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Populações tradicionais: uma análise dos aspectos socioculturais da comunidade ribeirinha Nova Teotônio

RC: 126578
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/historia/aspectos-socioculturais

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

ANDRADE, Adnéia Miranda Gomes [1]

ANDRADE, Adnéia Miranda Gomes. Populações tradicionais: uma análise dos aspectos socioculturais da comunidade ribeirinha Nova Teotônio. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 09, Vol. 01, pp. 119-139. Setembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/historia/aspectos-socioculturais, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/historia/aspectos-socioculturais

RESUMO 

O presente artigo traz algumas reflexões sobre os aspectos socioculturais da Nova Vila de Teotônio, localizada a 40 km de distância da cidade de Porto Velho-RO. Os moradores dessa comunidade ribeirinha passaram por um intenso processo de mudança, isso porque a antiga Vila em que viviam foi inundada pelos reservatórios de água da Usina hidrelétrica de Santo Antônio, de modo que os habitantes que ali residiam a décadas, foram forçados a saírem de suas terras, a deixarem suas casas e a abandonarem ali os elementos culturais, sociais e individuais que constituem suas identidades, havendo o apagamento parcial da história desse local e de seus moradores. Para conhecer melhor as interferências dessa mudança de localidade nessa comunidade ribeirinha, formulou-se os seguintes questionamentos: Quais foram os impactos socioculturais provocados pelo deslocamento espacial da Vila de Teotônio; E como esse deslocamento prejudica a manutenção da identidade cultural dos moradores dessa comunidade. Partindo desses questionamentos, essa pesquisa tem o objetivo de analisar os aspectos socioculturais da Nova Vila de Teotônio, e as possíveis modificações sociais e culturais ocorridas no reassentamento. Para atingir esse objetivo e responder os problemas de pesquisa, foram adotados diferentes procedimentos de caráter descritivo e analítico, que permitiram tratar os dados necessários à investigação. Serviram como instrumento na coleta de dados, um questionário com perguntas abertas e fechadas e a observação in loco. Deste modo este trabalho é uma pesquisa de campo, pautada em estudos bibliográficos de autores como: Loureiro (2001); Medeiros (2004); Fraxe (2004) e Chinoy (2008). Os resultados da pesquisa apontaram que houve mudanças significativas na vida dos habitantes da nova Vila de Teotônio, principalmente em sua cultura. Observou-se que no reassentamento eles sobrevivem com dificuldades, sem trabalho, pois com a construção da Usina hidrelétrica de Santo Antônio, o peixe, seu meio de subsistência, ficou escasso, dificultando assim a sobrevivência e a preservação das raízes culturais e sociais dessa comunidade ribeirinha.

Palavras-chave: Vila de Teotônio, Comunidade ribeirinha, Aspectos socioculturais, Usina Hidrelétrica de Santo Antônio.

1. INTRODUÇÃO 

A preservação de uma cultura é importante, principalmente quando se fala em cultura ribeirinha, é confrontar-se com a diversidade, com diferentes condições de vida locais, de saberes, de valores, de práticas sociais e educativas, bem como de uma variedade de sujeitos: camponeses; nordestinos; pescadores; índios; remanescentes de quilombolas; migrantes; entre outros.

Porém observa-se que a cultura, história e identidade dessa população tradicional da Amazônia tem sido constantemente afetada, principalmente, com as atuais implantações de usinas hidrelétricas na região Norte. Os imensos reservatórios de água das hidrelétricas interferem no fluxo dos rios, causando escassez de peixe e danificando o meio ambiente, isso muda drasticamente a vida dos ribeirinhos, já que os mesmos possuem o rio como o principal meio de subsistência.

Os ribeirinhos próximos a essas hidrelétricas sofrem diariamente as consequências dessas construções, eles são afetados diretamente, seja com os impactos ambientais, ou mesmo com a obrigatoriedade de saírem de suas terras, deixando muitas vezes ali, na antiga comunidade, suas histórias e seus aspectos socioculturais.

A Vila de Teotônio, localizada a 40 km de distância da cidade de Porto Velho-RO, é uma dessas comunidades ribeirinhas que precisou ser remanejada para outra localidade. Sendo assim, buscou-se com esta pesquisa analisar os aspectos socioculturais da Nova Vila de Teotônio, e as possíveis modificações culturais e sociais ocorridas na nova Vila, além de verificar se a mudança de localidade interferiu nos aspectos socioculturais dessa Vila. Foi estabelecido como objetivos específicos: Conhecer a opinião dos moradores, sobre alguns aspectos positivos e negativos das mudanças ocorridas no local, e caracterizar o perfil socioeconômico das famílias residentes.

Constatou-se que há inúmeras pesquisas que privilegiam os impactos ambientais ocasionados pelas usinas hidrelétricas, entretanto há pouquíssimos estudos direcionados aos impactos históricos, sociais e culturais que afetaram os indivíduos remanejados de suas comunidades e distritos.

Sendo assim, este estudo é fundamental para dar visibilidade a essas pessoas, e sua história, além de demonstrar o quanto esse deslocamento forçado interferiu na memória cultural dos membros dessa Vila. Os dados apresentados mostram o quanto o reassentamento foi prejudicial às pessoas remanejadas, trazendo assim inúmeras reflexões sobre os malefícios do progresso sem planejamento.

