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A contratação de procedimentos cirúrgicos por dispensa de licitação para atendimento a sentenças judiciais

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ALMEIDA, Rodolfo Renan de Queiroz [1]

ALMEIDA, Rodolfo Renan de Queiroz. A contratação de procedimentos cirúrgicos por dispensa de licitação para atendimento a sentenças judiciais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 08, Vol. 10, pp. 96-106. Agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/procedimentos-cirurgicos

RESUMO

Com o aumento de gastos públicos com a Saúde em atendimento às ordens judiciais, os gestores se veem diante do dilema de cumprir uma determinação judicial sem, com isso, infringir o que é determinado em lei em relação à lei de licitações. Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar a legalidade quanto ao pagamento de procedimentos cirúrgicos sem licitação, fruto de ordens judiciais, situação comum a todos os municípios do país. O estudo concluiu que o pagamento desses procedimentos cirúrgicos através de dispensa de licitação para atender ordem judicial, alegando situação de emergência, está dentro da legalidade, por ser uma ação ao qual o gestor não pode deixar de cumprir, não podendo lhe ser atribuído crime ou improbidade, desde que cumpridos os requisitos legais estipulados em lei para a contratação, tais como consulta de preços e propostas dos fornecedores.

Palavras-chave: Licitação, dispensa de licitação, ordem judicial, procedimentos cirúrgicos.

1. INTRODUÇÃO

A saúde está entre os direitos sociais expressos na Constituição de 1988, em seu artigo 6º, sendo considerada um direito fundamental e como tal deve ser garantida pelo Estado através de políticas públicas que permitam o acesso aos seus serviços, a fim de proteger e promover a dignidade de todos.

O Direito à Saúde de acesso aos serviços de saúde engloba a aquisição de medicamentos, consultas ambulatoriais, exames médicos e procedimentos cirúrgicos, no entanto, este é um desafio considerável diante das desigualdades sociais do país, onde muitos dependem de assistência para suas necessidades básicas por não possuírem renda suficiente. As cirurgias públicas são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e coordenadas pelos Sistemas Estaduais de Regulação que regem a programação e agendamento destas através de critérios médicos.

No entanto, a burocracia e a baixa disponibilidade de Hospitais de Referências para os procedimentos cirúrgicos não suportam a demanda de cirurgias públicas e a grande parcela da população brasileira não possuem condições financeiras para dispor desses serviços na rede privada recorrendo assim ao poder judiciário para que sejam atendimento em caráter emergencial e gratuito. surgindo o que é denominada de judicialização da saúde, tema de diversos debates devido ao aumento de mais de 1.000% de gastos públicos com a saúde oriundos de mandatos judiciais, passando a fazer parte do cotidiano das gestões municipais, que se veem diante da responsabilidade de cumprir uma determinação judicial sem, com isso, infringir o que é determinado em lei em relação à lei de licitações.

De acordo com Vieira (2018) houve um crescimento astronômico de gastos devido às ações judiciais entre os anos de 2010 a 2016, com um aumento de 1010% no número de ações e com um custo de R$ 1,3 bilhões no ano de 2016. Nesse aumento se incluem os procedimentos cirúrgicos de altíssimo custo, levando muitos gestores a entenderem que a equidade fica prejudicada, pois, a fim de cumprir a determinação judicial, os recursos são retirados ou se deixa de investir em outras áreas, atendendo a um maior número de pessoas.

Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar a legalidade da contratação desses procedimentos cirúrgicos sem licitação, em cumprimento de ordens judiciais, situação comum a todos os municípios brasileiros.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Conceito de Administração Pública é a atividade administrativa em si mesma, podendo se referir a pessoas, órgãos governamentais ou a própria atividade administrativa, quanto a ciência que estuda a gestão dos interesses e dos bens da comunidade nos âmbitos federal, estadual e municipal (VIEIRA et al., 2011).

Segundo Meirelles (2011) a conceitua como o grupo de órgãos responsáveis pela execução das funções do governo, sendo indispensáveis para que os serviços públicos sejam executados. Também pode ser entendia como o desempenho duradouro, ordenado, técnico e legal dos serviços que cabem ao Estado ou que são assumidos por ele, a fim de beneficiar a coletividade. Neste contexto, pode-se afirmar que a Administração é formada por todo o aparelhamento do Estado, a fim de satisfazer as necessidades coletivas.

