REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

As marcas da arquitetura moderna em Vitória Da Conquista – BA

RC: 78354
456
Rate this post
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/arquitetura/arquitetura-moderna

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CASEMIRO, Gabriel Rocha [1]

CASEMIRO, Gabriel Rocha. As marcas da arquitetura moderna em Vitória Da Conquista – BA. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 07, pp. 28-48. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/arquitetura/arquitetura-moderna, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/arquitetura/arquitetura-moderna

RESUMO

Este trabalho aborda a influência da arquitetura moderna dentro da cidade de Vitória da Conquista – BA com o objetivo principal de se identificar os edifícios modernistas, buscando também resgatar a memória da cidade e de como foi formado seu espaço urbano. Foram levantados dados históricos de como surgiu o movimento modernista dentro da arquitetura no mundo e no Brasil, além de um breve levantamento histórico da formação da cidade de Vitória da Conquista – BA, utilizando-se os método de abordagem dedutiva, documentação indireta e observação e análise do contexto, por fim gerando resultados e conclusões satisfatórias sobre a importância do movimento modernista e sua necessidade de preservação

Palavras-Chave: Arquitetura Moderna, Vitória da Conquista, modernismo.

1. INTRODUÇÃO

A Arquitetura Moderna foi um movimento reconhecido como um dos principais dentro da arquitetura, tendo seu auge na primeira metade do século XX, alcançando cidades brasileiras, incluindo as do interior, como é o caso de Vitória da Conquista – BA.

Ao se observar as mudanças de estilo das edificações de um local, é possível perceber as mudanças históricas e transformações que ocorreram naquele meio urbano, especialmente quando se trata da arquitetura modernista e suas características marcantes de construções, ao contrário do que acontece em dias atuais, onde as edificações são costumeiramente criticadas por apresentarem um estilo mais genérico e sem grandes atributos que possam permitir uma identidade mais clara. Benevolo (2001) fala sobre a formação do movimento moderno, e como ela obteve uma identidade própria aqui no Brasil:

Até o início da Segunda Guerra Mundial, o movimento moderno produziu seus efeitos em todos os países do mundo, mas o que ocorre fora da Europa e da América setentrional parece somente uma consequência das experiências europeias e americanas até agora descritas; o repertório internacional é adaptado aos costumes locais, sem que daí se extraia o impulso para novos e originais desenvolvimentos. Entretanto, no segundo pós-guerra, começa um vasto movimento de revisão das contribuições até então recebidas e, ao menos, em dois casos – no Brasil e no Japão-, obtêm-se resultados de valor internacional, não ligados aos modelos europeus ou estadunidenses, mas, antes, capazes de estimular as experiências em curso tanto no Velho quanto no Novo Mundo. (BENEVOLO, 2001, p. 711)

O objetivo principal deste trabalho é identificar as edificações com características do estilo modernista, e desta maneira, resgatar e valorizar a história da cidade Vitória da Conquista, possibilitando um melhor entendimento das transformações que ocorreram ao longo dos anos na cidade.

Outra meta de trabalho é valorizar não só a cidade, mas a própria arquitetura moderna, alvo também de críticas, mas inevitavelmente reconhecida como um estilo de grande importância na história das cidades brasileiras, com ênfase nos processos ocorridos dentro do século XX. Dentro desse pensamento, Bruand (1991) explica que excluir os aspectos históricos e geográficos dentro dos quais a arquitetura moderna se desenvolveu implicaria não compreender seu significado e sua própria razão de ser.

2. SOBRE A ARQUITETURA MODERNA

Antes de se passar para qualquer outro tema, é necessário relembrar – ou conhecer, o movimento moderno. Dentro da arquitetura, Mahfuz (2002) avalia que a história evidencia apenas dois sistemas formais completos: o classicismo e o modernismo.