Esta pesquisa é pautada nos pressupostos teóricos de João de Jesus Paes Loureiro (2001); Edison Lucas de Medeiros (2004); Therezinha de Jesus Pinto Fraxe (2004) e Ely Chinoy (2008), autores que fundamentaram a pesquisa direcionando e apresentando seus conceitos dentro da cultura e seus aspectos. Essa trata-se da fase inicial da pesquisa; buscar o levantamento bibliográfico sobre o tema, com propósito de identificar informações, subsídios para definição dos objetivos, determinação do problema, definição dos tópicos do referencial teórico. Segundo o autor Paul Bruyne (1982), o conhecimento científico só merece este nome se for elaborado segundo as regras da metodologia científica.

A realização de uma pesquisa envolve aspectos importantes: o tipo de pesquisa, o percurso metodológico, os dados recolhidos e a discussão desses dados. A metodologia usada na pesquisa foi documental, descritiva com abordagem qualitativa e quantitativa. Segundo Antônio Carlos Gil (2008), as pesquisas que, embora definidas como descritivas a partir de seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das pesquisas exploratórias.

Descritiva porque a própria pesquisa documental é um tipo de pesquisa descritiva, já que delineia as características do objeto estudado, aplicando-se as técnicas. Documental, por considerar que populações tradicionais e culturais é um documento que serviu de fonte de informações, tanto primárias como secundárias. Os dados qualitativos permitiram compreender o problema em estudo mediante interpretações e aspirações dos indivíduos nele envolvidos, isso possibilitou explicitar os pontos de coincidência e concordância.

Como instrumento de coleta de dados foram feitos no primeiro momento a observação do local da pesquisa (Nova Teotônio), bem como o questionário com as perguntas[2] aplicadas aos moradores de dezessete a setenta anos, passando pelo processo de tabulação e análise.  Essa técnica aplicada de coleta dos dados, seguiu as orientações de (SELLTIZ, 1967).

Na sequência da aplicação do questionário ocorreram algumas falas por parte dos moradores a respeito da situação, que foram anotadas no caderno de campo, somando aos comentários preliminares a respeito das informações significativas. Posteriormente foi realizado o aprofundamento do referencial teórico e análise dos dados levantados.

2. O CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL DOS POVOS RIBEIRINHOS DA AMAZÔNIA 

Para uma melhor compreensão da formação histórica dos povos ribeirinhos da Amazônia, é importante uma volta ao passado, desde a época da extração da borracha (1879), que contribuiu muito e basicamente deu origem ao povoamento da Amazônia, através do primeiro e do segundo ciclo de exploração do látex.

O nordestino chegou à Amazônia, inundada pelos seus rios e igarapés, famílias se aventuraram em terras desconhecidas não se importando com os obstáculos e hostilidades que poderiam encontrar. Esses nordestinos juntamente com os indígenas contribuíram para a formação do povo amazônico, que é composto por nativos, migrantes e caboclos.

Os povos ribeirinhos são, em sua maioria, fruto da hibridização do nativo e o migrante, segundo Edison Lucas de Medeiros, “entende-se por população ribeirinha, aquela que habitava as margens do rio como caboclos beiradeiros, essas populações foram influenciadas pelos ciclos das águas e pela cultura indígena” (MEDEIROS, 2004, p. 167).

Ely Chinoy (2008), caracterizou os ribeirinhos como grupos sociais inclusivos, territorialmente definidos, dentro dos quais os homens podem seguir todo o curso de sua vida, podendo conter divisões internas, famílias, clãs, ou linhagens, classes, grupos étnicos, associações.

As famílias se agrupavam em pequenas aldeias, composta de seis a oito casas, e ali viviam vários anos. Muitas famílias continuam morando no mesmo lugar há mais de quatro gerações. Ao realizar estudos sobre o modo de vida dos ribeirinhos que ocupam as margens do Madeira, Maria Terezinha Correia afirma que:

Uma grande diversidade dentro do próprio grupo. Embora sejam caracterizados, tendo em vista a dinâmica de sua relação com o rio e por suas atividades camponesas, uma boa parte descende de índios, enquanto alguns ainda descendem dos próprios nordestinos que trabalharam no ciclo da borracha. Além da localização geográfica, os ribeirinhos diferem do homem e da mulher urbanos pelos seus modos de vida, suas características físicas e expressões próprias do seu vocabulário de pescadores. Além disso, existe por parte dos ribeirinhos, um forte imaginário ligado aos seres das florestas e das águas nas quais habitam. (CORREIA, 2002, p. 71)

A alimentação do ribeirinho se dá através do cultivo do milho, feijão, batata, mandioca e a farinha, alimento indispensável na mesa do ribeirinho. Edison Lucas de Medeiro (2004), afirma que diferente dos seringueiros que habitavam nas áreas de terra firme e alimentavam-se principalmente de carnes de animais selvagens caçados na mata, o ribeirinho tem como principal alimento o peixe e o bicho de casco, ou seja, a tartaruga, o Capivari e o tracajá.

João de Jesus Paes Loureiro (2001), ao analisar as características culturais dos povos amazônicos, destaca que no ambiente ribeirinho, os homens, mulheres e crianças são capazes de manter uma cultura, que nutre e possibilita a continuidade dos valores que decorrem de sua história.

Loureiro (2001) esclarece que a história é revivida pelas diferentes gerações a partir das práticas de transmissão oral que prevalece entre eles, e que esse modo de viver ribeirinho também tem sofrido influências da globalização, através dos veículos de comunicação e isso, certamente, irá modificar alguns aspectos culturais.

