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A escola domiciliar e o ensino EAD na Educação Básica

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BRANCO, Rilke Rithcliff Pierre [1], BARBOSA, Fabyo Alves [2]

BRANCO, Rilke Rithcliff Pierre. BARBOSA, Fabyo Alves. A escola domiciliar e o ensino EAD na Educação Básica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 11, Vol. 02, pp. 107-130. Novembro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-basica

RESUMO

Este artigo reflete, com brevidade, sobre as alegações de pedagogos, psicólogos, juízes e outros em torno do ensino domiciliar e da educação à distância, para saber se estes tipos de pedagogia devem ser aplicadas na Educação Básica. A pesquisa é informativa, mas seus efeitos se mostram relevantes na atualidade no Brasil e no mundo, sobretudo após a pandemia e a crise do covid-19. A análise crítica conduz à conclusão: o ensino domiciliar deve ser, portanto, um meio; não um fim.

Palavras-chave: Escola domiciliar, EAD, Homeschooling, crianças e adolescentes.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo examina as discussões e as repercussões nas famílias e nos meios pedagógicos sobre a viabilidade do ensino domiciliar no país para crianças e adolescentes. Há argumentos os mais diversos, em sentido a favor e contrários. De um lado, fala-se em direito; do outro, em desvantagens do homeschool. A tal modalidade de educação, que pode dar-se em local privativo e saudável, em casa ou em um lar, como forma melhor e mais segura, volta à notícia após a pandemia do coronavírus, que suspendeu as aulas e determinou o isolamento das pessoas; medida que afetou não só o Brasil, mas o mundo. Em xeque argumentos de quem considera este modelo um retrocesso, por retirar do menor os necessários fatores da socialização; o que, na visão de muitos especialistas, isso seria até perigoso e danoso ao desenvolvimento integral do futuro e até da humanidade. Em verdade, o tema em foco é, de fato, complexo, desborda de uma controvérsia pedagógica e inserta reflexões atuais em torno do uso de artefatos tecnológicos e das condições do material de aprendizagem, assim como dos ambientes e suas consequências.

A pesquisa, que possui cunho qualitativo e exploratório, vale-se de fontes bibliográficas e da legislação pátria para apontar algumas possíveis sugestões.

2. DEFINIÇÃO DE ESCOLA E DA EDUCAÇÃO INFANTIL, POR EXCELÊNCIA

De forma bem objetiva, a escola é, em geral, vista a partir de um princípio segundo o qual, independentemente da faixa etária que atenda, é uma instituição cuja função primordial não se limita só a transmitir conhecimentos; é, outrossim, o veículo de ensino como lócus privilegiado de socialização, para além das esferas cotidianas inerentes à cultura do senso comum. (MARTINS, 2009, p. 94).

Uma de suas características basilares é promover o desenvolvimento dos elementos psicológicos para a evolução da criança. Assim, a escola contribui, de forma decisiva, para a progressão afetiva, visual, tátil, auditiva, motor e sensorial, de todos os tipos de atividades na primeira infância, inclusive nas novidades.

No pressuposto de Piaget e, sobretudo, de Vigotski, o bom ensino, presente em processos interpessoais, antecipa-se ao desenvolvimento e conduz o menor para outros níveis que atravessam a simples assimilação de conhecimentos.

Historicamente construída no contexto da contemporaneidade, a escola é um estabelecimento avaliado como intervenção privilegiada no progresso de uma finalidade cognitiva e social essencial: transmitir cultura, proporcionando às novas gerações o que a humanidade pode produzir de mais significativo culturalmente.

Sustenta Sacristán (2001) que a educação nas escolas contribui para as relações, para manter as ideias de prosperidade, como processos de marcha ascendente historicamente e que, assim, ajuda a sustentar a esperança em alguns indivíduos, em uma sociedade, em um mundo e em um “porvir” melhores. A fé, na educação, é a crença de que esta possa melhorar a qualidade de vida racional, a elevação da sensibilidade, a compreensão entre os seres humanos, o decréscimo da agressividade, o desenvolvimento econômico, ou “o domínio da fatalidade” e da natureza hostil, substituídos pelo aprendizado das cooperações, das ciências e da tecnologia. Com a escola, é possível acreditar-se mais na possibilidade de que os projetos das pessoas, das sociedades e dos países possam triunfar, devido ao estímulo da inteligência, ao exercício da interação e da ordem social nela havida.

Em linhas gerais, a Educação Infantil é conceituada como a primeira etapa da Educação Básica e tem como objetivo o desenvolvimento integral da criança, em seus até primeiros anos de idade, quanto aos aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais, completando a ação da família e da comunidade, sendo um ambiente onde se descobrem valores, costumes e sentimentos, da identidade e da autonomia. Escola e a educação infantil podem, pois, modelar o caráter dos seres.

3. A EDUCAÇÃO BRASILEIRA EM UM ESTUDO PANORÂMICO SOBRE SUAS BASES

A educação, no Brasil, tem a missão de garantir o desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas esferas e dimensões, sejam elas no prisma intelectual, física, emocional, material, social e cultural. Constitui-se como um projeto que, coletivo, prepara as crianças e jovens para a sociedade.  Neste contexto, dois são os principais documentos norteadores da educação brasileira: a Constituição da República Federativa do Brasil, notadamente, nos capítulos que tratam destas matérias, e a Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB).

De logo, impende dizer que, na LDB, não se encontra todo o regimento normativo que assegura a educação aos brasileiros, cujo primado universal é esposado na Carta Magna Federal, já que, em seus artigos 205 e 206, delineiam-se os seguintes princípios e axiomas, que se acham abaixo vazados, in verbis:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV – Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

O ingresso dos estudantes nas escolas e, também, a sua permanência, por sua vez, são fixadas na LDB, que se preocupa em conduzir o sistema educacional onde se criarão espaços educacionais de formação cidadã, vinculados com o mundo do trabalho e com a qualificação profissional. Lá, orientações culturais e as práticas sociais que tenham em vista o pleno exercício civilizatório e a formação de indivíduos, podem suscitar conhecimentos e o progresso, autonomamente e na sociedade, conforme retratam os artigos 2º e 3º da Lei nº 9.394/96, ipsis litteris:

Art. 2º: A educação é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV – Respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V – Coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI – Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII – valorização do profissional da educação escolar;

VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

IX – Garantia de padrão de qualidade;

X – Valorização da experiência extraescolar;

XI- vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

De um rápido exame destes dispositivos, infere-se que ao Estado cabe sim oferecer educação pública de qualidade, em todos os níveis. O sistema se funda, ainda, em um pluralismo de ideias, para que as liberdades de pensamentos sejam respeitadas, assim como as crenças e ideologias. Há abrigo, aliás, para o estímulo da criatividade individual e das formas artísticas dos educandos. Compreende-se, como desdobramento destes preceitos legais, que o espaço escolar é o ambiente essencial à formação dos indivíduos para as vivências em sociedade e para o pleno exercício da cidadania, de modo que na escola são oferecidos instrumentos de socialização e conteúdos pedagógicos, conversíveis em habilidades, que aos sujeitos se conferem com o plano da organização produtiva por meio da cidadania.

