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Lei 10.639/03: O porquê e como ensinar a história e cultura afro-brasileira no segmento de Educação Infantil

RC: 34819
319
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/cultura-afro-brasileira

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANTOS, Julienne Mariê Silva [1]

SANTOS, Julienne Mariê Silva. Lei 10.639/03: O porquê e como ensinar a história e cultura afro-brasileira no segmento de Educação Infantil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 07, Vol. 12, pp. 119-132. Julho de 2019. ISSN: 2448-0959

RESUMO

Este artigo propõe apresentar a importância de ensinar história e cultura afro-brasileiras para o segmento de educação infantil com crianças de 2 a 5 anos de idade, e por sua vez apresentar possibilidades didáticas, por meio do relato do Projeto “Mãe África” realizado em uma Instituição particular, uma vez que de acordo com a Lei 10.639/03, determina a inclusão das temáticas “História e Cultura Afro-Brasileiras” no currículo oficial da rede de Ensino. Com a realização do Projeto foi perceptível a mudança de conceitos e atitudes em relação a postura diante dos negros e seus descendentes, e principalmente a importância de respeitar e conhecer a cultura distinta e reconhecer tal cultura como parte da própria identidade.

Palavras chaves: cultura africana, projeto, educação infantil.

1. INTRODUÇÃO

Partindo da perspectiva de que a educação infantil é um dos segmentos em que proporciona a criança se integrar socialmente, se torna crucial a contribuição pedagógica e social do segmento de educação infantil para a formação do sujeito.

É fato que neste segmento a criança vivencia o processo de socialização e aculturação no qual interage com o mundo externo, o que torna justificável o acesso das crianças à cultura africana, uma vez que faz parte da história da sociedade brasileira.

Apesar da Lei 10.639/03, determinar o ensino da temática História e cultura Afrobrasileira somente para o ensino fundamental e médio, conhecer a história da África no segmento de educação infantil além de colaborar para a compreensão precoce da participação dos negros na construção da sociedade brasileira, também propõe a valorização dos negros perante a sociedade.

Ou seja, ter acesso ao universo africano é um caminho para compreender a miscigenação existente e eterna entre ambos: Brasil e África e ainda contribui para a prevenção e até se torna pequeno passo para a erradicação da discriminação e do preconceito racial que existe e infelizmente prolifera.

É perceptível que a ignorância propõe eminente espaço para o racismo e preconceito, no qual o indivíduo trata o outro com desrespeito por causa da sua etnia, religião, orientação sexual, cor de pele, peso, altura, necessidade especiais, dentre outras diferenças que são necessárias e reais.

Por sua vez é inegável que as crianças negras ou descendentes de negros infelizmente sofram discriminação racial dentro do espaço escolar, inclusive não somente por outras crianças, mas também pelos próprios profissionais da educação, até porque é um fato sociocultural, uma vez que o passado histórico do Brasil interfere fortemente no futuro deste. Veja um trecho da revista nova escola, em um artigo de Daniele Pechi publicado em primeiro de outubro de dois mil e onze no site, ressaltando a fala de Cléia Cortez:

Durante o período em que frequentam a creche ou a pré-escola, as crianças estão construindo suas identidades. Por isso, desde os primeiros anos de escolaridade, os alunos já precisam entender que são diferentes uns dos outros e que essa diversidade decorre de uma ideia de complementaridade. “É função do educador ajudar as crianças a lidar com elas mesmas e fortalecer a formação de suas próprias identidades”, explica Clélia Cortez, Coordenadora do Programa Formar em Rede do Instituto Avisa Lá e selecionadora do Prêmio Victor Civita. “Ele deve atuar como um verdadeiro agente de promoção da diversidade”, diz (PECHI, 2011)

Ou seja, as crianças menores de seis anos em processo de aprendizagem do mundo externo e de si mesmas tem o direito de aprenderem sobre diversidade, em que a escola é local propício para tal propagação de prevenção ao racismo e ao preconceito. Em que o docente é mediador deste processo, podendo utilizar das mesmas ferramentas e didáticas do cotidiano desde às músicas, a literatura e as brincadeiras.

Mesmo sem a lei mencionar o ensino desta temática ao segmento de educação infantil, é importantíssimo que as crianças menores de 6 anos de idade tenham acesso a cultura africana, como incentivo ao respeito, a valorização e o reconhecimento do papel dos negros na sociedade.