A atribuição primordial da Administração Pública é a de oferecer utilidades aos cidadãos, não se justificando sua presença senão para prestar serviços à coletividade. Esses serviços podem ser essenciais ou apenas úteis à comunidade, daí a necessária distinção entre serviços públicos e serviços de utilidade pública; mas, em sentido amplo e genérico, quando se alude a serviço público está se abrangendo as duas categorias. Assim, serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado (MEIRELLES, 2011, p. 364).

De acordo com Bastos (2001, p. 56), “administrar é tornar concreta, é transformar em realidade a vontade abstrata da lei”, podendo ser analisada no sentido funcional (material) e organizacional (orgânico ou formal).

Historicamente, os Estados Unidos e Inglaterra, na década de 1970, começaram a utilizar no setor público as práticas de gestão do setor privado, o que serviu de base ao modelo gerencial de administração, também denominado Nova Administração Pública, modelo que se intensificou na década seguinte com a adoção do mesmo em diversos países, a fim de aumentar a eficácia do Estado ao propor transferir e adaptar valores e ideias do setor público para o privado, de acordo com a conjetura neoliberal (PAULA, 2005).

Tais reformas foram resultado da crise do Estado e do processo de globalização, que diminuiu a autonomia destes na formulação e implementação de políticas. No Brasil, em meio a uma grande crise econômica, com inflação descontrolada, teve início a reforma do Estado, com ajuste fiscal, abertura comercial e privatizações (BONEZZI; PEDRAÇA, 2008).

No Brasil, a reforma gerencial teve início durante o Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, com a criação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) e sob o comando do então ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira. […] a reorganização do setor público se deu em resposta à crise vivida pelo País durante a década de 1980. A reforma teve como objetivos facilitar o ajuste fiscal, tornar a administração pública mais moderna e eficiente e voltar-se para o atendimento dos cidadãos (BRULON et al., 2013, p. 3).

As significativas mudanças ocorridas na Administração Pública no Brasil se deram a partir das intervenções do FMI, passando-se a exigir um perfil mais transparente e gerencial, a fim de assegurar maior confiabilidade para a sociedade, entendendo-se que sua eficiência só é efetiva quando passa a sociedade passa a cobrar e controlar (SECCHI, 2009).

A partir desse modelo, diversas atividades foram descentralizadas, passando a ser desempenhadas por organizações sociais em parceria com o Estado. Segundo Bresser Pereira (2007, p. 400), a proposta dessa reforma gerencial era “tornar os servidores públicos mais autônomos com relação às normas rígidas e a supervisão direta, e mais responsáveis perante o núcleo estratégico do Estado e perante a sociedade”.

Nesse novo cenário, começa a se buscar uma interação entre sociedade e Estado na definição das políticas públicas. Segundo Ferreira (2011), diversos setores, antes à margem do espaço público, passaram a reivindicar presença nas ações do Poder Público.

No Brasil, grande parte das entidades públicas vem enfrentando problemas estruturais e conjunturais crônicos, o que ocasiona insatisfação, desmotivação e desanimo, podendo ser citados como problemas, segundo Vieira et al. (2011, p. 7):

Incapacidade financeira da entidade estatal para a realização de novos investimentos urgentes e inadiáveis; falta de efetividade organizacional, gerencial e estratégica da entidade estatal, em razão, entre outros aspectos, da interferência política, da descontinuidade na sua administração, e da fragilidade do poder institucional vinculado ao clientelismo e corporativismo; vácuos tecnológicos e ameaça de sucateamento das instalações, em razão das baixas taxas de investimento líquido verificadas.

Neste novo momento, vem sendo dedicado um tempo considerável ao planejamento das ações futuras a serem executadas pela Administração Pública, considerando os objetivos e estratégias e buscando o desenvolvimento de programas que possibilitem o cumprimento hábil e eficaz dos objetivos e metas estabelecidas, entendendo-se que é o planejamento que dá início ao processo administrativo, evitando-se mudanças inoportunas que possam colocar a perder os projetos idealizados. Segundo Santana et al. (2007), não se tem garantia de êxito apenas com um bom planejamento, no entanto, a falta dele pode levar ao fracasso.