Outro quadrante, de valor crucial, para o enfrentamento do tema da “escola-educação restrita ao âmbito doméstico-familiar”, pode ser dissecado à luz da Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), tratando-se de um diploma que versa, em seu capítulo IV, sobre o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer das pessoas ali tuteladas. É de palmar importância destacar que a norma aduz o comando de que as crianças devem ter acesso e o direito de permanência na escola, em escola pública perto da sua casa, assinalando, como item, a ordem de que a comunidade local possa integrar-se neste processo organizativo e de gestão. Daí, subentende-se, da dicção legal, que alunos e pais ou responsáveis participem dos direcionamentos de todo o processo pedagógico. À guisa dessa lógica, percebe-se a força do preceito, que incluiu a colaboração e presença social ativa comunitária de pessoas nas ações e nos projetos pedagógicos escolares. Há, assim, uma perfeita integração da necessidade para que as relações sociais devam estar correlacionadas à promoção da educação oficial, que ora abarca todas as vivências e experiências holísticas e familiares do educando.

O artigo 54 do ECA consigna, enfim, os principais deveres do Estado, ao primeiro, plantar a gratuidade da educação infantil e do ensino fundamental obrigatório, abrangendo até aqueles que não tiverem idade para este acesso.

Garante-se a extensão obrigatória do ensino médio, obrigatório e gratuito, e o atendimento especializado para as crianças e adolescentes com deficiência. Já o direito a creche e pré-escola alberga crianças de até 5 anos, pelo que se deduz da redação do parágrafo IV do artigo em realce A novidade é que, após a Lei 13.306/2016, rebaixou-se o limite etário para o acesso à creche de 6 para 5 anos.

Nestes termos essenciais, a estrutura organizacional de educação no Brasil está disposta segundo a LDB, e no artigo 21, do Capítulo I, título V, dessa lei, colacionam-se várias sessões para que o ensino e a aprendizagem sejam válidas perante a autoridade estatal e todo o substrato social:  educação infantil, ensino fundamental e ensino médio são categorias de atividades normatizadas.

A educação infantil corresponde ao período da vida escolar, que enfeixa crianças de 0 a 3 anos e é denominada de creche. Já o equipamento educacional que se destina a crianças de 4 a 5 anos, equivalendo ao período chamado de “pré-escola”, enquanto o ensino fundamental tem duração de 9 anos e se reserva a crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos. Em 1996, assumiu o lugar do chamado “primeiro grau”, então composto do curso primário (com duração de 4 a 5 anos) e do curso ginasial (com 4 anos de duração). Agora, a educação é dividida em duas fases: a primeira vai da primeira a quinta série, com a alfabetização e a consolidação dos conteúdos básicos. A segunda vai da sexta a nona série. Reitere-se que, do ponto de vista legal, a duração mínima de 9 (nove) anos para o ensino fundamental e se exige matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade do aluno. A atribuição dos municípios no sentido de oferecer tais modalidades públicas de ensino também vem de mandamentos jurídicos.

Já o ensino médio, anteriormente chamado de 2º Grau, é a etapa final da educação básica e está subestruturado em 3 (três) anos, com duração mínima de 2.400 horas-aula. Seus objetivos são mesmo: a solidificação e o aprimoramento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, além da preparação para a vida e para os primeiros passos no mercado de trabalho.

Ainda sobre a educação nacional se observa que pode ser organizada em instituições públicas e privadas. Destarte, o governo vem realizando, ao longo do tempo, concessões para o aumento do ensino privado, com as possibilidades de ingresso e de atendimento aos diferentes grupos populacionais.

Logo, conforme Martins (2006), “a educação privada vem cumprir o seu papel social, ofertando serviço educacional, nesta forma, suprindo a parte do governo que deveria acrescer ao seu orçamento público, pelo menos, R$ 20 bilhões dos recursos públicos nos setores educacionais”. Daí que a educação privada representa um importante setor de investimento de recursos para a promoção e complementação do dever do Estado quanto ao serviço de progresso do país.

Se há estabelecimentos de educação e ensino regionalizados ao longo de todo o território nacional, de acordo com as competências e regimes das pessoas jurídicas de direito público, a União, os Estados e os Município, ao seu turno, as escolas privadas se subdividem em duas espécies: as lucrativas e as não-lucrativas. No art. 213, inciso II, da LDB, aliás, escolas filantrópicas que provem finalidade não-lucrativa e que apliquem seus excedentes financeiros em educação podem ainda valer-se de uma série de benesses fiscais, esgrimadas em lei.

De outro flanco, alguns dados referentes aos números da participação populacional nas escolas públicas e privadas no país, que são fornecidos pelo Ministério da Educação (MEC), órgão governamental responsável pela matéria, indica em seu site oficial os seguintes números: há, no Brasil, 56,5 milhões de pessoas que frequentavam escola ou creche em 2018. Do total de estudantes, 73,5% frequentavam escola pública, enquanto 26,5%, a rede privada. A educação básica abrange os estudantes predominantemente na rede pública, ao passo que, no ensino superior, essa relação se inverte, com maior presença da rede privada.  O país conta com 184,1 mil escolas — sendo que a maior parte (112,9 mil, o que equivale a dois terços) é de responsabilidade municipal. Do total de colégios, 21,7% são particulares. Apenas 116 mil instituições de ensino oferecem ensino fundamental. O ensino médio é oferecido em 28,5 mil instituições de ensino que atendem 7,9 milhões de matriculados, dos quais 7,9% têm atividades em tempo integral (em 2016, eram 6,4%). Já no ensino fundamental, que tem 48,6 milhões de matriculados, a taxa de alunos em período integral é de 13,9%.