Devido às fortes influências culturais as manifestações religiosas para os ribeirinhos não expressam apenas um movimento de caráter teológico, mas também, um momento de alegria, de fraternidade, e de lazer. Segundo Medeiros (2004), as comemorações religiosas são realizadas anualmente, em datas conhecidas pelas comunidades da região.

A fé do ribeirinho é vista como um elemento norteador da construção de seu espaço, e as festas funcionam como fator de mudança dentro do tempo e do espaço. São momentos de grandes vivências para os moradores das comunidades ribeirinhas, e representam manifestações de uma das facetas que o grupo possui em sua religiosidade.

Essas manifestações podiam ser consideradas como uma forma de concepção heterogênea da cultura brasileira, “que hoje já quebrou e ultrapassou as barreiras de nossas fronteiras, chegando ao exterior, através de nossos representantes Amazônicos” (MEDEIROS, 2004, p. 174).

As atividades realizadas durante as festas constituem momentos em que o espaço ganha contornos diferentes do que possui durante o cotidiano das comunidades, onde cada morador vive o espaço de uma maneira particular. Esse momento está ligado à fé e à devoção que estão presentes no festejo, sendo resultado da cultura e do modo de vida dessas populações.

A organização para a festa reflete o trabalho e suas relações, sejam elas conflitantes ou não de acordo com o que já foi previamente definido. “Assim, temos dentro da realidade do ribeirinho elementos constituintes da cultura que compõem o espaço, como as crenças, o sincretismo religioso e os mitos” (MEDEIROS, 2004, p. 174).

A religiosidade tem papel de destaque entre essas populações, tornando-se elemento capaz de promover mudanças na organização do espaço dessas comunidades ribeirinhas. A cultura do homem ribeirinho é o fator de destaque, o espaço é reflexo dessa cultura.

O catolicismo é a religião predominante das comunidades ribeirinhas, que contam na maioria das vezes com uma igreja para celebrações das missas no local. Porém há também nessas comunidades outras denominações.

Os eventos desenvolvidos pelos católicos acontecem através das festividades dos santos padroeiros, que a comunidade indica como movimento cultural, os moradores, estando ligados à religião e aos costumes de se fazer devoção, ou de pagar alguma promessa, entre outros.

Para Loureiro (2001, p. 56), “A cultura Amazônica onde predomina a motivação de origem rural ribeirinha é aquela na qual melhor se expressa e mais viva”, se mantém as manifestações decorrentes, de um imaginário unificador refletido nos mitos, na expressão artística propriamente dita e na visualidade que caracteriza sua produção de caráter utilitário.

O ribeirinho representa a natureza, as florestas, os rios, lagos e igarapés, assim é composto o ambiente amazônico. A mata é pouco explorada, dados que comprovam que o ribeirinho vive em estreita relação com a natureza; o seu cotidiano se constitui num traçado de viver um dia de cada vez.

Ele não agride a natureza, não desmata, não faz grandes queimadas, cuida do seu espaço. Limpa e cultiva somente o pedaço da terra que lhe dá seu sustento, não vendo necessidade de explorar, destruir além das suas necessidades. Segundo Loureiro (2001, p. 73):

O ribeirinho caboclo e o indígena criaram formas de conviver com a natureza, de criar e de aproveitar do seu potencial para a própria sobrevivência, estabelecendo uma aproximação mais embasada no próprio contexto local, a maioria dos migrantes vindos de outros locais não passaram pelo mesmo processo de inserção no espaço rondoniense.

O lugar para os moradores da comunidade ribeirinha vai além do espaço físico. E é formado por uma composição do espaço, natureza e seres humanos, esse lugar é fortalecido pela capacidade de interação, diferenciação e de compreensão dos mistérios da natureza. A compreensão é traduzida através dos seus mitos, como o vivido, experimentado, conversado e o sentido, protagonizado pelo meio ambiente.

Esse habitat muda de sentido, passando a ser considerado pelos ribeirinhos como “lugar”. Lugar porque fortalece, identifica e recria todo enlace cultural abastecido pelas forças da natureza; é um processo histórico das famílias que iniciaram um povoado. Os ribeirinhos vêm tentando sobreviver, trabalhando as adversidades do tempo, dando mais condições para seus filhos, buscando novos espaços, mesmo que em outro lugar, mas que garanta uma melhor condição de vida.

As populações tradicionais ribeirinhas, mesmo convivendo com as dificuldades, têm a seu favor as florestas, os rios e terras, podendo ampliar ou restringir suas áreas de cultivo. Além das florestas, dispõem de variedades de peixes e de frutas regionais cultivadas, em pequenas quantidades ainda, mas que podem vir a ser sua fonte de trabalho e renda.

O que poderia ajudar muito o ribeirinho em seu trabalho, é o solo de várzea que favorece cultivos temporários, pois o solo quando bem aproveitados com plantios diversificados pode render um bom lucro ao ribeirinho, contribuindo para sua sobrevivência nos meses de chuvas.

As condições de vida das comunidades ribeirinhas apontam para uma determinada situação socioeconômica de acesso às políticas públicas, determinando, ao mesmo tempo, o surgimento de alguns problemas referentes à educação, saúde, meio ambiente, entre outros.

Essas atividades muitas vezes são prejudicadas pela distância do mercado consumidor, pela dificuldade que se tem de conservar o pescado e pelo custo do transporte, levando esses trabalhadores a trocarem sua produção com gênero de primeira necessidade, com atravessadores, ou mesmo dedicarem-se à pesca de subsistência.

