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A Evolução da Rádio em Portugal: Um estudo de caso sobre a Rádio Comercial (“Sempre No Ar, Sempre Consigo”)

RC: 44363
611
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/comunicacao/evolucao-da-radio

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

NEVES, Fernando [1], ESPANHA, Rita [2]

NEVES, Fernando. ESPANHA, Rita. A Evolução da Rádio em Portugal: Um estudo de caso sobre a Rádio Comercial (“Sempre No Ar, Sempre Consigo”). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 01, Vol. 09, pp. 137-171. Janeiro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/comunicacao/evolucao-da-radio, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/comunicacao/evolucao-da-radio

RESUMO

Falar da história da Rádio Comercial, é falar da própria história do Portugal contemporâneo. A Rádio tem vindo a desempenhar um importante papel nos movimentos sociais e políticos em Portugal. E a Rádio Comercial, em particular, tem sido um exemplo desse desempenho. A estação de rádio que atualmente é líder de audiências em Portugal, é a herdeira de uma das estações mais populares de sempre: O Rádio Clube Português e por isso este artigo pretende analisar em profundidade a evolução da rádio e o seu papel enquanto agente de mobilização social e política, desenvolvendo um estudo de caso. Para a elaboração deste artigo foi utilizada uma metodologia mista, tendo sido realizadas entrevistas aos 5 responsáveis da estação de rádio desde 1974, a análise documental sobre o Rádio Clube Português e a observação participante.

Palavras-Chave: Rádio em Portugal, História da Rádio, Movimentos Sociais,Mobilização Social.

“I’d sit alone and watch your light, my only friend through teenage nights, and everything I had to know, I heard it on my radio.

You gave them all those old time stars, through wars of worlds invaded by Mars
You made ‘em laugh, you made ‘em cry, you made us feel like we could fly”

Roger Taylor

INTRODUÇÃO

No dia 16 de Junho de 2018, a Rádio Comercial, empresa do grupo de comunicação Media Capital, emitiu pela primeira vez um tema de apoio à seleção nacional de futebol.

Duas horas depois de ser publicado no Facebook da Rádio Comercial, o vídeo[3] atingiu 4.400 likes e tinha sido partilhado 3.300 vezes!

Às 17:00 desse mesmo dia, o tema já contabilizava 8.100 “likes” tendo obtido 6.874 partilhas e tinha sido visto por 245.000 pessoas.

Dia 21 de Junho, o dia seguinte ao jogo que colocou frente a frente a seleção nacional e a congénere de Marrocos, o referido tema contava já com 571 mil visualizações e 12.000 likes e tinha sido partilhado por 11.013 utilizadores do Facebook. Atualmente[4] o tema conta com 643.000 visualizações, o que e se levarmos em linha de conta as audiências de televisão[5] no período da manhã, são números verdadeiramente extraordinários.

A Rádio Comercial foi a estação de rádio mais ouvida em Portugal no ano de 2019, mas nem sempre foi assim.

De facto, a estação de rádio que atualmente é líder de audiências em Portugal, é a herdeira de uma das estações mais populares de sempre. O Rádio Clube Português.

Durante todo o ano de 2019 a estação foi alvo de uma forte campanha promocional visando a celebração dos seus 40 anos. No entanto e tendo em conta a sua “antecessora”, esta rádio conta já 88 anos, mas vamos por partes.

OS PRIMEIROS SONS

Na gênese da história da rádio em Portugal estão os radioamadores (Santos, 2017).

Dezassete anos depois da primeira emissão mundial radiofônica[6] e entusiasmados com as notícias que chegavam além-fronteiras, os radioamadores portugueses lideraram o processo de implementação dessa nova tecnologia em território nacional, nomeadamente o radio amador P1AA Abílio Nunes dos Santos Júnior.

A sua “CT1AA – Estação Rádio de Lisboa/Portugal”[7] começou a funcionar no dia 1 de Março de 1925 num dos andares dos antigos Grandes Armazéns do Chiado em Lisboa e que eram os representantes em Portugal das telefonias Philips e RCA.

Com equipamento adquirido nos Estados Unidos, a Rádio Portugal dispunha de linhas permanentes para emissões e reportagens em várias salas e de espetáculos de Lisboa, nomeadamente no Teatro Variedades e Teatro Maria Vitória no Parque Mayer.

Para se perceber a importância e a dimensão desta Rádio Portugal, refira-se que para a inauguração dos novos estúdios na Rua do Carmo em Lisboa[8] foi convidada a fadista mais prestigiada da época a famosa Ercília Costa, que ficou conhecida por “Santa do Fado” e que foi a primeira fadista com uma carreira verdadeiramente internacional[9]. Seria Ercília Costa que ao ouvir cantar uma jovem fadista afirmou: “Esta miúda canta muito bem e quando eu digo que canta bem é porque canta mesmo”. A “tal” miúda, entretanto cresceu e acabou por fazer uma inesquecível carreira tornando-se num ícone do Portugal contemporâneo. O seu nome, Amália Rodrigues.

Abílio Nunes dos Santos foi o pioneiro da rádio em Portugal (Maia, 2009, p53). Ficou famosa uma das suas máximas: “Quando existir uma estação oficial que tenha os mesmos objetivos que desenvolvo com o meu posto emissor, deixarei de emitir”. Em 1934 têm início as emissões regulares da Emissora Nacional[10] e Abílio Nunes dos Santos encerrou como prometera o CT1 AA em Onda Média, continuando a emitir apenas em onda curta para os portugueses espalhados pelo mundo até 1938, altura em que a rádio do estado passou a assegurar também esse serviço.

No entanto, alguns anos antes já outro radio amador se tinha aventurado na telefonia sem fios (T.S.F.). O jovem estudante de engenharia Fernando Cardelho de Medeiros no dia 24 de Abril de 1914 (Santos, 2014) pediu emprestado um gramofone de campânula e alguns discos e produziu aquele que é considerado o primeiro programa de rádio, a primeira transmissão radiofônica portuguesa. A emissão consistiu na leitura de uns tratados franceses sobre Telegrafia Sem Fios e ainda a audição, com o gramofone, do “Festival de Wagner”. Segundo Fernando Cardelho de Medeiros, em declarações à revista “Rádio Semanal” de 21 de Agosto de 1937, esta emissão inaugural foi ouvida por 3 ou 4 senfilistas[11]. Fernando Medeiros só voltaria às experiências radiofônicas em 1926 (em parte por culpa da I Grande Guerra), com a “Estação do Posto Rádio-Telefônico de Lisboa CT1BM”.

Quatro anos mais tarde cria a “CS1AA – Rádio Hertz”, em Onda Média, emitindo, também, em Onda Curta como “CS1AB – Rádio Hertz” e que mudaria de nome para “Rádio Continental”, pois Fernando Medeiros entendia que “Hertz” era difícil de pronunciar e entender[12]. Em 1937 o seu indicativo era “CS2ZE – Rádio Continental”. De referir que o “Clube Radiofônico de Portugal” utilizou as instalações e o indicativo CS1AA da “Rádio Hertz” até 1935 (Santos, 2005).

Como se percebe, os protagonistas desta “pré-história” da rádio em Portugal eram essencialmente amadores, desenvolveram os seus projetos no seio da comunidade onde estavam inseridos e foi com ela que cresceram. Em 1923 existiam algumas dezenas de postos de recepção, mas poucos emissores. Ainda assim, nesse mesmo ano é criada por um grupo de entusiastas, a “Rádio Academia de Portugal,” que acabou por encerrar um ano mais tarde para dar lugar à “Sociedade Portuguesa de Amadores de TSF” (SPATSF), a qual em 1926 deu lugar à “Rede dos Emissores Portugueses” (R.E.P.), que ainda hoje existe.

Durante a primeira metade da década de 30 multiplicaram-se por todo o país várias estações de rádio as quais emitiam para o seu bairro, música, notícias, declamações de poesia ou peças de teatro, as chamadas radionovelas, de acordo com o entusiasmo e o tempo livre dos seus proprietários e com o crescimento dos ouvintes e o seu envolvimento com a mobilização promovida pelas transmissões radiofônicas. É esta problemática, em particular, que este artigo aborda.

Com o rápido desenvolvimento da tecnologia, é publicado em 1930 o primeiro diploma legal sobre a TSF e entre 1931 e 1933 surgem novos postos emissores entre os quais, a Alcântara Rádio, o Clube Radiofônico de Portugal, Rádio Rio de Mouro e Rádio Clube da Costa do Sol a Invicta Rádio, Radio Clube Lusitânia, CT1DS, Rádio Graça, Rádio Luso e Rádio Amadora em 1932, e no ano seguinte a Rádio Peninsular e a Radio São Mamede. De salientar que a maioria dos postos emissores continua a emitir em direto para os seus bairros, embora alguns tenham possibilidade de ser escutados fora deste círculo. Com a proibição da emissão de publicidade a maior parte destes projetos acaba por definhar abrindo assim caminho para o surgimento de projetos profissionais e de âmbito nacional, o Rádio Clube Português foi um deles.

