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Urgências e Emergências Infecciosas na Gestação

RC: 81339
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/emergencias-infecciosas

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

GONÇALVES, Emanuella Dutra [1], FRIZZARIM, Bianca Ferreira [2], LAMONICA, Gabriela Guilhoto Cabra [3], KOBAYASHI, Isadora Cordeiro [4], MAZZA, Maria Eduarda Bueno Tabacchi [5]

GONÇALVES, Emanuella Dutra. Et al. Urgências e Emergências Infecciosas na Gestação. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 16, pp. 141-157. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/emergencias-infecciosas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/emergencias-infecciosas

RESUMO

A gestação é um período de grandes adaptações no organismo. Além das alterações em diversos sistemas, a própria gestação pode, também, gerar um estado de imunodepressão, favorecendo o surgimento de infecções. Dado o elevado risco materno, cujas estatísticas brasileiras são desfavoráveis, o presente artigo consiste em uma revisão narrativa sobre determinadas infecções relacionadas ao período gestacional. Para isso, foi feito um levantamento de publicações no banco de dados das bibliotecas eletrônicas Google Scholar, PubMed e Scielo. De modo geral, aborto infectado, corioamnionite, endometrite e pielonefrite aguda configuram doenças características de países em desenvolvimento/subdesenvolvidos, como o Brasil. Esse cenário reflete não apenas as condições em saúde, mas, inclusive, socioeconômicas da população brasileira. Portanto, compreender os fatores de risco e o quadro clínico dessas doenças auxilia em um diagnóstico mais rápido e eficaz. O tratamento deve ser assertivo e a prevenção estimulada, a fim de reduzir a elevada incidência de morbimortalidade materna.

Palavras-chave: gravidez, corioamnionite, endometrite, pielonefrite.

1. INTRODUÇÃO

A morte materna é considerada um dos principais indicadores de saúde de uma população, definida como “morte de uma mulher durante toda gestação ou até 42 dias após esta”, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse parâmetro reflete não apenas aspectos de saúde, como, também, demográficos, sociais, econômicos e até mesmo culturais (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1995).

No Brasil, no ano de 2014, foram registrados 1.552 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, destacando-se, principalmente, a região Sudeste (MARTINS e SILVA, 2018). Os dados estatísticos atuais nos colocam como um dos países com maiores taxas de mortalidade materna do mundo.

Embora a subnotificação seja um fator que interfira fortemente na transparência dos resultados, sabe-se que dentre as principais causas de morte materna, tem-se doenças hipertensivas e hemorrágicas, em primeiro e segundo lugar, respectivamente, seguidas das infecções, com destaque para as do puerpério (DIAS et al, 2014; MORSE et al, 2011).

O período gestacional é marcado por diversas alterações no organismo. O feto, por ser um produto da união de cargas genéticas diferentes, é capaz de gerar o desenvolvimento de tolerância materna mediante os antígenos de origem paterna, sobretudo o Antígeno Leucocitário Humano (HLA). Essa tolerância ocorre, principalmente, por citocinas inflamatórias específicas, como Fator de transformação do crescimento beta (TGF-β) e Interleucina-10 (IL-10), resultando em um estado de imunodepressão que perdura durante toda gestação (HUNT, 2006; ZUGAIB, 2008).

Além disso, outras alterações típicas da gestação podem, também, contribuir para a susceptibilidade a infecções. Na cavidade oral, por exemplo, podem ocorrer o aparecimento de edema e maior sensibilidade devido à hipertrofia e hipervascularização da mucosa, contribuindo para quebra de barreira imunológica. Ainda, a redução do pH oral pode ser um facilitador para proliferação bacteriana (ZUGAIB, 2008).

No trato urinário, em decorrência do aumento do volume uterino, a compressão dos ureteres associada à hipotonia da musculatura lisa, por ação da progesterona, promove estase urinária, facilitando a infecção. Durante o trabalho de parto, esse risco também ocorre, na medida em que a compressão vesical pela apresentação do feto pode levar a microtraumas de mucosa e predispor a infecção no puerpério (ZUGAIB, 2008).

É necessária uma maior atenção nesse período de vida da mulher, já que as infecções podem, em última instância, contribuir para desfechos inesperados. Portanto, o presente estudo consiste em uma revisão narrativa que busca explicar as principais infecções relacionadas ao período gestacional, bem como seus diagnósticos e tratamentos específicos, incluindo medidas profiláticas a serem tomadas.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 ABORTO INFECTADO

Estima-se que entre 1990 e 2008 ocorreram, a cada ano, 47 mil mortes maternas no mundo devido ao aborto não seguro, sendo a infecção a principal causa dessas mortes. Esse número corresponde a cerca de 13% das mortes maternas (PANKE et al, 2014).