3. VILA DE TEOTÔNIO

A Vila da “Cachoeira de Teotônio” era uma comunidade antiga, localizada a 25km da cidade de Porto Velho-RO, antes de ser extinta, os habitantes passaram por momentos difíceis, devido à construção do reservatório da Usina hidrelétrica de Santo Antônio no local. Era um vilarejo com pouco desenvolvimento, segundo os moradores 90% nasceram, cresceram e construíram tudo que tinham no local. Essa decisão de deixar o seu local de moradia foi muito difícil, trazendo muito descontentamento, tristeza e dor para eles.

A comunidade investigada vivia na antiga Vila, basicamente da pesca, que era a sua principal atividade econômica. Segundo Ana Amélia Peixoto Boischio (1992), noventa por cento da população ribeirinha se alimenta do peixe, quase que diariamente. Os ribeirinhos do rio Madeira consomem em média 250 gramas diária de peixe por pessoa. Mas devido à construção das barragens da usina hidrelétrica de Santo Antônio, os peixes dos rios próximos ficaram escassos, prejudicando o trabalho e a alimentação dos pescadores.

Com a escassez do peixe, o objetivo era transformar o local em um novo ponto turístico para que os moradores pudessem trabalhar e aumentar sua renda. A nova Vila de Teotônio tem tudo para se tornar uma das principais atrações de quem reside em Porto Velho-RO, e dos turistas que procuram uma bela paisagem para desfrutar de momentos de lazer ou de descanso.

Mas à distância, somada às péssimas condições da estrada que liga à Rodovia BR 364 à nova Vila de Teotônio, acabam dificultando o acesso ao local, isso consecutivamente interfere no deslocamento dos turistas até a comunidade, que depende, economicamente, da presença dos turistas para a comercialização de seus produtos.

A prefeitura de Porto Velho, com o consórcio Santo Antônio Energia, realizaram obras compensatórias para ajudar a população que foi prejudicada com a implantação da Usina hidrelétrica no local. O lugar de moradia dessas pessoas foi planejado, e conta com saneamento básico; água potável; uma escola com nove salas de aulas; posto de saúde com diversos atendimentos como: triagem; imunização; controle de endemias; enfermagem; odontologia; farmácia; exames laboratoriais e clínica geral.

No posto médico são atendidos os moradores e outros que moram nas proximidades. Esse atendimento é realizado através de médicos e de agentes de saúde que se deslocam de Porto Velho até o local. As pessoas são atendidas nos casos mais simples como: aplicações de injeções; curativos e soros, os casos mais graves são encaminhados aos hospitais da cidade de Porto Velho-RO.

No momento, são disponibilizados os serviços de prevenção contra o Coronavírus, como testes rápidos e vacinação contra a Covid-19. Os profissionais estão atentos para que os moradores e comunidades adjacentes estejam com suas cadernetas de vacinação atualizadas.

Constantemente, equipes se deslocam de Porto Velho do Departamento de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) para realizarem atendimento na comunidade da Nova Vila de Teotônio. Podendo contar com alguns serviços disponíveis como: Testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites; Teste de glicemia e vacinação contra o vírus da gripe (H1N1 e H2N2); Testes rápidos e vacinação contra a Covid 19; Vacinação de rotina para crianças.

Atendimento nas áreas de clínica geral, odontologia, ginecologia, nutrição, exames preventivos e planejamento familiar. Apesar de o posto possuir instalações próprias, não consegue atender as demandas solicitadas pela comunidade, nem sempre tem o necessário, faltam medicamentos para atender a população.

Segundo Wilma Suely Batista Pereira (2001), os serviços de saúde são precários e não atendem a todas as comunidades ribeirinhas, as vacinas e medicamentos nem sempre chegam a todos os moradores da região, que é bastante vasta. Diante dessas circunstâncias, muitas vezes os cuidados com a saúde são praticados de acordo com a tradição cultural deles.

As famílias ribeirinhas que residem no reassentamento, são constituídas por pessoas das comunidades mais próximas, que acabaram casando e constituindo famílias que moram próximo ou nas próprias terras dos pais, ou familiares. A relação de parentesco que eles têm um com o outro é muito recíproca, um auxilia o outro formando o sistema de parentesco cuja relação sanguínea une homens e mulheres gerando seus filhos.

Essas famílias transmitem as crianças, não só pelo ensino e doutrinação direta, mas também indiretamente, por meio das práticas culturais e a socialização de seus costumes e crenças (tradição ribeirinha). Maria das Graças Silva Nascimento Silva (2000), explica que as principais funções da família são a reprodução, a manutenção, a colocação social, e a socialização dos jovens.

A comunidade de Nova Vila de Teotônio passou a receber moradores oriundos de localidades adjacentes, formando uma estrutura populacional composta de pessoas em sua maioria nascidas na região. O que favoreceu a continuação dos costumes, o respeito e a relação com a natureza, solidificando seu modo de vida, e suas características e especificidades ribeirinhas.

Estão residindo atualmente na nova Vila de Teotônio, aproximadamente 25 famílias. São famílias cujos responsáveis predominantes são homens, mas existem mulheres exercendo essa função. A relação familiar para eles é muito importante, o que foi observado é que o deslocamento natural de pessoas ao longo dos anos é uma característica dessa população.