De acordo com Gomes e Martins (2013, p. 54):

O Brasil passou os últimos 15 anos discutindo se a ‘reforma gerencial’ era boa ou se dava certo, aplicando-a em pequenas doses. Embora hoje haja mais clareza sobre a relevância do tema (gestão pública é crescentemente uma questão de política pública), direção a seguir e apesar de existirem casos de sucesso, no geral, os resultados concretos colhidos até o momento são largamente insuficientes para o salto de qualidade necessário. Os padrões emergentes de gestão de políticas públicas em rede em todos os setores de intervenção governamental requerem esforços integrados de melhoria da gestão, abrangentes e em múltiplos níveis – envolvendo diversos setores de forma coordenada; envolvendo as esferas federal, estadual, municipal; os três poderes; mecanismos participativos e parceiros do poder público.

A Nova Administração Pública passou a ser identificada à eficiência e redução dos gastos públicos, recebendo também críticas acaloradas, dentre as quais a inadequação de se utilizar no setor público práticas voltadas ao privado, assim como as privatizações e as práticas sociais serem relegadas a segundo plano (BRULON et al., 2013).

Segundo Oliveira et al. (2010), também no Brasil a administração pública tem buscado adotar práticas e discursos gerenciais características do mundo corporativo, onde termos como criatividade, postura empreendedora, inovação gerencial, gestão por resultados e por competências vêm sendo, gradativamente, inseridos no vocabulário das diferentes áreas da gestão pública.

Para o autor:

Influenciadas pela disseminação de concepções neoliberais, calcadas nas noções de estado mínimo e gestão por resultados, as instituições públicas cada vez mais aparentam aderirem à lógica de mercado, concebendo o cidadão como cliente e adotando novas políticas e práticas de gestão, conforme disseminadas na esfera privada (OLIVEIRA et al., 2010, p. 1455).

As estratégias contemporâneas de gestão e controle na organização e na produção surgiram na administração pública com denominações diferentes, através de formas participativas de gestão, grupos de discussão, programas de qualidade, trabalho em equipe, formação de comissões, dentre outras que podem ser utilizadas, na falta de atendimento às necessidades salariais, outras necessidades sociais e psicológicas, gerando motivação (NOGUEIRA, 2013).

De acordo com Vieira et al. (2011), grande parte das entidades públicas brasileiras vêm enfrentando dificuldades estruturais e conjunturais crônicas, acarretando um clima organizacional desmotivador, insatisfatório e desanimador.

Os autores citam como principais problemas destas entidades:

a) Incapacidade financeira da entidade estatal para a realização de novos investimentos urgentes e inadiáveis; b) Falta de efetividade organizacional, gerencial e estratégica da entidade estatal, em razão, entre outros aspectos, da interferência política, da descontinuidade na sua administração, e da fragilidade do poder institucional vinculado ao clientelismo e corporativismo; c) Vácuos tecnológicos e ameaça de sucateamento das instalações, em razão das baixas taxas de investimento líquido verificadas (VIEIRA et al., 2011, p. 7).

Para Costa et al. (2009), uma gestão pública efetiva não ocorre sem capacitação técnica e humana dos servidores, o que vem sendo buscado por meio de Programas de Qualificação e implantação de adicionais de qualificação.

2.2 LICITAÇÃO

A licitação é um processo administrativo formal onde a administração pública convida empresas que tenham interesse em apresentar propostas para oferecer bens ou serviços, sob condições estabelecidas em um edital ou convite, podendo tais serviços ou obras serem executados de forma direta, quando realizada pelos próprios meios; e indireta, quando se contrata terceiros para sua execução.

Segundo o artigo 37 da Constituição Federal, “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, estando o processo licitatório, portanto, sujeito a tais princípios (BRASIL, 1988).

A licitação deve obedecer a uma série de etapas, a fim de não restar qualquer tipo de dúvida quanto à transparência do processo, devendo seguir, como mostra a figura abaixo, as fases estabelecidas em lei.

Figura 1 – Etapas Do Processo Licitatório

Fonte: SANTOS (2016)

Assim, todo e qualquer bem ou serviço comprado ou alugado pela Administração Pública deve ser licitado, obedecendo o artigo 2º da Lei nº 8.666/93, que determina que as obras e serviços, quando contratadas com terceiros, devem passar pelo processo de licitação (BRASIL, 1993).

Motta (2011, p. 13) ressalta que a licitação é o instrumento de que o Poder Público dispõe para “coligir, analisar, e avaliar comparativamente ofertas, com a finalidade de julgá-las e decidir qual será a mais favorável”, sendo este instrumento obrigatório.

Durante o processo licitatório, há a fase interna e a externa. Na primeira, todo o processo para a análise de propostas é preparado, sendo definidas, de acordo com Altounian (2007, p. 88), “as diretrizes que serão adotadas para formalização do edital de concorrência e tendo como meta o estabelecimento das regras para esta licitação”.