Essa infecção é prevalente em países onde a lei proíbe a interrupção da gestação e a prática passa a ser realizada em condições inadequadas e de forma clandestina. Além do importante impacto no número de mortes maternas, essa infecção está relacionada com alta morbidade, uma vez que em torno de 20% das mulheres terão infecção de trato genital, podendo acarretar futura infertilidade (ZUGAIB, 2008).

O início da infecção ocorre pela eliminação incompleta do ovo, embrião ou da placenta, mantendo aberto o canal cervical e favorecendo a ascensão de bactérias da microbiota vaginal e intestinal à cavidade uterina (DIAS et al, 2020). Pode-se propagar para além do útero, como anexos (anexite), peritônio pélvico (pelviperitonite), cavidade peritoneal e, ainda, disseminar-se por via hematogênica, levando à sepse.

Em um trabalho de coorte retrospectivo entre 2008 e 2012, Panke et al. (2014) observaram que as pacientes que eram internadas com o diagnóstico de aborto infectado, eram também mais jovens, com prevalência maior de Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) em 5,7% e com menores níveis de hemoglobina, em relação às que internavam sem a infecção.

O quadro clínico depende do grau de acometimento da paciente. Geralmente, manifesta-se com hipertermia, sangramento vaginal discreto, dor abdominal em cólica e útero doloroso à palpação. Ao toque, o colo uterino pode-se apresentar pérvio e doloroso. No exame especular, observa-se saída de material purulento do canal cervical e podem estar presentes lacerações que evidenciem o abortamento provocado. Nos casos mais graves, a paciente pode apresentar sinais de peritonite generalizada, sepse, insuficiência renal e coagulopatia (ZUGAIB, 2008).

O tratamento é predominantemente clínico, devendo tratar a hipovolemia e combater a infecção. Pode consistir em procedimentos cirúrgicos se houver necessidade de reparar as lesões e lacerações provenientes do aborto clandestino (ZUGAIB, 2008).

A antibioticoterapia deve ser de amplo espectro, uma vez que a maioria das infecções possuem características polimicrobianas. As drogas mais comumente utilizadas são ampicilina ou penicilina associadas à gentamicina e ao metronidazol ou, então, clindamicina combinado à gentamicina. Em pacientes com comprometimento da função renal, a gentamicina pode ser substituída por cefalosporina de terceira geração (ceftriaxona). A antibioticoterapia parenteral deve ser administrada até a paciente encontrar-se afebril e assintomática por pelo menos 48 horas, com exceção para os casos de sepse, nos quais o tratamento deve ser mantido por pelo menos 14 dias (ZUGAIB, 2008).

A histerectomia é indicada, apenas, para as formas disseminadas ou nas localizadas refratárias ao tratamento clínico. Nessas situações, deve ser realizada de forma total e, se necessário, radical, com retirada dos anexos, caso estejam comprometidos (ZUGAIB, 2008).

Em relação à profilaxia, Brewer et al. (1980) identificaram, em um ensaio clínico randomizado com 2.950 mulheres, uma incidência de 0,1% (IC95% 0 a 0,4) de infecção pélvica pós-curetagem no grupo que utilizou 500 mg de doxiciclina por via oral no dia do procedimento, e de 0,6% (IC95% 0,3 a 1,1) no grupo que utilizou placebo. Esses valores representam um número necessário a tratar (NNT) de 203 mulheres e uma redução do risco relativo de 88,2%.

2.2 CORIOAMNIONITE

A corioamnionite (CA) corre por processo infeccioso do líquido amniótico, membranas fetais, placenta e/ou decíduas, acometendo entre 0,5% e 10% de todas as gestações no mundo (FAHEY, 2008). Além disso, é responsável por cerca de 25% dos casos de síndrome febril durante o parto e por 20 a 40% das septicemias neonatais precoces e pneumonias (CASEY e COX, 1997).

A principal causa de CA é a ascensão de microrganismos colonizadores da vagina e do colo uterino para o interior da cavidade uterina, com proliferação no líquido amniótico. Além disso, são fatores de risco importantes a ruptura prematura de membranas e trabalho de parto prolongado (CORREA et al, 2009).