Este artigo, eminentemente de carácter descritivo quanto à história e evolução da rádio em Portugal, e usando uma metodologia qualitativa, tem como objetivos compreender, através da análise de entrevistas semi-biográficas e de documentos de época, o papel da rádio na sociedade portuguesa, em particular, enquanto mobilizadora de movimentos sociais de carácter político e revolucionário, em contexto histórico determinado, e enquadrado teoricamente nos estudos de história dos media.

A MEDIATIZAÇÃO COMO VEÍCULO PARA A INDEPENDÊNCIA

O RCP foi inaugurado em 1931 e sucedeu ao extinto Rádio Clube da Costa do Sol (CT1GL)[13], propriedade de Jorge Botelho Moniz e Alberto Lima Basto (Maia, 2009).

Botelho Moniz era um oficial do Exército que tinha colaborado no golpe militar de 28 de Maio de 1926[14], e que, mantinha boas relações com o Estado Novo.

Para se perceber a importância da nova infraestrutura, saliente-se que a inauguração dos estúdios de emissão contou com a presença do então Presidente da República Óscar Carmona (Santos, 2017).

A estratégia de Botelho Moniz foi muito clara desde o início. Por um lado, manter-se ao lado do regime de Oliveira Salazar, como atesta o apoio explícito que o Rádio Clube Português deu às tropas franquistas no decorrer da guerra civil espanhola e por outro lado manter uma distância critica em relação ao Estado Novo e que permitisse reivindicar os meios necessários para que a sua estação de rádio tivesse as melhores condições para poder trabalhar.

Para implementar esta estratégia, Botelho Moniz, estabelece uma aliança com alguns dos principais media da altura; O “Diário de Notícias” e principalmente o “Jornal do Comércio e das Colonias” (1932-1940) e o seu suplemento “Rádio Semanal”. Estes dois importantes órgãos de comunicação foram os principais aliados de uma “guerra” que Botelho Moniz desencadeou com vista ao restabelecimento da publicidade que, entretanto, tinha sido proibida. Esta medida aprovada em 1934 teve no Rádio Clube Português o seu principal opositor e motivou ao longo de ano e meio[15] uma acesa troca de opiniões entre os responsáveis do RCP e Couto dos Santos, um dos homens fortes do regime de Salazar e que era na altura o administrador dos Correios e Telégrafos[16] (AGCT), entidade que tutelava a radiodifusão em Portugal. Em causa estavam dois modelos de radiodifusão diametralmente opostos, o americano e o francês (Santos, 2006). O primeiro marcadamente liberal e que permitia a inclusão de publicidade na radiodifusão e o segundo marcadamente mais conservador que proibia explicitamente a publicidade, a única forma de subsistência das rádios privadas, atribuindo desta forma ao estado e à sua “rádio oficial” a responsabilidade de controlar toda a informação difundida. Durante o “conflito” tornaram-se obvias as diferentes estratégias em confronto; por um lado Couto dos Santos procurou resolver as suas questões no interior dos gabinetes do poder político, já Botelho Moniz recorreu à media impressa a qual amplificou e disseminou a sua opinião, alcançando assim uma notória popularidade. Tornou-se claro que a mediatização de posições divergentes podia concorrer com as soluções negociadas dentro dos gabinetes do aparelho do “Estado Novo”, ou no mínimo influenciá-las[17].

No final dos anos 30, o Rádio Clube Português era já uma das 3 estações de Rádio mais populares do país, a par da Rádio Renascença[18] e da Emissora Nacional. Foi esta irreverência e espírito de liderança que levou os responsáveis do Rádio Clube a requerem em 1953 uma autorização para a instalação de uma rede de estações de televisão, a qual mais tarde viria a tornar-se na RTP, o primeiro canal português de televisão, do qual o Rádio Clube Português era o maior acionista privado logo a seguir ao estado português. Botelho Moniz entendeu desde o início que o vanguardismo nunca poderia estar dissociado da tecnologia e foi por isso que em 1954 inicia o processo de difusão em frequência modulada.

A EMANCIPAÇÃO DOS SONS

A programação foi desde sempre uma das grandes prioridades do RCP. Com apenas duas horas de emissão diárias[19], Botelho Moniz rapidamente percebeu que se tornava necessário aumentar a oferta e assim, já em 1932, dava início ao serviço de notícias entre as 00:00 e as 00:30 e um ano mais tarde aumentava em uma hora o tempo de difusão (Revista Antena nº 14, 1965). Inovação parecia ser a “pedra de toque” da estação emissora e por isso mesmo não será de estranhar que seja uma vez mais a CT1GL a assinar a primeira transmissão radiofônica de um jogo de futebol, mais precisamente o Portugal Hungria, jogo que decorreu em 1933 em Lisboa no campo do Lumiar, antigo estádio do Sporting Clube de Portugal.

Em 1938 o Rádio Clube Português era já uma rádio de referência. Neste ano, no dia 9 de julho, o RCP emitiu em direto a partir do Teatro da Trindade em Lisboa, um concerto de câmara pela orquestra Filarmônica de Lisboa. A emissão realizada por linha telefônica entre os estúdios situados na Parede e a capital portuguesa obteve a aprovação do então diretor do Conservatório Nacional de Lisboa o maestro Ivo Cruz, um dos maiores críticos à difusão via rádio da música de grandes compositores devido aos “ruídos atmosféricos, à má modulação e outros fatores deformativos para uma boa audição”[20].

Mas o “Rádio Clube” foi também pioneiro no chamado “Teatro radiofônico” (Maia, 2009) facto que se deveu nesse mesmo ano de 1938 à persistência de Manuel Lereno, considerado o maior impulsionador artístico do Teatro Radiofônico em Portugal. Loreno foi o responsável pela adaptação do teatro à rádio (Maia, 2009, p. 250). Foi aqui que se revelaram muitos dos profissionais que alguns anos mais tarde se tornariam autênticos ídolos nacionais, tais como João Villaret, Carmen Dolores Jorge Alves, Artur Agostinho e muito especialmente Odette de Saint-Maurice enquanto autora de um dos espaços de maior êxito da estação “O Senhor Doutor”, programa infantil com apenas 30 minutos de duração e que se destacou como um dos maiores marcos na vida do Rádio Clube.

O PODER DAS PALAVRAS

Mas a inovação passou também pelos formatos; uma das produções radiofônicas mais populares de sempre, a par de “Simplesmente Maria”, é indiscutivelmente o folhetim “A Força do Destino”, nome que foi popularizado como o folhetim da “Coxinha do Tide” (Santos, 2014). Esta produção adaptada[21] de um original sul-americano teve 300 episódios e começou por ser difundido originalmente na Rádio Graça em Lisboa. A passagem da “Coxinha” para o Rádio Clube representou um aumento inimaginável de popularidade. A título de exemplo refira-se que quando a protagonista[22] se decidiu casar (na vida real) vários milhares de pessoas acorreram à Igreja de S. Vicente em Lisboa a fim de testemunharem o ato. A concentração popular rapidamente se transformou em “histeria” coletiva o que levou muita gente a tentar rasgar um pedaço do vestido da noiva como recordação (Maia, 2009).

Outro dos programas de maior êxito do RCP foi sem sombra de dúvida “O senhor Messias” (Maia, 2009). Em 1953 um dos produtores independentes mais ativos na rádio era Armando Marques Ferreira e o seu programa “Talismã”. O êxito do programa contracenava com as críticas sempre destrutivas do especialista Vieira Marques, responsável pela coluna de crítica radiofônica no jornal semanário “Debate”. A estas críticas, Armando Marques Ferreira, respondia quase sempre em tom humorístico no seu “Talismã” gerando-se uma verdadeira troca de “galhardetes” a que o público já se tinha habituado, até que, eventualmente cansado por esta disputa, Vieira Marques decide terminar a contenda, terminando a sua coluna habitual e afirmando que provavelmente e apesar de não perceber nada de rádio teria que se transformar em Messias e tentar salvar a rádio portuguesa (dos malefícios do programa “Talismã”). A resposta não se fez esperar e Marques Ferreira na emissão seguinte transforma Armando Grilo, o técnico de som que dava apoio às emissões, no personagem de maior popularidade de então; o Senhor Messias. Até à década de 80 o senhor Messias animou vários horários do Rádio Clube Português e tornou-se numa das figuras mais carismáticas da estação (Santos, 2019).

Botelho Moniz sempre privilegiou o contacto com o público. Sendo uma estação privada que vivia do retorno comercial, percebeu desde sempre que o sucesso residia nesse elo de ligação inquebrável. Por isso mesmo falar-se dos primeiros anos de emissão do Rádio Clube, implica falar-se da “Orquestra Aldrabófona”.

“A orquestra era constituída por um grupo de cerca de vinte e seis senhores, de idades bastante variadas. Havia magros e gordos, altos e baixos, morenos e rosados, carecas e com cabeleiras para todos os gostos. Esses vinte e seis cavalheiros, alguns com posições de relevo na vida social lisboeta, ocuparam, com certa majestade, os seus lugares no estúdio, em volta do piano e em frente do estrado para o maestro. Os instrumentos eram os mais variados: um piano, dois harmônicos, umas quatro violas, outras tantas guitarras, um pífaro, vários berimbaus e o resto constava quase na totalidade de harmônicas de boca”. (Revista Antena nº7, 1965)

Magistralmente conduzidos por José Duarte Figueiredo que tinha regido a Orquestra Pitagórica de Coimbra, esta “orquestra” ocupou um espaço de emissão de hora e meia e são por isso considerados como os impulsionadores do teatro radiofônico e humorístico em Portugal. Os “concertos” sempre ao vivo e transmitidos a partir dos estúdios da Parede, mobilizavam o país inteiro, segundo relatos da altura e motivaram várias digressões nacionais. Estávamos ainda em 1937!