De acordo com as pesquisas e dados acima mencionados observa-se que a coexistência das escolas públicas e privadas reforçam os esforços para o atendimento das prerrogativas legais de que toda criança e adolescente deve estar inserido na rede escolar. Neste vetor, evidencia-se a elevada importância de que há, em veras, um sistema democrático de educação no país, muito embora há quem, sistematicamente, denuncie que a sua qualidade, contudo, deixa a desejar.

Neste panorama, assoma em relevância os baixos salários que são pagos aos docentes que, a despeito de terem um piso nacional, não possuem ainda uma remuneração digna nem condizente com as suas funções e responsabilidades, o que evidencia que há um descaso sim com os profissionais que atuam na área.

4. DISCUSSÕES HISTOLÓGICAS E SOCIOLÓGICAS SOBRE A EDUCAÇÃO BÁSICA

O assunto da legalização da “educação domiciliar doméstica” é controverso e polêmico, a começar pelas próprias discussões dos modelos pedagógicos e das referências psicossociais que se podem deduzir da liberação de sistemas que não contemplem a socialização da vida, não só do aluno em si, assim como da partição dele e de outros nas experiências das escolas e dentro das comunidades.

Ariès (2006), em sua obra “História Social da Criança e da Família”, trata da descoberta da infância, que seria a primeira etapa da vida de uma pessoa; somente pensada a partir do século XIII. Até então, não havia nenhuma espécie de reflexão e direcionamento particular educacional às crianças. Antes, quando os menores alcançavam cinco ou sete anos de idade, eram os infantes agregados aos adultos. Esta fase inicial de crescimento muito curta e traumática. Alguns moralistas e educadores, porém, conseguiram mostrar a importância de uma infância longa, e, graças ao sucesso de instituições, de pesquisas, métodos de ensino e práticas de educação, a matéria foi evoluída a tal ponto que esta agora se tornou um direito. Ainda, consoante realça Ariès (2006), o desenvolvimento do ente escolar está, intimamente, ligado ao sentimento de infância à compreensão das particularidades de tratamento aos indivíduos, nessa delicada etapa da vida.  Do ponto de vista social, adicionem-se o entendimento, hoje, escorreito, sobre sua vulnerabilidade e a elaboração das novas concepções em torno das crianças para induzir a necessidade de divisões de faixas etárias também no âmbito escolar:

No início da escola o senso comum aceitava sem dificuldade a mistura das idades e da infância. Chegou um momento em que surgiu uma repugnância nesse sentido, de início em favor das crianças menores […] estendeu-se também aos maiores alunos de lógica e de física e a todos os alunos de artes e gramática.  A escola trouxe maior compreensão das necessidades

[…] No início do século XV, pelo menos começou-se a dividir a população escolar em grupos da mesma capacidade que eram colocados sob a direção de um mesmo mestre, num único lugar.  (ARIÈS, 2006, 110-112)

Ao tratar sobre a inauguração do colégio, ainda os estudos de Ariès (2006) relevam a importância do organismo voltado à educação, especialmente no século XVI, no tocante ao disciplinamento da infância e da juventude, como um núcleo fundamental da sociedade. A escola afirmou-se coo um entorno do espaço cultural, de disciplinamento à preparação dos indivíduos ao convívio social adulto:

Portanto, antes do século XV, o estudante não estava submetido a uma autoridade disciplinar extra corporativo, a uma hierarquia escolar. Mas tampouco estava entregue a si mesmo. […] Mestres corporativos eram designados à educação de jovens, mas isso se dava em termos de camaradagem o que impedia a existência da disciplina. A Escola vem pois se opor a esse desregramento, uma vez entendendo necessária a familiarização das regras sociais para a harmonização social.  (ARIÈS, 2006, p. 110)

Há, por conseguinte, uma interpretação da educação, como instrumento de harmonização da vida social, sendo possível remeter a Émile Durkheim o elevado conceito de educação como parte essencial, que estrutura o ideal de homem e de funcionamento da coletividade, ou seja, aquilo que deve ser justo, do ponto de vista intelectual, quanto físico e moral. Balizada neste propósito, tenha-se em mente que a educação planificada e aplicada para a vida social, de todo modo, vai de encontro aos anseios de construção de uma cidadania plena e saudável quanto à construção de uma sociedade mais pacífica. Doutras palavras, a fim de garantir um elo comum, propício à socialização entre os mais jovens e as gerações mais adultas, o pleno funcionamento das regras de convivência e de desenvolvimento da sociedade não podem prescindir da busca no sentido de que todos os seres aprendam a conviver em coletividade. Neste panorama, explica Durkheim que a educação é compreendida como processo pelo qual o indivíduo se prepara para a tal vida social e que esta ação é exercida em prol de uma geração de adultos maduros, que vão retransmitir, para o futuro, todo o legado de conhecimentos e de bens produzidos no tempo, pelo que se impõe externar todo o pensamento da mensagem dos elementos do aludido sociólogo, que, assim, pontificou:

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados fiscos, intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está destinada em particular. (DURKHEIM, p 53, 2013).

A escola, no início, foi um meio de garantir a um jovem uma vida honesta, e gradualmente evoluída. Assim, de acordo com Kant (apud DURKHEIM, 2013, p. 44) “o objetivo da educação é desenvolver em cada indivíduo toda a sua perfeição da qual ele é capaz”, entendendo, por isso, um desenvolvimento harmônico de todas as faculdades e habilidades particulares dos humanos, permitindo ao indivíduo atingir o ápice para o seu desenvolvimento intelectual e moral. Contudo, é de se registrar o fato de haver diferentes “gêneros de vida”, “diferentes potencialidades”. Aqui Durkheim (2013), diz que, enquanto uns são feitos para refletir, outros são homens de ação. Mas, a Educação Básica combina os vários tecidos sociais.

Há, pois, funções sociais distintas entre uns dos outros, e, neste talante da diversidade, à escola incumbe ajudar a identificar as habilidades dos sujeitos e para potencializá-las, sobretudo para que os papeis sociais sejam cumpridos a contento. Estas descobertas se dão na coletividade, instituída pela vida escolar, de maneira que parece precário aceitar que um sujeito isolado possa ou tenha condições de associar-se a qualquer perspectiva de vida funcionalista.