O diagnóstico é predominantemente clínico, na presença de temperatura superior a 38°C, juntamente com dois ou mais dos critérios a seguir: taquicardia materna, taquicardia fetal, sensibilidade uterina, contrações uterinas, corrimento vaginal ou líquido amniótico fétido e leucocitose com desvio à esquerda no sangue periférico materno (GOMES et al, 2011).

Imediatamente após o diagnóstico, deve-se iniciar o tratamento, de forma que haja cobertura fetal antes do parto. O principal esquema terapêutico é a associação de ampicilina 2 g endovenosa (EV) de 6/6 horas com gentamicina 2 mg/kg EV em dose de ataque, seguido de 1,5 mg/kg EV de 8/8 horas. Em caso de alergia à ampicilina, pode-se utilizar clindamicina 600 mg EV de 8/8 horas. Essa medicação deve-se manter enquanto a paciente não permanecer febril por 24 a 48 horas (GOMES et al, 2011).

Deve-se atentar a possíveis complicações decorrentes da CA, entre elas: atonia uterina, bacteremia e choque séptico maternos, coagulopatia materna, necessidade de cesariana e aumento de complicações relacionadas a esse procedimento (endometrite, hemorragia pós-parto, infecção de ferida pós-operatória, abscesso pélvico e tromboembolismo). Entre as complicações neonatais, destacam-se a pneumonia, meningite, sepse, disfunção cardíaca e hipertermia (CASEY e COX, 1997).

2.3 INFECÇÃO PUERPERAL (ENDOMETRITE)

As infecções puerperais ainda estão presentes dentro do cenário de morbimortalidade de mulheres em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, tal como no Brasil. Representam um dos diagnósticos mais comuns de readmissão pós-parto nos hospitais (BELFORT et al, 2010).

A endometrite é definida como uma inflamação do revestimento uterino, podendo ocorrer no momento pós-parto em virtude de uma infecção bacteriana do trato genital (CUNNINGHAM et al, 1997; SWEET e GIBBS, 2009). Acontece em 1 a 2% dos nascimentos, mas é significantemente mais comum após o parto cesáreo (27%) (FRENCH e SMAILL, 2004; SWEET e GIBBS, 2009).

Belfort et al. (2010), em uma análise de prontuários hospitalares em 2007, descobriram que, durante as seis primeiras semanas pós-parto, 1,2% das mulheres foram readmitidas para o hospital. A readmissão após parto cesáreo foi significantemente maior (1,8%) em relação à readmissão após parto vaginal (0,83%).

Pode-se dizer, portanto, que a cesariana possui o maior risco de infecção uterina. Além desse fator, tem-se, também, ruptura prolongada de membranas, exames vaginais repetidos, presença de mecônio, tempo total de cirurgia, experiência operatória, fragmentos retidos de placenta, corioamnionite, hemorragia pós-parto e monitorização fetal interna (FARO, 2005; SWEET e GIBBS, 2009).

Outros fatores de risco estão relacionados a condições socioeconômicas, como idade materna precoce, nuliparidade, colonização vaginal com estreptococos do grupo B, associações com vaginoses bacterianas, além de obesidade, motivo crescente de preocupação à medida que as taxas aumentam (FARO, 2005; SWEET e GIBBS, 2009).

Em um estudo de coorte observacional, 4.286 mulheres foram categorizadas de acordo com seu Índice de Massa Corpórea (IMC), durante o pré-natal. Foi demonstrado que mulheres obesas apresentaram maior risco de infecções de ferida e endometrite, quando comparadas às mulheres de menor peso (MAGANN et al, 2011).

A endometrite pode ocorrer no pós-parto precoce, em 48 a 72 horas, ou mais tardiamente, em até 6 semanas (FRENCH e SMAILL, 2004). Para o diagnóstico correto, uma história cuidadosa e minuciosa, exame físico completo e exames laboratoriais são essenciais.

Os sinais e sintomas geralmente incluem febre, sensibilidade e sub-involução uterina, lóquios purulentos ou com mau cheiro (SWEET e GIBBS, 2009).  É importante notar que os sintomas podem ser inespecíficos, como um mal-estar vago e dor pélvica, simulando doenças semelhantes à gripe ou infecção do trato urinário (SOPER, 2012).

Os estudos laboratoriais concentram-se em hemograma completo, com presença de leucocitose, painel metabólico e hemoculturas. A adição de culturas endometriais ou cervicais para ajudar a identificar patógenos é ainda controverso (CUNNINGHAM et al, 2010; MAHARAJ e TEACH, 2007).