A diferença básica entre o classicismo e o modernismo é a substituição da imitação pela construção formal como critério de formação de objetos arquitetônicos. A adoção de modelos dá lugar à interpretação do programa como principal elemento estimulador da forma e âmbito de possibilidades na ordenação do espaço habitável. A partir desta caracterização genérica da arquitetura moderna, a vertente brasileira pode ser vista como particularização de um modo de conceber a forma artística essencialmente diferente do classicismo, que havia dominado os quatro séculos precedentes e ainda era o paradigma dominante nas primeiras décadas do século XX.  (MAHFUZ, 2002)

Um dos fatores de maior importância para o nascimento do movimento foi a inovação de novas técnicas e novos materiais na construção civil que ocorreu no fim do século XIX, em especial o aço e o concreto armado, porém não é possível precisar o momento exato desse início, Benevolo (2001) afirma que apenas é possível determinar o ano de 1927 em diante como o momento em que houve uma linha comum de trabalho e coerência na mesma direção.

A princípio, dois grandes nomes são mais considerados como os mais marcantes: o de Gropius – e seus colaboradores da Bahaus -, e o de Le Corbusier. Partindo do primeiro, o alemão Walter Gropius é conhecido por ter fundado a escola de Bauhaus em 1919, após o fim da guerra, Benevolo (2001), baseado nas palavras do próprio Gropius, explica que a ideia fundamental da Bauhaus era utilizar o artesanato como meio didático de preparação para os projetistas modernos, fugindo da polêmica entre artesanato e indústria, não se decidindo por um ou outro.

Este procedimento didático acarreta uma mudança fundamental na cultura arquitetônica. A instância formal não é mais colocada numa esfera independente, capaz de abrigar uma experiência separada, mas é colocada resolutamente na atividade produtiva. O trabalho artístico tem por finalidade não inventar uma forma, mas sim modificar, através dessa forma, o curso da vida quotidiana, e é válido enquanto invade toda a produção e o ambiente em que vivem todos os homens. (BENEVOLO, 2001, p. 406 e 408)

Diferente da coletividade presente em Bauhaus, a experiência individual de Le Corbusier proporcionou uma mediação entre a tradição francesa e o movimento moderno, Benevolo (2001) o descreve como um gênio artístico, com um dom de manejar as formas que não tem comparação em nossos dias.  Em 1926, Le Corbusier lança junto ao arquiteto Pierre Jeanneret um documento chamado “Os Cinco Pontos de Uma Nova Arquitetura”, que apresentam os seguintes princípios:

1 – Pilotis: uso do concreto armado possibilitando pilotis que deixam a casa no ar.

2 – Tetos-jardim: implantação do jardim sobre a casa, no teto.

3 – Planta livre: graças ao concreto armado as paredes não mais possuem função estrutural, dando liberdade para a locação delas.

4 – “Fênetre em longuer”: ou janelas em fita, podendo percorrer toda a fachada.

5 – Fachada livre: as pilastras podem ir na direção do interior da casa, dando liberdade para a composição das fachadas.

Figura 1 – Villa Savoye, símbolo dos “Cinco Pontos de Uma Nova Arquitetura” de Le Corbusier

Fonte: ArchDaily. Disponível em <https://www.archdaily.com/84524/ad-classics-villa-savoye-le-corbusier>. Acesso em outubro de 2020.

Benevolo (2001) conta que esse documento gerou inúmeras discussões entre modernistas e tradicionalistas na época, mas inevitável perceber que foi algo revolucionário e norteador para as construções modernistas.

A formação do movimento modernista também teve influência do que acontecia em países como Alemanha e Holanda, Benevolo (2001) continua ressaltando a experiência de arquitetos como Mendelsohn, Oud, Dudok e do brilhante Mies van der Rohe, que tiveram origem em ambientes culturais diversos, não sendo influenciados diretamente por Bauhaus, mas em todos se percebia uma unidade de intenções e um ponto de referência.

Saindo do conteúdo puramente teórico e acadêmico, era notório que todos esses grandes arquitetos também desejavam trazer essas ideias para o grande público, Gropius (1935) dizia que o objetivo da Bauhaus não era propagar um estilo ou moda, mas sim exercer influência sobre o projeto, uma maneira mais eficiente de se começar a fazer isso foi através dos concursos e das exposições, onde Benevolo (2001) relata que os arquitetos modernistas não tiveram grande sucesso para vencer os concursos, porém se fizeram presentes nas exposições, como a de Stuttgart, deixando visível as semelhanças de ideias entre diferentes arquitetos europeus e dando origem ao surgimento da CIAM (Congresso Internacional da Arquitetura Moderna, traduzido do francês), uma organização que realizou diferentes eventos entre os principais arquitetos modernistas, buscando a discussão de assuntos relacionados a arquitetura, incluindo o urbanismo.

