderno. E, em Bresser-Pereira, o diálogo da burocracia no setor público e a formação histórica do Estado brasileiro, dialogando diretamente com Holanda e Faoro.

Jessé Souza (2015) fez uma crítica aos trabalhos dos estudiosos brasileiros de Weber, afirmando que a teoria do autor alemão tem sido mal-empregada por satisfazer ao senso comum e acentuar preconceitos que fundamentam privilégios. Ele argumenta que Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro utilizaram a obra de Weber para conferir prestígio a uma visão de mundo que atendia aos interesses da parcela mais rica da população brasileira. Apesar dos problemas do uso de Weber, Souza (2015) reconhece a genialidade das ideias desse autor e sua influência nas diversas áreas do conhecimento e em teóricos de indubitável contribuição para a ciência, como Pierre Bourdieu e Jürgen Habermas.

Para Quintaneiro, “a gama de temas e possibilidades que são abertos por Weber são a demonstração de que se trata de um clássico no sentido mais vigoroso da expressão” (QUINTANEIRO; BARBOSA, 2009, p.144). Para Meneghetti, Filho e Azevedo (2012) as obras dos clássicos possuem uma força interna própria, pois sua importância extrapola o contexto histórico em que foram produzidas. Configuram-se, assim, como instituições do conhecimento, duráveis e legítimas, ainda que a sua perenidade não signifique perpetuidade ou consenso intelectual. Ao contrário, elas permitem e suscitam discussões de outros estudiosos, já que são reflexões realizadas por homens e centradas na condição humana, necessitado de adaptações para análises em diferentes realidades sociais, culturais e econômicas ao longo da história.

Dessa forma, os clássicos garantem sua permanência no debate intelectual com seus estudos sobre a sociedade e o contexto em que viveram, instigando outros pesquisadores a estudarem os limites e possibilidades de sua obra. Servem também como suporte para os estudos da sociedade contemporânea – como ocorre com o modelo de tipos ideais elaborado por Weber. Uma grande quantidade de estudiosos recorre com frequência a esse modelo para se aproximar ao máximo possível de seu objeto de pesquisa.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se constituiu numa breve apresentação da abordagem weberiana na construção do conhecimento sobre a realidade social e sua importância para a análise do surgimento do capitalismo ocidental. Weber foi um teórico amplamente debatido em todo o mundo, inclusive por estudiosos da realidade histórico-social brasileira. Mas, como a obra de Weber pode contribuir para a análise das sociedades atuais? Estas vem sofrendo profundas transformações que envolvem nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações. Emerge assim uma sociedade complexa e contraditória, um tempo de incertezas, marcado não só pelo avanço científico tecnológico mas também pela dominação cada vez mais sofisticada e efetiva, o que leva a um constante crescimento da exploração e exclusão de indivíduos (TAVARES DOS SANTOS, 2006).

Nesse contexto, as empresas assumem uma posição central, pois para multiplicar seus lucros acabam aprofundando a superexploração da força de trabalho, que passa a ter seu poder de compra diminuído. Enquanto alguns indivíduos têm seu poder econômico e político cada vez maiores, a maioria das pessoas são cada vez mais afastadas dos centros de decisão política, e vivem em condições precárias de sobrevivência, tendo que trabalhar exaustivamente para receber o que muitas vezes não satisfaz nem mesmo suas necessidades básicas, quando não vivem o desemprego – que tem um aumento crescente num mundo globalizado (SANTOS, 2001).

O processo evolutivo do ocidente alterou a organização do trabalho e também seu significado, levando ao desencantamento do mundo e à instrumentalização das ações. O produtivismo e o consumismo característico do capitalismo se toraram cada vez mais brutais, imediatistas e contrários aos interesses da maioria da população.[2]

Esse mundo contemporâneo depende de teóricos como Weber para serem compreendidos, pois sem eles o mundo seria mais confuso, incógnito. Com as sociedades cada vez mais complexas, seus problemas sociais também são complexos, o que torna cada vez mais importante que os cientistas recorram aos estudos dos clássicos na tentativa de interpretar e buscar soluções para essas novas problemáticas. E as ideias de Weber podem servir como suporte para a compreensão da realidade atual, seja pelos seus estudos sobre racionalidade e racionalização que são a base para o entendimento de um processo ainda presente na sociedade ocidental atual, seja pelos aspectos metodológicos de sua obra que podem auxiliar os pesquisadores a se guiarem na realidade quase infinita de elementos na construção do conhecimento.

Por fim, a complexidade dos estudos de Max Weber é como um quebra-cabeça atraente e instigante que permite múltiplas combinações para a compreensão da sociedade contemporânea. Possibilita também a discussão em torno de seus próprios fundamentos para a criação de novas teorias que conduzam a uma compreensão mais eficaz da realidade social atual e futura.

REFERÊNCIAS

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THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Max Weber: o processo de racionalização e o desencantamento do trabalho nas organizações contemporâneas. Rev. Adm. Pública [online]. 2009, vol.43, n.4 [cited 2018-08-11], pp.897-918. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122009000400007&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0034-7612. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122009000400007. Acesso em: 16 de dezembro de 2017.

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A economia deixou de ser ascética, a religião deixou de orientar a vida e o trabalho deixou de ter sentido: tornou-se algo naturalizado, que os indivíduos e a sociedade sequer tentam justificar. A racionalização, que havia derrotado a religião, derrota agora, no capitalismo moderno, a razão, a herdeira sorridente do iluminismo (THIRY-CHERQUES 2009, p.914).

[1] Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-Graduando em Docência no Ensino Superior (IERGS). Pós-Graduado em Marketing Estratégico pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de Porto Alegre (ESPM). Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Enviado: Setembro, 2018.

Aprovado: Setembro, 2018.

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Carlos Eduardo Poerschke Voltz

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