O manejo acaba sendo determinado de acordo com a gravidade da doença. Na endometrite leve, geralmente indicada por uma temperatura mais baixa, pode ser tratada com antibiótico oral de amplo espectro. Casos de endometrite moderados a graves requerem hospitalização e tratamento antimicrobiano intravenoso (CUNNINGHAM et al, 2010).

Os antibióticos utilizados focalizam, principalmente, em três grupos bacterianos: estreptococos (Streptococcus agalactiae e Streptococcus pyogenes), enterobacterias (Escherichia coli e Klebsiella, Proteus e Enterobacter) e anaeróbicos obrigatórios, combinação de microrganismos gram-positivos e gram-negativos (CHAIM e BURSTEIN, 2003).

A gentamicina intravenosa e a clindamicina são consideradas o padrão-ouro no tratamento da endometrite moderada a grave, embora outros esquemas possam ser utilizados alternativamente, como cefalosporinas, penicilinas, carbapenêmicos, e combinação de metronidazol e aminoglicosídeo, isolados ou com ampicilina. Uma vez iniciado o tratamento adequado, as mulheres geralmente apresentam melhora significativa em 48 a 72 horas (FRENCH e SMAILL, 2004; SWEET e GIBBS, 2009).

Além do manejo após instalação da doença, a profilaxia antibiótica no momento do parto cesariano tem sido uma prática muito comum. Foi verificado uma redução na taxa de infecção de 15 a 20% (PITT et al, 2001).

Pitt et al. (2001), em um estudo controlado e randomizado, mostram que a administração de 5g de metronidazol em gel intravaginal no momento pré-operatório reduz a incidência de endometrite pós cesariana. Atualmente, o padrão de profilaxia consiste na administração intra-operatória de cefalosporina de primeira geração, após clampeamento de cordão umbilical (DONOWITZ e WENZEL, 1980).

2.4 PIELONEFRITE AGUDA

As infecções de trato urinário (ITU) são muito comuns na gravidez. Em especial, a pielonefrite aguda possui uma incidência aumentada em relação à população em geral, cerca de 0,5% a 2%, em decorrência das alterações fisiológicas do trato urinário durante a gestação (GILSTRAP e RAMIN, 2001; HARRIS e GILSTRAP, 1981; HILL et al, 2005; WING et al, 2014).

Acredita-se que o relaxamento do músculo liso e dilatação uretral facilitam a ascensão de bactérias da bexiga para o rim, resultando em maior propensão para a bacteriúria progredir para pielonefrite durante a gestação (KASS, 1960; SWEET, 1977). Ainda, a pressão exercida pelo útero aumentado na bexiga e ureteres também influenciam nessa progressão bacteriana, além da própria imunossupressão característica do momento (PETERSSON et al, 1994).

A pielonefrite aguda pode ser definida como uma infecção severa do trato urinário superior, especificamente do parênquima e pélvis renal, causada, principalmente, pela Escherichia Coli e secundária à ascensão bacteriana pela uretra (ESCOLI, 2012).

A bacteriúria assintomática, geralmente no início da gravidez, predispõe a infecção secundária renal. Sem o tratamento adequado, 20% a 35% dessas mulheres desenvolverão uma infecção sintomática de trato urinário, incluindo a pielonefrite (MOORE et al, 2018; SMAILL e VAZQUEZ, 2019). Esse risco é reduzido de 70% a 80% se a bacteriúria for erradicada.

Os fatores relacionados com maior índice de bacteriúria primária na gestação incluem histórico de infecção prévia de trato urinário, diabetes mellitus preexistente, paridade aumentada e baixo status socioeconômico (ALVAREZ et al, 2010; GOLAN et al, 1989; SCHNARR e SMAILL, 2008).

Um estudo prospectivo analisou a incidência de pielonefrite aguda a partir da identificação de bacteriúria assintomática na triagem de pré-natal em uma população obstétrica geral (HILL et al, 2005). Foi verificado 440 casos de pielonefrite aguda em 32.282 mulheres (14 por 1.000 partos). Além da bacteriúria prévia não tratada, outras características clínicas associadas à pielonefrite incluem idade menor que 20 anos, nuliparidade, tabagismo, apresentação tardia ao atendimento, traço falciforme e diabetes pré-existente (não gestacional) (HILL et al, 2005; THURMAN et al, 2006; WING et al, 2014).