Por se encontrarem distante da capital de Porto Velho-RO, pela falta de influência política que viabilize o atendimento, às necessidades tornam-se mais visíveis. A população acaba crescendo, e as estruturas de atendimento são insuficientes, algumas famílias mudam-se de um local para o outro na esperança de uma vida melhor.

As questões sociais vão se avolumando e se transformando em problemas, sob o ponto de vista do atendimento às necessidades básicas de saúde, educação e moradia, o que não difere das situações existentes vivenciadas em todo o país. Para o ribeirinho a possibilidade de redução de algumas questões sociais podem estar associadas ao meio em que vive, pois se houver público para comprar seus produtos, certamente eles irão dispor de seu próprio dinheiro para satisfazer suas necessidades, deixando de esperar pelo assistencialismo do governo.

É comum ver as famílias trabalharem em união, numa organização social fundamental para um processo produtivo, aliado às condições de trabalho cooperativo a outros membros da comunidade ou de seus filhos.

Os moradores da nova Vila de Teotônio e os visitantes podem contar com uma praia artificial; campo de futebol; trilha; passeios de barco e brincadeiras ao ar livre. A comunidade conta também com os quiosques; restaurantes; loja de artesanato, e um píer de madeira que dá acesso à praia.

Existe uma associação de moradores na comunidade, que busca melhorar as condições de vida dos membros da Vila, por meio de várias atividades econômicas, como produção de artesanato; biojóias; papel reciclado; tecidos bordados; pinturas em cerâmicas; objetos entalhados em madeiras; produção de hortaliças; tanques para piscicultura, entre outras atividades que possa complementar a renda dos moradores de Teotônio.

Para Elizara Marin (1996), o lazer está mais relacionado à atitude e não ao tempo, pois estes analisam o lazer por meio do lúdico. Para as comunidades ribeirinhas é por meio do trabalho que eles conseguem seus alimentos, e consequentemente garantem sua sobrevivência.

Enfim, mesmo que não haja uma dicotomia acentuada entre trabalho e diversão, eles só podem se divertir quando finalizam seus afazeres que são muitos. O homem ribeirinho se levanta cedo e trabalha muito para sustentar a família, mesmo assim, ainda encontra um tempinho para um bate-papo com os amigos no final da tarde.

Os alunos da Nova Vila de Teotônio são oriundos de famílias de pescadores; pequenos agricultores; caseiros; ribeirinhos; coletores seletivos de lixo; trabalhadores assalariados que administram o minifúndio; e pequenos comerciantes locais. Esses alunos pertencem a seis localidades diferentes, sendo que uma pode ser caracterizada como fundamentalmente agrícola, e cinco como essencialmente ribeirinhas.

A escola atende alunos com realidades culturais e religiosas diversificadas e, diante dessas diferenças, busca privilegiar a pluralidade através de atividades correlacionadas, visando não somente o desenvolvimento cognitivo, mas a formação plena da pessoa, principalmente na vivência dos valores e da cidadania.

Therezinha de Jesus Pinto Fraxe (2004), comenta que a pluralidade do conceito de cultura, e a complexidade do seu estudo requerem uma postura reflexiva com grande acuidade. O acesso à cultura popular acontece na realização de atividades que integram alunos, pais e professores como: quadrilhas; festa da família; feira de conhecimentos e demais atividades extraclasse.

É comum na Vila de Teotônio, os filhos se afastarem dos pais para dar continuidade aos seus estudos, pois após a conclusão do Ensino Fundamental, os estudantes precisam se deslocar para Porto Velho, ou para outra localidade para dar continuidade aos estudos.

Para evitar esse afastamento precoce dos filhos de seus pais, o ideal é que fosse implantado o ensino médio no local. Tal problemática deu início a uma discussão sobre a necessidade de encontrar novas formas de estudos que pudessem contemplar os jovens estudantes, e evitar que os estudantes tenham que se deslocar para outras localidades para estudar. A implantação do ensino médio no local possivelmente evitaria a constante migração dos jovens para os centros urbanos em busca de emprego, abandonando a cultura local e suas raízes, desestruturando a vida familiar.

Mediante leitura de outros trabalhos sobre a educação em comunidades ribeirinhas, constata-se que durante muitos anos os distritos localizados às margens do rio Madeira, a situação se desenhava tortuosamente, pois só era oferecida até a 4ª série do Ensino Fundamental, em salas multisseriadas, ou seja, apenas um professor, quase sempre sem habilitação adequada, para lecionar às quatro séries em uma só turma.

Por muito tempo, as crianças que chegavam a concluir a 4ª série entendiam ser impossível dar continuidade aos estudos, conformando-se ao seu destino: ser pescador, agricultor ou dona de casa, profissões exercidas por seus pais. Esses comentários foram feitos pelos próprios alunos. O cenário escolar melhorou em 2004, em virtude da inclusão de projetos e programas, proporcionando ao aluno oportunidade de concluir ao menos a educação básica.

A comunidade de Nova Teotônio conta com uma escola com 242 alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental, funcionando em dois turnos, matutino e vespertino. Com 13 alunos de educação infantil Pré II, distribuído em 12 turmas somando um total de 255 alunos.

A escola é composta por: uma gestora; um vice gestor; um orientador; uma secretária; um coordenador; uma psicóloga; quatro auxiliares de limpeza; dois serviços gerais; dois agentes de vigilância; quatro merendeiras e quinze professores (as) em docência de sala, sendo que seis professoras atuam do Pré-Escolar ao 5º ano do ensino fundamental.