As ideias de alguns modernistas relacionadas ao urbanismo são quase um capítulo à parte para as discussões, especialmente as de Le Corbusier, provavelmente o nome que mais se envolveu nas conversas sobre o assunto. Entre 1929 e 1930 ele reúne várias de seus ideais em um projeto chamado “La Ville Radieuse”, descrito pelo próprio como um grande parque, composto por vários arranha-céus, grandes rodovias, pouca ocupação do solo, e zonas bem definidas e distantes entre elas. Mesmo que nunca tenha sido executada como planejado, Jane Jacobs (2018) observa que muitas de suas ideias foram absorvidas pelas cidades que temos hoje:

A cidade dos sonhos de Le Corbusier teve enorme impacto em nossas cidades. Foi aclamada delirantemente por arquitetos e acabou assimilada em inúmeros projetos, em conjuntos habitacionais de baixa renda e edifícios de escritórios. […] Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto, e isso era uma ideia nova e empolgante nos anos 20 e início dos anos 30. (JACOBS, 2018, p. 23)

Percebe-se que Jacobs era uma grande crítica das ideias urbanísticas de Le Corbusier, e de fato, suas críticas foram consideradas pertinentes e fundamentais para uma mudança de perspectiva sobre o modo de se fazer cidades. Mesmo tendo sido escritas no início dos anos 60, várias de suas constatações são válidas e utilizadas até nos dias de hoje no que diz respeito ao conceito de cidades para pessoas, as ideias “le corbusianas” de baixa densidade, uso predominante de automóvel e zoneamento rígido, são completamente opostas ao que hoje são consideradas as premissas para uma boa qualidade de vida dentro das cidades.

Figura 2 – Projeto da Ville Radieuse

Fonte: ArchDaily. Disponível em <https://www.archdaily.com.br/br/787030/classicos-da-arquitetura-ville-radieuse-le-corbusier>. Acesso em outubro de 2020.

3. A ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL

Saindo da Europa, e indo para a América do Sul, o Brasil foi um dos países onde a arquitetura moderna esteve mais presente, seu início teve influência na Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Moimas (2014) revela que Lúcio Costa, um dos grandes nomes da arquitetura modernista brasileira, certa feita disse que as obras produzidas no final dos anos 1920 foram as primeiras no Brasil, mas uma arquitetura com suas próprias singularidades e de fato brasileira só se manifestou uma década depois, tendo Gregori Warchavchik e Flávio de Carvalho como pioneiros.

Como não poderia deixar de ser, é notório que os arquitetos modernistas brasileiros sofreram grande influência de Le Corbusier, especialmente para os pioneiros Warchavchik, Flávio de Carvalho, e seus subsequentes. O próprio Le Corbusier teve participação na construção do primeiro grande marco da arquitetura moderna no país: o prédio do Ministério da Educação e Saúde, construído entre 1937 e 1943, no Rio de Janeiro.

Figura 3 – Prédio do Ministério De Educação E Saúde

Fonte: ArchDaily. Disponível em <https://www.archdaily.com.br/br/902687/palacio-gustavo-capanema-sera-um-dos-palcos-do-27o-congresso-mundial-de-arquitetos-uia-2020-rio>. Acesso em outubro de 2020.

Apresentado pela revista norte-americana Progressive Architecture, em 1943, como “a obra de arquitetura moderna mais importante das Américas”, o Ministério da Educação e Saúde é considerado, até hoje, um dos paradigmas da arquitetura moderna mundial, precursor dos grandes edifícios públicos modernos construídos na Europa e nos EUA após a guerra, (como a sede da ONU, em Nova York, de 1947/1952, primeiro prédio de vidro de grande porte realizado nos EUA). (CAVALCANTI e LAGO, 2015)

Outra obra marcante foi o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque, em 1939-40, Cavalcanti e Lago (2005) ressaltam a utilização de futuras tendências, como as grandes rampas, proteção da insolação com elementos fixos, uso da curva e integração de ambiente interno e externo, gerando uma nova linguagem e identidade brasileira, se diferenciando daquela arquitetura feita na Europa. A arquitetura moderna continuou a ganhar força no Brasil, Luccas (2005) ressalta que nos anos do governo de Getulio Vargas muitos prédios públicos foram construídos, espalhando esse tipo de construção por diversos locais do país, favorecendo o crescimento de diversos arquitetos, como o de Oscar Niemeyer.