A MAIORIDADE

O espírito empreendedor a par com o necessário investimento tecnológico levou os responsáveis do RCP (Já com Júlio Botelho Moniz, filho do fundador Jorge Botelho Moniz) a mudarem de instalações no início da década de 60, para o local onde ainda hoje se encontram os estúdios da Rádio Comercial, Rua Sampaio Pina nº26 em Lisboa. Curiosamente é precisamente em 1961 que se dá a grande revolução tecnológica e se procede ao desdobramento de emissões, ou seja, o início das emissões em FM e a passagem da emissão para 24 horas.

Esta aposta estratégica conferiu definitivamente ao “Clube” uma áurea de modernidade que passou a ser a sua imagem de marca. As emissões em onda média, assentes numa lógica radiofônica mais popular e onde imperava a palavra e músicas de expressão latina, davam assim lugar a outras influências de cariz anglo-saxônicas abrindo as portas a uma geração de profissionais que marcariam a história da comunicação em Portugal. Nomes como Henrique Mendes, Mary, Artur Agostinho, Curado Ribeiro, Jacinto Grilo, Igrejas Caeiro, Pedro Moutinho ou Jorge Alves que tinham marcado o início da estação, passaram a ter que disputar as preferências do público, com outros jovens profissionais que trabalhando na mesma casa embora em “locais” (entenda-se frequências) diferentes detinham outros tipos de códigos de linguagem e diferentes gostos musicais.

Projetado para um público mais elitista, o FM do Rádio Clube Português iniciou uma nova estética radiofônica, assente na lógica de aluguer de espaço de emissão a produtores independentes. Um dos primeiros nomes a emergir nesta nova dinâmica é o de João David Nunes[23];

Eu entrei em Maio de 64, no dia 1 de Maio, curiosamente, no Rádio Clube Português, no FM do Rádio Clube Português!

Foi absolutamente por acaso. Toda a minha carreira começou por acaso. No Liceu Camões, eu lia uns textos nas aulas de Religião de Moral. Uns textos sobre questões da vida, da religião…e porque que é que eu li? Porque mais ninguém quis ler e como eu era o chefe de turma, o Padre Gamboa disse “Então o João lê”. Eu lia e as pessoas a certa altura habituaram-se.

Um outro Padre, que era o Padre Ávila tinha lançado a equipa radiofônica de emissão do Liceu Camões e andava à procura de pessoas. Nessa equipa radiofônica passaram várias pessoas interessantes, todas elas mais tarde vieram a fazer coisas também, importantes umas e interessantes outras. Desde o Zé Nuno Martins ao Luís Alcobia, que era o técnico, o Fernando Balsinha mais tarde, o José Manuel Nunes, Fernando Quinas também e o António Guterres, por exemplo, são pessoas que passaram pela equipa radiofônica de emissão do Liceu Camões. Tínhamos um programa que era emitido através da Lisboa 2[24], como se dizia na altura e que mais tarde era incluído, também, na Rádio Universidade, que era na esquina do Camões, (nós estávamos ali ao lado). E foi assim, foi tudo assim por acaso. Eu, o José Nuno e o Fernando Quinas fomos os três, no mesmo ano, fazer as provas de admissão à Rádio Universidade, ficamos e depois, também por acaso, conheci umas pessoas que me convidaram para começar a fazer um programa no Rádio Clube Português chamado Ritmo 64, no FM do Rádio Clube Português que estava no princípio e em 1964, como o próprio nome indica. Os produtores independentes tiveram uma grande importância tanto na onda média como no FM porque o Rádio Clube Português (e a Rádio Renascença), como não tinham capacidade para fazerem a comercialização de todas as horas, preferiam funcionar em regime de aluguer…pagávamos uma renda ou em percentagem sobre as receitas e uma renda ou só uma renda, dependia do acordo que fosse feito. As Produções Publicitárias Portuguesas (Espaço 3 P) por exemplo chegaram a ter sete horas por dia no FM, fora as reportagens especiais nas praias.

A REVOLUÇÃO

Já com uma rede de 18 emissores espalhados por todo o território nacional, o Radio Clube Português inicia em 1968 as suas emissões em estéreo. Portugal não dispunha de muitas unidades de recepção, no entanto era notória a apetência por parte de um público mais jovem, por esta opção tecnológica, do qual o programa “Em Órbita” de Jorge Gil foi o seu natural aliado.

Foi com esta nova estética comunicacional que o Rádio Clube Português chegou a Abril de 1974. Do ponto de vista estratégico foi Otelo Saraiva de Carvalho[25] que escolheu pessoalmente os estúdios da rua Sampaio e Pina para “quartel-general” das operações militares[26]. Foi aos microfones do Rádio Clube que foram lidos os primeiros comunicados oficiais do então Movimento das Forças Armadas e foi através deles que os portugueses ficaram a saber que estava em curso uma operação militar que visava restabelecer a democracia no nosso país. João David Nunes relembra esses tempos conturbados:

“Em 1974 eu tinha sido convidado para Diretor Adjunto do Rádio Clube Português, era Diretor de Programas. Houve o 25 de Abril e aquilo estava ocupado, a direção do Rádio Clube Português foi deposta e aquilo transformou-se numa entidade gerida por militares e por uma comissão administrativa, que não era bem uma comissão de trabalhadores, mas quase. Eu fiquei desempregado, no princípio de Maio de 1974 estive desempregado porque nem estava no Rádio Clube Português Emissora da Liberdade, nem estava no Espaço 3P. Em Julho, a comissão administrativa veio ter comigo a dizer que precisavam imenso de mim, da minha experiência na área comercial…eu entrei, aliás reentrei como chefe do departamento comercial em Julho desse ano.

Portanto, assim foi, mas entre Setembro e Outubro, logo a seguir ao chamado Verão Quente, aquela malta ficou ali sem saber como é que havia de resolver as questões comerciais, e então é que eu passei a ser o responsável comercial. Tive de fazer uma equipa toda nova, estabelecer novos conceitos, renegociar coisas com os produtores independentes porque vários deles também estavam a dever dinheiro e, curiosamente, a partir dessa equipa, algumas das pessoas que foram selecionadas na época, vieram ajudar-me já no princípio também da Rádio Comercial.”

Portugal vivia um período de grande agitação social, que se repercutia em todos os setores de atividade econômica, dos quais a rádio não era exceção. A onda de nacionalizações dos media que se generalizou em Portugal, também chegou ao Rádio Clube e a 5 de dezembro de 1975, passa a integrar o universo das rádios oficias do Estado: ao Programa 1 e 2, juntam-se agora o Programa 3 e Programa 4, estes dois últimos seriam respetivamente a emissão em onda média e o FM do Rádio Clube Português. Em entrevista, João David Nunes relembra esses tempos:

“Eu fiz parte da comissão instaladora da Rádio Difusão Portuguesa. Logo se decidiu que seria designada dessa forma. Só a Rádio Renascença é que não foi nacionalizada. Porque a emissora nacional já era, depois o Rádio Clube Português, os Emissores do Norte Reunidos, Rádio Ribatejo, Rádio Alto-Douro…uma série de pequenos emissores locais que já existiam na época e que foi tudo posto ali ao molho e fé em Deus. E nós, na comissão instaladora achamos que tínhamos a excelente oportunidade de reorganizar tanto em termos de emissores, como em termos de conceitos de programas e diversas coisas…mentira, também não tivemos hipótese nenhuma de fazer isso porque as pessoas queriam rapidamente começar a ter as emissões já organizadas. Perante isso, foi aglutinado, o Programa 1 e Programa 2 que eram a antiga Emissora Nacional e continuaram a funcionar no mesmo sítio, só que se começou a chamar de outra maneira RDP – Programa 1 e Programa 2. Depois o Programa 3, que era a antiga onda média do Rádio Clube Português, mais todos esses emissores regionais e locais, portanto tudo isso era junto no Programa 3, na onda média porque eles também transmitiam em onda média. E, depois, o Rádio Clube Português passou a ser o Programa 4 e manteve-se sempre na Sampaio Pina. Portanto, ainda em 1978, fui convidado pelo Igrejas Caeiro para ser o diretor do Programa 4.

Entretanto, eu como era da área comercial durante um período continuei a ser o responsável comercial, só que a certa altura, eu e os militares, tínhamos conceitos comerciais e de mercado um bocado diferentes e, portanto eu disse “deixem-me lá voltar a fazer programas e vocês tratem disso, há pessoas da equipa que podem perfeitamente tratar deste assunto” e voltei a fazer programas em 1978.