Uma conquista em relação à valorização do negro no Brasil foi a promulgação da Lei 10.639/03 que entrou em vigor no ano de 2.008, tornando obrigatório a inclusão no currículo oficial escolar o ensino da temática “História e Cultura Afro brasileira”, um passo crucial diante de tantas injustiças vivenciadas.

Porém, mesmo sem a lei mencionar o ensino desta temática ao segmento de educação infantil, é importantíssimo que as crianças menores de 6 anos de idade tenham acesso a cultura africana, como incentivo ao respeito, a valorização e o reconhecimento do papel dos negros na sociedade.

Mas como ensinar a cultura africana para crianças de 2 a 5 anos de idade? Quais seriam as possibilidades? Quais dificuldades encontradas pelo grupo docente para ensinar sobre africanidade? Tais docentes possuem embasamento teórico suficiente para ensinar? Conhecem a lei 10.639/03? E um ponto relevante, tais profissionais acreditam na importância de ensinar a cultura africana em sala de aula?

Partindo destas indagações, este artigo tem por objetivos principais: apresentar a importância de propagar a cultura africana ao segmento de educação infantil com crianças de 2 a 5 anos de idade, e apresentar possibilidades didáticas de como ensinar sobre africanidade às crianças e consequentemente praticar a Lei 10.639/03 ao segmento de educação infantil.

Para apresentar tais propostas, a metodologia científica adotada foi a realização de um projeto cujo nome “ Mãe África”, com crianças matriculadas nas turmas de maternal I e II, e Jardim I em uma Instituição privada na cidade administrativa de Santa Maria, durante todos os 2º e 3º bimestres tendo culminância na Feira de Ciências, aproveitando o ensejo da comemoração do Dia Nacional da consciência negra.

Para não se tornar trabalho excludente, as ações pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, tiveram bastantes recursos de reciclagem, para que não contemplasse determinada classe social. Ou seja, tais práticas podem ser aderidas por qualquer profissional, em qualquer Instituição de ensino, utilizando-se de sua criatividade, acopladas da interdisciplinaridade e musicalidade.

Ao final do projeto, foi notável as mudanças de comportamentos e das concepções das crianças em relação ao racismo, o mais interessante é que passaram a se reconhecer como negras ou descendentes de negros e o melhor que isto, compreenderam que ser negro não é um defeito ou algo monstruoso, é apenas diferente e que se pode aprender e conviver com as diferenças, pois a diversidade existe e é necessária.

2. METODOLOGIA CIENTÍFICA

Durante o projeto Mãe África foram desenvolvidas atividades pedagógicas diárias com as crianças das turmas do Maternal I e II (crianças de 2 e 3 anos de idade) no período matutino e com as crianças da turma de Jardim I (crianças de 4 a 5 anos de idade) no período vespertino.

O Projeto teve desenvolvimento praticamente durante todo o ano letivo, no qual foram aplicadas atividades interdisciplinares explorando as diversas áreas do conhecimento como: a Língua Portuguesa, a matemática, ciências, história, geografia, ensino religioso e principalmente artes e músicas.

3. POR QUE ENSINAR A HISTÓRIA E CULTURA AFRO BRASILEIRA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL?

Muito se discute sobre o conceito de educação infantil, principalmente em relação à proposta pedagógica, é perceptível que existem distorções relativas ao seu real papel social, devido a sociedade não enxergar o caráter pedagógico, cultural e social da educação infantil. É fato que a sociedade ainda a confunde meramente com cuidados assistenciais, de saúde e higiene pessoal.

Entretanto, existem as Diretrizes curriculares nacionais, que afirmam o seguinte conceito de educação infantil:

“ Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social.”(p.12)

Portanto, a educação infantil é um segmento da educação básica, tão importante quanto os demais, que acontece como o próprio referencial afirma, em espaços institucionais, com propostas educacionais, e principalmente culturais. A educação infantil tem grande importância no desenvolvimento humano e social do sujeito.

Em que deve considerar as crianças como sujeitos sociais, com história, pertencente a grupos sociais, com seus contextos, suas linguagens, que ocupam espaço tanto geográfico quanto social, ou seja, são produtores e propagadores de cultura. É importante extirpar a ideia de que as crianças são como páginas em branco ou vazias de conhecimento.

A Lei 10.639\03 que alterou a Lei 9.394\96 estabelece que as diretrizes e bases da educação nacional, no qual incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afrobrasileira, é uma grande conquista que ambos os segmentos devem e podem aproveitar para propagar com início na educação infantil.