Segundo o TCU:

É nesta fase que se especifica detalhadamente o objeto a ser contratado – por meio da elaboração do projeto básico – e se definem os requisitos para o recebimento de propostas dos interessados em contratar com a Administração, observadas regras que possibilitem a máxima competitividade entre os participantes, com o fim de obter a proposta mais vantajosa para a Administração. A fase interna da licitação é uma etapa de fundamental importância para o sucesso do empreendimento (BRASIL, 2009, p. 12).

A fase externa (Figura 2) compreende o edital ou o convite, conforme o caso, que pode ser antecedido por audiência pública, habilitação, classificação ou julgamento das propostas, homologação e adjudicação.

Figura 2 – Fase interna e externa da licitação

Fonte: SANTOS (2018)

Cabe ressaltar que qualquer obra ou serviço só poderá ser licitado se existir previsão de recursos no orçamento do exercício financeiro em questão, sendo necessário que haja recursos definidos em orçamento para a efetivação da licitação, pois a Administração não pode empenhar despesas acima dos créditos orçamentários concedidos. Neste sentido, a Constituição Federal proíbe a realização de projetos que não estejam incluídos na Lei orçamentária anual, vedando também a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários (GUIMARÃES et al., 2007).

Assim, é necessário que o orçamento seja elaborado minuciosamente, evitando-se, desta forma, que, posteriormente, venha a ocorrer paralisações dos serviços, baixa qualidade na execução, necessidade de aditivos contratuais e até recursos e ações judiciais, que podem significar prejuízos vultuosos à Administração Pública.

2.3 A CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL DE SERVIÇO DE CIRURGIAS A FIM DE ATENDER A ORDEM JUDICIAL

Diante de uma ordem judicial exigindo que se realize cirurgia em indivíduos, que são geralmente feitas por meio de um mandato de segurança com tutela antecipada, ou seja, a decisão deve ser cumprida até que se discuta o seu mérito, o gestor público se vê diante da obrigação em cumprir a decisão judicial, para não ser penalizado nas esferas penal e civil, mas também não pode agir de forma a ser penalizado na esfera administrativa.

Dezenas de milhares de casos são levados aos tribunais brasileiros anualmente, à medida que esses casos aumentam, maior é a preocupação dos gestores sobre a responsabilidade de atender a essas ordens judiciais sem cometer qualquer crime.

De acordo com a Lei nº 8429/92, o gestor pode ser condenado por ato de improbidade administrativa caso dispense o processo licitatório indevidamente. Pela Lei 8666/93, artigo 89, é considerado crime “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade” (BRASIL, 1992; 1993).

Diante de tal situação, os gestores têm contratado os serviços de cirurgias para atender às ordens judiciais através de processo de dispensa de licitação, por meio de contratação emergencial. De acordo com Meirelles (2010, p. 94):

A emergência há de ser reconhecida e declarada em cada caso, a fim de justificar a dispensa da licitação para obra, serviços, compras ou alienações relacionadas com a anormalidade que a Administração visa corrigir, ou com o prejuízo a ser evitado. Nisto se distingue dos casos de guerra, grave perturbação da ordem ou calamidade pública em que a anormalidade ou risco é generalizado, autorizando a dispensa de licitação em toda a área atingida pelo evento.

A contratação emergencial está contida na Lei nº 8.666/1993, em seu artigo 24, que trata dos casos de dispensa de licitação, devendo atender a alguns requisitos para que possa ser utilizada: que haja uma situação emergencial; que o atendimento demande urgência; que o beneficiado esteja em risco de danos; e que tenha que ser atendida em um prazo máximo de 180 dias (BRASIL, 1993).

Apesar de não estar explícito no referido artigo 24 o cumprimento de decisão judicial, em geral, os municípios têm se socorrido deste amparo ao justificar a contratação de serviços cirúrgicos para fins de atendimentos à ordens judiciais, sendo o mesmo aceito pelos Tribunais de Conta do país, haja vista a lei não explicitar outros meios. No entanto, de acordo com Santos (2014, p. 139), “a contratação direta, ainda que em situação emergencial, não autoriza o descumprimento da Lei Geral de Licitações, no que tange aos procedimentos mínimos e à formalização do processo de dispensa”.