Rui Ressurreição é um dos grandes culpados por existir a rádio comercial. Um dia tivemos um almoço que durou cerca de 5 horas. Falamos de rádio, de organização, do que havia para fazer, do que não era para fazer…porque ele era administrador da RTP – Rádio e Televisão Portuguesa, coisa que eu depois também acabei por ser. E foi aí que eu propus…não fazia sentido nenhum, havendo numa mesma empresa um serviço público e um setor comercial, que eles tivessem todos interligados. Não quer dizer que fosse privatizado, podia perfeitamente funcionar na esfera do estado, mas separadamente. Eu queria criar uma marca dentro da RDP, que permitisse que as pessoas identificassem imediatamente que não estavam a ouvir o serviço público, aquilo não era o serviço público. Até porque continuava a ter publicidade e estava no mercado como as outras.

E assim foi, no dia 1 de Março começamos a fazer emissões, já chamadas Rádio Comercial, embora ainda sem grelha, essa só começou no dia 12 de Março de 1979.”

COMEÇAR DE NOVO

Desaparecia o Rádio Clube Português, nascia a Rádio Comercial, com os mesmos profissionais, e trabalhando nas mesmas frequências. Para muitos poderia ser a nova vida do Rádio Clube, uma adaptação aos tempos modernos, mas do ponto de vista da gestão, os anos que se seguiram mostraram precisamente o contrário descaracterizando um dos projetos radiofônicos mais respeitados em Portugal, mas vamos por partes.

Uma das características do agir é que ele pode transcender as instâncias (Santos, 2012: 17) e por isso mesmo convém analisar esses tempos conturbados à luz do que se vivia em Portugal, é preciso perceber que este período da história da rádio em Portugal é dos momentos mais produtivos do ponto de vista conceptual.

Vivia-se aquilo a que vulgarmente se optou por chamar “movimento das rádios locais” ou piratas como muitos lhe chamavam (Oliveira,2014: 91). Com efeito a desregulamentação do setor e a ausência de regras levou a que em Portugal se vivessem tempos de grande agitação. Todos os dias surgiam notícias de uma nova rádio.

Até à legalização e a consequente entrada em vigor da lei da rádio, o que só aconteceu em 1988, calcula-se que existiam em Portugal entre 400 a 800 rádios piratas[27]. O “movimento” das rádios piratas fez por isso parte do processo de transformação da rádio em Portugal e implicitamente da própria Rádio Comercial.

Em 1993 o estado português resolve abdicar de uma série de títulos que dispunha nos media e privatiza a Rádio Comercial, a qual é adquirida pela “Press Livre” que já detinha o jornal diário “Correio da Manhã” e uma das rádios que tinha conquistado um alvará de difusão regional aquando da atribuição e legalização das “rádios piratas”, o “CMR” Correio da Manhã Rádio.

A fusão natural das duas rádios leva a que Rui Pego, o homem forte do CMR, assumisse igual posição na nova Rádio Comercial.

Mas esta “nova vida” da Comercial estava longe de ser pacífica. Rui Pego recorda esses tempos nos seguintes termos[28]:

“Nunca me esqueci do comentário do Pedro Castelo, na Bolsa de Valores, em resposta a uma pergunta de um repórter da RTP: O que é que a Presse Livre comprou? “17 emissores e uma grande dor de cabeça”.

E de facto assim foi (Pego, 2019). Na prática tratava-se de fundir uma empresa pública alicerçada numa estrutura tradicional, com uma rádio que havia saído da liberalização do sector, integrada num grupo de comunicação privado e que tinha um desenho de organização que rompia com o que estava estabelecido. Esta operação exigia além do mais a sensibilidade e o bom senso necessários para integrar profissionais com muita experiência e uma longa carreira, com uma equipa de jovens jornalistas e comunicadores cheios de ambição e principalmente, habituados a novas rotinas de trabalho. Para Rui Pego foi “uma aventura muito estimulante e um extraordinário período de aprendizagem.”

No entanto, esta aventura revelou-se um equívoco o qual viria a tornar-se fatal. Reformular a Rádio Comercial pressupunha romper com a organização tradicional da programação e conferir à antena uma agilidade que o “velho FM estéreo” (Pego, 2019) não estava em condições de assegurar (para lá das reservas que os novos fluxos de produção provocavam nas gerações mais velhas), de modo que permitisse potenciar (com os tais 17 emissores) o modelo e a formatação que o CMR havia consolidado e tudo isto com apreciável aceitação por parte dos diferentes públicos. Desenvolver as soluções de programação e, sobretudo, de formatação do CMR, ampliando a sua distribuição, mas preservando boa parte do ADN da RC foi uma opção que deixou o projeto a meio caminho de coisa nenhuma (Pego, 2019).  Mas os “tempos” tinham mudado. Rui pego sintetiza este período da seguinte forma: “O mercado já não estava disponível para o “sossego do FM Stéreo”.

A Rádio Comercial estava aprisionada numa história de sucesso que lhe tolhia os movimentos, encostada à glória de um passado recente, mas que já não cabia naquele novo tempo. Fruto da liberalização da rádio (Bonixe, 2010) os consumidores tinham agora mais escolha, mais propostas diferenciadas. A velocidade com que tudo sucedia não encaixava no passo lento que a Rádio Comercial se havia habituado a cultivar. Rui Pego resume assim o estado em que se encontrava a estação:

“Mais do que parada no tempo, a Comercial tinha sido abandonada à sua sorte e excluída de todas as novas soluções de gestão de emissão. Sustentada nas novas tecnologias, toda a organização do flow de produção, da concessão de conteúdos à gestão de antena, tinha sido profundamente alterada e a Comercial tinha ficado de fora desse salto tecnológico. “

Em 1997 os responsáveis pelo grupo de comunicação resolvem abdicar do meio rádio e vendem toda estrutura ao grupo “Media Capital” detido pelo empresário Miguel Pais do Amaral e que tinha como parceiros comerciais o grupo empresarial colombiano da Rádio Caracol.

VIVER DE E PARA OS NÚMEROS

A nova Rádio Comercial passa então a ser coordenada por Luís Montez que tinha assumido anteriormente idênticas funções na Antena 3 do grupo RDP, XFM e Rádio Energia estas últimas ligadas ao grupo Lusomundo que também detinha a TSF Rádio Jornal. A entrada de Luis Montez para a Comercial revestiu-se de grande expectativa, desde logo por que Montez[29] trazia experiência acumulada e tinha estagiado um mês na Colômbia no grupo de rádios “Caracol”.[30]

“Cheguei à Rádio Comercial um mês após estar em Bogotá e já sabia o que é que eu vinha fazer, basicamente para a tentar levantar porque a rádio era um bocado generalista, tinha um bocado de tudo, tinha uma grande redação, jornalistas. As rádios musicais são as rádios mais econômicas, em termos de formato, as rádios de informação, de conversa, de talkways são rádios que têm muita gente e isso tem muitos custos. Então optou-se por fazer uma rádio de música e fizeram-se testes musicais. Fomos para um hotel em Lisboa e outro no Porto e testamos canções. As pessoas tinham um velocímetro, se gostavam aumentavam o volume, se não gostavam baixavam. Aquilo estava ligado a um software e, portanto, testamos 3000 canções dos mais variados gêneros. O estilo que mais adeptos tinha, na faixa dos 25-35 anos, era o rock, mais em Lisboa do que no Porto. O Porto tinha um bocado mais de dança e hip-hop, mas Lisboa era mais rock, era a cidade com mais população. Na faixa dos 25-35, que é, historicamente, a faixa em que se fazem mais investimentos, as pessoas estão a comprar casa, estão a comprar carro, estão a começar a vida…dos 25 aos 35 é o “filet mignon” do investimento publicitário, atiramos para aí e pronto, fizemos uma rádio de rock.”

Este realinhamento de conceito não provocou apenas mudanças a nível de programação. O objetivo era obviamente o de minimizar custos e muitos profissionais foram dispensados, na sua maioria jornalistas. O nome também sofreu algumas alterações passando a designar-se como Rádio Comercial – Rádio Rock – “Rádio Rock, mais música, menos palavras”. Nas palavras de Luís Montez:

“Eu vinha com a cabeça feita lá da Colômbia. Tínhamos de ter um programa da manhã competitivo porque a rádio de manhã, no trânsito, no carro, era muito forte, era imbatível…tem mais audiência que a televisão de manhã e tem que ter um programa da manhã atrativo. A Rádio Comercial, na altura, foi inovadora tinha o Malato, o Nuno Markl, a Ana Lami e o Pedro Ribeiro. É engraçado que o Pedro Ribeiro era jornalista e estava a recibos verdes, portanto era dos mais fáceis de despedir. Eu chamei-o e disse-lhe, isto vai mudar e ele “é pá, mas não há nada para eu fazer?” e eu “a não ser que queiras ser animador. Eu tenho aqui uma ideia para o programa da manhã, nós na estrutura chamamos o palhaço branco, que é o tipo que faz brincadeiras, mas que tem juízo. Os palhaços fazem disparates, mas há um, que tem a cara pintada de branco e põe juízo nos outros e tem de ser responsável no meio do caos, que são os outros. “É pá, mas eu andei a estudar a vida toda comunicação social para ser o palhaço?”, “Eu respeito a tua opinião, mas eu preciso de uma pessoa assim…e não preciso de jornalistas, eu tenho aqui muitos jornalistas com mais anos que tu, que custam uma fortuna mandar embora e tu és recibos verdes…”, “É pá, então dê-me um dia para eu pensar”. “Então, mas aqui uma coisa te digo, aqui o palhaço branco vai ter que ler publicidade, vai ter que falar das marcas e tu és jornalista, como é que tu vais fazer isso com a tua carteira de…tens de pensar, pensa nisso, se optares, mas eu acho que tu tens perfil para isto, tu és um “gajo” atinado e responsável e eu vou-te arranjar uns malucos para tu trabalhares de manhã.”