Os professores são qualificados, lecionam do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, e todos possuem nível superior nas disciplinas que atuam, e fazem parte do quadro efetivo do município. O transporte da nova escola é realizado por dois ônibus terceirizados pela prefeitura, e uma caminhonete doada pela Santo Antônio Energia. Uma voadeira, para alunos ribeirinhos, um ônibus para a comunidade de Morrinhos, e um ônibus utilizado para trazer alunos de outras localidades, e funcionários da escola.

4. ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA NOVA VILA DE TEOTÔNIO

A análise que segue traz uma breve discussão dos resultados obtidos com a pesquisa de campo realizada na nova Vila de Teotônio, tal investigação consistiu na observação dos aspectos socioculturais da comunidade, e na aplicação de questionários aos moradores da localidade. Realizou-se a análise, interpretação e a discussão dos dados coletados, confrontando-os com a bibliografia levantada e comparando-os com outras pesquisas já realizadas.

O questionário foi aplicado aos moradores no início de novembro de 2021, com várias visitas à comunidade, esses retornos a comunidade se fez necessário para conhecimento do modo de vida deles. Entender melhor os aspectos foram necessários, para traçar um perfil, conhecer a realidade do local e a posição dos moradores em relação a sua cultura, bem como abordar sobre o processo de mudança e o efeito que esse deslocamento espacial trouxe para cultura e história da Vila de Teotônio.

Com perguntas abertas e fechadas, focando sempre em seus aspectos culturais; econômicos; de trabalho; saúde; educação; religião; transporte e lazer. Para a aplicação do questionário, contou-se com a participação dos moradores, que responderam os questionários em suas próprias residências, facilitando a obtenção das respostas.

Para realização da pesquisa foram entrevistadas 17 (dezessete) pessoas, sendo 10 homens e 07 mulheres, com idades entre 19 (dezenove) e 70 (setenta) anos. Desses informantes, 09 (nove) têm idade maior do que 46 anos, sendo 52,9 % do total. A tabela 1 mostra a faixa etária dos entrevistados.

Tabela 1. Faixa etária dos entrevistados

Idade Total %
>46 anos 9 52,9
< 46 anos 7 41,2
Não respondeu 1 5,9
Idade Total %
>46 anos 9 52,9
< 46 anos 7 41,2
Não respondeu 1 5,9

Fonte: autoria própria /2021. 

Destes informantes, a maioria tem apenas o ensino fundamental (64,7 %), e uma parcela (41,2%) tem ensino médio incompleto. Nenhum dos entrevistados possui nível superior completo. A tabela 2 apresenta o grau de escolaridade com as respectivas porcentagens.

Tabela 2: Grau de escolaridade dos entrevistados

Escolaridade Total %
Ens. Fund. Incompleto 11 64,7
Ens. Médio Incompleto 2 11,8
Ensino Médio 1 5,9
Superior Incompleto 2 11,8
Não respondeu 1 5,9

Fonte: autoria própria /2021.

Em relação aos prejuízos sofridos com a construção das barragens, os moradores responderam que a pesca era a principal fonte de renda, e afirmaram que o padrão de suas vidas foi muito abalado, não apenas no aspecto de trabalho, mas também na questão psicológica. A maioria demonstrou insegurança em morar no novo reassentamento.

Todas essas mudanças acabaram trazendo sofrimento para os moradores, tanto na parte ambiental como emocional, essas questões deveriam ser reparadas ou, pelo menos, mitigadas. O prejuízo socioambiental dos pescadores também deve ser tratado de forma semelhante. De acordo com os Estudos do Impacto Ambiental (EIA), que constam no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA):

As construções de barragens hidrelétricas geram também outro dano psíquico, podendo ser determinado pela lesão da vida tranquila e da saúde das populações atingidas, pois com a preocupação gerada pelo projeto e as suas possíveis consequências, parte da população, principalmente a de idade mais avançada, passa a sofrer constantemente, chegando inclusive a afetar sua saúde, necessitando do uso constante de remédios.  Tudo isso, causa danos na vida dessas pessoas, que além da longa duração do licenciamento ambiental desses empreendimentos, a falta de esclarecimento e o acesso ás informações dos Estudos de Impactos da população atingida sobre o projeto. (EIA-RIMA, 2005, p. 65) 

Em relação à cultura, 80% dos entrevistados responderam que o gosto pela pesca, caça e principalmente pela tradição ribeirinha, que era repassada de pai para filho, foi pouco discutida, ficando muito difícil plantar e pescar no novo local. E que a pesca era de fundamental importância para as populações ribeirinhas, seu meio de subsistência.

O modo de vida da comunidade está condicionado ao ciclo da natureza, pois o fenômeno da enchente e da vazante regula em grande parte o cotidiano ribeirinho, de tal modo que o trabalho obedece ao ciclo sazonal quando desenvolvem as atividades de extrativismo vegetal, agricultura, pesca e caça. A forma de trabalho do ribeirinho é essencialmente extrativista e agrícola centrado na produção familiar (MARTINS, 2000). Segundo o pescador, Salviano de 52 anos:

Com a construção das barragens, a pesca foi comprometida, a convivência do meio, e o habitat, tudo foi perdido dentro da cultura. A cultura de raízes tinha que ser preservada, os governantes poderiam ter feito alguma coisa. (SALVIANO, 2021, entrevista[3])

Quanto à mudança e preservação da cultura, historicamente, 90% dos moradores reassentados consideram que poderia ter sido feito algo para a preservação da cultura e do patrimônio local, muitos não tem como sobreviver, essa mudança prejudicou muito sua sobrevivência.