De acordo com o artigo 26 da Lei 9.394/96, passa a vigorar que nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados, torna – se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira. Em seu primeiro parágrafo afirma que o conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, assim como a luta dos negros no Brasil, resgatando a contribuição social, econômica e política, pertinentes à história do país.

Em seu segundo parágrafo afirma que os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e histórias brasileiras.

Apesar da lei não apresentar os outros componentes curriculares como meios de didáticas, pode-se ir mais além, mesclar todas as áreas do conhecimento para ensinar de forma lúdica, dinâmica e criativa às crianças de 2 a 5 anos de idade.

A Lei estabelece que o calendário deva incluir o dia 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra o que facilita, mas pode acomodar práticas escolares, no sentido de propagar a cultura africana somente neste dia, ou seja, uma vez ao ano, o que não se torna o ideal e adequado.

Porém, podem ser desenvolvidas atividades cotidianas durante todo o ano letivo, de forma intensiva e não superficial, da mesma maneira que estudamos as influências europeias no Brasil, por que não estudar a cultura africana?

É importante ressaltar que a Lei 10.639/03 teve como função responder às reivindicações do movimento negro, mas novas preocupações principalmente com a criação desta lei em vigor que obriga o ensino de conteúdos que tratem da cultura africana.

Pois a lei não impôs uma disciplina sobre cultura africana, mas sim que esta temática esteja inserida em disciplinas já existentes.Para que de fato a lei seja cumprida é interessante que os docentes da educação infantil passem por um processo de mobilização, sensibilização, e principalmente recebam informações qualificadas a respeito da temática, desde a formação acadêmica inicial quanto continuada.

É imprescindível que a temática que trata da cultura africana, esteja inserida no Projeto Político Pedagógico da Instituição de ensino com propostas de agregação de valores estimulem o respeito às diferenças, a diversidade e como meio de prevenção para extirpar estigmas infelizmente existentes há séculos.

Além da Lei 10.639/08 o Projeto teve como suporte teórico as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil que afirmam o currículo da educação infantil como:

“… conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade”.(p.12)

Tal afirmação corrobora a compreensão de que é importante propiciar espaços de diferentes conhecimentos, ou seja, conhecer o mundo africano ou outras culturas colabora para que as crianças tenham acesso ao patrimônio cultural e construam a própria identidade.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A postura profissional está aliada a percepção, a motivação do docente, ou seja, perceber a necessidade e a importância de desenvolver um projeto voltado para esta temática, não exclusivamente para propagar a cultura africana, mas principalmente aprender como ensinar sobre algo que parece tão complexo, porque infelizmente até os adultos preferem estatizar na ignorância.

Mesmo sendo um desafio enquanto docente negra e mulher, a criação e realização o Projeto Mãe África, proporcionou mudanças internas a respeito de como me enxergo na sociedade e os resultados foram eminentemente positivos. Pois apresentar o universo africano que influenciou e influencia tanto a sociedade brasileira, com os costumes, com suas danças, músicas, brincadeiras, histórias, seu idioma, sua ciência e diversas outras influências precisam ser valorizados e propagados.

De fato, a promulgação da Lei 10.639/08 foi uma imensa conquista, mas é preciso proporcionar embasamento teórico de qualidade a respeito da cultura afrobrasileira aos docentes, principalmente sensibilizar e motivar tais profissionais.

A partir de uma formação qualificada desde a graduação, os futuros docentes poderão compreender a necessidade de aprender e ensinar sobre a cultura africana, que infelizmente carrega preconceitos enraizados, que o conhecimento pode iluminar. Assim será propagado o respeito às diferenças, pouco discutido no mundo acadêmico e quase nada praticado nas instituições escolares de maneira adequada e real.

O universo infantil abre diversas portas para o ensino dessa cultura, pois tem como aliada a ludicidade, com as brincadeiras, os jogos, como afirma Luckesi:

A ludicidade é um fazer humano mais amplo, que se relaciona não apenas á presença das brincadeiras ou jogos, mas também a um sentimento, atitude do sujeito envolvido na ação, que se refere a um prazer de celebração em função do envolvimento genuíno com a atividade, a sensação de plenitude que acompanha as coisas significativas e verdadeiras.  (LUCKESI, 2000, pg. 52)

Obviamente que a contribuição de Luckesi não se se refere ao ensino da cultura africana, mas tal afirmação contribui no sentido da sensibilização para o ensinar e aprender, independente da temática. Ou seja, é inviável apresentar a cultura africana, sem sensibilização, sem contextualização, é necessário estar envolvido com a temática e perceber a necessidade de propagá-la.