Eu tinha mais ou menos ideia porque a Catarina Furtado tinha metido uma cunha pelo Nuno Markl, “é pá Luís, tenho lá um “gajo”, o gajo não é grande locutor, mas o tipo é engraçado, é marado, dorme com uma cadela e é criativo…eu tinha lá uma coisa para coisas assim. Fui eu que inventei o nome “O Homem que mordeu o cão”, inventei não, sugeri. Depois fui buscar o Malato que tinha sido meu colega na escola e que tinha uma cultura invejável, ele era de facto muito culto, mas completamente louco, ao ponto de na primeira semana de emissões, o Pedro pediu para sair. Não aguentava aquele louco!

Um dos problemas, que a Rádio Comercial tinha, era a existência de um passivo gigante, os “gajos” foram à privatização, ganharam a privatização. Pediram um empréstimo ao BPI e não pagaram e o BPI ficou-lhes com a casa do Tenente Valadim no Porto, que é uma vivenda…e tinham tudo hipotecado, os emissores, essas coisas todas. E nós com a venda do Tenente Valadim ao BPI, os terrenos do Porto Alto do Rádio Clube Português, pagamos a dívida. Havia também o problema tecnológico. Tínhamos que reerguer a rede de emissores, que estava toda desligada e a previsão era de dezassete meses e nós em nove meses, pusemos tudo no ar. Dinheiro não havia e o Pais do Amaral não queria pedir dinheiro aos Colombianos para não perder posição negocial no grupo.

Foi então que inventei a solução: na altura eu dava-me bem com o Luís Mergulhão que é um tubarão da publicidade e negociei com ele 23% de rapel e mais 10% de juros em espaço de emissão. Ou seja 23+10 é 33% do que a rádio faturava ia para a agência dele, em contrapartida ele adiantava-me um milhão de contos e eu pagava 10% desse adiantamento de juro, mas não lhe dava dinheiro, dava-lhe espaço.

Ele meteu-me um milhão nas mãos e eu comprei a rede por 700 mil contos ao Correio da Manhã, a rede sul, porque eu tinha que ter outros produtos para vender, só a Comercial não chegava porque tínhamos também lá a Rádio Nostalgia para fazer um sucesso, que era uma coisa fácil. Portanto, o que é que isto provocou? A agência dele descarregava-me lá publicidade como o caraças, ele ganhava 33%…o que é que isto provocou? Para uma rádio de música, isto era um crime. O Pedro Ribeiro, de manhã, quase nem conseguia abrir a boca. Portanto, para uma rádio de música, podes até ter boa programação e boa rede, mas depois também tens de gerir a publicidade.

É um tema difícil da rádio, porque quanto mais audiências tens, mais público publicitário atrais, atrais publicidade encharcas de publicidade, baixa a audiência.”

SEGUNDO ATO

Em 2002, Luis Montez sai do grupo Media Capital e é substituído por Pedro Tojal que transitou da RFM do grupo Renascença. Não foram anos fáceis como o próprio lembra[31]:

 Nova estratégia, nova equipa, novos objetivos e uma vez mais a palavra “investimento” a servir de tapete para a “nova” rádio, como Pedro Tojal explica:

“Uma das coisas que eu investi muito foi, justamente, na história do Marketing, na altura quando foi feito, todos os logotipos do grupo Media Capital tinham uma coisa em comum, para dar uma imagem, que é aquelas três coisinhas em cima, que dá logo o ar que é rádio, olha-se para aquilo e vê-se logo a emissão. Mudar coisas, principalmente, mudar práticas é sempre muito complexo. Eu arranjei na altura uma consultora, Teresa Bayer. A Teresa Bayer é a consultora de rádio, agora já não é, mas na altura era a consultora de marketing de rádio da Create Channel, foi ela que inventou um conjunto de conceitos, que hoje em dia ainda são uma fonte de receita enorme.

Na prática e objetivamente tu não medes audiência, medes lembranças, a audiência de véspera é uma lembrança. “De que rádio é que gosta?”, é a tua lembrança. O que é que isso quer dizer objetivamente? Se tu desenvolveres uma marca à séria, tu até podes nem ouvir mas vais dizer que ouviste porque é a primeira rádio que tu te lembras…

Ninguém diz “a minha televisão ou o meu jornal é…”, mas diz “a minha rádio é…” e isto é muito curioso. Isto faz com que, tu quando estas a trabalhar para fazeres uma rádio e para a manteres, tens de ter sempre isto em perspetiva”.

Chegados a 2005 e apesar de todos os investimentos e projetos que prometiam devolver a áurea de outrora, a Rádio Comercial detinha apenas 9,5% de audiência média, contra 21,2 da sua principal concorrente, a RFM.

Nesta altura da história tornava-se difícil recordar o que ainda restava da memória dos grandes programas que marcaram a estação. A maior parte dos comunicadores dos “tempos gloriosos” da rádio já não trabalhavam lá e em parte tinham sido substituídos por computadores que garantiam a automação da estação.

O FUTURO

É com este cenário que se assiste à chegada do 6º responsável[32] de estação na era pós-privatização, Pedro Ribeiro[33].

“A primeira coisa que quis fazer quando me deram a estação para gerir foi perceber o porquê da mítica do Pedro Castelo quando isto foi privatizado. Na altura o telejornal fez uma pergunta ao Pedro Castelo, que era o diretor de programas e perguntaram-lhe “O que é que a Press livre comprou?” e ele respondeu-lhes “comprou dezassete emissores e uma grande dor de cabeça”.

De facto, e apesar da rede de emissores cobrir quase na totalidade o território nacional, tornava-se necessário averiguar a qualidade técnica da mesma. Na prática era necessário averiguar o estado de cada um dos emissores e perceber o seu estado, qual a sua potência real e quanto é que estava a ser utilizada.

“(…) era uma catástrofe. A rede emissora que a Presslivre comprou só existia no papel, porque na realidade a Rádio Comercial a funcionar no máximo das suas possibilidades de emissão, em termos de FM, tinha Lisboa com 44 kW em Monsanto, tinha o Porto a menos de metade da potência e tinha a Lousã que deve ter 55 kW e estava a emitir com menos de 10 e tudo o resto era uma desgraça. Mandamos fazer uma auditoria técnica à rede emissora e quando a auditoria veio…os responsáveis daquilo chegaram aqui e disseram “pá, vocês vão ter de ter muita calma a olhar para isto”. Reuniram a informação como um semáforo e projetaram na parede: o que está a verde está em condições, o que está a amarelo tem de ser tratado com urgência, o que está a encarnado devíamos de ter tratado ontem.

Havia uma única linha verde, que era de Monsanto. Peguei então naquela auditoria, fui a Madrid reunir com o acionista e disse “Nós para sermos líderes de audiência…precisamos disto! isto é como ir ao supermercado, a gente até pode ter lá o melhor caviar do mundo, mas se ele não tiver na prateleira…e eu para ter o caviar na prateleira preciso de emissores.” Começou-se por fazer Porto e Lousã para ficarmos com os 44 kW no Porto, 44 em Lisboa e 55 na Lousã e assim já cobríamos razoavelmente, pelo menos o Litoral, do Tejo para cima. E depois começamos aos poucos e hoje em dia não temos 17, temos 29 emissores, incluindo microcoberturas…temos quase 30, sendo que ainda hoje a Renascença tem mais, a Antena 1 tem mais, a RFM tem mais, mas hoje em dia 96% do território nacional continental está coberta.

Todo este investimento não permitiu, no entanto, acabar com uma das assimetrias mais gritantes que existia no universo radiofônico; A Rádio Comercial continuava a ser a única estação com alvará de difusão nacional que não tem emissão nos Açores e na Madeira e dificilmente algum dia irá ter. Pedro Tojal explica porquê:

“…mesmo que eu fosse construir um emissor nas ilhas, os Açores e a Madeira não contam para a receita publicitária…eu não posso chegar a Madrid e dizer aos “gajos” “vamos gastar aqui meio milhão de euros a fazer…”, ninguém me vai dar isso, mas nós devíamos ter isso por direito próprio…”

Resolvida a questão técnica dos emissores, haveria que resolver a questão da programação e encontrar uma fórmula que fosse distintiva das restantes estações de rádio. A opção de Pedro Ribeiro foi a de privilegiar a voz:

“… já não estávamos na era da rádio da voz colocada e nós tínhamos de nos aproximar das pessoas, falando como elas falam, por outro lado a Renascença vinha da tradição do despertar, a RFM tinha o Zé Coimbra e Carla Rocha, depois de ter tido Tojal e Maria João Simões. E eu achei que fazia sentido que o programa da manhã fugisse a essa matriz, se eu conseguisse ter mais gente e que elas não se atropelariam umas às outras, aquilo funcionaria. Então disse “eu quero um homem e uma mulher, sim, mas eu depois quero um “gajo” do humor e quero outro gajo que não é um pivô, mas que vai mandando umas bocas e que vai trazendo ali alguma irreverência e alguns pontinhos. Quero quatro pessoas.” Eu lembro-me de ter reuniões, quer aqui, quer em Madrid, onde eles me diziam “para que é que você quer quatro pessoas ao mesmo tempo de manhã? Ninguém se vai ouvir…”. A minha resposta foi simples “primeiro, eu não vou conseguir batê-los se eu tiver exatamente a mesma oferta, se eu mimetizar a concorrência não tenho hipótese nenhuma e, portanto, tenho que ter alguma coisa, que mesmo os “gajos” que não ouçam digam assim “os gajos lá tem uma coisa diferente”. A única maneira que eu tenho de pôr a cabeça de fora, é mostrar alguma coisa de diferente.”