Segundo o Movimento dos atingidos por barragens – MAB (2008), o objetivo das empresas sempre foi extrair muito lucro. Para isso elas precisam se apropriar das riquezas naturais, mas sua estratégia sempre foi explorar o povo. Diante disso, o MAB já denunciou, entre outras injustiças, as expropriações das populações locais, o despreparo das instituições diante das destruições constatadas e o alto preço da energia à população, em detrimento dos incentivos às grandes empresas eletrointensivas, que visam o desenvolvimento viável para a maioria do povo.

O maior descaso mesmo foi após a construção da hidrelétrica de Samuel, construída também na cidade de Porto Velho, o dinheiro ganho foi embora junto com os empregados da usina hidrelétrica. E aqueles que vieram atrás de melhores condições de vida tiveram que ir para os arredores da cidade e tentar reconstruir sua vida.

De acordo com o MAB (Movimento dos atingidos por Barragens), a hidrelétrica de Samuel foi responsável pelo “terror” social, criando grandes bolsões de miséria na periferia de Porto Velho. Na construção das Usinas de Tucuruí e Balbina fatos semelhantes aconteceram, muitas famílias sem conhecimento acabaram concordando com as propostas e deixaram o local.

Metade da energia consumida no Brasil, conforme dados do Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB), destina-se às indústrias chamadas eletrointensivas (alumínio, siderurgia, celulose), e cerca de 6% da população mundial, que vive nos países ricos consome em média 1/3 de toda energia produzida no mundo. No Brasil, de acordo com o MAB, 1 milhão de pessoas já foram expulsas de suas terras por causa da construção de barragens, e 70% das famílias expulsas não receberam nenhum tipo de reparação.

Para o MAB (2008), existe também a necessidade do reconhecimento de que a preservação pode começar através das ações dos homens. Não bastam decretos, é preciso que existam condições para a preservação ocorrer na prática. Não se trata, em absoluto, de invalidar a necessidade das Usinas hidrelétricas e da energia que geram, trata-se do reconhecimento da necessidade de planejamento e gerenciamento do uso do ambiente.

Historicamente o que foi observado é que as populações tradicionais, em especial as comunidades da Amazônia, sempre conviveram em harmonia com o ambiente natural, extraindo do ambiente o suficiente para sua subsistência e mantendo preservadas as condições naturais, uma vez que essas comunidades dependem da fauna, da flora e dos recursos hídricos para sua sobrevivência.

Em suas respostas, os moradores afirmaram ter observado uma redução do ambiente natural nos últimos anos, e que é visível a redução do adensamento florestal, a queda do volume de recursos hídricos e de peixes nos rios que cercam seu habitat.

É possível perceber a insatisfação dos moradores com a construção da hidrelétrica de Santo Antônio, no antigo lugar de suas moradas, que acabaram-se desestruturando e prejudicando as relações econômicas, sociais e culturais da comunidade em sua cultura reconstruída.

O homem pescador, ribeirinho, pai de família, tinha uma ligação com as formas de viver e produzir, com o ambiente natural, que acabou ficando prejudicado. Anteriormente eles desenvolviam atividades econômicas com o uso dos recursos naturais que o ambiente propiciava, principalmente com a venda de peixes.

Os moradores da nova Vila de Teotônio responderam nos questionários que muita coisa mudou significativamente, sobretudo em relação à produção para manutenção da comunidade, novas atividades foram incluídas, oferecidas à população local, atividades essas diferentes daquelas que, historicamente, estavam acostumados a realizar. Ensinamentos, vindos de seus pais, avós ou parentes, configurando-se em um conhecimento tradicional.

Em relação às mudanças, eles entenderam que para haver desenvolvimento e progresso seria necessário sacrifício, porém a forma como esse processo de construção foi conduzida na época, está sendo questionado, condenável na opinião deles. Não respeitaram nem garantiram o direito de conservar suas especificidades e características de subsistência. O novo local oferecido pela usina hidrelétrica de Santo Antônio para os moradores da antiga Vila de Teotônio, conta com saneamento básico, água potável, energia elétrica e atendimento médico bem eficiente.

Apesar de todas as dificuldades e do pouco conhecimento dessa comunidade, sobretudo o conhecimento econômico, os moradores que permaneceram no local, não pensam em deixar a comunidade, apenas reivindicam mais melhorias, condições de trabalho, mais atenção para o funcionamento do turismo, que as pessoas que visitam a comunidade, façam disso um hábito nos finais de semana.

Quando foi cogitado a construção das usinas hidrelétricas em Porto Velho, a população atingida pelos impactos foi a última a saber o que de fato aconteceria com as suas vidas, isso é algo que acaba desestruturando, modificando toda construção de muitos anos. A chegada da usina hidrelétrica de Santo Antônio modificou toda a história dos moradores da antiga Vila de Teotônio, reassentada em outro local, construída pelos antepassados, perpassando pelos seus filhos e netos.