Santos (2014, p. 139) afirma ainda que:

A flexibilidade em relação à regra geral de licitação prévia nas contratações públicas não implica, contudo, ausência de processo formal de contratação, uma vez que se deve ter ainda mais zelo ao lidar com tais casos. As formalidades processuais relativas à licitação, principalmente com relação à fase interna, tal como confecção de projeto básico, pesquisa de mercado e outras devem ser respeitadas e adaptadas, quando for o caso, demonstrando-se a necessidade da aquisição e a compatibilidade dos preços com os praticados no mercado, bem como a existência de recursos orçamentários, a apreciação da minuta de contrato pelo órgão jurídico e o ato de dispensa ou de inexigibilidade da licitação, devidamente fundamentado.

Assim, ao se verificar que a decisão judicial deve ser cumprida em prazo imediato, o gestor se vale de uma situação emergencial, o que permite a dispensa de licitação. Para isso, deve fazer contato com fornecedores a fim de escolher aquele que irá fornecer o serviço de cirurgia descrito na sentença judicial. De acordo com Pereira Júnior (2009), tal situação acaba por aumentar o valor dos insumos adquiridos, pois não há tempo hábil para se estabelecer o processo licitatório, acarretando prejuízo financeiro à administração.

No entanto, é preciso destacar que, de acordo com a lei, deve haver um procedimento simplificado de concorrência, para que o gestor possa justificar a escolha do fornecedor, garantindo uma disputa justa entre os fornecedores e a possibilidade de menor gasto para o poder público (BRASIL, 1993).

Assim, o interesse público deve estar sempre presente nos casos em que há a possibilidade de dispensa de licitação, desde que este não se sobreponha ao princípio da isonomia, pois todos os possíveis fornecedores devem receber o mesmo tratamento e terem as mesmas oportunidades, a fim de não caracterizar o personalismo (NEVES, 2011).

É imprescindível que o gestor busque o maior número possível de fornecedores, a fim de obter o serviço com o menor preço possível, haja vista que os valores gastos para cumprir as determinações judiciais deixarão de ser aplicados em outros serviços públicos também essenciais à população (FURTADO, 2009).

Nesse sentido, Viera (2008, p. 4) ressalta que:

A utilização de mecanismos diversos daqueles do SUS, tem gerado prejuízos à equidade na saúde. O atendimento dessas demandas é outro problema. A grande quantidade causa transtornos para as finanças públicas porque o Estado acaba sendo ineficiente, perdendo seu poder de compra.

Ao se proceder em uma situação emergencial, o gestor deve anexar ao processo as propostas dos possíveis fornecedores e as consultas de preços, por meio de órgão oficial, para que se possa compará-los, a fim de demonstrar que não ocorreu compra com preços abusivos, justificando, dessa forma, sua participação idônea em todos os momentos do procedimento. As ações judiciais são uma realidade no cotidiano dos gestores de saúde, no entanto, quando realizada de forma correta, a contratação emergencial não coloca em risco a transparência e idoneidade da Administração Pública ou do gestor, sendo um amparo para que possa cumprir corretamente sua função.

3. CONCLUSÃO

No direito, por regra, os contratos da administração pública devem ser celebrados por meio de processo licitatório. Entretanto, a lei descreve os casos excepcionais, onde pode haver dispensa de licitação, a fim de atender interesses públicos ou casos como o cumprimento de decisões judiciais.

A situação de emergência, prevista no artigo 24 da Lei nº 8.666/1993, que trata das circunstâncias em que a licitação é afastada, vem sendo utilizada para justificar a contratação de procedimentos cirúrgicos em Instituições Privadas, determinada por ordem judicial, pois são casos em que o gestor se vê diante da necessidade de cumprir o estipulado pelo Judiciário sem, contudo, incorrer em crime de improbidade administrativa.

Nesse contexto, este estudo conclui que, o pagamento de cirurgias através de dispensa de licitação para atender ordem judicial, alegando situação de emergência, está dentro da legalidade, por ser uma ação ao qual o gestor não pode deixar de cumprir, não podendo lhe ser atribuído crime ou improbidade, desde que cumpridos os requisitos legais estipulados em lei para a compra, tais como consulta de preços e propostas dos fornecedores.

4. REFERÊNCIAS

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BRULON, V.; VIEIRA, M. M. F.; DARBILLY, L. Choque de gestão ou choque de racionalidades? O desempenho da administração pública em questão. REAd, Porto Alegre, v. 74, n. , p. 1-34, jan./abr. 2013.

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[1] Graduando em Administração Pública.

Enviado: Junho, 2020.

Aprovado: Agosto, 2020.

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