O diagnóstico é feito através da presença de dor em flanco, náusea e vômitos, febre maior que 38° C e/ou sensibilidade do ângulo costovertebral, com ou sem sintomas típicos de cistite, confirmada pelo achado de bacteriúria. A maioria dos casos de pielonefrite ocorre durante o segundo e terceiro trimestres de gestação.

Na ocorrência dos sintomas mencionados, é indicado a realização de exame e cultura de urina. A piúria está presente na maioria das mulheres, porém a sua ausência não exclui o diagnóstico se os sintomas e cultura de urina forem consistentes com o caso.

Com base no maior risco de complicações da doença em gestantes, a pielonefrite aguda é tratada com hospitalização e antibióticos parenterais até que a paciente melhore de forma sintomática e fique afebril por 24 a 48 horas (AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, 1998).

Os antibióticos preferidos para a terapia empírica inicial são os beta-lactâmicos parenterais de amplo espectro. Fluoroquinolonas e aminoglicosídeos, usados frequentemente em mulheres não grávidas, devem ser evitados durante a gravidez, se possível.

Um estudo randomizado de 179 gestantes com pielonefrite aguda antes da 24ª semana avaliou a eficácia dos beta-lactâmicos: cefazolina intravenosa ou ceftriaxona intramuscular tiveram eficácia equivalente a ampicilina intravenosa com gentamicina (WING et al, 1998). Embora as taxas de resistência às cefalosporinas de primeira geração tenham sido inferiores (KAHLMETER, 2003; KAHLMETER e ECOSENS, 2003; NABER et al, 2008; ZHANEL et al, 2006), os beta-lactâmicos têm demonstrado menor eficácia no tratamento de cistite de mulheres não grávidas (WARREN et al, 1999).

Tendo em vista essas informações e a escassez de dados que avaliem cefalosporinas de espectro estreito no tratamento de pielonefrite, é favorecido a escolha de cefalosporinas de terceira geração em relação às de primeira ou segunda geração, como a cefazolina, no tratamento empírico da pielonefrite aguda (WARREN et al, 1999).

Uma vez afebril por 48 horas e melhora definitiva, o tratamento pode ser substituído por antibioticoterapia oral, com a escolha, principalmente, de beta-lactâmicos ou, se no segundo trimestre, trimetropim-sulfametoxazol (AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, 1998).

A recorrência de pielonefrite na gestação ocorre em 6% a 8% das pacientes (HARRIS e GILSTRAP, 1974; LENKE et al, 1983; WING et al, 1998). Portanto, após um episódio inicial de pielonefrite, seria interessante fornecer uma terapia preventiva antimicrobiana em baixa dose contra um agente ao qual o organismo é suscetível pelo restante da gravidez. As opções incluem nitrofurantoína ou cefalexina (AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, 1998; SANBERG e BRORSON, 1991). Uma vez iniciado a prevenção, é indicado que se faça pelo menos uma cultura posterior, como no início do terceiro trimestre, para garantir que a terapia esteja funcionando.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora as infecções gestacionais tenham diminuído em países desenvolvidos, elas ainda são consideradas um enorme problema no Brasil. Permanecem ocupando o terceiro lugar das maiores causas de morbimortalidade materna, perdendo apenas para doenças hipertensivas e hemorrágicas. Esse cenário reflete as condições socioeconômicas brasileiras, bem como a desvalorização no âmbito da educação em saúde. Desse modo, compreender os fatores de risco e os principais sinais e sintomas referentes a essas doenças auxilia em um diagnóstico mais rápido e eficaz. O manejo para o tratamento deve, também, ser realizado de maneira adequada, a fim de evitar maiores complicações. Melhor ainda, a educação preventiva fornece as ferramentas necessárias para, de fato, reduzir a elevada incidência de morbimortalidade materna, já que medidas simples são capazes de evitar o surgimento dessas doenças.

REFERÊNCIAS

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[1] Discente do curso de graduação em Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), Jundiaí, SP, Brasil.

[2] Discente do curso de graduação em Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), Jundiaí, SP, Brasil.

[3] Discente do curso de graduação em Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), Jundiaí, SP, Brasil.

[4] Discente do curso de graduação em Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), Jundiaí, SP, Brasil.

[5] Discente do curso de graduação em Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), Jundiaí, SP, Brasil.

Enviado: Setembro, 2020.

Aprovado: Março, 2021.

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Emanuella Dutra Gonçalves

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