Figura 4 – Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque

Fonte: ArchDaily. Disponível em <https://www.archdaily.com.br/br/615845/classicos-da-arquitetura-pavilhao-de-nova-york-1939-lucio-costa-e-oscar-niemeyer >. Acesso em outubro de 2020.

Em 1955, o governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek foi eleito presidente do Brasil, Benevolo (2001) conta que o novo presidente era um entusiasta do movimento moderno e desejava dar um novo impulso ao planejamento urbano, favorecendo uma grande oportunidade de participação para os arquitetos brasileiros, com destaque para a construção de Brasília, nova capital do país, onde Niemeyer – nomeado diretor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo -, sugere um concurso de projetos, que acaba sendo vencido por Lucio Costa, com o famoso Plano Piloto.

Figura 5 – Plano Piloto de Brasília

Fonte: VEJA. Disponível em <https://veja.abril.com.br/blog/radar/economia-do-df-deve-crescer-acima-da-media-nacional-em-2019/>. Acesso em outubro de 2020.

Benevolo (2001), usando algumas das próprias definições de Lucio Costa, descreve o plano falando sobre suas zonas: o eixo Norte-Sul apresenta uma rodovia levando o tráfego externo para dentro da cidade, contendo setores residenciais e zonas de setores recreativos; o eixo Leste-Oeste: se caracterizando pelo novo centro político, abrigando Palácio do Governo, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, reunidos em volta da Praça dos Três Poderes, enquanto as edificações residenciais foram organizadas em forma das chamadas superquadras.

Da mesma forma que Jane Jacobs e outros especialistas criticaram as ideias de “La Ville Radieuse” de Le Corbusier, muitos dos defeitos desse modelo modernistas cabem na concepção de Brasília, o próprio Lucio Costa não teve todos seus objetivos atingidos, visto que a periferia não planejada formada pela população mais pobre acabou por se abrigar em volta da cidade planejada.

Brasília é até hoje assunto de grandes discussões, mas é inegável reconhecer que se trata de uma cidade única, e um grande marco para o modernismo não só no Brasil, mas no mundo, como descreve Segre (2010):

Além do seu valor icônico tem que se comemorar a sua função pioneira de promover a ocupação do território brasileiro e criar a articulação entre o sul e o norte do país. Mas, ao mesmo tempo, as comemorações não podem se limitar à exaltação do Plano Piloto. Ele representou a concretização das idéias urbanísticas do Movimento Moderno, de Le Corbusier e da Carta de Atenas, em um espaço e um tempo limitados. Ninguém poderia supor que esse esquema inicial ficaria congelado eternamente. E a cidade expressa agora as contradições políticas, econômicas, sociais e culturais existentes no país. Por uma parte, as intervenções questionáveis no Plano Piloto, contrárias á proposta inicial de Costa: a desordem da área dos hotéis, a ocupação da beira do lago, as mansões individuais de luxo, a especulação imobiliária nas áreas residenciais; assim como os novos prédios inseridos por Oscar Niemeyer. Seria ingênuo pensar que Brasília ficaria incontaminada e distante da pobreza, da violência e da corrupção que existiu sempre em Rio de Janeiro, São Paulo ou Belo Horizonte. (SEGRE, 2010)

Após esses anos de progresso, o rompimento veio em 1964 com o início do regime militar, gerando problemas para os principais arquitetos modernistas, e interrompendo a história da arquitetura moderna no país.

4. A CIDADE DE VITÓRIA DA CONQUISTA

Vitória da Conquista, é uma cidade localizada na região sudoeste do estado da Bahia, de acordo IBGE (2020)[2], sua população estimada para 2020 é de 341.128 pessoas, a terceira mais populosa do estado. Ferraz (2009) relata que a história da cidade tem origem no ano de 1752, quando veio na região uma expedição de portugueses com o objetivo de fundar um povoado e criar gado, já que não tinha se encontrado ouro.