A esta nova dinâmica Pedro Ribeiro adicionou ainda uma outra ideia, a voz, a ideia de “personalidade na antena”. Se consideramos que as pessoas não falam todas da mesma maneira e não dizem todas as mesmas coisas, teria apenas que se encontrar um registo que permitisse que no dia em que o próprio Pedro Ribeiro ou o Wilson Honrado (outro dos animadores da estação) não estivessem a trabalhar, as pessoas notassem e sentissem a diferença em virtude de cada um deles, embora dentro do mesmo formato, terem a sua personalidade e não se anularem em função dessa mesma formatação. Esta nova “identidade” foi complementada com a inclusão de mais música portuguesa na “play list”. Pedro Ribeiro explica a estratégia:

“Os artistas são nossos amigos. Há um clã de artistas nossos, que vestem a camisola e que te fazem isso porque nós estávamos lá no princípio. Porque o Miguel Araújo não era ninguém quando nós tocávamos a sua música. Porque o Zambujo era um artista de fado e nós tocávamos a música ou a Ana Moura. Eu não me esqueço: “Vais tocar Ana Moura?” e eu “Sim, sim…grande disco” e diziam-me, “mas isto está cheio de guitarras portuguesas, isto é rádio Amália…tu vais ver o que é que vai acontecer”. E, de repente, a Ana Moura já não é uma fadista, é uma artista pop. Ou “Vais tocar a Carminho?” e eu “Sim, sim. Carminho, Mariza e Ana Moura”, eu quero ser dono desse território porque eu tenho a certeza de que o meu auditório vai gostar disso, porque as pessoas, ao contrário do que se pensa, ou que muita gente pensa, as pessoas não são formatadas no seu gosto. A arte está em juntar o melhor possível aquilo que é possível juntar entre a generalidade do gosto das pessoas. Há caminho para fazer, algumas vais falhar, mas são territórios que tu ganhas. Eu queria estar onde o meu público estivesse. O desafio é esse, eu quero ser notado. Eu quero apoiar 29 coliseus do Miguel Araújo e do António Zambujo e quero que em todos eles, estejam cinco minutos a falar da Rádio Comercial. Quero criar uma relação com os artistas e com os promotores, uma relação de proximidade e de confiança, que fará com que não seja uma relação de interesse, mas sim uma relação de efetiva proximidade.”

O atual responsável pela programação chegou em 2005, mas a Rádio Comercial só se tornou líder de audiências em 2012. Pedro Ribeiro reconhece que foi um caminho difícil, quase “uma maratona e não uma corrida de cem metros”, mas sempre acreditou que um dia iria lá chegar:

” Nós abrimos garrafas de champanhe quando chegamos aos 7 pontos, quando chegamos a dois dígitos havia gente a chorar…só que os outros tinham 16, mas nós temos 10, portanto isto é um caminho muito longo, mas a primeira coisa era acertar a música da estação e também na música dar alguma música que os outros não dessem.”

A “play list” enquanto documento matriz que define a identidade da rádio (Bonnin e Jannach, 2014) mostrava de facto ser o cerne de toda a estratégia. Era a música que iria fazer pender o prato da balança para o lado da Comercial como explica Pedro Ribeiro:

“Fomos estudar o mercado e ver se havia um espaço no mercado da rádio que não estava preenchido, uma música que ninguém tocasse. Se era rock, íamos para o rock. E os estudos diziam, isto é uma coisa, que intuí que somos um país “mainstream”. Isto não é um país de grandes massas, até porque Portugal não tem massa suficiente para uma estação alternativa ser líder de audiência. Não podes dar música alternativa às pessoas…não podes esperar fazer a Antena 2 e esperar ter 20 pontos de audiência. Não tens hipótese. Portanto, uma estação com vocação de liderança em Portugal tem que ser, por maioria de razão, uma estação “mainstream”. Mas esse espaço estava totalmente tomado pela RFM, era o “mainstream” por excelência. E eles, na altura, eram a rádio do Phil Collins, da Celine Dion, do Luís Represas e da Shakira. Então nós dissemos assim, estamos em 2005, vamos fazer uma coisa altamente arriscada, mas nós acreditamos que é por aqui. Nós vamos tocar só música de 2000 em diante. Fácil agora, mas em 2005 tinhas cinco anos de música. Nós dissemos, vamos tocar só sucessos, mas de hoje. Primeiro, se tocares só sucessos tens uma boa base para as pessoas não abandonarem a rádio porque as pessoas conhecem a música, é a primeira coisa. Segundo, vais fazer os outros envelhecer totalmente porque se tu só dás música contemporânea, eles vão envelhecer brutalmente… para nós, era criar uma identidade musical sabendo que o tempo corria a nosso favor, porque eu em 2010 teria dez anos de música para tocar e em 2015 teria quinze anos de música para tocar. E, portanto, ia obrigar fatalmente a RFM a vir atrás porque, ou eles nos acompanhavam ou eles ficavam como uma espécie de rádio nostalgia, que era eficaz, mas do ponto de vista dos comerciais e da renovação de auditório, iam ter problemas. Eles não demoraram muito tempo a perceber isso e ainda bem. Enquanto eles não perceberam isso, nós fomos cavalgando, cavalgando, de tal maneira que chegamos a 10 pontos e no ano seguinte passamos para 12, nunca tivemos 11. Nós em cima da identidade musical, da renovação da rede emissora toda, nós tínhamos um programa da manhã que rebentou com eles. Quando eu fui buscar a Vanda e depois juntamos o Vasco Palmeirim primeiro e depois fomos buscar o Markl de regresso e mais tarde o Ricardo Araújo Pereira. Tu tens de ter humor que case com o resto da estação e tens de ter humor que tu percebas que eu daqui a cinco anos posso ter isto no ar.

Eu não tenho dúvidas, tu podes ter a playlist certa, a música mais eficaz, mas se tu não tiveres um programa da manhã âncora…não tens hipótese nenhuma. As audiências ganham-se a partir da manhã, primeiro tens de ser o rei da manhã. Estou a ler a biografia da Michele Obama e ela conta lá uma coisa que é muito engraçada que é; as primeiras pessoas que têm de acreditar que é possível um negro do Hawaii e do Quênia, com um nome árabe ser Presidente dos EUA, são as pessoas que fazem parte da campanha…e portanto, as primeiras pessoas que tinham de acreditar que nós íamos ganhar eram as pessoas que trabalhavam aqui. Era preciso dizer às pessoas “vocês são uma geração de profissionais que não podem estar conformadas com a ideia de que vão passar a carreira toda a perder porque vocês são melhores que os outros e portanto, eu garanto-vos que vamos ganhar. Isto vai demorar, mas nós vamos ganhar”.

Isto era um comício! Há uma história que eu gosto de invocar e que se perguntares à equipa, toda a gente que cá está há mais tempo sabe desse exemplo, que eu costumava referir: na biografia do Lyndon Johnson, que sucede ao Kennedy e há lá uma parte em que ele vai visitar a NASA e numa de politicamente correto vai cumprimentando toda a gente que encontra pelo caminho e, por acaso, encontra uma senhora que estava a limpar o chão, está a lavar o chão e ele vai junto dela e diz-lhe “Boa tarde, então que é que a senhora faz aqui?” e a senhora tem uma resposta que é o pináculo da comunicação interna, responde a senhora ao Presidente dos EUA, “eu estou aqui ajudar a América a chegar à lua”. Eu li aquilo e aquilo nunca me saiu da cabeça. Toda a gente que aqui está concorre para quê? Para sermos líderes de audiência. “

Com o regresso de Nuno Markl[34] o Programa da Manhã passa a apresentar todos os dias a “Caderneta de Cromos”, rubrica de humor da autoria do próprio Nuno e que contribuiu definitivamente para o alavancar de audiências. Aproveitando a onda de notoriedade subitamente alcançada, a equipa produz e apresenta uma “emissão ao vivo” da “Caderneta”, a qual esgotou por completo o Coliseu dos Recreios em Lisboa. Era um sinal claro de que algo estava a mudar. Pedro Ribeiro sintetiza essa mudança nestes termos:

“Desde que há estudos de audiência, a rádio comercial nunca tinha sido líder. Havia muito e há muito aqui, da coisa de estares a pegar num facho, que os outros pegaram lá atrás, estás aqui a fazer a estafeta e se tu chegares à frente em primeiro lugar, os “gajos” da tua equipa vão ficar todos contentes, mas os “gajos” de lá de trás vão ver a notícia e vão dizer “porra, isto é a minha rádio”. Por isso é que eu digo, a primeira pessoa que me ligou foi o João David Nunes. Lembro-me perfeitamente do sítio onde estava na autoestrada. Quando ele ouviu a notícia, ele ligou-me. E ligou-me a dizer “Ó Pedro, obrigada”, ele não me deu os parabéns. Ele disse-me “Obrigado”. Isto para ele, é dele também. E o Júlio Isidro que me disse também “ganhamos”. Ganhamos…até pessoas que saíram a mal daqui que tiveram processos, chegaram ao pé de mim e disseram “Boa!”