Para corroborar tal embasamento teórico a cultura africana foi apresentada em uma linguagem infantil, com musicalidade, contação de histórias. No qual o projeto teve como ponto de partida os animais da savana africana: a onça, o leão, a zebra, a girafa, e personagens africanos: Nina e Adili, criados especificamente para o Projeto, em que ambos eram crianças nascidas no Continente africano.

O projeto apresentou a culinária influente dos povos africanos como o cuscuz, a farofa, a cocada, a feijoada, caldos, explorando a importância dos alimentos, explanando sobre as questões da escravidão e de liberdade.

Inclusive dentre as atividades propostas, às crianças tiveram a oportunidade de fazer uma cocada em sala de aula, estimulando e aprendendo sobre os sentidos. Os materiais da cocada foram solicitados aos pais com antecedência, o que corrobora ser crucial a elaboração dos planejamentos.

Para explorar a área da matemática, as crianças produziram mosaicos da bandeira da África, foram apresentados os respectivos significados das cores da bandeira, e mosaicos em tamanhos maiores dos animais da savana como: zebra, onça, girafa e elefante.

Com tais atividades de mosaico, consequentemente desenvolveram a motricidade fina, o trabalho em equipe, pois as produções foram individuais e coletivas, em que o mosaico de um animal era produzido a cada semana ou 15 dias, assim como a pintura coletiva das personagens em tamanho semelhante à altura das crianças.

Durante o projeto foram realizadas atividades de identificação e associação dos numerais e quantidades de 0 a 10, em que as crianças associaram o número 6 a quantidade de letras que compõem a palavra África, e número 3 a quantidade de vogais na palavra África. Desenvolveram a coordenação viso motora, coordenação motora grossa, e o reconhecimento da figura geométrica do retângulo no desenho da bandeira.

Para desenvolver atividades referentes à Língua Portuguesa, foram intensamente aproveitados os momentos de deleite, a chamada hora da leitura, com histórias de autoria pessoal da docente sobre duas crianças, que moravam na África e se mudaram para o Brasil e a cada aula, apresentava aventuras das personagens em um país diferente e semelhante ao mesmo tempo.

O nome de uma das personagens era Nina, menina de pele escura, cabelos crespos, olho arregalado, lábios grossos, vestia roupas coloridas. O outro personagem era um menino que se chamava Adili, palavra de origem africana cujo significado é justo.

Durante os momentos de contação de histórias foram utilizados como recursos: fantoches feitos de caixa de leites, ou figuras desenhadas e coloridas com giz de cera. Utilizando bastante as músicas infantis Escravos de Jó e samba Lelê de autoria popular. Em outro momento de reflexão foi apresentada a música Identidade do compositor Jorge Aragão. E o incrível é que mesmo pequenas, conseguiam receber e perceber a proposta das atividades, das mensagens apresentadas nas aulas.

Foi possível perceber tais assimilações, devido aos comentários de casos de família, demonstrando compreensão das questões de respeito, racismo e liberdade, em que uma das crianças comentou que ouviam em casa a respeito do nariz e boca das pessoas negras, como se não tivesse beleza.

Dentre as histórias utilizadas como ponte de comunicação foi lido os livros, os cabelos de Lêle, de Valéria Belém, Menina bonita do laço de fita de Ana Maria Machado, em que as personagens eram negras. E em cada aula apresentava o vocabulário influente do povo africano, como as palavras: dengoso, cafuné, calombo, fubá, berimbau dentre outras.

Foram aproveitadas as situações de escrita e leitura do contexto infantil das crianças de 4 anos, apresentados os sons e fonemas e a identificação e associação das letras das palavras: África, negros, Nina, liberdade, escravidão e Adili, no qual estimulou o desenvolvimento da escrita de palavras do jeito livre e aproximou o contato com a escrita.

Todas estas ações pedagógicas desenvolvidas em sala de aula reafirmam o embasamento teórico de Leão que diz:

“…sendo a escola o primeiro espaço formal onde se dá o desenvolvimento de cidadãos, nada melhor que por aí se dê o contato sistematizado com o universo artístico e suas linguagens: artes visuais, teatro, dança, música e literatura. No entanto, é perceptível que o trato dado à arte (ou o ensino da arte) sempre fica em segundo plano e seu fazer é reduzido a mera atividade de lazer e recreação em um processo extremamente mecânico”. (2008).