A escola tornou-se, então, um ambiente essencial para o aprimoramento não só pessoal do indivíduo, mas do seu substrato social, não excluindo nenhum membro, seja qual for a camada social que o integre.

Bom lembrar que, no século XV, iniciada a divisão da população escolar em grupos de mesma capacidade, essa estrutura acentuava a necessidade de adaptar o ensino do mestre ao nível do aluno. Com essa preocupação, em se colocar ao alcance dos alunos, havia, logicamente, uma distinção de classes e uma conscientização das distintas fases da vida: a infância ou a juventude. Com isso, exsurgiu “a nova necessidade de análise e divisão” das classes “que caracterizou o nascimento da consciência moderna […]” (ARIÈS, 2006, p. 113).

No século XVII as crianças mais novas foram separadas das mais velhas de 5-7 a 10-11 anos. Os achados da psicologia, posteriormente, ampliaram essa separação, designando as crianças de cada idade a uma classe etária específica, apropriada e de conformidade com a sua respectiva capacidade cognitiva.

Essas reformulações e as constantes adaptações no mundo escolar acompanharam o aperfeiçoamento da sociedade, que é fruto de uma construção histórica duramente insculpida, sendo constantemente influenciada pelas questões da religião, das organizações políticas, das estratégias do Estado, dos apelos das indústrias, da tecnologia e até de novas ciências, já que “[…] na verdade, cada sociedade, considera em determinado momento, tem um sistema de educação que se impõe aos indivíduos como uma força geralmente irresistível dentro dos seus padrões vigentes.” (DURKHEIM, 2013, pp.47-48).

Ainda para Durkheim, a educação é a modelação para o acabamento final do ser social. Preparar e habilitar esse futuro adulto à realidade antropológica na qual ele viverá, relacionar-se-á e, assim, vai enquadrar-se. Doutras palavras, “[…] pode-se concluir que a educação consiste em uma socialização metódica das novas gerações” (DURKHEIM, 2013, p. 54).

Analisando a criança, que só traz consigo as marcas das hereditariedades e de sua natureza pessoal, tipificada como um “ser egoísta e associal” (DURKHEIM, 2013, p. 55), rapidamente, urge a substituição destas características pela vida regulada em sociedade e, sendo a educação um instrumento de verberação de aptidões necessárias ao desempenho desta vida coletiva, para o desenvolvimento do caráter humano, é indispensável que haja troca de plasmas externos.

Outro aspecto é anotado por Ariès (2006), ao referir o século XVI e, com mais força, o final do século XIX, quando a escola ampliou o seu recrutamento, abrindo-se a um número maior de leigos, nobres, burgueses e também acatando famílias mais populares. Os ricos foram separados dos pobres, dento dos tipos de ensino: uma, para o povo; e outros, para as camadas burguesas e aristocráticas.

Para Durkheim, educação tem natureza múltipla, mas não pode explorar as pessoas ou separá-las, senão de uma sociedade em que possa haver a conquista do respeito se perderá a noção de um tipo de sistema educativo em coletividade. Ainda, se a sociedade em foco for dividida em castas, e considerando-se que a dos aristocratas não é igual dos plebeus, a educação não passaria de uma mola propulsora às desigualdades, segundo adverte Durkheim (2013).

A educação é de interesse da sociedade e do Estado, que cunham um atributo importante no processo educativo e social: oferece uma via recíproca, portanto, que contempla uma apresentação de culturas constantemente assentada na diversidade de ideias e de sentimentos, que devem arraigar-se na criança, para que a mesma entre em harmonia com o seu meio social. O Estado é fiscalizador dos princípios ensinados nas escolas e para garantir que, em lugar algum, os adultos deixem as crianças ignorá-los (DURKHEIM, 2013).

Durkheim concorda que a educação tem um sentido de autoridade, conduz ao abandono de nossa natureza inicial para a transformação em um ser social: “esta é a condição para que a criança se torne homem” (DURKHEIM, 2013, p. 70), e discorda do Cardeal d’Estouteville, para quem a educação não possui raiz de violência ou significa repressão, e sim uma primazia meramente moral. Quando se alude à autoridade, Durkheim afirma que deve ela ser exercida pelo professor, que é a “autoridade bem aplicada” (2013, p. 73). Com estas ponderações, histológicas e sociológicas, sobre a Educação Básica, o que se pode reproduzir é que todo os esforços da escola – e bem assim da família – deviam ser canalizados para que não se formem, de outro modo, seres que sejam egoístas, intrínsecos extrínsecos, ou melhor, que não seja ela um estágio para a imposição de futuros “canalhas”.

5. EDUCAÇÃO DOMICILIAR E SUA TRAJETÓRIA, NACIONAL E INTERNACIONAL

O ensino domiciliar ou doméstico é aquele lecionado no ambiente familiar do aluno, por um professor particular ou por um membro da família. Uma educação formal e ministrada na casa do discente, em suma: o schooling home.

Teve o seu surgimento na década de 1970, nos Estados Unidos, baseado em uma reforma da educação proposto por John Holt, escritor e professor que defendia que a escola deveria passar por transformações e ser um espaço onde as crianças deveriam desenvolver-se. Através de sua curiosidade e incentivo, com experiências variadas, Holt entendia que, cheia de estímulos e com propensões para o ludicidade, a ideia podia prosperar, mas, àquela época, esse projeto inicial não teve êxito; foi abandonado por diversos motivos até que, nos anos 1980, o movimento ganhou força, devido ao crescimento de violências nas escolas e em razão de uma antipatia e dos ataques contra a decadência da educação escolar.

Encorajados pelo entusiasmo de John Holt, muitos dos pais, daquele país, acabaram tirando os seus filhos da escola e os educava em suas casas. Foi assim que veio o homeschool, o que se confunde com a proposta de ensino em casa, difundida em todo mundo e sendo já permitida e regulamentada em mais de 60 países, nos cincos continentes do planeta. Na Suíça, o ensino doméstico, por exemplo, autoriza os pais que optarem que devem ir à secretaria de educação do seu distrito e responderem a um requerimento, que deve ser enviado para a secretaria de educação para final aprovação dos seus filhos. Todo o material de ensino e planos de aula é fornecido gratuitamente pela escola daquela localidade. As famílias, assim, recebem visitas, tutorias pedagógicas na sua residência por membros de associações locais e tem suas regulares metodologias de avaliação.