Para Pedro Ribeiro a rádio são apenas três coisas: o produto (os programas que se emitem, os protagonistas e a música que se toca) é a distribuição (os emissores, a internet, e as apps) e a terceira é a comunicação e o marketing.

“Este negócio em Portugal, como na maior parte dos países do mundo é gerido por notoriedade de marca porque não há audímetros. Portanto, tu perguntas às pessoas…por isso é que há audiência acumulada de véspera, a Marktest liga-te e pergunta “Que rádio ouviu ontem?” e, portanto, isto é notoriedade de marca. Eu, no limite, não preciso que me ouças, eu preciso que te lembres de mim e que seja a primeira que te vem ao ouvido e para isso tens de fazer um grande trabalho de comunicação. Nós temos uma televisão no grupo, então vou pendurar-me, vou criar anúncios nessa televisão, vou querer que eles cubram tudo o que nós fazemos.

No fundo é isto, os outros não têm isto. Não têm um “gajo” chamado Vasco Palmeirim que faz uma canção chamada Jéssica Beatriz e liga ao Mário Laginha e o Mário Laginha vai tocar com ele. A importância dele foi grande também porque apareceu, coincidiu com a explosão do Facebook em Portugal e com a visão que nós tivemos lá atrás de que aquilo iria ser importante. Porque nós tínhamos de fazer uma aposta clara nas redes sociais e o Facebook era muito mais eficaz nessa altura do que aquilo que é hoje. Quando entrou o algoritmo a funcionar e se tu não pagas, passas a ter muito menos alcance com vídeos de música, do que tinhas na altura…hoje não tens nem metade das pessoas que tinhas. No princípio, não havia algoritmo, tu chegavas rapidamente a 3 milhões de pessoas e isto é a melhor máquina, ferramenta de marketing que nós podemos ter. Hoje em dia estamos mais virados para o Instagram.

Mas para chegar aqui foi preciso um grande esforço. É por isso que quando me dizem, o Pedro Ribeiro…eu digo sempre isto, isso não existe. Não existe um guru que se senta numa cadeira e faz as coisas acontecerem, se tu não tiveres uma rede emissora do caraças, se não tiveres um gabinete de marketing a funcionar como deve ser e se não tiveres uma equipa de talento, estás feito ao bife, tem que haver aqui um sentimento de quase seita nisto. A rádio deixou de ser a proscritora de música, por excelência. Tu não dás nenhuma novidade a ninguém, sobretudo aos mais novos.

O meu filho quando às vezes o apanho a ouvir rádio no carro, na Cidade ou na Mega…ele diz “porquê que eles dizem música nova? Já tenho isto no telefone há um mês.” Isso mudou, os discos que tocava o João Vaz ou quem quer que seja, e dizíamos: “isto é uma grande novidade”, os miúdos agora precisam de outras coisas. Hoje em dia há muita coisa que eles consomem na rádio e não sabem…os vídeos da “Mixórdia de Temáticas”, do “Homem que Mordeu o Cão”, do “Rebenta a Bolha”. O meu filho devora isso tudo e isso é rádio também, eles entram por uma porta de entrada diferente da nossa.”

Em 2018 a rádio Comercial inaugurou um estúdio novo, prenuncio dos novos tempos da rádio. Será que a rádio já não é só voz?

Responde uma vez mais Pedro Ribeiro:

“Este é o primeiro estúdio que é feito a pensar na imagem e não no som. Cada vez filmávamos mais conteúdo e a imagem era péssima, era antiga, era escura…não colava com a imagem moderna e dinâmica, que nós queríamos ter associada à estação e ao programa da manhã. Queríamos um estúdio claro, que na imagem sugerisse profundidade e não acanhamento. Fomos ver lá fora o que é que se fazia e fizemos um estúdio com “trust de iluminação”, espaço para 3 câmaras e reggie de vídeo porque nós vivemos numa multiplataforma, vivemos num mundo integrado, isto cada vez vai ter mais imagem, além disso a equipa conta atualmente com 7 produtoras que asseguram os conteúdos, fazem a gestão das redes sociais e o site.”

O futuro na Rádio Comercial passará por um projeto sobre rádios digitais. A Comercial irá assegurar um produto formatado para diferentes públicos com a marca da Rádio Comercial. Quem quiser ouvir apenas rock ou que tenha saudades da “Best Rock”[35] terá um canal que difundirá apenas música deste gênero, para momentos mais relaxantes existirá uma rádio só de baladas, tudo com a prescrição da Rádio Comercial, pretende-se assim estabelecer uma relação de confiança e de proximidade, a qual, no entender de Pedro Ribeiro, não está assegurada por plataformas digitais como o Spotify por exemplo, “…Então e se eu tiver um produto com a chancela do Vasco Palmeirim, não tem valor isso? O Spotify não tem isso!”

Será, portanto, este o futuro da rádio?

Pedro Ribeiro não tem dúvidas:

“Este é o futuro da rádio. Eu acho que a oferta segmentada é o passo seguinte e as marcas da rádio tentarão ser relevantes e a Rádio Comercial tem uma grande vantagem em relação a todas as outras em Portugal, porque não só é reconhecida como importante e válida e credível a prescrever música, mas nós temos um espetáculo que enche o Altice Arena. Isto já não é só rádio, isto já é uma noção de espetáculo e de entretenimento a outro nível. Nós vamos anunciar amanhã quinze datas pelo país todo, que vão esgotar em dois dias e isto tudo tem lá uma palavrinha que é rádio. Isto é rádio. É a capacidade que a rádio teve de sair das suas fronteiras naturais e ir buscar mais gente, mais público, mais negócio…é uma coisa, que por exemplo, a Imprensa não teve. Há quanto tempo não compras um jornal de papel? Ou a televisão não teve, nem tem. A televisão ainda não percebeu o que é que lhe está a acontecer…

Na essência isto é igual ao que era a rádio nos anos 30, isto são pessoas a falar para pessoas, tu podes pôr a internet, o youtube…o que tu quiseres, mas isto são pessoas a falar para pessoas, é a mesma coisa com uma escala completamente diferente e com outros meios, mas é a mesma coisa. E isso dá-te uma ferramenta que tomara a televisão. Quando eles estão a discutir com o Goucha e com a Cristina, que eu compreendo que estejam, eu penso, mas eles não têm o que nós temos…há pessoas que acordam às 7h da manhã com o despertador no rádio, a primeira pessoa que eles ouvem quando acordam, não é a pessoa com quem dormem, mas nós. Há pessoas que estão a tomar duche e estão a ouvir-te no rádio, não há mais intimidade que isso. Por isso é que depois vais na rua e as pessoas falam contigo como se te conhecessem da vida toda. Isso não tens na televisão. Na televisão não tens isso.

A televisão são vedetas com o irreal que isso tem, nós somos reais”

CONCLUSÃO

A História faz-se de pequenas histórias. A história da rádio em Portugal faz-se por isso a partir do somatório das pequenas memórias dos intervenientes desta fabulosa viagem. Como refere McLuhan (McLuhan 1964) só muito recentemente é que as indústrias criativas tomaram consciência das alternativas disponíveis aos diferentes tipos de negócios, mantendo no entanto o seu “core business”. Uma narrativa sobre a rádio não poderá nunca estar dissociada do seu país e da sua História, do contexto do desenvolvimento cultural e social e sobretudo econômico. De facto, a rádio hoje em dia é apenas e só apenas mais uma unidade de negócio, igual a tantas outras do universo empresarial.

Como se percebeu ao longo dos depoimentos dos diversos responsáveis pela Rádio Comercial, a lei da procura e da oferta dita também aqui as suas regras, sendo a “play list” o elemento determinante na conquista de audiências. Pelo menos assim foi até 2015.

As mudanças provocadas pela tecnologia, nomeadamente a digitalização, obrigaram a rádio a reinventar-se e a encontrar novos caminhos. Esta rádio, nomeadamente o seu responsável Pedro Ribeiro, percebeu que apenas a música já não era suficiente para cativar e fidelizar novos ouvintes, daí a palavra assumir cada vez mais uma maior importância, a par com o aproveitamento das potencialidades demonstradas pelas redes sociais. Neste caso a associação da imagem à palavra mostrou ser o caminho a seguir.