Passando para o século XIX, Lebrão (2014) fala sobre o ainda chamado Arraial da Conquista, que se consolida como lugar de passagem entre o sertão e o litoral, algo possível graças a abertura de algumas estradas, enquanto a principal fonte da economia dependia da pecuária e da chamada agricultura de subsistência.

Lebrão (2014) continua dando um novo salto histórico, passando para o século XX, onde já como município, Vitória da Conquista se desenvolve muito por conta da importância das estradas no Brasil, sendo uma marca da cidade até nos dias hoje, especialmente por conta da BR-116 (antiga Rio-Bahia) e da BA-415 (Ilhéus-Lapa), como explica Medeiros (1977):

A  estrada  Rio-Bahia abre-se integrando a cidade a outras regiões e ao sul do país; a estrada Ilhéus-Lapa [corta-a em seu meio caminho entre  o litoral e o Sertão do São Francisco. Elas permitem maior escoamento  da produção e um fenômeno, sempre presente na história do município. (..) A Segunda Guerra Mundial, que colocara na ordem do dia necessidade de suprimentos, influência para o desenvolvimento da   região e do município. O comércio se desenvolve. Agora não é mais o  comércio dos velhos tropeiros que guiavam muares para o litoral e para o sertão e nem apenas o comércio dos ambulantes. Surgem modernas casas comerciais “dignas desse nome”. O comércio, o desenvolvimento econômico, sua diversificação, fazem surgir em cena personagens  correspondentes às novas atividades econômicas, inclusive migrantes atraídos pela expansão econômica do município. (MEDEIROS, 1977,  p.9).

Mesmo com o desenvolvimento urbano cada vez maior, as raízes vindas do campo continuaram presentes, inclusive no aspecto econômico, Lebrão (2014) mostra dados da década de 1950, onde a população rural em Vitória da Conquista era de 58,5%, mudando de patamar já na década seguinte, com a população urbana passando a ser maioria com 60,7% evoluindo para 67,5% (1970), 74,7% (1980), 83,7% (1991), 85,9% (2000) e 89,7% (2010). A prova dessa relação com o rural e a agricultura, vem do cultivo do café, se iniciando na década de 1970 e ganhando muita força no chamado Planalto da Conquista. (OLIVEIRA, 1984)

5. A ARQUITETURA MODERNA E SUA RELAÇÃO COM VITÓRIA DA CONQUISTA

Sendo necessário o entendimento de como surgiu o movimento modernista no mundo e no Brasil, além da compreensão de como se formou a cidade de Vitória da Conquista, pode-se passar para o ponto principal de análise: a relação e os registros históricos da arquitetura moderna na cidade. Naturalmente, o estilo arquitetônico presente até o início do século XX foi o colonial, devido ao colonialismo português. Como visto anteriormente, o modo de produção do espaço urbano passou a mudar, a vida da região foi se tornando cada vez mais urbana e menos rural, gerando um rápido desenvolvimento de ruas, infraestrutura e comércio.

É correto dizer que o ponto de partida da cidade se deu na chamada “Rua Grande”, hoje a Praça Tancredo Neves, Ferraz (2009) fala que no final do século XIX toda a população urbana estava em onze ruas, especialmente em volta da Praça da Igreja Matriz localizada na Rua Grande. Logo abaixo, a Praça Barão do Rio Branco foi tomando forma e se tornou um ponto fundamental para o comércio da cidade, em especial para as futuras construções modernistas.

Figura 6 – A “Rua Grande” nos anos 1930

Fonte: Fotos de Vitória da Conquista. Disponível em <https://fotosdevitoriadaconquista.wordpress.com/1939/09/06/rua-grande-automoveis-postes/>. Acesso em outubro de 2020.