Tal afirmação de Leão corrobora a importância de práticas artísticas em sala de aula, seja com danças, músicas, teatro ou pinturas, estes meios foram bastante utilizados em sala de aula para proporcionar o ensino e aprendizagem sobre a cultura africana para crianças.

As crianças aproveitaram cada momento, teve estranhamento ao visualizar as máscaras africanas, mas encantamento quando explicado, utilizaram tintas, colas, jornais, muita sucata, permitindo a criatividade.

O interessante foi que as atividades desenvolvidas em sala e fora de sala, a arte teve um significado, não simplesmente mera atividade de lazer, Leão lamenta sobre a presença da arte no ambiente escolar ainda ser compreendida apenas como lazer, sem significados. Pois é sabido que a arte é cultura, é ciência, faz parte da identidade de um povo.

Com a realização foi possível perceber que existe possibilidades de propagar a cultura africana utilizando as diversas vertentes das artes, possibilitando melhor assimilação e compreensão por parte das crianças, uma tentativa lúdica de diminuir a ideia e prática de racismo existente.

É fato que ao trabalhar pedagogicamente com projetos permite-se explorar atividades criativas, dinâmicas, lúdicas, em que a criança se envolve, interage, se emociona, vivencia e consequentemente aprende, sejam os valores ou o próprio conhecimento sistematizado que são papeis da escola enquanto instituição, sem menosprezar o senso comum.

Hernandez e Ventura (1998) consideram os projetos de trabalho como articulação de conhecimentos escolares e que a perspectiva do conhecimento é global e relacional. Tal ferramenta possibilita a criação de estratégias de organização do conhecimento considerando as informações e a amplitude de buscas para a resolução do problema levantado.

Realmente trabalhar com projetos, envolve estratégias com objetivo global, e a ideia de propagar outra cultura para crianças, por meio de projeto é muito mais eficaz, pois é facilitadora, e evita que a temática seja ensinada de maneira superficial, devido o fato de ter estratégias e avaliação contínuas.

É crucial que os docentes tenham acesso ao embasamento teórico, até para se desarmarem diante desta temática, pois ensinar sobre a cultura africana, não significa ensinar religião ou costumes, mas sim apresentar um mundo diferente para refletir nossas ações e transformar comportamentos.

Seria pérfido negar que existem preconceitos por parte dos profissionais em ensinar sobre a cultura africana, tais preconceitos são heranças negativas de um passado cruel, mas que precisa ser lembrado, para agregar outros conceitos, de liberdade, equidade e justiça social.

É preciso que atitudes de enfretamento às injustiças se propaguem não somente sobre a cultura africana, mas sobre os assuntos que incomodam, que aprisionam, que excluem.

Iniciativas precisam ser tomadas, ainda que pequenas, mas estatizar não deve ser o verbo conjugado, todavia, os verbos tentar e propagar o respeito à diversidade pode se tornar lemas de qualquer Projeto Político Pedagógico, tanto de Instituições privadas ou públicas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com as observações durante o processo do projeto realizado, se tornou explícito que há um leque de possibilidades didáticas para ensinar a cultura africana ao segmento de educação infantil.

No início do projeto, quando indagava quem era negro, poucos se manifestavam e ainda era notável certo constrangimento, mas ao decorrer das atividades desenvolvidas pelo projeto foi gratificante perceber que as crianças se reconheciam como negras, sem medo ou vergonha, pelo contrário com muito orgulho.

Tais reconhecimentos aconteceram pela cor da pele, do formato do nariz, do cabelo, enfim, as observações feitas pelas próprias crianças surpreenderam além das expectativas.

E ao perceber que a cultura brasileira teve forte influência pela cultura africana, houve encantamentos por parte das crianças, a ideia de que nosso país não é único, que existe uma grande diversidade cultural. O surgimento destas mudanças comportamentais fazia parte dos objetivos do Projeto pedagógico.

Além de mobilizar as ações pedagógicas para que se transformassem em atitudes, e fazer valer a lei 10.639/08, o projeto apresentava a proposta de agregar valores de respeito às diferenças e o reconhecimento da própria identidade, tais objetivos foram alcançados.