. No Brasil, o advento do homeschool se deu na década de 90, e muitos dos seus adeptos foram primeiro famílias estrangeiras. Em 1994 o Deputado Federal João Teixeira apresenta um projeto de lei, o de número 4.657/94, pretendendo regulamentar o ensino doméstico, a educação domiciliar no ensino fundamental, sendo a iniciativa, porém rejeitada. Ressurgindo sete anos depois pelo Deputado Ricardo Izar, com a intenção de aumentar o ensino domiciliar, mais tarde, outros projetos de leis foram encaminhados, nos anos 2002, 2008, 2012, 2015 e em 2009 houve até uma Proposta de Emenda constitucional (PEC) a respeito; todos foram simplesmente retirados de pauta. Hoje tramita, ainda, na Câmera dos Deputados o PL 3179/12, do Deputado Lincoln Portela. Apesar de não haver lei que permita, expressamente, a modalidade educacional ora em estudo, nossa Constituição é omissa nesse requisito, deixando brecha para entendimentos que vêm causando uma série de dissensões e calorosos debates sobre a questão. Atualmente, os pais vêm procurando na justiça o direito de ensinar os filhos dentro dos ambientes familiares, respectivos, sob a alegação de que a situação do ensino educacional no país é deficiente, ou que chega a ser precária, nociva, ou mesmo perigosa à integridade e vida dos menores. É o que se deduz em 2016, quando aconteceu no Rio de Janeiro a 2ª edição do mais importante evento de Educação Domiciliar (ED) do planeta: A Global Home Education, a Conferência (Conferência Global de Educação Domiciliar), com a ANED como organizadora local e sob a liderança de vários formuladores de políticas públicas, pesquisadores, líderes de movimentos e países interessados na ED. Trouxe ao Brasil os principais líderes em “Educação Domiciliar” e colocou o país, definitivamente, no roteiro mundial do homeschool.  Nesse mesmo ano, a ANED ingressa no Supremo Tribunal Federal nesta ação, na condição de amicus curiae, e, em seguida, obtém a decisão de sobrestamento de processos judiciais contra famílias que praticam ED no país, o que significava que, no Brasil, nenhuma família podia ser impedida de educar seus filhos em casa, até o julgamento final da ação principal.  Esta decisão trouxe alento às muitas famílias que estavam escondidas, temendo denúncias e processos, e encorajou muitas outras a optarem por esse tipo de educação.  Atualmente, existem cerca de 5.000 famílias homeschooling no país, com cerca de 10.000 estudantes.

Em outubro de 2017, A ANED protocolou um requerimento no MEC, para que o mesmo reconheça a Educação Domiciliar como modalidade de educação que prestigiaria, enfim, os princípios constitucionais da liberdade educacional e do pluralismo pedagógico, respeitando os direitos das crianças e adolescentes, e que produziria, por conseguinte, resultados acadêmicos de reconhecido destaque. Em uma audiência com o Ministro da Educação, houve uma exposição formal sobre importantes dados do homeschool no Brasil e no mundo. Receptivo à Educação Domiciliar, o então Ministro Mendonça Filho defendeu a liberdade educacional para as famílias brasileiras, já que muitos países já avançaram nessa questão.  A ANED, então, solicitou ao Ministro duas novas manifestações do MEC: uma para o Congresso Nacional, onde tramita o PL 3179/1,2 para a regulamentação da ED, e outra, para o Supremo Tribunal Federal, onde tramitava o RE. 888.815, relatado pelo Ministro Barroso, onde foi rejeitada a constitucionalidade da ED no Brasil.

6. DEFESA A FAVOR DO ENSINO DOMICILIAR

Não se pretende neste artigo fazer uma avaliação crítica sobre decisões da Justiça, mas apenas trazer a lume o assunto sob o feixe da educação e, assim, há alegações a favor do ensino domiciliar, sobretudo após a crise do coronavírus que suspendeu as aulas em todo o país e obrigou, praticamente, toda a humanidade ao isolamento social. Eis, então, quais seriam os principais benefícios do ED para os alunos: a flexibilidade de horário, o ambiente saudável, números maiores de passeios orientados, estímulos à curiosidade, conforto, visualização, vivências e aguçamento de interesses mais profundos ao que está sendo ensinado, em casa.

A aproximação do conteúdo à realidade das crianças, tornando, assim, o aprendizado mais ágil e efetivo, é indigitado, outrossim, como um modelo de ensino e aprendizagem que se livra tanto das distrações quanto das falhas do sistema de educacional tradicional. Além das questões de proteção dos valores familiares, culturais, religiosos, morais e ideológicos, alega-se que as experiências de socialização de menores com pessoas estranhas podem ser supridas com a vida eventual com primos, amigos da vizinhança, nas igrejas, nos parques e em outros entornos. Para justificar-se, o ensino domiciliar não impede os contatos, mas apenas os seleciona. Mas, ao contrário, há um estímulo à desalienação dos filhos; sem desvantagens frente ao ambiente escolar que segue o método escolar, onde a criança fica presa em uma sala de aula, mergulhada em estudos caóticos, com o comprometimento da sua integridade física e psicológica, contando com o péssimo ambiente de ensino: sala de aula cheia, violência, drogas e, afora outros problemas, como as más influências e a demandada sexualização precoce.

Outro enfoque é de que há motivos e afirmações de que pode haver, assim, um ensino de melhor qualidade via a modalidade educacional homeschooling. Os pais querem evitar que seus filhos passem por experiências não desejadas, de frustrações, entre outros aspectos negativos a serem vivenciados. No outro lado, para rebater o que especialistas vêm afirmando, que este fenômeno acarretará um retrocesso na educação brasileira, na proporção que atingirá gerações futuras, que seriam privadas, dos benefícios da socialização, além do que, na espécie, há prejuízo à necessidade imperativa de rede de construção de vidas comunitárias, os defensores do ensino domiciliar estimam que a sociedade hoje não é a mesma, está menos hierarquizada e mais tecnológica, sem que isto signifique prejuízos. O recente confinamento das pessoas devido ao covid-19 atestaria esta assertiva.

7. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO ENSINO DOMICILIAR

Em outro polo, especialistas na área educacional já se manifestaram contra o ensino domiciliar. São pedagogos, psicólogos, juízes e outras autoridades que argumentam que esse tipo de ensino não deve ser implantado no Brasil, porque isto pode impactar, negativamente, na formação e no senso crítico, de crianças e adolescentes, que cresceriam sem noção de comunidade, vez que a escola está inserida na sociedade e o compartilhamento do conhecimento, como atribuição da relação primordial entre professor e alunos, e destes entre si, tem o condão de fazer com que se adquiram e se completem com os atores e competências na vida social e no mundo futuro das relações e do trabalho. Outro alegado forte é de que a criança, para o seu desenvolvimento, precisa de conflitos. Já na relação de linha entre pais e filhos, dificilmente uma criança viria a divergir de seus pais por exercer os primeiros uma autoridade absoluta, face ao pátrio poder. Dificultadas as contraposições de ideias, para o crescimento do menor, faz-se mister lidar com outros tantos pontos de vista e extratos relacionais para superação de dissensões e conflitos dos pares, no âmbito social e escolar, e, da mesma forma, reconhecer, ainda, situações diferentes daquilo que eles acreditam ser as suas “verdades”.

Fato é que na escola o estudante passa a ter uma interatividade e dinâmica com outros alunos. Lidam com problemas e desavenças, que também os fazem aprimorar-se como pessoas e cidadãos, aprendendo a solucionar discórdias, para viver em uma forma harmoniosa. As tutelas dos filhos das possíveis situações constrangedoras e de bullying, portanto, são tormentosas, mas não podem adiar-se para o futuro a viabilidade da convivência vital dos membros sociais, dentro de uma ótica de pluralidade e de padrões pessoais dissimilares entre si. Sob esta égide, Carlos Roberto Jamil Cury, docente da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que a escola tem duas funções básicas. Uma é permitir uma situação permanente e contínua de interação com o outro; quem é alguém diferente. A outra é de ser um lugar de compartilhamento de conhecimentos e de conteúdos. Com efeito, há aprendizagens que só acontecem no ambiente escolar, explica Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Não se trata apenas de um conteúdo específico, que a família pode até ter condições de ensinar. Mas de aprendizados que pressupõem a relação cotidiana entre pares. Entre eles, estão a capacidade de argumentação, de ouvir o outro e convencê-lo sobre uma perspectiva, de perceber que regras valem para todos e conseguir chegar a uma decisão criada em conjunto”, aduz. A psicolinguista argentina Emília Ferreiro, no livro “Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever”, ressalta, por sua vez, uma missão da escola nos dias atuais: “a de ajudar todas as crianças do planeta a compreender e apreciar o valor da diversidade” (EBC, 2017).

Outro argumento diametralmente, avesso à educação doméstica refere-se à necessidade da socialização, como fincou Durkheim (2011). Para desenvolver o indivíduo e para o seu preparo na vida social, já que, em casa, é factível que as crianças cresçam em uma bolha, vai faltar conhecer e resolver os problemas do dia-a-dia. Sobre seus pensamentos, vingará a ideologia dos pais, unicamente, sem considerar a diversidade social em seu entorno, delas retirando seu potencial social e sua possibilidade de manifestação de opiniões divergentes no espectro do convívio social e de progresso em conjunto com outras crianças de sua idade.

Não adianta crer que se pode educar filhos como os pais, arbitrariamente, quiserem, pois há costumes, práticas e normas as quais se soto-põem a vontades particulares e que cumprem uma finalidade de ordenação social mínima, para que se evitem ou se diminuam as transgressões sociais. Ademais, uma vez adultos, os que tiverem “educação agregada” (regime de apartheid educacional) acreditarão que não podem viver em meio aos seus contemporâneos, com os quais estimam diferir e com eles jamais se harmonizarem. Em absolutamente todos os casos, nenhum deles terão condições de viver uma vida normal, posto que haveria uma depreciação ou falta de interesse ante os que forem criados com ideias arcaicas, ou avançadas demais. De mais a mais, subsiste, em qualquer época, um tipo regulador de educação da qual não se pode distanciar-se sem o choque de vigorosas resistências que escondem as dissidência frustradas (DURKHEIM, 2013), sendo este um fenômeno que se abstrai da seletividade embutida nas famílias que, naturalmente, querem impor suas idiossincrasias ou culturas, sem experimentarem a capacidade de aprender outros valores, nem tampouco se disponibilizarem para capacitação de assimilar as crenças ou pensamentos dos outros, ou das áreas do conhecimento para o qual foi preparado, ou se prestou, a título de qualificação, pessoal ou profissional. Por isso, educadores creem que, para adquirir-se um estágio de conhecimento evoluído, as mudanças educacionais devem obedecer a uma coluna que estruture a educação dentro de modelos bem específicos e os mais gerais, a fim de que os discentes tenham regras básicas.

Os nortes da vida social precisam ser construídos. Assim, o acesso a outros aprendizados, cursos, carreiras, ou mesmo, para os níveis mais avançados de ensino e práticas, como as pós-graduações, podem restar comprometidos.

A tudo isso se adicione que não são todos os pais que têm qualificação para serem professores dos seus filhos, podendo, dessa forma, deixar o ensino a desejar e, principalmente, por poderem afetar seus pupilos, se não estiverem sido revestidos de metodologias de avaliação aferíveis pelos experts no assunto, cujos conhecimentos teóricos e práticos pressupõem cientificidade. Em um país em que se vive com baixa escolaridade das famílias, a defasagem educacional dos pais e com a instabilidade política e financeira, e, ainda, um desemprego avassalador, há ainda o fator do planejamento para o ensino de filhos, o que, destarte, abalaria as células mater, já que, em muitos centros, a escola é o único refúgio do menor.

Embora se cogite da possibilidade de decesso ou de facilidades para financiamento das vidas escolares de menores no seio familiar, não haveria como identificar-se ou corrigir-se uma virtual queda no rendimento escolar dos alunos por qualquer razão familiar, profissional ou pessoal, assim como a contratação de professores particulares ou instituições privadas para que se superem eventuais déficits através de aulas particulares. A responsabilidade do Estado e da própria família de desempenhar, com total acerto, a atividade discente, esvaziar-se-ia. Ao invés de estimar ganho intelectual, a diminuição do horário de trabalho e os efeitos à criança, pelos mais diversos motivos, seriam calculados em danos não sanáveis pelo próprio Estado-governo, nem tampouco compensados pela sociedade.