O centro financeiro de Vitória da Conquista se consolidou na Praça Barão do Rio Branco, dando oportunidade para a arquitetura moderna ganhar força com a presença da construção de novos bancos. Nos anos 1960, o chamado Banco de Administração (onde hoje fica o Banco do Nordeste), já aparecia ganhando espaço junto aos antigos casarões ali presentes. Pulando para os anos 1970, mais um banco foi construído na praça, dessa vez a imponente sede do Banco do Brasil, preservada até os dias de hoje e certamente um símbolo do modernismo na cidade.

Figura 7 – Praça Barão do Rio Branco nos Anos 1960

Fonte: Fotos de Vitória da Conquista. Disponível em <https://fotosdevitoriadaconquista.wordpress.com/1967/07/16/rural-kombi-fusca-imperam/>. Acesso em outubro de 2020.

Figura 8 – Prédio do Banco do Brasil

Fonte: Acervo Pessoal do Autor

Os anos 1960 merecem mais que uma rápida menção histórica, visto que foram anos de grandes mudanças. Enquanto o movimento modernista brasileiro sofria com a chegada do regime militar em 1964 e a consequente perseguição aos principais arquitetos do país, em Vitória da Conquista algumas das principais construções do estilo foram concretizadas. No mesmo ano de 1964 foi inaugurada a Paróquia Nossa Senhora de Fátima e Santo Antônio de Lisboa, mais conhecida como “Seminário”, após três anos de construção. Seu grande núcleo em formato octogonal é sem dúvida sua principal característica, se fazendo visível mesmo a distância por diferentes pontos da cidade, uma arquitetura única e diferente da convencional em igrejas católicas.

Figura 9 – Paróquia Nossa Senhora de Fátima e Santo Antônio de Lisboa.

Fonte: Blog do Anderson. Disponível em <https://www.blogdoanderson.com/2017/05/13/festa-catolica-igreja-e-preparada-para-celebrar-nossa-senhora-de-fatima-em-vitoria-da-conquista/>. Acesso em outubro de 2020.

Em 1966, no centro da cidade foi inaugurado o templo da Primeira Igreja Batista Bíblica, uma monumental construção ocupando quase todo um quarteirão, oito anos após o lançamento da pedra fundamental pelo Pastor Gérson Correia da Rocha, que narrou toda a saga da construção ao escrever o livro “O Romance de Uma Construção”, suas linhas retas, combinando o uso do concreto armado com o vidro revelam na fachada o seu DNA modernista. Mais dois anos na frente, o Cine Madrigal foi oficialmente inaugurado também no centro da cidade, com mais uma arquitetura tipicamente modernista visível em sua fachada com a força do concreto armado, e internamente com sua grande rampa curva dando acesso para as salas.

Figura 10 – Atual Primeira Igreja Batista.

Fonte: Acervo Pessoal do Autor.

Figura 11 – Cine Madrigal nos anos 1990.

Fonte: Blog da Resenha Geral. Disponível em <https://www.blogdaresenhageral.com.br/antigo-cine-madrigal-seque-fechado-sem-reforma-e-uso/>. Acesso em outubro de 2020.

A falta de registros históricos é o maior obstáculo para um melhor entendimento e apreciação dessas construções e de todo seu contexto no decorrer desses anos, muitas construções não possuem nem mesmo informações básicas disponíveis para um fácil acesso do público, porém a presença desses edifícios fala por si só e estiveram em muitos casos ainda presentes na paisagem urbana conquistense. Dentre as principais edificações pode-se citar: o Fórum João Mangabeira, com uma arquitetura típica de edifícios públicos; o prédio da Receita Federal com seu puro brutalismo; os prédios educacionais da UESB (Universidade do Sudoeste da Bahia); os desativados prédios do Hotel Aliança e Ouro Branco presentes na Praça Barão do Rio Branco; e o já demolido primeiro templo da Segunda Igreja Batista, projetado pelo grande cancioneiro e também arquiteto, Elomar Figueira de Mello.

Figura 12– Fórum João Mangabeira.

Fonte: Rádio Clube Conquista. Disponível em <http://www.radioclubeconquista.com.br/site/noticias/camara-municipal-apoia-desmembramento-de-varas-do-forum-joao-mangabeira>. Acesso em outubro de 2020.

Figura 13 – Prédio da Receita Federal.