Maior resistência por incrível que pareça foi percebida pelos próprios colegas de trabalho, com comentários racistas até. Não critico, faz parte da ignorância, o projeto foi um primeiro passo.

É muito gratificante perceber e notar estas mudanças, que proporciona refletir sobre o papel do docente, que é de fato social e cultural, e tem por si objetivos globais de quebrar paradigmas e reconstruir conceitos, por que não com crianças abaixo de 5 anos?Quanto mais acesso a valorização da população negra, as crianças tiverem, mas cedo se tornaram sujeitos pensantes, produtores de cultura, e disseminadores de conhecimento ético e empático.

Pois é fato que as crianças se tornam divulgadoras do que aprendem, e ensinam, em um processo mútuo, muitas foram as declarações de pais e responsáveis que compartilharam durante o processo do projeto, ter aprendido com os filhos e a partir dali passaram a refletir sobre questões de respeito, diferenças e justiça social.

Um ponto negativo observável durante o projeto foi o trabalho literalmente isolado da gestão, que não apresentou interesse pela temática, desconhecia a lei e apresentou certa sutileza de resistência quanto á prática, mas ao apresentar respaldo legal, a resistência logo desaparecera, ou seja, se não houvesse a lei 10.639/03 teria sido muito difícil ou talvez nem conseguisse realizar o projeto.

Todavia, é fato que a partir de pequenos passos se inicia uma longa caminhada em que os verbos: parar ou desistir não podem ser conjugados, mas os persistir e lutar sempre.

6. REFERÊNCIAS

BELÉM, Valéria. Os cabelos de Lelê.  Editora: IBEP. Edição: 1. Coleções e séries. 2002

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação infantil – http://aprendizdivertido.blogspot.com.br/2009/01/arte-no-espao-educativo.html, 16/06/2014 as 00h18 minutos

JUNIOR. Pedro Jaime: Observação participante pesquisa em administração: uma postura antropológica. 1995

LEÃO, Raimundo Matos. A Arte no Espaço Educativo. Disponível em:<Lei no 10.639/2003, Artigo 26 A, 1º e 2º parágrafos, Artigo 79-B

LUCKESI, C. C, Educação, ludicidade e prevenção das neuroses futuras: “uma proposta pedagógica a partir da Biossíntese”, in Educação e Ludicidade, Coletânea Ludo pedagogia Ensaios 01, organizada por Cipriano Carlos Luckesi, publicada pelo GEPEL, Programa de Pós-Graduação em Educação, FACED/UFBA, 2000.

MACHADO, Ana Maria. Menina Bonita do laço de fita.  São Paulo: Melhoramentos 1986. São Paulo: Ática, 1998.

Site:https://novaescola.org.br/conteudo/1422/a-historia-da-africa-em-sala; acesso dia 23 de julho de 2019.

SERVA. Maurício: Observação participante pesquisa em administração: uma postura antropológica. 1995

[1] Pedagoga, especialista em Educação Infantil e Orientação e Gestão escolar pela UNEB, especialista em Metodologia do Ensino Fundamental pela UFG, Orientação Educacional pela Secretaria Municipal de educação de Valparáiso.

Enviado: Julho, 2018.

Aprovado: Julho, 2019.

 

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Julienne Marie Silva Santos

2 respostas

  1. É impressionante como ainda há muito preconceito racial impregnado nas falas e atitudes de alguns educadores. Acredito sim que existe uma dificuldade em se falar de História e Cultura Afrobrasileira por uma questão de falta de interesse em conhecer os fatos históricos e de formação de pensamento da geração que foi ensinada e que hoje ensina. Na minha época de escolarização, as meninas negras não eram vistas como as mais bonitas, cabelo crespo era “ruim”, vergonhoso, menino negro era sinal de pobreza ou marginalização. Ainda existem muitos destes pensamentos que são perpetuados não só nas entrelinhas escolares como nos ciclos familiares. É depcionante ver que, em alguns casos, nem mesmo os afrobrasileiros defendem seu valor. Compactuo com seu pensamento e pesquisa que evidencia que, desde a educação infantil, a História e Cultura Afrobrasileira deve ser evidenciada e conhecida, que se empodere e valorize esta história que influenciou tantas outras. Parabéns pela iniciativa!

  2. Espero que este trabalho sirva de propagação de informação em combate ao racismo cruel que não escolhe idade ou gênero.
    Boa leitura e compartilhem!!

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