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Uma década da Lei Maria da Penha e as Políticas Públicas no Rio De Janeiro

RC: 47389
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

OLIVEIRA, Ana Cláudia do Nascimento de [1], CRUZ, Dayane Souza Xavier da [2], GOUVÊA, Rafaela Ferreira [3], ESTEVEZ, Alejandra [4], SANTOS, Andreia Cesar dos [5], KRAEMER, Carlos [6], SACRAMENTO, Josiane [7], THIELMANN, Ricardo [8]

OLIVEIRA, Ana Cláudia do Nascimento de. Et al. Uma década da Lei Maria da Penha e as Políticas Públicas no Rio De Janeiro. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 03, Vol. 08, pp. 84-100. Março de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/lei-maria-da-penha

RESUMO

O principal objetivo deste trabalho é o estudo das políticas públicas desenvolvidas pelo estado do Rio de Janeiro a partir do ano de 2006, tendo como ponto de partida a promulgação da Lei 11.340/2006, também conhecida popularmente como Lei Maria da Penha. Neste estudo observaremos a eficiência e as lacunas das atividades implementadas durante o espaço de 10 anos após a promulgação da lei supracitada. A aprovação da lei trouxe à tona a exigência de medidas e assistências por parte do Estado, que resultou em um aumento de denúncias formais por parte do público-alvo, as mulheres. Tal mudança de comportamento se deu devido a percepção das mulheres de que a agressão saía do ambiente doméstico e se tornara uma legítima preocupação pública, com amparo de diversas esferas, o que encorajou muitas vítimas à denúncia.  O objetivo é estudar e compreender a gestão pública do governo do estado do Rio de Janeiro de fronte a violência doméstica. O mote ainda se faz importante e atual para a gestão pública e a sociedade por ter um alto nível de ocorrências. Estudaremos quais são as medidas cabíveis e disponíveis para auxiliar a mulher a denúncia antes e após ter sofrido violência doméstica. Essa análise será realizada tendo como base as políticas públicas na gestão estadual da saúde, segurança, assistência social e jurídica.

Palavras-chaves: Lei Maria da Penha, Políticas Públicas, violência contra à mulher.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como premissa avaliar as políticas públicas adotadas pelo governo estadual do Rio de Janeiro no período de 10 (dez) anos após ser promulgada a Lei 11.340/06, também chamada popularmente de Lei Maria da Penha. Vigorando desde 22 de setembro de 2006, a Lei tem como ideia inicial criar ferramentas para inibir qualquer prática de violência familiar ou doméstica contra a mulher. Ora, ao reconhecer um ato de violência doméstica como crime o problema passa a “existir” sob a visão do governo, ou seja, políticas públicas devem ser tomadas legalmente para punir tais agressores e resguardar a integridade das vítimas. É interessante observar que o crime passional, até então explicado como crime motivado por grande emoção de cunho amoroso, como eram caracterizadas as agressões domésticas, só foi incluído como crime hediondo e aumentando a gravidade da ação e do tempo da pena após a promulgação da referia Lei.

Em 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil já lançava um olhar mais cuidadoso para as pessoas do gênero feminino, onde podemos citar como exemplo o voto para escolha dos representantes a cargos públicos; a proibição de privilégios e distinções trabalhistas por gênero, inclusive no tocante ao pagamento de salários diferenciados por essa condição; assistência médica e sanitária à gestante no pré e pós-parto sem qualquer ônus do salário e do emprego; autorização legal para as presidiárias aleitarem seus filhos; a repressão da agressividade no espaço doméstico e familiar entre outras providências. No entanto, as políticas públicas não eram incisivas quanto a violência contra as mulheres. Somente após a condenação do Brasil em 2002 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por omissão e negligência no caso nº 12.051/OEA (Organização dos Estados Americanos) de Maria da Penha Maia Fernandes, que o país se viu obrigado a reformular suas leis e políticas para aumentar a eficácia na prevenção e punição da violência doméstica.