Fonte: Blog do Anderson. Disponível em < https://www.blogdoanderson.com/2012/07/09/receita-federal-abre-concursos/>. Acesso em outubro de 2020.

6. NECESSIDADE DE RESGATE DA MEMÓRIA

É notório perceber que a preservação de algo faz com que se reconheça o seu passado e sua importância histórica. Manter um objeto, ou uma construção, com suas características preservadas mesmo com o passar do tempo o torna mais valorizado, especialmente por retratar um momento diferente da história.

Quando se fala em preservação arquitetônica, é comum nas cidades brasileiras, que se pense nas construções mais antigas, geralmente de estilo colonial, em Vitória da Conquista a situação também é semelhante, muitas das construções preservadas e tombadas pelos órgãos públicos são referentes a esse período da arquitetura colonial. No já citado trecho da Praça Tancredo Neves (antiga “Rua Grande”) e Praça Barão do Rio Branco, ponto inicial da cidade, Marques (2015)[3] revela que foram tombados os casarões da Dona Zazá e o prédio da antiga Câmara de Vereadores, além da preservação de outros, como a Casa Régis Pacheco, Solar dos Fonsecas e a própria prefeitura da cidade.

É evidente que a iniciativa de se preservar esse tipo de construção é louvável e de suma importância, visto que retratam os primeiros anos de história da cidade, e uma arquitetura singular, mas o que esse trabalho busca discutir é o fato de edificações antigas da arquitetura moderna não terem tratamento semelhante, visto que não existe um clamor tão grande pela preservação das mesmas, como existe naquelas do estilo colonial. Uma das razões que talvez explique essa diferença de tratamento é seu tempo de existência: quase que todas essas construções na cidade ocorreram na segunda metade do século XX, quando muitos dos atuais cidadãos conviveram com esses edifícios, dando essa falsa impressão de se tratar de algo não tão distante ou excepcional, diferente da arquitetura praticada do século XIX e início do século XX.

Contudo, seria injusto dizer que não exista nenhuma valorização da arquitetura moderna na cidade, o fato de ter sido um período vivenciado por muitos dos atuais cidadãos também pode provocar um efeito positivo, visto que pode acabar remetendo a uma memória afetiva e um consequente vínculo sentimental dos indivíduos com as construções.

Importante ressaltar que já existe um certo movimento na cidade em busca da preservação desses prédios que não foram demolidos, mas se encontram em estado de abandono. Na Praça Barão do Rio Branco, um antigo prédio chama a atenção por seu tamanho e arquitetura imponente: o edifício Ouro Branco, construído nos anos 1960, e atualmente sem nenhum uso, com exceção do térreo e primeiro andar, recentemente ocupadas por uma loja de festas. Na mesma praça, o antigo prédio do Hotel Aliança, construído nos anos 1970, por muitos anos se encontrou desativado, mas alguns anos atrás passou a ter seu térreo utilizado por lojas e uma rede de fast food. Recentemente Lima (2018)[4] veio com a notícia de que o prédio teria sido adquirido por um empresário local, onde atualmente se nota uma reforma também nos andares superiores, provavelmente com o objetivo de se tornar um edifício residencial de 40 kitnets, mesmo que seu futuro uso ainda não tenha sido oficialmente confirmado, a notícia certamente é para se comemorar e indica um bom caminho a ser seguido.

Figura 14 – Edifício Ouro Branco (esquerda) e Hotel Aliança (direita).

Fonte: Blog do Anderson. Disponível em <https://www.blogdoanderson.com/2018/11/25/simbolo-conquistense-adquirido-por-empresario-edificio-do-hotel-alianca-sera-revitalizado/>. Acesso em outubro de 2020.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arquitetura moderna fez e faz parte da história de Vitória da Conquista, seu progresso coincidiu com o período de transformações urbanas e mudança de perfil da cidade, saindo do predomínio rural e passando para o urbano, além da consolidação de cidade referência na região, foi também aliada de várias das principais construções da cidade: bancos, prédios públicos e igrejas, símbolos importantes mesmo nos dias atuais.