No Brasil, o RCNEI, que é Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que integra os tais documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação e atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), desde 1998, prevê que o desenvolvimento da identidade e da autonomia se relacionam com os processos de socialização. Nestas interações, ocorre a ampliação dos laços afetivos, que as crianças pode haver com as outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o reconhecimento do outro e a constatação das diferenças entre as pessoas. Isso pode ocorrer nas instituições de educação infantil que enlaçam espaços de socialização, propiciam o contato e o confronto com adultos e crianças de várias origens socioculturais, de diferentes religiões, etnias, costumes, hábitos e valores. Sem a escola, porém, todas estas dimensões concretas podem tornar-se vazias, com inestimáveis prejuízos à formação individual e sociocultural destes menores.

8. POSIÇÃO CRÍTICA INTERMEDIÁRIA E A EAD COMO ALTERNATIVA-MEIO

Abordados os pontos fortes (strongness) e fracos (weakness), em torno das considerações sobre o ensino domiciliar e quais as consequências holísticas desta vertente na aprendizagem, com ênfase do assunto no Brasil, cabe uma posição crítica e eclética sobre as influências que virão da instalação, ou permissividade, da modalidade ED na Educação Básica, notadamente no contexto de cenários e interrogações novas sobre o ensino, em tempos de pandemia, que são incógnitas. A interação social foi vedada ou pode ser restringida, temporariamente ou não. Em escolas, parques, igrejas, centros recreativos e outras células sociais fechadas em razão da pressão e do isolamento, interferiu-se na vida e no bom desempenho das atividades educacionais dos alunos. A questão a saber é se os pais e os parentes estão preparados, intelectual e psicologicamente, para ensinar os menores, ainda mais em uma era onde todos, direta ou indiretamente, estarão afetados, com o possível desemprego, as limitações financeiras, perda de sono, abalo à saúde e entre outros problemas, que, no fim as contas, podem causar déficits cognitivos, de ordem emocional e mental, e riscos de sequelas mais graves os infantes.

Com efeito, conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes, acumulados por muitas gerações, de indivíduos e grupos, transmitidos, assimilados e recriados pelas pessoas que são a tônica da educação e que, em seu sentido amplo, involucram os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os sujeitos se envolvem, de modo necessário e inevitável, porque coexistem. Neste sentido, para Libâneo (1994), a prática educativa requer várias instituições e atividades interativas oriundas da ordem e organização econômica, política e legal, da sociedade, da religião, dos costumes, das formas e dos agrupamentos humanos. Em sentido estrito, a educação preside instituições específicas, escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino ante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora, sem separar-se daqueles processos formativos gerais, fixa, em tese, projetos novos e paradigmas de produção, apoiado na microeletrônica, com uma principal característica.

Ao intensificar o domínio do capital, o movimento pro escola reflete formas de junção e gestão; trabalha como resposta às exigências do mercado globalizado e competitivo que marcam o padrão produtivo, mas a educação não pode reduzir-se a um simplório instrumento útil de preparação laboral (KUENZER, 2006).

A escola e a sociedade precisam ser, em contrapartida, “vias de mão dupla, e não uma amplamente dominada pela outra” (CORTELLA, 2011, p. 114.). Logo, o trabalho, educação e sociedade se colocam como pontos essenciais na luta pela existência do homem e se configuram como as atividades culturais complexas. Nesse diapasão, deve estar inserida num contexto histórico-cultural específico, na atualidade, a tarefa educacional que não é estanque, pois ela se propõe a ser um elo de transformação social, amplo e emancipatório. Para Mészaros (2005, p. 76), educação e mudança não podem ser postas à frente da outra; são inseparáveis, e “a transformação social emancipadora requerida é inconcebível sem uma concreta e ativa contribuição da educação”, sendo recomendável que a solução deste ponto se verifique via consulta de opções humanística e tecnológicas para as equações.

Dentre os mais importantes bens já produzidos pelo homem: a cultura e a linguagem colmatam o “processo educativo coletivo, em que os homens aprendem juntos a sobreviver” (MEKSENAS, 1990, p. 32). Essa relação homem-mundo e a cultura envolve muitos aspectos: prática de significação, prática produtiva criativa, identidades sociais ou particulares, que vem desenhando-se no âmago, também, de uma nova fisionomia fenomenológica, que são os ambientes virtuais. Além da arte já ser reconhecida como ramo do conhecimento, conter em si um universo útil de componentes pedagógicos, há novos espaços na educação, para os docentes e os discentes, agora, com a inclusão do Ensino à Distância (EAD): a “alternativa-meio”, para alargar as experiências com os infantes e a juventude, como um todo.

Se esta ferramenta já vem sendo utilizada de forma absolutamente positiva nas modalidades de ensino de cursos os mais diversos, inclusive sendo admitida, com regulamentações específicas, pelo MEC, nada obsta que sejam introduzidas, ou que seu uso seja ampliado nos tipos de ensino referentes à educação básica.

Em se tratando de escola domiciliar, na educação básica, a modalidade da EAD deve, porém, ser vista com temperamentos e ser objeto de restrições, sendo admitido um escalonamento da prestação medial destes serviços, de acordo com os critérios de idade das crianças e do adolescentes, a ser definido pela LDB após estudos minuciosos sobre o tema e, em nenhum caso, autorizada a supressão do convívio pessoal e social dos alunos como caráter obrigatório nas escolas, assim como as respectivas avaliações fisicamente documentáveis. Desta sorte, apenas a título de ilustração, haveria uma certa flexibilidade para as crianças em idade pré-escolar, já que não se sujeitam a provas, ao passo que, no ensino fundamental, o uso da EAD seria ou limitado ou condicionado a outros fatores pedagógicos.

No ensino médio, a fixação de grade curricular, disciplinas e horários das aulas, estipuladas para a EAD, poderiam ser mais longas ou mais sofisticadas, por sua vez. Em qualquer caso, estas determinações precisariam ser esmiuçadas e normatizadas, isto é, fruto de pesquisas feitas por especialistas competentes, para definir o processamento do conteúdo e as formas de controle das tarefas, sempre, sob a supervisão dos responsáveis e cabendo aos docentes os atos corretivos.