Buscaremos através deste estudo conhecer quais foram as políticas públicas criadas e/ou ampliadas no âmbito estadual fluminense nos 10 anos (de 2006 a 2016) após a promulgação da Lei 11.340/2006 para defender a mulher das agressões familiares/domésticas. Pelos estudos preliminares realizados, espera-se encontrar políticas públicas em quatro áreas prioritárias: saúde, segurança, assistência social e jurídica. Ao analisarmos a administração pública estudaremos também sua eficácia, o que condiz com a realidade, o que atende ou não as necessidades e expectativas do público-alvo. Serão considerados os pontos positivos e negativos e diante desses dados buscaremos entender o que deveria ser modificado para melhor amparar esse nicho e tornar-se de fato uma Lei impeditiva de atos agressivos contra as pessoas do gênero feminino e que garanta uma vida segura e com assistência produtiva nas áreas desse estudo.

Apesar de muitas vezes a violência doméstica ser praticada no âmbito privado, o Estado deve zelar e elaborar políticas capazes de resguardar a integridade física, psíquica e moral da mulher. A Lei 11.340/06 mostrou-se uma relevante ferramenta no combate dessa violência e enfrentamento do assassinato de mulheres em território brasileiro e que também influenciou fortemente na elaboração de políticas públicas para salvaguardar o direito ao respeito e a dignidade das mulheres no país. Nesse tocante, Morrison (2000) levanta três pontos que devem ser bens esclarecidos para que a lei se torne realmente eficaz. Ele aborda que devemos identificar quais são os bens da vítima a serem protegidos (incluindo bens materiais, físicos e psicológicos); com deve ser encarada a violência: se uma simples briga entre casal ou um crime; este segundo ponto implica diretamente com o terceiro, onde Morrison destaca a importância de ferramentas rápidas e simples para a proteção das vítimas, já que muitas vezes agressor e vítima moram na mesma casa e possuem filhos juntos.

Analisaremos as políticas públicas adotadas no estado do Rio de Janeiro após a promulgação da Lei Maria da Penha e a real capacidade de coibir atos hostis a mulheres e seus recursos oferecidos para esse amparo. Neste recorte consideraremos cinco tipos violência: a agressão física, agressão sexual, ataque psicológico, ofensa moral e a apropriação ou destruição de bens materiais.

O estudo deste tema se faz relevante no sentido de avaliar a efetividade da ação governamental e principalmente da alocação de recursos públicos em favor da sociedade.

Para tanto, precisamos entender os programas implementados no estado do Rio de Janeiro, no período delimitado no objeto deste estudo, para analisarmos sua serventia ou não para a coibição, erradicação e amparo às mulheres que sofrem todo e qualquer tipo de ataque doméstico.

Em linhas específicas, nossos objetivos estão compreendidos em: Entender quais foram os recursos de segurança pública disponibilizado; Analisar a eficiência das medidas de segurança estudando dados de centros de estudo; Explorar a eficiência dos mecanismos de assistência social elaborados; Mensurar quais as medidas jurídicas auxiliares a Lei Maria da Penha foram criadas ou ampliadas durante o período em questão; Conhecer os recursos de amparo existentes na saúde pública para as mulheres após o sofrimento das agressões; Verificar as ferramentas disponibilizadas para assistência social das vítimas.

2. DESENVOLVIMENTO

A história brasileira é marcada por diversos episódios de violência, a começar pela invasão dos portugueses ao Brasil, onde os índios foram encurralados, violentados e expulsos de suas terras. Tendo este ponto de partida, a violência se tornou, por muito anos, legítima para a conquista de poder no Brasil e que hoje se agravou e se estabeleceu como um grande transtorno na sociedade brasileira. Através de diversos recursos como leis, dogmas religiosos e filosóficos, a violência vem sendo combatida com veemência, no entanto o mesmo empenho não é aplicado em relação a vítimas femininas. E é esta violência uma das mais difíceis de ser combatida por diversos motivos, seja pela perpetuação cultural, herança de uma sociedade patriarcal; receio da auto exposição por parte da vítima; dependência financeira; apego emocional e julgamento da sociedade são alguns dos principais motivos que dificultam a erradicação deste tipo de violência. Neste contexto as políticas públicas norteiam a sociedade para um convívio mais igualitário e seguro, daí sua extrema importância, pois é através dos impostos pagos pela sociedade, seja ela física ou jurídica, que são elaborados e mantidos os aparatos públicos.

Apesar de ter sido elaborada no período pós ditadura militar, o que não a absteve dessa influência, a Constituição Brasileira de 1988 traz diversos recursos que ampliam e asseguram os direitos dos cidadãos em uma sociedade democrática. Porém, mesmo existindo na Constituição, baseado em uma premissa juridicamente legal, a sociedade não modificou seu comportamento e os governos não conseguiram assegurar na prática que a lei fosse respeitada.

Se faz relevante entender o que política e administração pública, como elas são compostas, suas atribuições e responsabilidades. Em uma sociedade estruturada na república, cabe ao governo em suas diversas esferas (municipal, estadual e federal) entender as necessidades dispor de recursos que garantam a democrática, independente que qualquer conceito que venha a identificar grupos sociais como gênero, etnia, formação escolar, idade, religião, ideologia política, entre outros. Neste sentido Howlett cita Thomas em sua obra, que retrata política pública tudo o que um governo decide fazer ou deixar de fazer (DYE apud HOWLETT, 2013).

É importante compreender que a política pública é um conjunto de ideias que não é simples de ser organizado e se faz extremamente importante para o governo alcançar suas metas. Além daqueles nascidos no Brasil, o país garante direitos aos estrangeiros que moram no Brasil, estes direitos estão devidamente registrados na Carta Magna, redigida em 1988. Considerando a importância de tal documento, ainda sim não é certeza de que na prática esses direitos serão cumpridos.  É neste contexto que as políticas públicas são criadas para corroborar esses direitos de acordo com a necessidade de cada região, inibindo seu descumprimento, ajudando assim a tornar a sociedade mais igualitária, como cita Howlett (2013, p. 59):

As instituições compreendem as estruturas ou organizações reais do Estado, da sociedade e do sistema internacional. As ideias são constituídas pelos valores, crenças e atitudes que dão sustentação aos entendimentos dos problemas públicos.

Os itens apontados compreendem o processo de elaboração de políticas públicas, mas outros fatores também devem ser considerados a forma de governo que rege a sociedade. Para avaliar a eficácia das políticas públicas é importante ter em mente que o Brasil é capitalista e tem como base o sistema democrático com federalismo e presidencialismo como forma de governo.

Diante destas contextualizações podemos iniciar nosso estudo sobre as ações das políticas públicas em relação ao combate a violência contra pessoas do gênero feminino.

Ao analisarmos o número de denúncias entre antes e após a promulgação da Lei, notamos o seu crescimento, mas isso não é sinônimo da diminuição da violência contra a mulher. Podemos interpretar esse aumento de denúncias como uma maneira de trazer a tona esse problema que permeia em todas as esferas sociais e geográficas da sociedade brasileira; com a Lei as vítimas se sentiram mais seguras para denunciarem, pois tinham um dispositivo legal para isso, no entanto, os agressores não se sentiram intimidados. Trazendo à luz esse problema de forma legal, ou seja, jurídica, a vítima encontra um respaldo perante a sociedade e um pouco mais de segurança e mecanismos para cessar as agressões sofridas.

É importante analisarmos que em 1979 a violência doméstica já era mostrada em rede nacional na Rede Globo na série brasileira Malu Mulher, com Regina Duarte no papel principal. Na série Malu estava em processo de separação do seu marido Pedro Henrique, interpretado por Dennis Carvalho, e durante esse processo Malu sofria agressões físicas, verbais e psicológicas de seu marido. Em 1985, no estado de São Paulo, foi inaugurada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher.

O problema é antigo, já mostrado de diversas formas, mas somente em 2006 com a criação da Lei 11.340/06 teve a violência caracterizada como crime, o que deu maior visibilidade a ação.

A Fundação Getúlio Vargas realizou um estudo tomando como base as denúncias realizadas através do Disque-Denúncia somente no estado do Rio de Janeiro, entre 2006 e 2016 foram registradas 28.559 queixas de agressões contra a mulher. De acordo com o gráfico indicativo a seguir, notamos um número expressivo nos anos de 2009 e 2010. É possível associar esse aumento ao trabalho realizado pela Secretaria de Políticas para Mulheres, que teve sua criação em 2003 pelo governo federal, mas de desde 2008 intensificou campanhas que tratam do combate a esses casos. Em 2008 Homens Unidos Pelo Fim da Violência, Mulheres Donas da Própria Vida; 2009 Maltrato Zero; 2010 Campanha Institucional Ligue 180; Ponto Final na Violência Contra Mulheres e Meninas.

No ano de 2005, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República criou a Central de Atendimento à Mulher, onde através de ligação gratuita para o número 180 é possível fazer denúncia anônima ou mesmo a vítima pode receber orientações sobre seus direitos e recursos públicos disponíveis.

Gráfico 1. Denúncias realizadas através do Disque-Denúncia no estado do Rio de Janeiro entre os anos de 2006 e 2017.

Fonte: Disque-Denúncia, Elaborado pela FGV DAPP

Nota-se uma significativa diminuição no número de denúncias de 2010 e 2011. Ao analisarmos o cenário social do período nos deparamos com o caso nacionalmente noticiado da atriz e modelo Eliza Samudio, que diz respeito aos acontecimentos que envolveram o desaparecimento e morte em 2010 de Eliza. As investigações da Polícia Civil levaram a prisão do então goleiro Bruno, do Flamengo (grande time de futebol do Rio de Janeiro), acusado de homicídio triplamente qualificado. Bruno teve um relacionamento extraconjugal com Eliza que resultou em uma gravidez e por este motivo Eliza cobrava de Bruno o reconhecimento paternal e pagamento de pensão. Vale ressaltar que em 2009 Eliza já tinha denunciado judicialmente o ex-goleiro por agressões, inclusive cedido entrevistas a meios de comunicação. A condenação de Bruno e dos demais envolvidos no crime só aconteceu em 2013.

Gráfico 2 – Distribuição de denúncias com mulheres vítimas por tipo de crime no estado do Rio de Janeiro de 2006 a 2016.

Gráfico 2 – Versão em português

Fonte: Disque-Denúncia, Elaborado pela FGV DAPP

Gráfico 2 – Distribuição de denúncias com mulheres vítimas por tipo de crime no estado do Rio de Janeiro de 2006 a 2016.

Gráfico 2 – Versão em inglês

Fonte: Disque-Denúncia, Elaborado pela FGV DAPP

De acordo com a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, o dever da rede de atendimento é combater a complexidade da violência conta as mulheres, para isso compõe-se dos seguintes serviços:

  • Centros de Referência de Atendimento à Mulher;
  • Núcleos de Atendimento à Mulher;
  • Casas-Abrigo;
  • Casas de Acolhimento Provisório;
  • Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs);
  • Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas Delegacias Comuns;
  • Polícia Civil e Militar;
  • Instituto Médico Legal;
  • Defensorias da Mulher;
  • Juizados de Violência Doméstica e Familiar;
  • Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180;
  • Ouvidorias;
  • Ouvidoria da Mulher da Secretaria de Políticas para as Mulheres;
  • Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica;
  • Posto de Atendimento Humanizado nos Aeroportos;
  • Núcleo da Mulher da Casa do Migrante.

O presente artigo é embasado em pesquisa empírica explicativa através de análise documental de diversas fontes como livros, Leis promulgadas, artigos e publicações em sites.

A Lei nasceu de uma necessidade já observada por diversos movimentos sociais perante a sociedade. Além de observarem essa demanda de coibição da violência e amparo das vítimas, esses movimentos começaram a cobrar uma atitude dos governos, trazendo a tona esse tipo de comportamento, levantando debates e cobrando políticas públicas, medidas administrativas para mostrar que o problema existia e sim, deveria ser retirado do ambiente doméstico e elevado a um problema público, ou seja, do estado.

Anos da promulgação da Lei 11.340/2006, algumas medidas já haviam sido criadas no amparo a mulher: em 2003 foi criada a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), em 2005 da Central de Atendimento à Mulher através do número 180 é possível fazer denúncias anônimas em todo Brasil; em 2007 foi lançado o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, já no ano de 2015 inauguração da Casa da Mulher Brasileira, , além da própria Lei Maria da Penha.

No estado do Rio de Janeiro foram criados 88 pontos de atendimento/acolhimentos especializados em atendimento às mulheres vítimas de violência entre casa abrigo, Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), coordenadorias, Centro Especial de Orientação à Mulher e dentro de 19 hospitais do município do Rio de Janeiro foram criados protocolos de emergência que atendem de forma específica vítimas de violência sexual.

Com a promulgação da Lei Maria da Penha foram elaboradas diversas medidas protetivas, que são mecanismos da Lei para reprimir e impedir a violência doméstica e familiar, viabilizando que toda mulher, independentemente de qualquer classificação, seja ela de nível econômico, idade, etnia, identidade de gênero, religião, cultura ou nível educacional, usufrua dos direitos fundamentais característicos ao ser humano e tenha oportunidades para viver sem qualquer tipo de agressão doméstica, com a preservação de sua saúde física, psíquica e mental.

As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor estão elencadas no artigo 22 da Lei nº 11.340/2006 – Maria da Penha:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

 I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

 II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

 III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

 V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

É passível de se notar que em alguns casos as medidas protetivas não são suficientes para proteger a mulher e seus descendentes das agressões ou mesmo para retirá-las do ambiente das agressões, isso porque alguma vítimas não possuem renda própria ou mesmo uma renda que seja satisfatória para se manterem sozinhas ou com seus dependentes, ou seja, elas dependem financeiramente dos seus agressores. Em outros casos a dependência ou chantagem emocional. Nesses casos a vítima por medo não consegue denunciar seu algoz, assim eles acabam ficando impunes e com mais segurança para praticarem novas agressões por um longo período, já que a vítima acredita não haver chance para interromper esse ciclo. Nos casos em que a vítima consegue fazer a denúncia, as medidas protetivas nem sempre são cumpridas ou tem uma fiscalização, o que acaba dando espaço para o agressor praticar novamente atos de violência, mesmo estando sob determinação judicial.

Notório é a dificuldade da fiscalização por parte das autoridades do cumprimento da medida protetiva, devido a densidade demográfica versus ao contingente disponível para verificar a determinação judicial. Essa brecha é o que possibilita os agressores a se aproximarem de suas vítimas, seja em suas casas ou locais de trabalho, para ameaçarem, levando elas a retirarem a queixa na intenção de sofrerem mais agressões, o que por muitas vezes acaba acontecendo, independente da retirada ou não da queixa.

Para que a proteção contra a violência doméstica seja eficaz, é extremamente importante que o pedido de proteção seja mantido, desta forma é mais um recurso para inibir esse tipo de violência.

Para amparar o referido trabalho nos baseamos em três pilares de pesquisa: a Lei 11.340/2006 e alguns artigos a respeito; deliberações sobre a violência doméstica e familiar contra as mulheres e artigos sobre as políticas públicas brasileiras, em especial sobre aquelas aplicadas no estado do Rio de Janeiro.

Se fez indispensável a limitação bibliografia em relação a pesquisa e considerações das políticas públicas brasileiras por se tratar de um campo extenso e recente, por isso delimitamos o campo de pesquisa, tanto das políticas públicas quanto dos dados oficiais sobre a violência abordada, ao estado do Rio de Janeiro. Assim foi possível debruçar sobre o assunto com a finalidade de traçar uma visão crítica que contribuiu para a interpretação dos dados obtidos na pesquisa e a consequente conclusão do trabalho.

Fagundes e Moura (2009, p. 90) destacam a importância das análises de políticas para o desempenho dos governos:

O conhecimento dos programas por dentro, suas dificuldades, os obstáculos de implementação, seus fatores gerenciais e operacionais e ainda como estes realmente produzem efeitos esperados e não esperados, é um instrumento de poderoso uso para a melhoria do desempenho das organizações públicas, em qualquer escala do governo.

Alguns estudos sobre a elaboração de políticas públicas têm como premissa somente a fase final do processo, quando na verdade é primordial entender todas as etapas e o cenário que ela se enquadra. É importante considerar a agenda política, as necessidades de cada região, as receitas financeiras e, consequentemente, a implementação de tais políticas e programas para avaliarmos se os esforços condizem com os recursos aplicados. Assim, é preciso avaliar se os esforços aplicados estão atuando no sentido esperado de sanar o problema inicial.

Para tanto, é preciso que sejam empregados indicadores de resultado, de longo e médio prazo para determinar os efeitos dos programas junto ao público-alvo.

Jannuzzi (2011, p. 256) chama atenção para o que chama de “tecnocentrismo ingênuo”, quando destaca a pertinência da avaliação das políticas públicas ser realizada da forma mais isenta possível, com a finalidade de completar sua meta de averiguar o grau de alcance e efetividade das políticas e não somente de justificar o gasto público empregado pelo governo. Ele lembra que, nesses casos:

invariavelmente se esquece das dificuldades de articulação e colaboração dos três níveis de governo ou de pastas sociais em uma mesma esfera e das diferenças de capacidade de gestão e controle social país afora. Tão ou mais grave, também desconsidera a heterogeneidade socioeconômica da população demandante na formulação dos programas, considerando-a como único público-alvo, para o qual se deve disponibilizar um conjunto de serviços, das regiões Norte a Sul, do centro à periferia das cidades.

No mesmo sentido, estudo publicado por Arretche, em 1999, sobre as políticas sociais no Brasil e sua descentralização em um Estado federativo, indicava como as definições de atribuições nas várias esferas de governo podem influenciar na implementação das políticas públicas. Arretche (1999, p. 112) relatou:

No caso brasileiro – um Estado federativo, em um país caracterizado por expressivas desigualdades estruturais de natureza econômica, social, política e de capacidade administrativa de seus governos -, atributos estruturais das unidades locais de governos, tais como a capacidade fiscal e administrativa e a cultura cívica local, têm um peso determinante para a descentralização.

Inicialmente a descentralização das atribuições visava simplificar a gestão das políticas sociais, por meio de técnicas de indução eficientemente desenhadas para transmitir a outro nível de governo a responsabilidade por estas, uma vez que no Brasil pós-1988, a autoridade política de cada nível de governo passou a ser soberana e independente das demais.

Assim, a avaliação das políticas públicas se mostra essencial para que os governos mensurem sua eficácia e importância, dando continuidade ou não, recalculando os custos e alterando o curso de sua implementação, tanto quanto como serve de ferramenta de controle por parte da sociedade civil e de órgãos de fiscalização da atividade do Executivo, a fim de garantir o acesso da sociedade à tais políticas.

Mais que isso, é essencial a participação da sociedade na avaliação e no controle da implementação das políticas, uma vez que, segundo Cohn (2013, p. 458):

Um dos pressupostos fundamentais para que se estabeleça uma relação virtuosa entre a participação social na gestão da coisa pública e a democratização das políticas públicas e da sociedade não apenas reside na capacidade que o Estado demonstra para responder de forma ágil a essas novas demandas, mas também significa, em essência, que ele deva estar aparelhado e preparado para absorver “o novo”. Caso contrário, estas demandas se traduzem em meras pressões por “mais consumo” de bens e serviços essenciais (…), mas não possibilitarão estabelecer uma nova relação qualitativa entre cidadãos e entre Estado e sociedade.

Dessa forma, abrimos caminho para verificar a atuação do governo estadual do Rio de Janeiro na defesa dos anseios da sociedade. Sobre o papel do Estado, há que se considerar as atribuições e os interesses sob tutela do órgão com o objetivo de identificar a legitimidade da sua atuação na defesa dos interesses individuais indisponíveis e coletivos, especialmente, no âmbito do presente trabalho, no tocante aos direitos abordados pela Lei Maria da Penha.

3. CONCLUSÃO

Através desta monografia, buscou-se aprofundar mais os conhecimentos em relação ao tema proposto. A Lei Maria da Penha foi importante para uma mudança considerável na segurança e proteção da mulher brasileira, encarando as agressões domésticas não mais como simples desentendimento familiar entre casal e sim como uma agressão física ou psicológica tão grave quanto qualquer outra, elevando assim a questão para a esfera pública, um problema a ser revolvido pelo governo. A pena ao agressor ficou mais rigorosa, não sendo possível reverter a privação da liberdade por penas alternativas, como trabalhos comunitários ou distribuição de cestas básicas à entidades carentes.

Dentre outros pontos relevantes na luta contra à violência doméstica notamos que a Lei em questão ampliou os atos que caracterizam a violência, entendendo que a agressão não se limita somente ao embate físico (tapas, chutes, socos, etc), mas podemos considerar que agressões morais, patrimoniais e psicológicas podem ser praticadas por qualquer pessoa próxima, marido, namorado, pai, primo, tio, e também causam sérios danos à vítima e a todos os seus dependentes, principalmente filhos, que de maneira direta ou indireta são violentados.

Em uma sociedade de regime democrático e que possui uma constituição elaborada há menos de 40 anos que assegura os direitos civís da população, esse tipo de comportamento brutal contra a mulher é inaceitável, pois fere vários direitos previstos na própria Constituição. Neste sentido a Lei foi de extrema importância, vindo para reforçar os direitos constitucionais. No entanto, ao observarmos o cenário causa estranhesa a elaboração de uma lei para reforçar a Constituição. Ora, se houve necessidade da criação de uma lei para corroborar a Constituição, nota-se que a mesma era falha ou mesmo o governo não esforçava-se para garantir os direitos a população e ainda hoje, 12 anos após a promulgação da Lei, percebemos que há várias lacunas e práticas que devem ser melhoradas e/ou ampliadas, principalmente no tocante da pós denúncia, tanto no amparo da vítima quanto na punição do agressor.

Diante de todo o estudo apresentado é possível concluir que para solucionar a violência contra a mulher é necessário a sociedade entender que é um direito do cidadão procurar apoio e ajuda junto aos órgãos públicos e é dever do governo entender as necessidades, resguardar a vítima e desenvolver mecanismos para remediar essas perturbações já que o aparato público existe como consequência dos impostos e tributos pagos das mais diversas formas pelo cidadão.

É notório que houve um avanço no assunto, medidas dentro das esferas propostas neste estudo foram tomadas para a coibição da violência e amparo à mulher. No entanto, percebemos que o rigor da aplicação da lei não está sendo suficiente para erradicar esse tipo de violência. Muitas mulheres continuam morrendo pelo simples fato da sua condição biológica que ainda hoje é encarado como gênero frágil, indefeso, submisso e dependente. Políticas públicas devem rever as atividades em vigor, prestando atenção nas necessidades da sociedade e focando realmente no combate à violência e nas alternativas existentes para a mulher não ser dependente do seu agressor e entender que violência, seja ela qual for, não é natural, não é um comportamento aceitável de uma sociedade minimamente civilizada. Apenas com políticas públicas sérias, rígidas e condizentes com a realidade da sociedade que a Constituição Brasileira poderá ser respeitada, tendo os cidadãos seus direitos conquistados planamente.

REFERÊNCIAS

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RUEDIGER, Marco Aurelio; AZEVEDO, Ana Luisa de; SANCHES, Danielle; CONTARATO, Andressa; BARBOSA, Renan. Violência Contra Mulher – Um Outro Olhar sobre a Violência a Mulher: O Que Dizem as Denúncias no Estado do Rio de Janeiro. FGV DAPP, Policy Paper Segurança e Cidadania. Rio de Janeiro, 2018.

[1] Graduação em andamento em Administração pública.

[2] Graduação em andamento em Administração pública.

[3] Graduação em andamento em Administração pública.

[4] Orientadora. Doutorado em Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Mestrado em História Social. Especialização em História da África e do Negro no Brasil. Graduação em Historia.

[5] Orientadora. Mestrado em Ciências Sociais. Especialização em Programa de Residência Docente. Graduação em Ciências Sociais.

[6] Orientador. Doutorado em Ciência Tecnologia e Inovação em Agropecuária. Mestrado em Administração Pública. Graduação em Ciências Econômicas.

[7] Orientadora. Mestrado profissional em Sistemas de Gestão. Especialização em MBA em Organizações e Estratégia. Especialização em MBA em Marketing Empresarial. Graduação em Administração.

[8] Orientador. Doutorado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento. Mestrado em Engenharia de Produção. Especialização em Engenharia da Qualidade. Especialização em Gestão Empresarial. Graduação em Administração de Empresas.

Enviado: Janeiro, 2020.

Aprovado: Março, 2020.

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Dayane Souza Xavier da Cruz

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