Com a saída radical do local, os moradores dessa comunidade ribeirinha ficaram na incerteza de como seria seu futuro, pois não são contra as mudanças, eles sabem que para que haja desenvolvimento é necessário sacrifício, porém a forma como esse processo de construção foi conduzida é condenável, não foi respeitado nem garantido o direito de preservar sua cultura e especificidades. Dessa maneira, o presente estudo não teve como objetivo esgotar o assunto, e nem buscou demonstrar os casos práticos aplicados ao tema.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que a mudança de localidade contribui para o apagamento da identidade cultural dos moradores da Vila de Teotônio, isso ocorre devido ao distanciamento desses indivíduos das atividades culturais vivenciadas na antiga comunidade, assim como: a pesca, caça, agricultura, entre outras.

Os resultados da pesquisa apontaram que houve mudanças significativas na vida dos habitantes da nova Vila de Teotônio, principalmente em sua cultura. Averiguou-se que no reassentamento eles sobrevivem com dificuldades, sem trabalho, pois, com a construção da Usina hidrelétrica de Santo Antônio, o peixe, seu meio de subsistência, ficou escasso. O local da nova moradia é improdutivo para o plantio, dificultando a sua sobrevivência e a preservação de suas raízes culturais e sociais.

Percebe-se então que a empresa responsável pela elaboração da nova Vila de Teotônio, não teve preocupação alguma em oferecer a esses ribeirinhos, condições de vida equivalentes àquelas que eles tinham na antiga Vila. O reassentamento não apresenta compatibilidade com o contexto de vida dos moradores, pois lá não há meios que permitam a manutenção econômica e sociocultural desses indivíduos, visto que o reassentamento foi construído sem considerar as especificidades da vida ribeirinha.

Esse novo espaço trouxe para esses ribeirinhos um modo de vida diferenciado, fazendo com que o processo de adaptação seja mais dificultoso. Atrelado a essas questões há a falta de assistência financeira e acompanhamento desses moradores, pois os recursos disponibilizados (posto de saúde e escola) não são suficientes para manter a sobrevivência desses moradores, que foram praticamente abandonados à própria sorte, isso está gradualmente inviabilizando a permanência desses habitantes nessa localidade.

Constata-se mediante a pesquisa que ocorreu um rompimento histórico e cultural na vida desses indivíduos remanejados. Atualmente os mesmos vivem um processo de transição, e pelos seus relatos, percebem-se os inúmeros impactos que isso tem causado, o processo de remanejamento não foi democrático e transparente, o que afetou diretamente a identidade desses moradores. Tal é a gravidade e complexidade desta situação, que se reforça aqui a necessidade de mais pesquisas sobre os ribeirinhos atingidos por barragens, que tiveram seus direitos violados, e foram praticamente expulsos de sua comunidade, em nome do capitalismo.

Essa comunidade ribeirinha possuía características socioculturais e religiosas próprias que refletiam a sua identidade, muitos desses aspectos acabaram se perdendo com a mudança de localidade. Ainda é preciso saber mais a fundo quais foram as perdas imateriais desses ribeirinhos, e como essa mudança forçada afetou na manutenção da identidade cultural desta comunidade. Sendo assim, nesta pesquisa pretende-se incentivar discussão e reflexões como essa.

Portanto, a contribuição científica que esta pesquisa poderá proporcionar soma-se a outras pesquisas já desenvolvidas, passando a fazer parte da literatura especializada. Sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas, apoiando no desenvolvimento da comunidade ribeirinha, para que a cultura, vivências da comunidade não sejam esquecidas, que valorizem e divulguem a história desse povo.

REFERÊNCIAS

BOISCHIO, Ana Amélia Peixoto. Toxicológico do mercúrio do Rio Madeira. Porto Velho: UNIR, 1992.

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CHINOY, Ely. Sociedade. Uma Introdução à Sociologia. São Paulo: Cultrix, 2008.

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GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica. Uma poética do Imaginário. São Paulo: Escritura, 2001.

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens. Hidrelétricas no rio Madeira: energia para quê e para quem? Cartilha de Estudo, agosto de 2008.

MARIN, Elizara. O lúdico na vida: colonas do Vale Vêneto. Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação Física. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1996.

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SILVA, Maria das Graças Silva Nascimento. O Espaço Ribeirinho. São Paulo: Terceira Margem, 2000.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2.  Tal questionário foi elaborado durante o curso de mestrado, ao todo se formulou oito perguntas que envolviam questões econômicas, sociais e culturais da antiga e atual Vila de Teotônio. Para a realização desta pesquisa selecionou-se as respostas referente as perguntas seis, sete e oito, que são respectivamente:

6) Com a construção das barragens da usina hidrelétrica de Santo Antônio o trabalho na Vila ficou comprometido, como vocês pretendem fazer para sobreviver na nova Vila de Teotônio?

7) Na vida da comunidade muitas coisas foram perdidas, o que mais foi perdido da cultura de vocês?

8) Vocês acham que pode ser feito alguma coisa para preservar a cultura e o patrimônio histórico dos membros da antiga Vila de Teotônio?

3. Entrevista coletada em 2021.

[1] Doutorado em Educação pela Universidade Interamericana (UI), Paraguai. Mestrado em História, Direitos Humanos, Fronteiras no Brasil e América Latina, pela Universidad Pablo de Olavide (UPO), Espanha. Especialização em Metodologia do ensino Superior, pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Especialização em Psicopedagogia, pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Graduação em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR). ORCID: 0000-0002-5706-1352.

Enviado: Março, 2022.

Aprovado: Setembro, 2022.

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Adnéia Miranda Gomes Andrade

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