Reconhecida sua importância, é fundamental uma mudança de pensamento no que diz respeito a sua preservação, não limitando apenas a construções do período colonial, mas também abrangendo importantes edifícios modernistas ainda existentes, buscando não só o simples preservar, mas também uma utilização funcional para o presente, como o caso do antigo hotel Aliança, atualmente em fase de reforma. Visto que essas construções em sua grande maioria se localizam no centro, uma reforma ou aplicação de um bom “Retrofit” podem contribuir para uma igual revitalização da área central da cidade, demanda cada vez mais discutida e desejável nas cidades brasileiras, na busca de se trazer uma maior vitalidade para as regiões centrais em preferência de uma periferização que gera cada vez mais segregação e problemas para a vida das cidades.

REFERÊNCIAS

BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Trad. Ana M. Goldberger. São Paulo: Perspectiva, 1981.

CAVALCANTI, Lauro; LAGO, André Corrêa do. Ainda moderno? Arquitetura brasileira contemporânea. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 066.00, Vitruvius, nov. 2005 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.066/404>.

FERRAZ, Ana Emília de Quadros. O espaço em movimento: o desvelar da rede nos processos sociotécnicos do sistema de saúde de Vitória da Conquista Bahia. 2009. 254 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2009.

GROPIUS, Walter. The New Architecture and the Bauhaus. Londres, 1935. p. 92.

IBGE. Vitória da Conquista (BA). Disponível em <https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ba/vitoria-da-conquista.html>. Acesso em 20/10/2020.

JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

LEBRÃO, Jemeffer Souza. Trabalho e produção do espaço: elementos históricos que contribuíram para a produção espacial de Vitória da Conquista – Ba. In: VII Congresso Brasileiro de Geógrafos, 2014, Vitória. VII Congresso Nacional de Geógrafos – CBG.

LIMA, Giorlando. História e transformação: Símbolos arquitetônicos de Conquista mudam de aspecto e função. Disponível em <https://blogdegiorlandolima.com/2019/11/26/historia-e-transformacao-simbolos-arquitetonicos-de-conquista-mudam-de-aspecto-e-funcao/>.  Acesso em 20/10/2020.

LUCCAS, Luís Henrique Haas. Arquitetura moderna e brasileira:. O constructo de Lucio Costa como sustentação. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 063.07, Vitruvius, set. 2005 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.063/437>.

MAHFUZ, Edson. O sentido da arquitetura moderna brasileira. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 020.01, Vitruvius, jan. 2002 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.020/811>.

MARQUES, Ana Paula. Patrimônio histórico conquistense: memória e burocracia. Disponível em: <https://revistagambiarra.com.br/site/patrimonios-historicos-conquistenses-debate-sobre-tombamentos-ganham-forma/>. Acesso em: 20/10/2020.

MEDEIROS,  Ruy  Hermann  Araújo.  Aspecto  Urbano  de  Conquista  Através  da  História.  In: Fifó, Vitória da Conquista 11 de novembro de 1977. Ensaios Conquistenses.

MOIMAS, Valentina. Arquitetura Moderna no Brasil. Uma história em processo de escritura. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 168.00, Vitruvius, maio 2014 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.168/5217>.

OLIVEIRA, José Valdo de. Aspectos Econômicos e Sociais da Cultura do Café na Bahia. Revista Princípios, São Paulo, ed. 9, out. 1984.

SEGRE, Roberto. Brasília 50 Anos. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 117.04, Vitruvius, abr. 2010 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.117/3417>.

APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

2. Disponível em <https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ba/vitoria-da-conquista.html>. Acesso em 20 de outubro de 2020

3. Disponível em <https://revistagambiarra.com.br/site/patrimonios-historicos-conquistenses-debate-sobre-tombamentos-ganham-forma/>. Acesso em 20 de outubro de 2020

4. Disponível em <https://blogdegiorlandolima.com/2019/11/26/historia-e-transformacao-simbolos-arquitetonicos-de-conquista-mudam-de-aspecto-e-funcao/>.  Acesso em 20 de outubro de 2020.

[1] Pós-graduando em Arquitetura e Design de Interiores; Pós-graduando em Projetos em Iluminação e Acústica; Graduado em Arquitetura e Urbanismo.

Enviado: Fevereiro, 2021.

Aprovado: Março, 2021.

Rate this post
Gabriel Rocha Casemiro

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita