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Políticas públicas de combate à pobreza na América Latina: México, Venezuela e Bolívia

RC: 113285
353
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/administracao/combate-a-pobreza

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

OLIVEIRA, Adriano Rodrigues de [1]

OLIVEIRA, Adriano Rodrigues de. Políticas públicas de combate à pobreza na América Latina: México, Venezuela e Bolívia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 05, Vol. 02, pp. 190-203. Maio de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/combate-a-pobreza, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/administracao/combate-a-pobreza

RESUMO

Tendo em vista que pobreza e a fome ainda são desafios centrais no contexto do desenvolvimento dos países latino-americanos e caribenhos, este artigo buscou responder a seguinte questão norteadora: Quais políticas públicas têm sido implementadas por países latino-americanos, especificamente no México, Venezuela e Bolívia, no combate à pobreza? Assim, tendo como objetivo de pesquisa analisar políticas públicas de combate à pobreza em diferentes países da América Latina, especificamente nos países: México, Venezuela e Bolívia, assim como suas principais políticas públicas nacionais implementadas entre o final do século XX e o início do século XXI. De modo que, baseado em uma pesquisa bibliográfica, foi possível visualizar um balanço de avanços e desafios das políticas públicas de combate à pobreza no período e nos países analisados. Entendendo, portanto, que as políticas mais bem elaboradas de combate à pobreza requerem o fortalecimento das capacidades burocráticas e a boa governança do Estado.

Palavras-chave: América Latina, Políticas Públicas, Pobreza, Pronasol.

1. INTRODUÇÃO

A pobreza é um fenômeno que não possui definições absolutas ou medidas únicas. Assim, considera-se, frequentemente, “pessoas pobres” aquelas que têm uma ou mais deficiências em relação a determinados parâmetros de referência, de modo que a situação de pobreza denota um estado de privação no qual é necessário detectar um estágio ideal (CODES, 2008).

Diante disso, nos últimos anos, a maneira de dimensionar a pobreza mudou, visto que os sistemas tradicionais de diagnóstico e ponderação focavam em variáveis puramente econômicas, principalmente ligadas à renda, enquanto as formas mais atuais incluem dimensões de outra natureza. A medição multidimensional da pobreza foi incorporada à agenda dos diferentes países, pois é um instrumento que permite uma análise mais ampla do conceito de pobreza, bem como das políticas e programas implementados para sua erradicação (CODES, 2008).

Nesse contexto, a partir da constituição dos Estados nacionais modernos, programas e ações de combate à fome e à pobreza passaram a integrar a agenda dos governos por compromisso social ou programático, necessário para impedir a conflagração dos conflitos internos. A partir do advento da cidadania política e da extensão do sufrágio com os regimes democráticos, tais ações resultaram em apoios eleitorais (MARSHALL, 1967).

Nesse contexto, e no contexto mundial, ganhou destaque o debate sobre soluções para a questão da concentração de renda e da crescente desigualdade. Durante o século XX os principais países capitalistas elaboraram e implementaram políticas sociais com variados formatos, focos e abrangências, todas tendo como objeto a minimização dos problemas ligados à extrema pobreza, o que ocorreu sob o contexto conhecido como Welfare State. Os países mais pobres tinham dificuldades extras para a implementação de políticas sociais e, na maioria das vezes, atuavam na perspectiva do alívio à pobreza e garantia da sobrevivência básica, algo bastante relevante, pois garantia inclusive a obtenção de bens primários para a base da população (PASE e MELO, 2017)

Dessa forma, no início do século XXI, vários países da América Latina elegeram presidentes reformistas e de esquerda, como a Venezuela, Chile, Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Equador. E, foi nesse momento e ambiente que os países da região passaram a enfrentar o diagnóstico da grande pobreza e exclusão social com o desenvolvimento de políticas públicas específicas (KIRBY, 2010).

De modo que, desde o começo dos anos 2000 até a atualidade, a América Latina tem passado por grandes mudanças políticas. As democracias na região expandiram, transformaram e superaram, em alguma medida, o déficit de legitimidade de partidos, governos e políticos em geral. E para isso, foram utilizados diferentes instrumentos: do recurso às lideranças carismáticas; dos setores mais politicamente excluídos (indígenas, mulheres, pobres e etc.), aos institutos de democracia direta, por meio de extensa redistribuição de renda; programas de proteção social e programas públicos; e diretos de transferência de recursos para setores vulneráveis. Tudo isso expandiu consideravelmente a base eleitoral dessas lideranças e concedeu-lhes consideráveis margens de liberdade na gestão de sua política econômica (KIRBY, 2010).

Posto isso, é necessário apontar, ainda, que a América Latina passou por processos ditatoriais duros e duradouros que sabidamente contribuíram para consolidar elites econômicas fortemente vinculadas ao sistema de representação política e ao aparelho da burocracia do Estado. Assim, mesmo considerando as várias questões que explicam o desenvolvimento do Welfare State nos países capitalistas desenvolvidos, não parece que esses processos tenham se desenvolvido da mesma maneira na América Latina. Tais políticas públicas são consequência da redemocratização e de partidos ou coalizões políticas com programas marcados pela concepção do Estado de bem-estar social. (ESPING-ANDERSEN, 1991)

Conforme apontado pelo Banco Mundial, no ano de 1997 somente três países contavam com programas de transferência de renda para a diminuição da pobreza extrema e da fome: Brasil, México e Bangladesh (WORLD BANK, 2015). Após onze anos, em 2008, já havia 28 países, dos quais 17 eram da América Latina (México, Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Panamá, Equador, Peru, Chile, República Dominicana, Jamaica, Honduras, Nicarágua, Colômbia, Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina).

Observando esse cenário, esse artigo visou responder a seguinte questão norteadora: Quais políticas públicas têm sido implementadas por países latino-americanos, especificamente no México, Venezuela e Bolívia, no combate à pobreza? Dessa forma, esta pesquisa buscou analisar as políticas públicas de combate à pobreza em diferentes países da América Latina e suas principais políticas públicas nacionais implementadas entre o final do século XX e o início do século XXI, por meio da pesquisa bibliográfica. De modo que, serão analisadas as políticas públicas dos países: México, Venezuela e Bolívia.

2. MÉXICO: PRONASOL E OPORTUNIDADES

Em 1917, foi promulgada a primeira constituição mexicana com menções aos direitos sociais, introduzindo elementos que promoveram um sistema econômico e social mais justo. O texto constitucional trouxe a provisão dos serviços de bem-estar social com compartilhamento de responsabilidades entre instituições do Estado, empresários e trabalhadores, sendo assim, limitada a cobertura social dos programas. O percurso das políticas sociais nas décadas subsequentes legitimou programas estratificados, que incluíam somente os trabalhadores formais e seus familiares, com a atuação do setor público e privado no desenho da política pública e atendimento às demandas sociais (BARBA, 2016).

Desde o final dos anos 80, houve o surgimento de uma sequência de programas sociais que apresentavam um novo perfil de combate à pobreza no país. Assim, entre os anos de 1989 e 1994, esteve vigente o Programa Nacional de Solidariedade (Pronasol). Este programa tinha como principal objetivo oferecer serviços básicos e essenciais na forma de uma transferência de renda focalizada para a população mais pobre das áreas rurais, intervindo na melhoria das condições de saúde, educação e moradia (COHEN; FRANCO e VILLATORO, 2007).

Entre 1997 e 2002, implantou-se o Programa de Educação, Saúde e Alimentação (Progresa) que buscou aliviar a pobreza e promover o desenvolvimento do capital humano mediante transferências monetárias diretas para as famílias, recebidas pelas mulheres, viabilizando, ainda, o acesso da população rural aos serviços de saúde e educação (MORAES; PITTHAN e MACHADO, 2018).

Nesse contexto, foi em 2002 que o Progresa se transformou no Programa Oportunidades, com financiamento do governo federal mexicano e do Banco Mundial. Este novo programa teve grande repercussão na América Latina e atendeu cerca de 6 milhões de famílias mexicanas até o final do ano de 2014 (MORAES; PITTHAN e MACHADO, 2018).

No México, a história dos programas com base em transferência de renda apresentou como aspecto de continuidade o caráter focalizado e seletivo. Mas, sucessivas mudanças de governo ocasionaram alterações no nome da política pública e em seu desenho, com inovações relacionadas à ampliação do escopo e dos beneficiários, assim como com a expansão das condicionalidades e dos mecanismos de controle e fiscalização.

Nessa transição entre o programa Progresa e o programa Oportunidades, mantiveram-se as principais características do primeiro, mas com a adição de outros com objetivo de ampliar a cobertura para as áreas urbanas, promover o desenvolvimento social e, ainda, criar a Cruzada Contra a Fome. As condicionalidades do programa estavam vinculadas ao cumprimento obrigatório das famílias de outras condicionalidades na saúde, nutrição e educação (MORAES; PITTHAN e MACHADO, 2018).

Figura 1 – Evolução do número de famílias beneficiárias do Programa Oportunidades. México – 2002 a 2014.

Evolução do número de famílias beneficiárias do Programa Oportunidades. México – 2002 a 2014
Fonte: CEPAL (2016).

O Programa Oportunidades, entre outros resultados, mostrou seus melhores índices na saúde e no desenvolvimento infantil, tais como: altura para a idade, a concentração de hemoglobina, a diminuição da obesidade e várias medidas relacionadas ao desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento da linguagem. Os resultados corroboraram para a ideia de que o Programa Oportunidades alcançou seus objetivos nessas áreas pela transferência de renda (MORAES; PITTHAN e MACHADO, 2018).

Apesar desses e de outros bons resultados, a titularidade dos direitos era temporária, pois vinha da condição de pobreza o vínculo com o programa de transferência de renda, assim, o acesso aos serviços disponíveis era garantido enquanto cada família estivesse no programa. Esse acesso temporário expressou, portanto, a fragilidade existente no sistema de proteção social do país. Além disso, o critério de inclusão geográfica fazia com que as famílias mais pobres que habitavam regiões não contempladas pelo programa continuassem com grandes dificuldades (MORAES; PITTHAN e MACHADO, 2018).

Dessa forma, após a mudança do governo federal em 2014, o Oportunidades foi substituído pelo Prospera, vigente de janeiro de 2015 até a atualidade, que manteve suas principais características como política pública.

3. VENEZUELA: PETRÓLEO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

O caso venezuelano se apresenta como um sentido mais radical de mudança social e econômica tanto no seu modelo produtivo como no desenho de algumas políticas públicas. Isso se deve à oposição dos governos venezuelanos, sobretudo de Hugo Chávez, ao modelo neoliberal típico dos países ocidentais capitalistas (LUCENA, 2010).

Nesse sentido, o governo Venezuelano adotou uma ruptura com o neoliberalismo e buscou uma outra construção de sociedade. Chávez teve em seu horizonte a implementação do socialismo do século XXI. Buscava-se uma nova maneira de organizar a produção, priorizando as formas de propriedades sociais que possibilitassem a construção de um modelo produtivo socialista. Assim, o governo promoveu o cooperativismo, o trabalho associado e a formação de microempresários (LUCENA, 2010).

Nesse contexto de um novo modelo produtivo, o governo venezuelano teve como uma das principais ações a aquisição do controle sobre a PDVSA (Empresa de Petróleos da Venezuela). De modo que, a grande empresa nacional de petróleo passou a assumir, sob a bandeira de “Novo PDVSA”, o comprometimento com o desenvolvimento nacional e o financiamento de políticas sociais, como saúde, educação e participação popular (GARCIA e CALVETE, 2015).

A partir de então, o governo venezuelano lançou mão de uma série de ações, planos e legislações que converteram a PDVSA em “um motor fundamental do desenvolvimento social, fomentando um novo modelo socioprodutivo” (ALVARADO, 2015). Uma das iniciativas consistem, por exemplo, na criação de uma empresa filial da PDVSA destinada a coordenar uma missão pelo atendimento das necessidades alimentares da população. Os efeitos das novas políticas sociais e do avanço de um novo modelo produtivo no país se traduziu não somente na redução dos indicadores da pobreza e do aumento significativo do gasto social, mas também na redução dos indicadores de emprego, conforme se observa abaixo:

Figura 2 – Desemprego e Produto Interno Bruto na Venezuela

Desemprego e Produto Interno Bruto na Venezuela
Fonte: CEPAL (2016).

Os movimentos da taxa de desemprego indicaram uma queda significativa deste, principalmente após 2003. No período, a taxa de desemprego que era superior à taxa média da América Latina passou a se aproximar desta última. Assim, o ritmo de diminuição do desemprego na Venezuela foi maior do que a média dos países latino-americanos. Comparando os movimentos da taxa de desemprego e a variação do Produto Interno Bruto, observa-se que a taxa de desemprego apresentou um aumento nos anos de 2002 e 2003, quando a variação do PIB era negativa em 8,9% e 7,8%, respectivamente. No entanto, após 2003, o ritmo de redução da taxa de desemprego aparentou ser contínuo apesar das variações do PIB. Cabe destacar, ainda, que o grande crescimento de 2003 para 2004 estava relacionado ao aumento significativo do preço do petróleo (IRANZO e RICHTER, 2006).

4. BOLÍVIA: UM DESENVOLVIMENTO CONSISTENTE

A partir do início dos anos 2000, a Bolívia vivenciou um desempenho macroeconômico sem precedentes, graças a um contexto externo que favoreceu o crescimento econômico, aumento de receita e disponibilidade de recursos públicos. Isso permitiu que a Bolívia se tornasse um país de renda média-baixa. Entre os anos de 2000 e 2014, a taxa média de crescimento anual do país foi de 4,2%. Desde a crise financeira internacional em 2009, a economia expandiu-se para 5% ao ano e, em 2013, registrou a maior taxa de crescimento dos últimos 30 anos, 6,78%. Como resultado, o PIB real per capita quase dobrou de tamanho no período (CASTELLANI, 2015).

As melhorias significativas nos indicadores sociais, particularmente na área rural, historicamente atrasadas em relação à urbana, mitigaram as lacunas que são características do desenvolvimento socioeconômico do país. O progresso social tem sido mais dinâmico desde meados da década de 2000. Políticas públicas, particularmente transferências diretas e maior renda de trabalhadores menos qualificados, desempenharam um papel central na redução da pobreza e da miséria (AYERBE, 2011).

Figura 3 – Incidência de pobreza e extrema pobreza na Bolívia:

Incidência de pobreza e extrema pobreza na Bolívia
Fonte: Castellani (2015).

O cenário social na Bolívia mostrou um avanço significativo. A pobreza, particularmente a pobreza extrema, tem sido reduzida continuamente desde 2000 e mais rapidamente a partir de 2006. Segundo os dados, no nível nacional, a pobreza monetária, medida na linha da pobreza absoluta, foi reduzida de 66% para 39% e a pobreza extrema de 40% para 18,8% entre 2000 e 2013. Essa queda registrou a maior variação desde a segunda metade da década. Entre 2000 e 2005, a pobreza caiu quase 7% e entre 2006 e 2013 a queda foi de 21%, triplicando a redução do primeiro período. A queda extrema da pobreza de 3,2 pontos no primeiro período e quase 19 pontos no segundo explica esses resultados (CASTELLANI, 2015).

Nesse contexto, apesar da coerção do Estado sobre a população, na era dos governos militares da Bolívia (1964-1982), partindo-se principalmente do segundo governo do presidente Hugo Banzer, período altamente autoritário que reprimiu o direito de expressão da população e o direito ao voto, dado que encerrou todos os partidos políticos existentes, privando então a liberdade política da população, o governo de Evo Morales foi marcado principalmente pelo desenvolvimento de três aspectos distintos de liberdade (AYERBE, 2011).

O primeiro consiste na liberdade política, pois a criação do Estado Plurinacional é embasada principalmente no coletivo, subjugando a propriedade privada em prol do coletivo, aproximando o Estado da identidade nacional, reconhecendo sua diversidade e fomentando a cultura própria. O segundo diz respeito às oportunidades sociais, investindo-se em programas sociais, principalmente com os programas Juancito Pinto, para manter a frequência escolar, e Juana Azurduy, contra a mortalidade infantil na gravidez. O terceiro constitui a segurança protetora, já que, ao conceder direito à aposentadoria a todos acima de 65 anos, delineia uma segurança social para garantir velhice digna (AYERBE, 2011).

No entanto, existem vários elementos de reflexão: as lacunas rural-urbanas ainda persistem; os aumentos salariais de mão de obra menos qualificada, graças ao aumento de setores não comercializáveis, estão gerando desincentivos à educação, essenciais para garantir perspectivas de desenvolvimento futuro; e o boom econômico não favoreceu a formalidade trabalhista que, combinada com níveis mais altos de produtividade, pode garantir a sustentabilidade da renda dos trabalhadores (CASTELLANI, 2015).

As condições estrangeiras que levaram a Bolívia a esses resultados não são facilmente replicáveis e os baixos níveis de crescimento e os gastos públicos no futuro podem colocar em risco as conquistas sociais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pobreza é um fenômeno moralmente condenável e socialmente custoso (PECI e NERI, 2017). Ela não condiciona somente algumas pessoas ou grupos sociais, mas transborda em uma dinâmica caracterizada por desigualdades econômicas, sociais, educacionais, informacionais, entre muitas outras, com grandes impactos no bem-estar da sociedade como um todo. A pobreza implica também em custos de governança e clientelismo nas relações entre a sociedade e o seu sistema político, o que a torna um objeto imprescindível de estudos de análise de políticas públicas.

Combater a pobreza e as mazelas sociais relacionadas a ela têm sido um objetivo direto ou indireto das políticas do Estado moderno (PECI e NERI, 2017). O sucesso nas ações de erradicação da pobreza extrema refletiu a agenda do estado de bem-estar social estabelecido em diversos países na Europa, mas nunca se tornou uma agenda realmente global de ação pública. Observa-se que, de fato, a natureza das políticas de combate à pobreza se transformou ao longo da história e em diferentes situações e contextos, até porque as causas que perpetuam a pobreza são múltiplas e multifacetadas.

Nesse contexto, com base na questão norteadora: Quais políticas públicas têm sido implementadas por países latino-americanos no combate à pobreza? E atendendo ao objetivo de analisar políticas públicas de combate à pobreza em diferentes países da América Latina, a respeito do caso mexicano, o programa Oportunidades teve como foco a promoção do desenvolvimento humano da população mais vulnerável, o que exigiu a redução de barreiras de acesso e o aumento dos níveis de utilização dos serviços públicos sociais. De modo que, houve certa ênfase em condicionalidades fortes com o intuito de se utilizar a transferência monetária como um instrumento de incentivo ao uso dos serviços de saúde e educação, permitindo o avanço no desenvolvimento coletivo e individual e o aumento do capital humano da população mais pobre. As condicionalidades presentes na transferência permitiram o incentivo a mudanças de comportamento da população atendida, o que era algo central neste Programa. O maior rigor nas condicionalidades e sanções e a ênfase na mudança comportamental constituíram diferenciais do programa mexicano.

A Venezuela, por sua vez, buscou um caminho na direção do “socialismo do século XXI” e isso fez com que o governo tomasse providências visando constituir um novo modelo de produção, mas com uma forte intervenção do Estado. O uso da grande empresa nacional de petróleo para o financiamento de políticas sociais no país possibilitou uma nova perspectiva socioprodutiva, com impactos positivos em seu desenvolvimento.

No caso da Bolívia, graças ao desempenho econômico recente, as conquistas sociais na Bolívia são inegáveis. Durante o período 2000-2013, a pobreza diminuiu, o bem-estar da população melhorou consideravelmente e a mobilidade social aumentou. Indicadores de pobreza de renda, necessidades básicas insatisfeitas e multidimensionais indicaram aumento na qualidade de vida. No entanto, a distância entre pobres e não pobres passou a ser definida pelo acesso à educação, seguro de saúde e emprego formal. A mobilidade social também aumentou. O país experimentou altos níveis de gastos sociais, impulsionados por maiores receitas públicas. A renda mais alta dos grupos mais vulneráveis favoreceu a redução das disparidades, mas poderia afetar negativamente o retorno à educação. O contexto externo, que contribuiu para o desempenho socioeconômico da Bolívia nos últimos anos, se mostra menos favorável no futuro e representa um desafio para manter os gastos públicos, sustentar conquistas sociais e fechar as lacunas que persistem.

As políticas mais bem elaboradas de combate à pobreza requerem o fortalecimento das capacidades burocráticas e a boa governança do Estado. Entretanto, estratégias que normalmente são consideradas indissociáveis à redução da corrupção, melhoria de accountability, políticas eficazes de descentralização, melhor gestão de recursos públicos, estrutura e qualidade da burocracia pública nem sempre impactam positivamente as estratégias de combate da pobreza. No entanto, a descentralização, que poderia ser considerada uma boa prática de gestão, e o empoderamento de algumas parcelas desfavorecidas da população podem levar até mesmo a maiores desigualdades populacionais em alguns casos. Ao mesmo tempo, uma forte burocracia pública também pode tender ao insulamento ao invés de entrega de resultados. Apesar de diversos resultados positivos de políticas de combate à pobreza na América Latina desde o início do século, essas são reflexões a serem feitas, inclusive com espaço para novas pesquisas em políticas públicas.

REFERÊNCIAS

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[1] Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). ORCID: 0000-0003-3252-2623.

Enviado: Janeiro, 2022.

Aprovado: Maio, 2022.

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Adriano Rodrigues de Oliveira

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