Uma leitura da história da rádio demonstra que esta tem evoluído de uma forma resiliente conseguindo sempre adaptar-se às mudanças, quer elas tenham sido de nível tecnológico ou social (Vieira et. al, 2013) e a Rádio Comercial/Rádio Clube Português é um bom exemplo disso.

Bertolt Brecht (Brecht, 2005) entendia em 1932, que a rádio podia ser um meio importante na disseminação de informação bastando para tal que a emissão fosse interativa e proporcionasse uma maior participação do receptor, ou seja, que este se tornasse também num produtor de conteúdos.

Isto poderá significar mais do que uma simples utopia e transforma Brecht num autêntico visionário, um Júlio Verne da comunicação.

Canais de comunicação com o Whatsapp, Instagram, Facebook e sobretudo Youtube, têm alavancado esta rádio para os mesmos patamares que o Rádio Clube Português tinha vivido até aos anos 70 do século passado.

Esta é uma história recheada de histórias que são na sua essência o fundamental da história da rádio portuguesa.

REFERÊNCIAS

BONIXE, LUIS. A Migração das Rádios Locais Portuguesas para o Digital. Lisboa: Escola Superior de Educação – IPP. 2010

BONNIN, G. & JANNACH, D. (2014). Automated Generation of Music Playlists: Survey and Experiments, in ACM Computing Surveys 47(2):1-35, January 2014

BRECHT, BERTOLD. Teoria do Rádio (1927-1932)”.  Meditsch, E. (org.). 2005

MAIA, JOSÉ MATOS. A Telefonia, memórias da rádio. Lisboa: Âncora Editora, 2009MCLUHAN, MARSHALL. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (Understanding Media). São Paulo: Cultrix, 1964

REIS, ANA ISABEL, FÁBIO RIBEIRO & PEDRO PORTELA. Das Piratas À Internet: 25 Anos de Rádios Locais. Braga: CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade Universidade do Minho, 2014

SANTOS, ROGÉRIO. Estudos da Rádio em Portugal. Lisboa: Estudo de Comunicação e Cultura, Universidade Católica Editora, 2017SANTOS, ROGÉRIO. A Rádio em Portugal: sempre no ar, sempre consigo. Lisboa: Edições Colibri, 2014SANTOS, ROGÉRIO. Rádio Clube Português. Lisboa: Universidade Católica, 2006

SANTOS, SUSANA. O processo de liberalização das emissões de rádio em Portugal. Lisboa: tese – ISCTE, 2012

VIEIRA, J. at al. Radiomorphosis: Rádio Tendências e Prospectivas in A Sociedade dos Ecrãs. Lisboa: Tinta da China, 2013

APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

3. Com letra de Vasco Palmeirim um dos profissionais que compõem a equipa que apresenta de segunda a sexta-feira entre as 7 e as 11 horas o “Programa da Manhã” e música de Nuno Gonçalo da Rádio Comercial.

4. Janeiro de 2019.

5. Dia 25 de janeiro de 2019, o programa “Você na TV!” do canal de televisão TVI obteve um rating de 4.3 pontos o que corresponde a 412 800 espectadores e o canal RTP1 233 mil. Dados da Marktest.

6. A primeira emissão foi efetuada nos Estados Unidos em 1906. Dois anos mais tarde o físico norte-americano Lee de Forest realizou do alto da torre Eiffel em Paris, uma emissão que foi captada nos postos militares da região da capital francesa e por um técnico em Marselha. No ano seguinte Forest foi o responsável pela transmissão em direto a partir do Metropolitan Opera House em Nova Iorque do tenor Enrico Caruso.

7. Inicialmente denominada P1AA Rádio Lisboa, iniciou emissões experimentais no dia 30 de Setembro de 1924.

8. 25 de Outubro de 1925.

9. Entrevista presencial realizada a Nunes Forte em 2019.

10. A primeira designação foi “Rádio Oficial”, alterou o nome para “Emissora Nacional” em 1935.

11. Denominação de um especialista em telefonia sem fios (TSF). https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/senfilista

12. Um dos indicadores disso era a correspondência que recebia. Algumas cartas eram endereçadas à “Rádio Esso”.

13. Que por sua vez sucedeu à CT1DY Rádio Parede, que começou a funcionar em 1930.

14. Cabe aqui uma referência mais extensa, sobre a importância histórica do regime instituído em Portugal em 1926, bem como a sua implicação na narrativa histórica da rádio em Portugal. Os anos que se seguiram ao fim da I Guerra Mundial foram de grande instabilidade em Portugal. Entre 1920 e 1923 o nosso país teve 23 governos, a agitação social crescia nas ruas e chegou a temer-se o surgimento de uma guerra civil. Os graves problemas financeiros que se viveram desde a implantação da República em 1910 agravaram-se com a nossa participação na Grande Guerra aumentando ainda mais a o clima de tensão e rebelião nas unidades militares. É neste clima que no dia 28 de maio de 1926, o general Gomes da Costa chefia um golpe militar que põe fim ao poder aos partidos republicanos e abriu as portas para o regime do Estado Novo. Em julho desse mesmo ano Gomes da Costa acabaria por ser deposto tendo a chefia do governo sido entregue aos generais Carmona e Sinel de Cordes. O Congresso foi dissolvido e a Constituição suspensa. Foi o início de uma ditadura militar, na qual o Governo ficou com os poderes do Parlamento e do Ministério (Presidência do Conselho de Ministros), assumindo assim toda a iniciativa legislativa. Em 1932, António de Oliveira Salazar é nomeado presidente do Conselho de Ministros e um ano mais tarde é aprovada a nova Constituição da República o documento que institui o “Estado Novo”. O 28 de maio abriu caminho a uma ditadura que durou 48 anos e que só terminou no dia 25 de abril de 1974 através de um novo golpe militar (a Revolução dos Cravos) que devolveu de novo as liberdades cívicas e implementou um regime democrático. Ao longo destes 48 anos este regime autoritário nacionalista e corporativista vai condicionar toda a atividade econômica e social de Portugal, isolando ainda mais o nosso país de uma realidade que essa sim nunca parou de evoluir. É neste contexto que surgem as primeiras rádios em Portugal e se desenvolvem até 1974.

15. A publicidade só voltou a ser permitida a 12 de Fevereiro de 1936.

16. O poder deste organismo era tão forte que era apelidado de “Ministério dados Correios”.

17. Dias antes do ministro Joaquim Abranches ter publicado legislação que permitiu ao Rádio Clube Português retomar a publicidade, Jorge Botelho Moniz exprimia-se assim no decorrer da assembleia-geral do RCP, realizada a 9 de Fevereiro de 1936: “(A) publicidade radiofônica começará dentro em pouco e permitirá a realização do nosso programa (…) Em conflito com todas as repartições do Estado, só no Sr. Dr. Oliveira Salazar encontramos ajuda (…)” (Rádio Semanal, 15 de Fevereiro de 1936).

18. Estação de rádio criada em 1935 pela igreja católica e começou a emitir regularmente dia 1 de Janeiro de 1936.

19. Terças e quintas-feiras entre as 22:30 e as 00:30 e aos domingos das 15:00 às 18:00 e novamente das 22:30 às 00:30.

20. Revista Antena (propriedade do RCP) de 1 de dezembro de 1965.

21. Adaptado por uma das duplas de autores mais famosa da altura: Eduardo Damas e Manuel Paião, que mais tarde se notabilizariam no teatro de revista do Parque Mayer.

22. A atriz Lily Santos.

23. Entrevista presencial, realizada em 2019.

24. A Antena 2 da Emissora Nacional.

25. Otelo foi o estratega da operação militar que destituiu o regime ditatorial no dia 24 de abril de 1974.

26. Entrevista presencial realizada em 2019.

27. Esta diferença de números é facilmente explicada dado o carácter “pirata” dos projetos e a sua intemporalidade.

28. Entrevista presencial realizada em 2019.

29. Entrevista presencial realizada em 2019.

30. Para contextualizar a importância deste grupo de comunicação, torna-se necessário explicar que a Colômbia vivia em clima de guerra civil e que a guerrilha colombiana bombardeava com frequência as torres de emissão televisiva, pelo que a rádio tinha tina uma importância acrescida. O grupo “Caracol” detinha na altura cerca de 15 estações de rádio.

31. Entrevista presencial realizada em 2019.

32. João David Nunes, Pedro Castelo, Rui Pêgo, Luis Montez e Pedro Tojal respetivamente.

33. Entrevista presencial realizada em 2019.

34. Que, entretanto, tinha mudado para a Antena 3, um dos canais do grupo estatal RDP/RTP.

35. A “Best Rock FM” pertencia ao grupo Media Capital e emitiu entre 2003 e 2013.

[1] Doutorando em Ciências da Comunicação, Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação, pós-graduação em Ciências da Comunicação ramo Comunicação Política.

[2] Agregação em Ciências da Comunicação (2019). Doutoramento em Sociologia (2009). Mestrado em Planeamento Regional e Urbano (2002). Licenciatura em Sociologia (1992).

Enviado: Janeiro, 2020.

Aprovado: Janeiro, 2020.

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Fernando Neves

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