Trabalhar-se com a diferença, exercícios da imaginação, a auto expressão, a descoberta e a invenção, as novas experiências perceptivas, experimentação da pluralidade, multiplicidade e diversidades de valores, sentidos e intenções, são os elementos, pois, perfeitamente, captáveis pela EAD, que poderia, promover, pelo menos, em parte, a relação educacional das crianças e dos adolescentes. Reitere-se que a posição não é eliminar a escola, nem tampouco de substituir do mapa do ensino o valor que se confere a estas instituições. De modo idêntico, também não se defende que o ensino domiciliar seja suficiente ou integral. Nos processos de formação dos menores, a relação de pessoa a pessoa, de seres envolventes, faz o pivô para uma educação relevante, indispensável, julgada como transformadora. Neste espectro de atuação, a interação com novas tecnologias é bem-vinda, mas não substituiu os avanços, as reformulações e as novas práticas de saberes, que podem, rigorosamente, elevar à construção das potencialidades, individuais e sociais, do educando, quanto ao exercício da consciência e do seu crescimento do ponto de vista exponencial, mediante o aproveitamento de metodologias virtuais.

Assim, o ato educacional ideal não se limita à escola propriamente dita, e o mais importante: são os resultados, em termos de direitos humanos. Ao cruzar os tempos e as culturas, urge observar as mediações e as influências das gerações. Para que se erija a escola como o habitat ideal, seja ela parte domiciliar, em lar ou outras, importa que haja uma sede de “locus” de partilhas socioculturais em que se oportunizem e se obriguem também pessoas aos encontros nas diversidades. As experiências coletadas em alguns estabelecimentos de ensino, durante esse ciclo da pandemia, revelam que, em parte, se, por um lado, a melhor escolha foi o quesito saúde, evitar-se mais vítimas, as aulas sustadas, as férias antecipadas e, praticamente, as escolas e colégios do Brasil que não tiveram atividades poderiam ter usado a EAD. Se educandários, mais estruturados, oferecem aulas aos alunos via EAD, soluções similares deviam ser aportadas e aproveitadas, também, nas redes públicas de ensino, tendo-se presente, em definitivo, a necessidade de que, o acesso a um ensino de qualidade venha a atender os interesses dos menores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou, de forma objetiva, esposar o tema da escola domiciliar (ED) e do ensino da educação à distância (EAD), aplicado na Educação Básica.

Foi feita uma análise dos conceitos axiais, sobre o sentido da escola e da própria educação básica. De início, confrontaram-se, as colocações de princípios e propostas à luz das opiniões principalmente de especialistas para saber se estas modalidades de educação devem ser aplicadas no Brasil. De forma exploratória e científica, a pesquisa ingressou no contexto atual do Brasil e do mundo, em que se discute sobre as necessidades de reformulação do ensino e da aprendizagem de discentes no tecnológico século XXI, sobretudo após a pandemia do covid-19.

Apurada a historiografia da Educação brasileira, em um estudo panorâmico sobre suas bases, procedeu-se à colheita das relevantes alegações de estudiosos no assunto, dentre eles, pedagogos, psicólogos e, até, de autores internacionais, onde foram testadas experiências que pudessem fazer compreender-se o alcance e a amplitude das discussões envoltas sobre as possibilidades sociológicas, legais e regionais da implantação da escola domiciliar, sem aprofundamentos jurídicos.

Sem prejuízo do tratamento interdisciplinar, que a temática merece e exige, inclusive para ser, corretamente, debatida, procurou-se enfocar as considerações, de natureza educacional, em especial quanto a crianças e adolescentes. Desfilou- se, assim, um rol de das pretensas vantagens do ensino domiciliar, e contrapontos dos argumentos que o indicam como não sendo aconselháveis. Em todo o caso, a diversidade de posicionamentos serviu para que em, um polo crítico, o EAD fosse indigitado como uma “alternativa-meio”; não capaz de equacionar a questão, por si só, e sim se for usada como ferramenta parcial, para pensar-se em uma solução que precisa ser maturada quanto à sua oferta aos menores em formação, ou seja, combinar os elementos favoráveis à ED e às exigências presenciais na escola dos infantes, já que ambos os tipos têm caracteres potencialmente interessantes como instrumentos de educação, em que pese o registro de que não só há um impasse, neste imbróglio, mas sim diversas diretrizes orientadoras para a sua evolução, em seus distintos níveis de ensino. Apesar das dúvidas, há um sentido, até aqui, que pode ir em contrário à definição do Estado brasileiro que, em recente julgado, pelo Supremo Tribunal Federal, decidiu que o ensino domiciliar, ainda, resta proibido. A matéria não se esgota com um aresto jurídico: o destino da escola e da educação deve continuar nas mãos dos pedagogos e dos especialistas, e não dos “leigos”.

REFERÊNCIAS

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CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 14 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

DURKEIM, Émile. Educação e sociologia. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013.

EBC, http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-12/ensino-basico-tem-735-dos-alunos-em-escolas-publicas-diz-ibge. Acesso em 27 de abril de 2020.

KUENZER, 2006. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302006000300012&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em 27 de abril de 2020.

LIBÂNEO, José Carlos. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

MARTINS, André. S. A educação básica no século XXI. O projeto do organismo “Todos pela Educação”. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v.4, n.1, jan.-jun. 2009.

MÉSZÁROS, 2005. A educação para além do capital. São. Paulo: Boitempo, 2005.

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SACRISTÁN, J. Gimeno. A educação obrigatória. Ed. Artmed, 2001.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp? idconteudo=389496. Acesso em 27 de abril de 2020.

[1] Mestre em Direito e Negócios Internacionais, professor universitário, doutorando da Universidade de Buenos Aires (UBA), MBA em Ciências Políticas, MBA em Segurança do Trabalho e Meio Ambiente, é, ainda, especialista em Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil, Consultoria Empresarial, Direito Tributário, Direito Processual, Direito Desportivo, Gestão Pública e Legislação. Na área de Educação, tem Curso Superior de História; em Direito pela UFPE e em Pedagogia pela Unifaveni, com pós em Historia, Geografia, Sustentabilidade, Língua Inglesa, Portuguesa, Espanhol, Literatura, Filosofia e Sociologia, Gestão Escolar, Educação Infantil e Neuropsicopedagogia.

[2] Bacharel em Direito.

Enviado: Abril, 2020.

Aprovado: Novembro, 2020.

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Rilke Rithcliff Pierre Branco

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